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A IMPORTÂNCIA DO REINO DE DEUS NA CRISTOLOGIA DA AMÉRICA LATINA

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Adinael Carlos Miguel

A IMPORTÂNCIA DO REINO DE DEUS NA CRISTOLOGIA DA

AMÉRICA LATINA

(2)

PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

SÃO PAULO 2015

A IMPORTÂNCIA DO REINO DE DEUS NA CRISTOLOGIA DA

AMÉRICA LATINA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Teologia Sistemátca, sob a orientação do(a) Prof.(a) Pe. Dr. Antônio Manzatto.

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SÃO PAULO

2015

Banca Examinadora:

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida.

A meus pais, Eurotides Miguel e Maira Aparecida Miguel, pela cumplicidade neste dom.

Aos amigos, que sempre incentivaram meus sonhos e estiveram sempre ao meu lado.

(6)

RESUMO

Nessa pesquisa pretende enfocar a importância do Reino de Deus na Cristologia da América Latina, ou seja, queremos realizar um trabalho que relata o contexto da Cristologia na realidade Latino-americana, e o funcionamento e estrutura do Reino de Deus na época de Jesus, e a proposta apresentada por Ele, comparando com a realidade do nosso continente atual. Entretanto, para desenvolver esta pesquisa iremos relatar uma Cristologia que revela um Jesus histórico, pois a partir da sua história, teremos conhecimento da sua missão, e analisar a situação dos pobres da América Latina. Será retratada a proposta de Reino de Deus apresentada por Jesus, quem eram seus destinatários, e por isso a sua preferência pelos excluídos da sua época. Concluiremos comentando sobre o Reino de Deus na perspectiva da Cristologia da América Latina, relembrando a realidade vivenciada por este continente, e comparando com a situação dos pobres desfavorecidos na época de Jesus.

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ABSTRACT

In this research intends to focus on the importance of the Kingdom of God on Christology in Latin America, that is, we want to do work that discusses the context of Christology in Latin American reality, and the operation and structure of the Kingdom of God in Jesus, and the proposal presented by him, compared to the reality of our continent, however, to develop this research we report a Christology that reveals a historical Jesus, as from its history, we have knowledge of their mission, and analyze the situation of the poor of Latin America. Is portrayed the proposal of the Kingdom of God by Jesus, who were the recipients, so their preference for the excluded of his time. Conclude commenting on the Kingdom of God in view of Christology in Latin America, recalling the reality faced by this continent, and comparing to the situation of disadvantaged poor in Jesus' time.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I - A Cristologia na perspectiva da América Latina ... 12

1 O contexto histórico, social, econômico, político e cultural dos povos ... 12

2 A Cristologia da América Latina posteriormente ao período do Concílio Vaticano II ... 16

2.1 Elementos Fundamentais da Cristologia Latino-americana a partir do Concílio Vaticano II ... 17

2.2 O seguimento e profissão de fé dos marginalizados ... 19

2.3 Medellín, o surgimento de uma esperança para as vítimas sofredoras ... 23

2.4 A missão e a cruz de Cristo e a missão e o sofrimento dos povos ... 25

3 Os conceitos principais e as categorias da missão de Cristo ... 28

3.1 O ponto de partida para a Cristologia: “Jesus histórico” ... 28

3.2 A noção de Reino de Deus ... 30

3.3 Um aspecto importante do “Jesus histórico” é mostrar a sua missão para os povos da América Latina .. 34

4 A Cristologia latinoamericana mostra situações adversas dos pobres e oprimidos da América Latina 38 4.1 Uma Cristologia que revela o pobre ao mundo, e visa através dessa reflexão ajudar o pobre a pensar orientar, capacitar e reagir diante de sua realidade ... 39

4.2 Uma Cristologia que mostra uma profunda reflexão sobre o lugar dos pobres, miseráveis e demais marginalizados da América Latina ... 42

5 Cristologia da América Latina na perspectiva e compreensão do seguimento de Jesus Cristo 44 5.1 A Cristologia da América Latina revela aos pobres uma compreensão no seguimento do Cristo libertador   47 5.2 Cristologia: significado, abrangência e relevância do seguimento de Jesus ... 48

5.3 Cristologia: forma e privilégio de explicitar o seguimento de Jesus ... 51

6 Conclusão ... 52

CAPÍTULO II - O Reino de Deus na perspectiva da Palestina no século I, na Época de Jesus, e a pregação do Reino de Deus anunciado por Jesus ... 53

1 A situação política da Palestina na época de Jesus, sob dominação romana ... 53

1.1 A situação social e econômica da sociedade na Palestina no século I, e como funciona a pesca, agricultura e o comércio, e o modo de produção, e seus beneficiários ... 53

1.2 O funcionamento da Religião e do Templo, e o papel dos sacerdotes, o grande Sinédrio na Palestina no século I 57 1.3 O funcionamento da pequena burguesia, da polícia na Palestina na época de Jesus, e a situação dos pobres e marginalizados dessa época ... 61

2 O funcionamento e a estrutura do Reino de Deus na Palestina no século I, e os movimentos políticos da sua época ... 62

2.1 A expectativa do Reino de Deus na palestina na época de Jesus... 64

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2.3 Os grupos da insurreição e as suas teorias: Os Zelotes, os Sicários, os Estrangeiros e os Samaritanos, o

movimento Batista e Escravo ... 73

3 A expressão Reino de Deus no tempo de Jesus, e as suas correntes apocalíptica ... 78

3.1 O Genêro Literário e a Literatura apocalíptica e as suas estruturas de Jesus ... 79

3.2 A situação do messianismo e o apocalípticismo... 80

3.3 As condições sócio-econômicas do banditismo social judeu na Palestina ... 81

4 Realidade última e a noção de Jesus sobre o Reino de Deus ... 81

4.1 A corrente de Deus na vertente apocalíptica ... 84

4.2 O pensamento do Reino de Deus na vertente proféticas. ... 86

4.3 O Reino de Deus na perspectiva do Messianismo ... 89

5 Conclusão ... 90

CAPÍTULO III - O Reino de Deus é a referência e a centralidade para os Teólogos da América latina ... 92

1 O Reino de Deus na cristologia da América latina ... 92

1.1 A Hermenêutica da opção pelos pobres ... 95

1.2 O Redescobrimento do Reino de Deus como realidade última Escatológica apresentadas pelos principais Teólogos ... 100

1.3 A caracterização da sistemática do Reino de Deus na abordagem da América latina. ... 101

2 A História e Teologia do Reino de Deus na América latina ... 103

2.1 O conceito popular do Reino de Deus ... 104

2.2 A ideia de Reino na América latina apresentada como uma nova sociedade. ... 106

2.3 A plenitude de Reino de Deus, escatologia na luta contra a idolatria da América Latina ... 107

3 Seguir Jesus Cristo a partir da situação dos povos excluídos da América latina ... 109

3.1 A proposta e o testemunho da igreja a partir da América Latina... 111

3.2 Os desafios dos cristãos atuais na América latina ... 113

3.3 A resposta da Igreja latina americana na perspectiva Profética e Política ... 115

4 Na América latina, o seguimento de Jesus a partir da sua proposta de Reino de Deus ... 118

4.1 A prática de Jesus diante de uma realidade conflitiva em sua conjuntura social ... 120

4.2 O mundo conflitivo diante das questões da globalização, e o neoliberalismo que atinge a América latina   121 4.3 Seguir Jesus a partir do contexto conflitivo da globalização, capitalismo e neoliberalismo ... 122

5 Jesus para os cristãos na América latina a partir do contexto dos pobres, marginalizados e excluídos. ... 124

5.1 Jesus apresenta o Reino, a partir dos necessitados e marginalizados da sociedade ... 124

5.2 Quem são os pobres excluídos da América latina? ... 125

5.3 Uma Igreja dos excluídos a partir de uma reflexão da Teologia da Libertação ... 127

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INTRODUÇÃO

Este trabalho cristológico prentende percorrer os conteúdos referentes a importância do Reino de Deus na América Latina. Queremos aprofundar o contexto do Jesus histórico, ou seja, mostrar a sua missão histórica como ponto de partida para uma cristologia da libertação. Abordaremos o significado político e teológico da morte de Jesus, comparando com aqueles que foram mortos de forma cruéis, e através do martírio dos que doaram suas próprias vidas pela causa do Reino de Deus no continente Latino-americano.

A opção pela análise dessa narrativa se deu devido ao termo Reino de Deus. Mas ainda, quando este é comparado com a justiça social, a inclusão destas pessoas que viviam e ainda vivem a desigualdade social. Por isso a preocupação de relatar neste trabalho, a situação da Palestina no século I, que revela que o império Romano dominava todo Israel e através do Rei César. Entretanto, os movimetnos existentes nesta época aguardavam a vinda do novo Messias que iria libertá-los desse poder. Atualmente o nosso continente ainda ocorre no meio dos poderosos a mesma estrutura de poder que acontecia na época de Jesus. Portanto a nossa preocupação é trazer alguns conteúdos para nos ajudar a refletir essa situação.

Este trabalho tem a finalidade de revelar a situação da sociedade no tempo de Jesus, definí-la e situá-la a partir de um contexto histórico e limitado no tempo e espaço, percebendo seu funcionamento, seus líderes, seus interesses e as diversas formas de controle político-religioso existente na época de Jesus, além da mentalidade popular e religiosa, com o qual o povo aguardava a grande manisfestação de Deus que estava por vir (Mensagem Apocalíptica). Iremos elaborar esses termos que retrata a situação do povo desfavorecidos na época de Jesus e os do continente americano. Porém, um dos pontos que justificam a opção desta pesquisa, é mostrar que infelizmente neste nosso período a preocupação com esse povo esta cada vez mais sendo deixada de lado. Parece que a nossa opção pelos pobres precisa ser refletido e avaliado enquanto Igreja. Até que ponto nos tornamos próximos dos necessitados nos dias atuais? Nos últimos tempos, enquanto Igreja - Instituição Hieráquica – parece que a Igreja saiu do caminho que realizava próximo dos pobres. Aquela Igreja, voz dos sem vozes no período da ditadura militar, cedeu lugar a uma Igreja precocupada com o Carreirismo Eclesiático, das missas-show, dos Bispos e Padres que tornaram animores de auditório, e consequentemente fizeram da Teologia da Libertação uma teologia descomprometida. Portanto, isto nos faz pensar o porque desta pesquisa sobre o Reino de Deus.

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CAPÍTULO I - A Cristologia na perspectiva da América Latina

1 O contexto histórico, social, econômico, político e cultural dos povos

A cristologia é um elemento importante na reflexão teológica a partir da visão do contexto social, econômico, político e cultural dos povos da América Latina. A cristologia estuda a vida, e a história de Cristo, e através desse estudo procura- conhecer a realidade do povo sofrido. Essa disciplina ajuda a compreender as reflexões da vida de Jesus, ou seja, conhecê-Lo desde o seu nascimento, sua missão até sua morte e ressurreição. A cristologia tem um campo de reflexão amplo e abrangente1, mas para esse estudo, queremos elaborar uma pesquisa, que mostra uma cristologia voltada para um contexto de libertação do povo latino-americano. O que é interessante é o estudo da análise da situação de um povo sofredor dentro de um contexto de miséria, e não uma que relata a salvação eterna das pessoas para o Céu. “Não me interessa uma cristologia eterna para o Céu, mas uma cristologia onde as pessoas que se encontram em conflitos, tenha esperança,e procuram orientação”2.

A cristologia nos últimos anos tornou-se uma especialidade de estudo de alguns teólogos, como Leonardo Boff, Jon Sobrino, Jon Segundo e outros, que ajudam a refletir e discutir os contextos históricos de Jesus Cristo e analisar as situações adversas e conflitivas. Partindo-se dessa reflexão, queremos elaborar um questionamento sobre uma Cristologia latino-americana, ou seja, retratar a missão de Cristo realizada em Jerusalém no século I, comparando com a situação atual do povo desse continente. É necessário que a cristologia latino-americana nos oriente a ter um conhecimento da situação de um povo que não perde sua esperança de libertação.

A cristologia latino-americana se destacou posteriormente ao Concílio Vaticano II, por ter suas raízes na Teologia da Libertação. Desse ponto de vista, é que a cristologia trouxe grandes colaborações à teologia da América Latina, principalmente nos aspectos relacionado as questões sociais abordadas pela Igreja. A cristologia latino-americana quer refletir junto com a Igreja as situações adversas que o povo latino-americano convive, no que se referem às questões, políticas, culturais e econômicas. É importante questionar o compromisso de um estudo cristológico, que diante dessa situação acaba se interessando por um povo que precisa de orientação..

1 MANZATTO in SOUZA (2007, p. 25)

2 MOLTMANN, Jürgen. O caminho de Jesus Cristo: Cristologia em dimensões messiânicas. Editora

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A cristologia quer abranger de modo especial um Cristo libertador, isto é, quer mostrar para a sociedade o rosto daqueles que sofrem na expectativa de obter uma vida nova no que se refere a uma melhoria de sua qualidade. Quando relatamos as palavras “povo sofredor”, fazemos referências às classes desfavorecidas, conhecidas através de sua pobreza extrema e marginalização. São todos os necessitados da América Latina, que em sua maioria professam sua fé em Jesus Cristo no intuito de buscar melhores condições de sobrevivência. Promover uma sistematização entendida como cristologia da libertação3.

A cristologia da libertação revela a figura central de Jesus Cristo diante da realidade, que situa o povo que vive o contexto da América Latina. Sabe-se que há uma realidade repleta de sofrimentos, causado por injustiças, fome, miséria, violência, analfabetismo e morte prematura de crianças. Diante disso, a cristologia, através do estudo de vários teólogos cristãos, procura analisar as situações desses povos, e assim ajudá-los a criar uma esperança no Deus da vida, fortalecendo-os diante dessa situação. Mostra que esse povo, isto é, essas pessoas não podem se calar, e perder a confiança em ter uma vida melhor.

A cristologia latino-americana trouxe muitas reflexões para as Igrejas desse continente, de modo especial para as Comunidades de Base, que em sua maioria realizam um trabalho voltado as pessoas carentes. Considerando a história de Jesus, iniciou-se uma reflexão teológica, e cristológica, pois através dessa teoria busca-se uma prática comprometedora com a realidade dos sofredores. Leva-se em conta que, a história de Jesus ocorre no objetivo de criar uma consciência de que sua missão foi para incluir uma classe injustiçada pelos poderosos de sua época, e fazer com que possamos criar esta mesma consciência de ação para a realidade da América Latina. Percebe-se então uma cristologia latino-americana que se compromete a partir da história e missão de Jesus com a ação social e político desse povo.

A função da cristologia latino-americana é que a partir de um estudo mais profundo da pessoa de Jesus desenvolver um pensamento radical diante da situação difícil que os explorados vivem, e ter um olhar mais prático. Este estudo deve ajudar as lideranças de nossa Igreja a se comprometer com às questões sociais, e com as questões que são relevantes a Igreja em seu todo. Esses elementos deixam sua marca no pensamento teológico latino-americano e o ajudam a desenvolver. Insere-se na tradição teológica e eclesial, prolongando-a e até contextualizando-a em sua situação concreta.

3 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação.

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A cristologia no contexto social e econômico da América Latina tem sua identidade com a missão de Jesus, o Filho de Deus que assumiu a ação de libertar os necessitados da sua época, e por isso é referência para os excluídos da nossa realidade. Cristo, na verdade, é Deus em nossa miséria, o Filho Eterno que assumiu a identidade de um judeu, dentro da história socialmente situada. A encarnação do verbo implica a assunção da vida humana, assim como vem marcada pelas contradições deixadas pelo pecado, não para consagrá-las, mas para redimi-las4. Jesus tornou-se “servo obediente até a morte de Cruz” (cf. Fl 2,6-11; Mc 10,45).

A obediência de Jesus estava no projeto do Pai, no que se refere a sua vida entregue em uma causa. O Cristo abraçou a situação de um povo que de uma forma estava sem confiança, mas aguardando a vinda do Messias. A cristologia latino-americana, apresentada pelos principais teólogos dessa área, mostra o Cristo como servo sofredor (cf. Is 53), ou seja, o servo libertador que obedece ao Pai.

Para Sobrino5, Cristo é uma verdade central da fé, e por isso Cristo é o Senhor da história, e mais especificamente se torna presente nela através de um corpo. Para o autor, o que é verdade fundamental para a fé deveria sê-lo também, em princípio, para a cristologia. Dentro da Cristologia da Libertação que revela o Cristo libertador percebe-se que Ele ajuda a descobrir os “sinais dos tempos” que determinam a sua acepção histórico-teologal.

No contexto social e teologal, a cristologia dá uma ênfase especial, dentro desse continente a todos aqueles que tem uma situação difícil ,ou seja,vivem uma vida de miséria e exploração, comparando-os com o histórico de Jesus, que também vivenciou a situação de miséria. O seu lugar social, teologal e eclesial, de modo especial é o mundo igual ao deles. Dizemos então, que o lugar enquanto eclesial é, sobretudo, cristológico (quem é Jesus Cristo), e o lugar enquanto social influi no próprio modo de pensar cristológico, isto é, abordar Jesus Cristo.

A questão histórica dos povos latino-americanos se dá na imagem do Cristo libertador, ou seja, nos Evangelhos a figura da imagem do Cristo libertador está ligada à mensagem de libertação. O Evangelho é por sua própria natureza, mensagem de libertação. Na América Latina, um continente cristão em massa, viveu uma clamorosa opressão, e mesmo diante de tantas adversidades de todo o tipo, a fé nesse Cristo libertador não foi causa de desânimo, ao contrário, a imagem de Cristo foi aderida e vivenciada com muita fé, e não colocada em dúvida pelos povos desse continente.

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Sobrino6 comenta que:

As cristologias costumavam oferecer uma imagem de Cristo como uma sublime abstração, e diz que essa sublimidade é essencial, porém perigosa. Essa abstração é possível porque o título sublime de Cristo é um adjetivo que só adquire sua concreção adequada do concreto do substantivo: Jesus de Nazaré. Se Jesus for esquecido então está dada a possibilidade de encher o adjetivo com o que num dado momento interessa, sem verificar se Jesus foi assim ou não, se desta forma se deixa a realidade abordada à sua miséria ou não; pior ainda, sem se perguntar se com essa imagem se justifica ou se liberta a tragédia da realidade.

A situação dos povos da América Latina, não significa que esse continente tenha os melhores recursos técnicos para avaliar as fontes da revelação, mas essas fontes estão na própria realidade de sofrimento desses povos. Estes a quem chamamos de pobres merecem uma atenção preferencial, seja qual for a situação moral ou pessoal em que se encontrem. Criados à imagem e semelhança de Deus, para serem seus filhos, tem jaz obscurecida e escarnecida esta imagem. Deus toma sua defesa e os ama. Por isso, é que eles são os primeiros destinatários da missão e sua evangelização é o sinal e a prova por excelência da missão de Jesus. Desta maneira, devido à inferioridade desses povos, constata-se que a Cristologia se dá de forma especial onde se necessita da imagem do Cristo libertador, ou seja, na realidade sofredora desse continente7.

Muitas vezes questionamos: por que uma leitura dentro da Cristologia na América Latina? Segundo Vedoato8 a resposta encontra-se no fato de que na América Latina, a revelação de Deus deve se confrontar com a própria realidade desse continente, o autor comenta que a realidade da libertação que apresenta a revelação de Deus na história é vista no meio daqueles que são oprimidos e entre eles, os povos do continente latino-americano. Surge nesse aspecto a necessidade de realizar uma cristologia da libertação com o olhar do Cristo libertador dos povos humildes.

6 SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p.31.

7 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação.

Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 25.

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2 A Cristologia da América Latina posteriormente ao período do Concílio Vaticano II

A Cristologia latino-americana tem influência na teologia da Libertação, ou seja, a partir do Concílio Vaticano II, dá-se uma ênfase maior, a este continente, em relação a uma teologia que procura destacar a situação dos oprimidos. Na América Latina, sabe-se que sempre houve uma fé, em Cristo, que aborda uma reflexão aos crucificados e sofredores dessa realidade. Mas com a motivação de alguns bispos e outros padres houve então um crescimento desta reflexão a fim de comparar o Cristo sofredor com os sofrimentos dos povos dessa região.

A imagem de Cristo durante muito tempo esteve presente no continente, e continua até os dias atuais. Contudo, a história tradicional do Cristo sofredor foi vista não mais somente como símbolo de sofrimento, com o qual o povo podia identificar-se, mas, especificamente, como símbolo de protesto contra seu sofrimento, e, sobretudo, como um símbolo de libertação9. É que o símbolo de libertação identifica-se com a linguagem da teologia apresentada pelos teólogos da região, conhecida como teologia da Libertação. Devido a essa questão atualmente a experiência de fé de muitos cristãos está relacionada a esta experiência.

Segundo Sobrino10, o fato de existir essa nova imagem de Cristo libertador, é que se considera a questão que abrange a Cristologia da América Latina. Para ele, esta imagem significa “sinais dos tempos”. Dizer que é importante fundamentar a verdade, desta imagem de Cristo, de uma forma descritiva e mostra-la como algo real. É importante destacar que essa nova imagem de Cristo corresponde a maneira de vivermos a fé, ou seja, fazer com que os cristãos acreditem Nele fielmente.

A cristologia através de seus questionamentos, procura abordar os atuais acontecimentos sociais, como exemplo o elevado grau de violência e miséria. Esta Cristologia ajuda a pensar a fé, de forma que podemos refletir essa situação, e através dessa análise teológica, os cristãos se voltem para a prática da Igreja, e assim indicar caminhos alternativos, até mesmo voltados às questões políticas, para que ocorram transformações e possíveis mudanças na vida da sociedade.

Da realidade da América Latina mostra-se que é da fé em Jesus Cristo que se tem a imagem dos povos desse continente. Dizer obviamente que a Cristologia da libertação resgata algo essencial e fundamental na figura do Filho encarnado, isto é, procurar mostrar a presença do Messias do Novo Testamento e a sua causa em favor de um povo que sofre. Esse ponto faz com que possamos nos centrar e olhar criticamente as fontes da revelação de Deus,

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especialmente o Novo Testamento, a partir de algumas interpretações que não foram explicitadas na história. Na verdade, a Cristologia tem a sua fonte na Escritura, e que é interpretada normativamente pelo magistério, e por isso constatar que nesta região ela ganha força após o Concílio Vaticano II.

Mesmo que o magistério seja um critério imperativo para qualquer sistematização cristológica-católica, atualmente é necessário lembrar que nem sempre o tema da libertação esteve em evidência nos seus ensinamentos. A urgência de uma teologia e principalmente de uma Cristologia da libertação é fundamental para recuperar, ainda hoje, algo vital da revelação, que perpassa pelos textos escriturísticos. Jesus não está desvinculado das realidades históricas e dos processos libertários que se dão a partir dos oprimidos11.

A Cristologia da libertação determina o lugar cristológico e ajuda, posteriormente a leitura da Revelação, a verificar a presença de Cristo diante do nosso contexto. Ela ajuda a fazer com que percebamos que Cristo está inserido na história passado-presente, mostrando que o Jesus de Nazaré do passado é conhecido hoje através de sinais. O papel da cristologia latino-americana diante de tamanha constatação não pode ser de uma mera reinterpretação do passado, contido no Novo Testamento. A cristologia da libertação precisa apresentar os sinais da presença de Cristo no agora, sem mostrar que houve desinteresse pela história, ou seja, que Cristo continua vivo no passar das épocas. Ela tem o objetivo de fazer com que Cristo continue sendo a revelação presente na história, e isso faz com que os teólogos saibam interpretar os novos “sinais dos tempos”, como diz o Vaticano II.

2.1 Elementos Fundamentais da Cristologia Latino-americana a partir do Concílio Vaticano II

A Cristologia após o período do Vaticano II, trouxe uma renovação nas Igrejas latino-americanas, renovação essa, na maneira de pensar a missão e a ação de Cristo dentro da realidade dos povos. Sabemos que após esse concílio ocorreram as conferências do CELAM em Medellín (1968) e Puebla (1989), que colaboraram para que ocorresse uma melhor compreensão dessas Igrejas.

Compreendendo a humanidade de Jesus diante das situações opressoras, parte-se para a busca também do entendimento do que significa a ação prática de Jesus e de sua predileção pelos pobres, contidas nas suas pregações do anúncio do Reino de Deus. Mas de modo

11 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da

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especial, conseguimos entender melhor quando existe uma ligação entre a sua prática e morte, que é vista como uma imposição devido a sua maneira de anunciar o Reino. Faz-se assim uma articulação entre as libertações históricas experimentadas na sociedade e a salvação escatológica realizada por Jesus12.

Um ponto importante que dentro do contexto da Cristologia da libertação é o que se refere as suas ideologias entre a fé e a história, principalmente quando se fala do desenvolvimento da salvação. Não será mais vista como negação da história, mas como sua plenificação total, fazendo com que se espere e se busque, e não seja uma contradição com o que se vive nesse mundo, mas pode ser uma completude, uma vez que quando se fala do Reino de Deus, ele já está entre nós.

A partir do Concílio Vaticano II que é referência na América Latina, a cristologia da libertação começa a ter uma fundamentação e, necessita da fé da Igreja, quando ela atualiza o significado de Jesus Cristo para os cristãos do século atual. Ela faz com que os elementos essenciais de Jesus Cristo sejam desenvolvidos pela Cristologia, e que a sua mensagem assumida pela Igreja seja compreendida e aceita a sua fé pelos povos deste continente.

É importante destacar que Jesus Cristo, apesar de ser referência como libertador para os povos desta região, Ele não é simplesmente um revolucionário, e sim um anunciador do Reino de Deus, que deve ser compreendido não só na questão espiritual, mas social e cultural. Nessa reflexão, o papel da Cristologia é trazer esperança para os injustiçados, mostrando assim, como na época de Jesus, as vítimas do mundo atual revivem uma nova era escatológica, ou seja, são possuidoras de uma esperança boa, pois o papel que Cristo realizou foi trazer justiça para aqueles povos do seu tempo. A esperança não é uma esperança qualquer, mas sim aquela no poder de Deus contra todas as injustiças que produzem vítimas13.

O lugar dessa esperança é o mais comum entre todos os lugares, isto é, o mundo dos injustiçados e crucificados, pois, nele muitos são colocados à morte ou vítima da injustiça que na maioria das vezes atinge os mais fracos e indefesos, frente a um sistema promovido pelo lucro e a ambição. Para que ocorra verdadeiramente a esperança, ela deve ser uma boa notícia para todos, principalmente para aqueles que participam da cruz de Jesus Cristo, e são levados à morte.

“Ter uma esperança para as vítimas é a primeira exigência da ressureição de Jesus a nós, mas também o é participar dela. Ser

12 MANZATTO in SOUZA, p. 29.

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capazes de fazer nossas a sua esperança, estar dispostos a trabalhar por ela, embora isso nos faça de nós mesmos vítimas, é princípio hermenêutico insubstituível. Fora desse lugar e dessa disposição, o anúncio da ressureição de Jesus pode ser permutável com outros símbolos de esperança e de vida além da morte que proliferaram e proliferam em religiões e filosofias: libertação do cárcere do corpo, integração no absoluto, transmigração das almas...”14

É necessário que expressemos a nossa fé, e o convite é refletir o contexto, que após o concílio Vaticano II, a Cristologia da América Latina tem abordado sobre a práxis do Cristo, isto é, mostrar a importância da ressurreição. Ao sermos ressuscitados a partir da práxis completa que estamos dispostos a realizar, ocorre um bem que expressa aquilo que historicamente, muitas vezes parece ser impossível de se realizar. Materialmente a missão expressa pelo conteúdo da esperança é que se faça justiça às vítimas desse mundo, como se fez justiça ao crucificado Jesus e a partir Dele que todos os povos sofredores desçam da cruz, mostrando uma nova esperança de ressurreição.

2.2 O seguimento e profissão de fé dos marginalizados

A Cristologia latino-americana surge dentro de um contexto em que os marginalizados são aqueles seguidores do Cristo crucificado e libertador que na verdade é a imagem da nova fé dos oprimidos. Cristo reflete as dores vivenciadas pelo povo marginalizado que não tem voz diante dos poderosos que massacram, e são responsáveis pelos gritos de opressão desses povos.

A imagem de Cristo e o sofrimento do povo estiveram sempre relacionados desde a colonização até os dias atuais. Contudo, algo novo e surpreendente ocorreu em algum momento do passado. A nova amplitude da visão de Cristo, de símbolo de sofrimento até símbolo de protesto contra seus sofrimentos, significa uma questão muito importante no qual podemos chamar de maior fato cristológico na América Latina (sinais dos tempos). Inversamente começamos esta descritiva e propedeuticamente, pois, é uma coisa real é o que inspirará a apresentação de Cristo.

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Jesus Cristo é uma totalidade que, agora de forma simplificada, consta de um elemento histórico e de um elemento transcendente. Afirma-se que o mais específico, ou seja, o histórico significa que a fé que, é a aceitação do elemento transcendente que chamamos de Cristo. Mas Jesus é muito mais do que é Cristo, porque na realidade significa um elemento histórico. Devido a isso analisamos que a aceitação desse fato é o que pressupõe que o Cristo e seu reconhecimento é dom de Deus, e nesse sentido nada nos obriga a entender que Deus seja assim e nem reconhecê-lo mecanicamente desta forma15.

A fé em Jesus Cristo está relacionada acerca da sua verdade, e principalmente naquilo que a nossa Igreja especificamente constata sobre a missão e a história Dele. É necessário fazer isto com honestidade a partir dos ensinamentos da Igreja, e principalmente daquilo que o Espírito manifesta nas Igrejas da América Latina. Esse esclarecimento talvez tenha sido útil para mostrar que, ao menos no substancial não há intenção, nem a realidade de reduzir a total verdade de Jesus Cristo na cristologia da libertação, mesmo que haja algumas dúvidas e suspeitas. A própria limitação humana para falar adequadamente sobre Jesus Cristo, impõe sobriedade a qualquer reflexão cristológica, assim como, a própria realidade de Jesus Cristo, maior do que qualquer uma das formulações sobre Ele, sempre exige profundas reflexões.

Ainda que de maneira sucinta, como algo ao serviço do qual deve estar toda a Cristologia, sejam quais forem seus méritos ou limitações, toda pastoral, toda evangelização e mesmo as afirmações dogmáticas, devem abranger a fé em Jesus Cristo, e de modo especial quando se trata da Cristologia da libertação.

O mais importante é constatar que se a fé real em Jesus na América Latina, como saber em que medida ela existe? Existem pessoas fiéis e principalmente comunidades que seguem a metodologia anunciada por Jesus? Eles anunciam o Reino de Deus aos pobres, e de fato ocorre uma busca da libertação destes de toda a escravidão? Procuram fazer com que todos os homens, sobretudo a imensa maioria dos homens e mulheres crucificados vivam com a dignidade de filhos de Deus? É necessário que tenhamos coragem de dizer a verdade para que ela produza algo de denúncia e desmascaramento do pecado, fazendo nos manter com firmeza nos conflitos e na perseguição que isso pode trazer conosco. Se no seguimento de Jesus se realiza sua própria conversão de homem opressor a homem serviçal, significa que o Espírito de Jesus, com sua misericórdia, com o coração limpo, vos fez ver a verdade das coisas e não obscurecer o vosso coração aprisionando a verdade das coisas com injustiça. É necessário buscar a justiça, e teremos a paz, e se conseguirmos realizar tudo isso,

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principalmente, no que refere-se à realidade deste continente, significa que estamos seguindo Jesus, porque Ele assim o fez, e essa é uma das maneiras pelas quais os povos da América Latina possam acreditar na verdade de Jesus Cristo16.

O seguimento de Jesus Cristo através da fé, não lhes basta confessá-lo somente em palavras nos credos da Eucaristia, nas fórmulas da religiosidade popular ou até mesmo nas reflexões das Comunidades de Base. É necessário que haja uma colaboração da cristologia da libertação para ajudá-los a formularem a si mesmos a sua fé vivida em Cristo. Mais do que qualquer dessas formulações que foram citadas, viver a fé no Cristo, com a colaboração da cristologia da América Latina, de fato é ter a sua entrega no verdadeiro amor que Cristo tem por seus irmãos considerados pequenos e necessitados.

A linguagem da fé é o amor. Por isso, verificar-se sua própria verdade acerca de Jesus deverá em última instância perguntar-se por que amar a Cristo? Ao percebermos as pessoas que sofrem pela miséria, sem comida, sem educação, entre outros que sofrem por tantas outras adversidades, nos perguntamos se existe amor a Cristo na América Latina? Deus conhece a medida desse amor. O amor de Deus se manifesta a partir do momento que ao abordar Cristo nos pobres, como seguidores de Cristo e verdadeiros anunciadores da sua palavra, nós acreditamos que precisamos amar esses pequenos.

Em relação à Cristologia latino-americana, afirmar-se que nos últimos anos ela esteve relacionada a uma teologia sistemática com tendência a historiar a pessoa de Jesus Cristo, tanto no que se refere à questão católica ou mesmo protestante. Este fato valoriza o seu significado revelador no que tange a sua existência terrena fazendo assim com que ocorra uma revalorização para a compreensão total da figura de Jesus Cristo.

O processo de historização de Cristo está a serviço da solução de um duplo questionamento: a crítica histórica apresentada sobre quem realmente foi Cristo (identidade da Cristologia) e a dúvida do mundo desenvolvido em crise que pergunta do seu significado (relevância da Cristologia). A teologia latino-americana conhece e compreende que algumas cristologias, orientadas para o Jesus histórico, tenham esse entrave de fundo, e por isso tentam obter uma resposta a cada fator que surge. Contudo, não aceita que eles sejam proposições radicais, nem o mais urgente, nem sequer que possam ser resolvidos se forem abordados. Devido a esses pressupostos, não se supera certo liberalismo e idealismo.

16 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo,

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Pela mesma razão, segundo o autor Sobrino17, a desmitificação de Cristo é importante, mas na região é mais urgente evitar a manipulação de Cristo e resgatá-lo da convivência com os ídolos. O autor comenta que esta ação é importante, devido ao fato de que sem ela Cristo permanece perigosamente abstrato e idealista; mas é insuficiente se não eliminar a sua manipulação. Para ele, desmitificar Cristo não significa primeiramente pôr em evidência a sua verdade histórica diante da crítica racional, mas evitar que por sua abstração histórica a realidade possa abandonar a sua miséria. Para que isso ocorra é mais urgente do que a desmitificação é a destreza, estar em ação, pois nos permite o neologismo de Cristo, ou seja, que Cristo não deixa a realidade em paz.

Embora seja excessivamente dura a linguagem, o que se pretende na América Latina é que ao nos voltar a Jesus não apresentemos Cristo em convivência com os ídolos, mas sim Cristo unido ao povo sofredor. A crise mais profunda a qual deve responder a Cristologia latino-americana não está na linha da pura desmitificação, mas sim na linha de que Cristo não seja o álibi para a indiferença diante da miséria ou da desigualdade, muito menos sua justificação religiosa. Deste ponto, é que se deve iniciar a historização de Cristo e através da leitura do evangelho resgatar sua pessoa. Após o Concílio Vaticano II, a Igreja procura revelar uma Cristologia que mostra, apesar de ter várias linhas, estar voltada para o Jesus histórico, mas também sublinha que não é qualquer volta a Jesus, nem com qualquer finalidade que se realiza o desenvolvimento de uma Cristologia que retrata a Cristo e seja verdadeiramente relevante. A fé em Cristo se realiza mais como uma invocação a Ele do que como pura confissão Dele, pois esse elemento de fé pode ser eclesial, onde a Igreja é o lugar da presença de Jesus. E na América Latina, a fé professada em Cristo privilegia o momento de sua atual presença nos pobres18.

É importante destacar em relação à cristologia da libertação, na perspectiva de profissão de fé dos marginalizados, que durante as últimas décadas, constatou-se que novas cristologias surgiram no cenário teológico internacional, que se evidenciaram, diante da pergunta de Jesus de Nazaré aos seus discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (cf. Mc 8, 29). Essa provocação pela qual o filho do carpinteiro interrogou permanece vital e pertinente até os tempos modernos. Diante de uma pergunta histórica, cabe a cada cristão em seu tempo, conhecendo o passado, o presente e o futuro, dar uma resposta sempre histórica. Tendo a

17 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo,

Loyola-Vozes, 1985, p. 92.

18 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo,

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história como palco onde se desenvolve o saber teológico, é importante compreender que a pergunta acerca de quem é Jesus Cristo varia em sua resposta de acordo com o contexto no qual ela foi formulada. O que não se pode mudar e o que não deve mudar na história é a certeza que esse questionamento já alcançou: Jesus é o Cristo.

Tomando a história como palco dialético onde se dá a sistematização teológica e a produção cristológica, que vários cristólogos apresentaram a Cristologia da libertação. Essa Cristologia salienta que não se perde o horizonte da elaboração sistemática cristológica de um escrito-teológico hierarquizado, porém a pergunta “quem é Jesus Cristo” e outras perguntas vitais devem e necessitam ser elucidadas para que esta contribua para o enriquecimento da ciência teológica. As pistas para esta resposta vêm do cotidiano da profissão de fé de muitos excluídos do continente, que professa e segue Cristo como libertador19.

2.3 Medellín, o surgimento de uma esperança para as vítimas sofredoras

A partir do Concílio Vaticano II a Igreja Católica na América Latina abriu um novo horizonte em relação à necessidade dos empobrecidos. Se o Vaticano II foi um novo Pentecostes para a Igreja na América Latina, é necessário ressaltar que a Conferência de Medellín foi o nascimento de uma Igreja propriamente latino-americana, pois, a partir desse acontecimento os bispos propuseram que a Igreja se convertesse: “um rosto de uma Igreja despojada dos meios de poder”. É importante acrescentar que Medellín revela uma Igreja mais servidora.

Medellín aborda a figura de Cristo do ponto de vista do interesse da Salvação, mas esse fato não é nenhuma novidade para a teologia, mas em momentos cruciais o expressa em termos de libertação, significa que vai além dos termos tradicionais de salvação ou redenção. É o mesmo Deus que na plenitude dos tempos, envia seu Filho para se tornar carne e, libertar todos os Homens da escravidão, a que o pecado o sujeita, como a fome, a miséria, a opressão e a injustiça, que têm sua origem no egoísmo humano. Mas o que se afirma é que Cristo veio para libertar de uma pluralidade de males de ordem moral, física e social, com o que faz retroceder o conceito de salvação mais para a atuação de Jesus de Nazaré (acolhida aos pecadores, milagres, denúncias) do que para a universalização posterior (redutora) de salvação como redenção dos pecados.

19 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação

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Os males citados, todos eles são escravidão, isto é, expressam situações pessoais e sociais de opressão, e que, a obra de Cristo não pode ser compreendida só como benéfica, mas tem de ser compreendida formalmente como libertação, mostrando que certamente se recupera o significado etimológico-histórico do termo redenção: redemptio, que significa resgate mediante pagamento da liberdade do escravo, em hebraico ga’al, que significa recuperação que Deus faz do seu que foi usurpado20.

Em Medellín, Jesus é professado como divino e humano e é introduzido Nele o princípio de sua parcialidade: os pobres e a miséria. Significa que Cristo, como Salvador, não só amou os pobres, mas sendo rico tornou-se um deles, viveu e concentrou toda sua missão no anúncio da libertação a eles, e mais do que isso fundou uma Igreja como sinal dessa pobreza entre a humanidade.

Medellín constata a presença de Cristo na história dos povos e o revela presente na nossa. Antecipa Seu gesto escatológico, não somente no desejo impaciente do homem para alcançar sua total redenção, mas também naquelas conquistas que, como sinais indicadores do futuro, o homem vai fazendo através de uma atividade realizada no amor. Medellín mostra Cristo presente nas comunidades de fé que dão verdadeiros testemunhos. A novidade, embora indiretamente, da sua presença acontece no meio dos oprimidos. Onde se encontram injustiças, desigualdades sociais, politicas, econômicas e culturais, ocorrem uma rejeição do dom da paz do Senhor, significando a rejeição do próprio Cristo21.

Medellín significou uma grande esperança para o contexto da Igreja latino-americana, pois, a partir desse acontecimento a Igreja seguiu uma reflexão crítica e profética denunciando as ideologias do capitalismo selvagem, da corrupção, dos regimes militares e revelou o martírio de tantos que lutaram pela justiça e igualdade social. Especificamente no nosso país, nessas últimas décadas ocorreram várias contribuições que vieram a partir de Medellín, entre elas, ressalta-se o rico itinerário pastoral da CNBB, que diante do regime militar assumiu a defesa dos direitos humanos contra a perseguição política, a violência e a tortura, e motivou os bispos para estarem ao serviço dos indefesos e das vítimas dessas situações. Os bispos da Igreja Católica focaram temas em defesa dos direitos humanos e especificamente da população desfavorecida, como os indígenas, os operários, os trabalhadores rurais, os menores abandonados, os marginalizados, tudo isso através das questões levantadas nas Campanhas da Fraternidade.

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2.4 A missão e a cruz de Cristo e a missão e o sofrimento dos povos

Após o Vaticano II, a cristologia da libertação retrata a missão e a cruz de Cristo,e relacionado ao sofrimento dos marginalizados da América Latina. Para a cristologia da libertação, viver a prática de Jesus significa compreender a sua encarnação, e encarnar sua vida no mundo dos perseguidos (cf. Mt 6, 24), e comparando a perseguição deles com a perseguição que Jesus assumiu em sua missão do anúncio do Reino. Reino que relativizou a preferência pelos pobres (cf. Lc 14, 16-20). A cruz vivida por Jesus não deve desencantar, desorientar os cristãos diante do seguimento do mesmo. Ao contrário, devemos afirmar que os conflitos e as cruzes assumidos por Jesus, e que a maioria dos cristãos encontram na sua história não deve levá-los a perder a resistência e a esperança, o amor a Deus e as vidas dos irmãos, doando a sua própria 22.

Quando se relata a questão da encarnação de Jesus, estabelecemos também que a cruz é consequência de uma encarnação situada em um mundo de pecado, que se revela com poder contra a autoridade de Jesus. Nesse ponto, uma maneira de recuperar o sentido original da cruz de Jesus é considera-la como a consequência histórica de sua vida. Jesus não foi exatamente um profeta, mas também foi por isso que foi crucificado. Para melhor compreender o sentido dessa inserção histórica da cruz, devemos considerar em primeiro lugar o significado daquilo que asseguramos como desígnio de Deus, que se compreende como a sua manipulação da história para se chegar ao único ponto que interessa: a cruz como algo redentor. Mas pode e é nossa obrigação entendê-la como a autêntica encarnação de Deus. Se Deus se encarnou na história, se aceitou o mecanismo, as ambiguidades e as contradições da história, então a cruz revela a Deus não apenas em si mesma, mas conjuntamente o caminho histórico que leva Jesus a ela23.

A Cristologia da libertação é um dos pontos que abordam a imagem e a missão do Cristo referenciando a sua pessoa com a imagem e a missão dos marginalizados. Não obstante, essa imagem não é fruto de uma mera dedução teológica abstrata, mas sim ela tem o objetivo de mostrar, em primeiro momento, um lugar determinado historicamente, que é a Igreja dos excluídos e o mundo deles. Esse lugar, que determinou e orientou a produção cristológica, numa certa direção, quer mostrar a existência profunda de uma relação entre fé realizada e uma Cristologia que se apresenta interessada em uma história, que muitas vezes é

22 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação

Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 93.

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contestada, mas é mostrada por uma Igreja que se interessou pelo mundo desses povos do continente.

A relação existente entre cristologia e história faz com que, a cristologia ao falar do Cristo possa considerar e interpretar as duas realidades necessárias para que a vinculação da cristologia - história possa ser eficaz. Mostra, desta forma, o que o Evangelho relata sobre a vida e a missão de Jesus, ao anunciar o Reino, e os textos bíblicos nos quais aparece a revelação, ou seja, a realidade de Cristo naquele tempo presente e sua presença atual na história dos povos marginalizados 24.

Segundo Vedoato, a realidade da libertação, que apresenta a revelação de Deus na história, é vista em meio à realidade da opressão do continente latino-americano também em nossa época. Para ele existe a necessidade de falar de Cristo no contexto atual da sua missão, apresentando assim a cruz que Ele assumiu na sua época e revelando o sofrimento e o desprezo que os necessitados da América Latina sofrem. Dizer da missão de Jesus e da missão daqueles que lutam pela causa dos fracos, apresentando o Cristo libertador, é que é a partir de Cristo que haverá a libertação dos pobres25.

Quando se fala em Jesus Cristo libertador, é necessário que se apresente uma fé nesse Cristo. E viver a fé em Jesus Cristo significa um compromisso com a libertação histórica dos oprimidos, que para nós cristãos, só pode ser assumida a partir de um compromisso real (lugar social), fazendo que se possa dar relevância a todas as dimensões libertadoras, presentes no ministério de Jesus Cristo. Desta maneira, libertação significa o oposto da dominação, ou seja, é anunciar Jesus Cristo e fazer com que o seu anúncio, partindo-se da missão assumida pela cruz, possa ser transformado em uma fé que visa uma transformação estrutural, cultural e social, rompendo com a estrutura de opressão. Essa fé em Jesus produzida pela cristologia, implica em um compromisso político e social 26.

Jesus viveu intensamente em seu tempo, todos os conflitos da sociedade da época, principalmente a questão do domínio do Império Romano na Palestina no século I, no que tange a obrigação que todos tinham de pagar os tributos à Roma. A maneira política romana para a região, reforçada pelo projeto de Herodes, fazia com que houvesse um investimento pesado na construção civil e na organização social que privilegiava os poderosos, de maneira especial os proprietários e comerciantes, e que em sua maneira de agir apoiavam esta

24 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação

Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 25.

25 Ibidem, p. 26.

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organização. Os desprotegidos que eram a maioria viviam sem condições socioeconômicas. Na questão religiosa, quem dominava e organizava o templo eram os Saduceus e a observância estrita da lei era imposta como queriam os Fariseus.

Dentro dessa situação, que era resultado desse confronto, a morte de Jesus guarda o seu valor de salvação, fazendo com que Ele assumisse a cruz e morte, entregando sua própria vida por Deus e por uma causa, fazendo com que seu sacrifício tivesse uma ligação com toda essa história relatada. Dessa maneira, Jesus anuncia o Reino de Deus, fazendo com que sua morte seja compreendida dentro da perspectiva da ressureição, que na verdade, é confirmada por parte de Deus, ou seja, o Deus da vida. Isto significa que se Ele foi morto, foi porque alguns o condenaram, e nesse sentido sua pregação e suas ações estavam desagradando a esses poderosos, mas agradando a Deus que O ressuscitou. A ressurreição insere-se na lógica do Reino de Deus27, confirmando que Deus exerce seu governo. E para nós, dentro do contexto da América Latina, temos a esperança de que Deus exerce seu governo nos povos que são perseguidos nesse continente, assim como Ele agiu em favor do seu próprio filho.

A ligação da situação de miséria do povo, devido à situação de adversidade da América Latina, com a cruz assumida por Jesus, nos faz constatar que esse fato influencia muitas pessoas a serem cristãos. Na verdade ser cristão neste continente, principalmente após a abertura que o Concílio Vaticano II deu as Igrejas locais, significa uma exigência de postura e de atitude. Denotando que apesar da Igreja após esse período relacionar a fé desses cristãos à cruz de Cristo, o mais importante é que Ela possa orientar a esses cristãos a confiar no Cristo libertador, ou seja, aquele que concede esperança àquelas pessoas que têm a cruz como ponto de sofrimento em suas vidas.

Ser cristão na América Latina atualmente significa se preocupar com as questões sociais, principalmente no que tange ao sofrimento e a miséria. Não é possível prolongar por mais tempo a situação de uma fé que encobre a injustiça social e acaba por servir como instrumento de determinação para uns em detrimento da maioria. Significa que há uma exigência em relação à conversão de uma fé neutra para uma fé solidária e comprometida e solidária a favor da vida de todos. O amor de Jesus foi para todos, mas a sua realização concreta foi primeiramente se colocar em favor dos que estavam em situação de sofrimento causado pela miséria, e cabe também aos cristãos posicionar em humanizar aqueles que são responsáveis por oprimir. Quando assumimos esse conflito de fato, o resultado significa a práxis do amor de Jesus, mesmo que muitas vezes cause rejeição, polêmica e até morte, o caso

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dos profetas e mártires da América Latina. Além disso, se exige do autêntico cristão latino-americano que ele possa se comprometer e ser solidário com aqueles setores populares que lutam pela melhoria e estrutura da sociedade, e a partir desse compromisso, que eles possam fazer parte de uma comunidade eclesial completa para alimentar e agir por essas exigências. Seguir significa lutar a favor do Deus da vida 28.

3 Os conceitos principais e as categorias da missão de Cristo

Quando se retrata da Cristologia da América Latina, é importante destacar os conceitos e as categorias que determinam a missão da humanidade de Cristo. A cristologia da libertação surgiu principalmente no local que existe a imagem de Jesus Cristo libertador, especialmente uma imagem que trata de uma dedução teológica abstrata, ou seja, que revela uma Igreja refletindo historicamente o lugar e o mundo dos pequenos. Esse lugar real é que determinou e orientou para que historicamente ocorressem certa direção e conhecimento das categorias principais da missão de Jesus.

A relação que ocorre entre a Cristologia e a história, no qual foi mencionada, faz com que a Cristologia ao falar de Jesus Cristo possa revelar a presença real e eficaz da presença de Cristo na história. Entretanto, as categorias relacionadas à missão de Cristo abrangem de modo especial a relação de Jesus com o Reino algo constante e importante na produção teológica da Cristologia da libertação29. Outra questão importante como categoria está em considerar Jesus histórico como ponto de partida.

3.1 O ponto de partida para a Cristologia: “Jesus histórico”

A Cristologia latino-americana destaca um ponto fundamental presente na realidade dos povos da América Latina. A questão é se o ponto de partida de cada cristologia tem a presença da realidade histórica, na qual mostra o lugar social eclesial em que está sendo retratada. Por isso é importante saber se a Cristologia, em seu ponto de partida, está de fato em união com as verdades que nos vêm através da presença de Cristo no contexto histórico da nossa realidade atual. Isso significa que devemos ter um comprometimento com aquilo que compreendemos do Jesus histórico. E a partir dessa compreensão saber que Jesus histórico

28 CODINA, Victor. Ser cristão na América Latina. São Paulo: Loyola, 1998, p. 25.

29 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da

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não é o único ponto de partida das cristologias em geral30, ou seja, temos que considerar que cada cristologia tem uma opção metodológica própria para destacar e abordar as verdades a respeito de Jesus Cristo. Ultimamente percebe-se, principalmente após o período conciliar, uma volta a se abranger novamente a pessoa de Jesus de Nazaré, como elemento metodologicamente fundante para uma produção cristológica hodierna.

Quando se elabora uma Cristologia, é importante que tenhamos uma reflexão da fé, que para nós cristãos e teólogos está fundamentada na pessoa de Jesus Cristo, mas é necessário compreender e abordar a questão metodológica que ajuda dar conta dessa realidade total que referenciamos quando falamos que a fé do teólogo na sua totalidade deve ser em Jesus Cristo. Essa questão, segundo Sobrino31, é difícil, pois ele diz que segundo a fé, Jesus Cristo reclama para si um significado universal. “Tudo foi criado por Ele e para Ele, Ele é antes de tudo e tudo subsiste Nele” (cf. Cl 1, 16-17; cf. Ef 1, 10) e não existe um ponto de partida único, e nem é exigido inequivocamente pelo Novo Testamento para se chegar a essa totalidade. Para esse autor ele reflete que também é uma questão arriscada, pois, ao escolher, mesmo que seja só metodologicamente, um ponto de partida, o resultado final da cristologia pode ser diverso e muitas vezes arriscado e perigoso.

Mesmo sendo perigosa, a escolha é inevitável, porque embora a totalidade de Jesus Cristo possa, segundo a nossa concepção, estar presente de alguma forma desde o início na subjetividade da capacidade de compreensão do teólogo. Segundo o autor não pode começar com essa totalidade como tal. O que é preciso encontrar é um ponto de partida que possa parecer condizente e apto para nele centrar.

Desde o princípio o que escolhemos, como ponto de partida, a realidade de Jesus de Nazaré, isto é, sua vida, sua missão, é o que se costuma considerar e chamar “Jesus histórico”. É importante destacar que infelizmente ainda em nossa atualidade ocorre uma busca incessante por um conhecimento maior pelo Cristo da fé, e muitos acabam abdicando do Jesus Histórico. O homem Galileu que nasceu em Nazaré, há mais de dois mil anos ainda é desconhecido pela sociedade, a não ser por profundos teólogos. O Cristo da fé dominou os corações dos seus seguidores e da maioria da sociedade. Neste caso, percebe-se que o homem Jesus, que trouxe profundas paixões e discussões teóricas, está sendo elaborado por uma teologia mais recente.

30 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da

Libertação. Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 33.

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O Jesus histórico dentro dessa reflexão ainda é algo novo na teologia da América Latina. Mas diante de tantos sofrimentos e dores causadas, para esse povo não é possível fazer uma Cristologia da América Latina sem refletir o homem histórico da Galileia no século I. Um ponto interessante relacionado ao Jesus histórico é estudar a sua figura a partir da sua história, ou seja, refazer uma leitura dos seus aspectos sociais, políticos e econômicos de seu tempo, somente assim, se compreende os principais eventos da vida de Jesus, sua pregação, morte e ressureição. Nessa questão afirmamos que a Cristologia de libertação privilegia o Jesus histórico. Mesmo porque existem situações atuais que apresentam uma característica própria para que o Jesus histórico apareça, principalmente pelo fato Dele fazer com que tenhamos contato com seu programa de libertador e isso interessa a essa pesquisa.

O Jesus histórico nos revela o Pai, revela o Reino anunciado pelo Pai, e isso significa um projeto de conversão, ou seja, uma mudança de vida, principalmente na busca de justiça e paz, que são frutos do Reino do Pai anunciado pelo Jesus libertador.

Outro fator que nos faz refletir o Jesus histórico como ponto de partida para a realidade dos povos da América Latina é uma releitura mais crítica da situação do homem e da sociedade, e de como eles se apresentam historicamente. Deste modo o Jesus histórico significa crise e não justificação da presente situação do mundo, fazendo com que tenhamos sensibilidade para perceber a necessidade de transformação, e não tanto de explicação. Assim o autor Leonardo Boff nos ajuda nessa reflexão dizendo em sua análise que o sentido pleno do Jesus histórico não se deduz da plena análise histórica, mas de sua leitura a partir da revelação completa do seu caminhar, que leva a ressureição. A luz da ressureição não dispensa a consideração da história, mas remete a uma preocupação mais atenta desta, como comprovam os próprios evangelhos32.

3.2 A noção de Reino de Deus

Um aspecto importante da cristologia da América Latina é apresentar o Reino de Deus como ponto relevante para a nossa reflexão e um dos pontos dessa pesquisa, onde teremos um capítulo que abordará esse assunto de uma maneira mais ampla. Mas nesse momento gostaria de relatar a noção do Reino de Deus como um aspecto fundamental e relevante na Cristologia. Na verdade, quando se fala em Reino naturalmente se fala na figura e na pessoa de Jesus Cristo, pois os dois estão interligados nesse aspecto.

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A relação entre cristologia e Reino sempre foi apresentada como um ponto fundamental na produção teológica da cristologia da Libertação. Na verdade, quando se produz conteúdos profundos que abordam as questões do Reino de Deus, como a última realidade para Jesus e a perspectiva do Reino, sua parcialidade histórica é sem dúvida um dos pontos fundamentais como chave de leitura, para que tenhamos uma compreensão do Reino no embate da cristologia da América Latina.

A questão da ultimidade do Reino de Deus na missão de Jesus aparece tanto no aspecto teológico, refletindo qual a última realidade para Jesus, como no aspecto histórico, questionado o que é o Reino de Deus para Jesus. A questão escatológica é: como se fazer próximo ao Reino de Deus? Em relação à problemática teológica da ultimidade do Reino, para Jesus certamente não é a dimensão institucional da Igreja, pois o último para o Jesus é o Reino de Deus, o qual foi o centro e o marco da sua pregação, dizendo de sua proximidade. O que está em evidência na relação entre Jesus e o Reino de Deus, é mais do que a simples relação entre ambos, é a explicitação histórica transcendental que o Reino reclama para si33.

Sobre a questão relacionada à problemática histórica do que é o Reino para Jesus, parece que os principais teólogos da América Latina não se satisfazem com algumas conclusões que afirmam que Jesus jamais se pronunciou abertamente quanto ao que é o Reino de Deus, mas sim, falava da sua proximidade. Jon Sobrino diz que a alternativa frente a tal impasse posto sobre essa questão, encontra-se no fato de que não se deve considerar simplesmente o que Jesus disse sobre o Reino e sua proximidade, mas também o que Jesus realizou em forma de serviço para esse próprio Reino34.

Na verdade, o Reino é uma proximidade enquanto boa notícia anunciada, de modo especial aos pobres, fazendo com que possamos compreender que o Reino de Deus para Jesus representaria impreterivelmente, um reino que se aproxime em primeiro lugar, da figura do pobre, um reino para os pobres. Entendemos o motivo da vida de Jesus,isto é, estar a serviço aos pobres, como os primeiros destinatários do reino35.

A proximidade do Reino voltada em primeira ordem para os pobres no plano da missão assumida por Jesus, não quer e nem tem a pretensão de esgotar a parcialidade do Reino, objetivada pela prática histórica de Jesus. Essa realidade representaria um grande

33 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação

Aparecida, Ed. Santuário: 2010, p. 42.

34 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo,

Loyola-Vozes, 1985, pp. 123-125.

35 SOBRINO, Jon. Jesus na América Latina: seu significado para a fé e a Cristologia. São Paulo,

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reducionismo teológico do que é o Reino para Jesus. Sendo assim, não era a intenção de Jesus somente anunciar o Reino aos pobres, mas sim buscar a liberdade de sua miséria real, ou seja, não foi projeto de Jesus somente estabelecer uma esperança para eles, mas postular uma práxis que se concretizasse em práticas de libertação. É nessa questão que se situa a sua atividade libertária, solidária e de denúncia das estruturas de pecado.

A questão é problemática, ou seja, de cunho escatológico, como se faz o próximo o reino de Deus? Segundo alguns teólogos o Reino “já chegou, mas ainda não”. De fato seria essa alternativa para entender o levantamento da problemática, mas do ponto de vista de uma cristologia da libertação, com uma atenuação, podemos descrever que “se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e me siga” (cf. Mc 8, 34). Significa na tônica do estreitamento entre escatologia e seguimento, o seguir a Jesus diante daquilo que Ele disse e fez em favor do Reino, acreditando que tamanha esperança e práxis, fazem presente e próximo o Reino de Deus.

A relação entre Jesus e o Reino de Deus reclamou para si a explicação de duas realidades: o Reino como realidade última para Jesus, e o seu significado sob o olhar teológico-histórico e escatológico e sua incidência no âmbito da atividade histórica de Jesus. Ao mesmo tempo, por outro lado, sua proximidade através de Jesus enquanto historização radicaliza algo fundamental ao seu respeito. De fato, o Reino de Deus inicia e começa a ser vivido nessa história, parcializando horizontalmente, sobretudo a partir de uma prática de fé libertaria, voltada de modo substancial aos seus primeiros destinatários: os marginalizados.

Nesse aspecto, com certeza, pode-se afirmar sem medo de cometer qualquer equivoco teológico, e sendo fiel às limitações que foram dadas na sistematização relacionada ao povo de Deus, que a ação missionaria de Jesus, uma vez voltada para a realidade última, que é o Reino de Deus e sua relação com a história dos homens, inegavelmente é uma opção evangélica.

Uma vez que a noção do Reino de Deus está relaciona à cristologia da libertação, onde se privilegia a via dos destinatários (os pobres) para abordar o tema do Reino, os mesmos ajudam a compreender melhor os conteúdos de tal realidade. Cabe nesse momento, tendo em vista que já foi enfatizado no que se entende por reino historiado, questionar de fato o que nós entendemos por pobres36.

36 VEDOATO, Giovani Marinot. Jesus Cristo na América Latina: introdução à Cristologia da Libertação

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Na cristologia da América Latina procura-se valorizar o contexto de liberdade em prol da vida que o ser humano necessita para alcançar sua felicidade, ou seja, o que a pessoa precisa para viver. Afirmar-se que o Reino de Deus anunciado por Jesus é a centralidade da vida cristã e a missão da Igreja. É claro que nessa afirmação o que destaca não é uma cristologia em benefício de um Cristo abstrato, mas uma Cristologia que procura valorizar o Reino de Deus que revela e compreende uma maneira de se fazer Igreja.

Sobrino mostra que o Reino de Deus é o ponto central do Antigo Testamento, como forma de exprimir o desígnio salvífico de Deus e a esperança do povo, principalmente Israel que passou por inumeráveis vicissitudes, problemas e tragédias, mas manteve sempre uma esperança baseada em sua fé. Não confinou Deus a um nebuloso além, mas teve a experiência de sua passagem pela história, e de forma muito concreta. No Egito, Deus escutou os clamores de um povo oprimido e desceu para libertá-lo, essa foi a origem de sua confissão de fé e de sua esperança37.

Fato também importante em relação à Cristologia da América Latina, quando se trata de Reino de Deus, é que quando Deus age, o mundo torna-se se seu Reino, por isso, antes de Reino, é preciso mencionar o reinado de Deus. Quanto ao conteúdo, esse reinado torna real, antes de tudo, o ideal anelado de justiça. Isso mostra que Deus que reina no mundo pelo fato de ser bom e misericordioso com todas as suas criaturas (cf. Sl 86,15s; 145,9), transforma uma realidade histórico-social injusta em outra justa, na qual reina a solidariedade e na qual não há excluídos (cf. Dt 15,4). Então, destaca-se que o reinado de Deus deve ser compreendido como libertação, não só como ação benéfica, mas como ação do próprio Deus. Nesse ponto, tem uma dimensão histórica porque se trata de libertação de opressões objetivas, embora o olhar traga uma abertura à transcendência; e social, pois é libertação e justiça para um povo, ainda que olhar vá dirigindo-se ao pessoal. E, como dissemos, é teologal, porque Deus revela a sua realidade ao passar assim e não de outra maneira pela história.

Mas é importante destacar que o Reino, é um dom de Deus, torna-se uma tarefa de um povo, a qual é central na Escritura, e é muito importante lembrar isso quando se pensa a missão da Igreja atual. Em outras palavras, a forma de ação de Deus é, compassiva, libertadora, promotora de justiça, e deve ser também a forma de agir de Israel: “Não haverá pobres entre vós, partilhareis os frutos da colheita com todos, ajudareis o estrangeiro, e a viúva” (cf. Dt 15 e 26. Lv 19). Assim sendo, Israel não só por ser eleito o escolhido, será povo

37 SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há Salvação: pequenos ensaios utópico-proféticos. São

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de Deus. A escolha não comporta, pois, um privilégio acima dos demais povos. É antes, uma grave responsabilidade e compreender isso é importante, pois a consciência de ser escolhido contém em si sempre graves perigos também na Igreja38. Recordar que o Antigo Testamento tem uma preocupação com o povo de Israel, significa relatar que o Deus daqueles povos é o mesmo que continua agindo no contexto dos povos latino-americanos e por isso esse ponto é uma das noções fundamentais do Reino de Deus na cristologia latino-americana.

3.3 Um aspecto importante do “Jesus histórico” é mostrar a sua missão para os povos da América Latina

Um dos pontos principais em relação à cristologia da América Latina refere-se à relevância libertadora do Jesus histórico, mostrando que a prática de Jesus dentro desse contexto é uma prática que revela a sua missão, a sua história, e não o Cristo da fé. Leonardo Boff escreve que existe um isomorfismo¨ estrutural de situações, ou seja, uma forma igual entre a época de Jesus e o nosso tempo, principalmente no que tange à opressão e dependências objetivas vividas subjetivamente como contraditórias ao plano histórico de Deus39. A prática de Jesus é entendida como historificações daquilo que significa o Reino de Deus, uma mudança libertadora da situação. Nesse ponto, Jesus se revela dentro de sua história como aquele que se aproxima dos projetos dos grupos dos oprimidos e marginalizados.

A cristologia latino-americana não revela em seu registro o que se deve compreender por milagres interpretados como ação de Deus dentro de um projeto de curas maravilhosas, e sim dentro de um sentido, onde ocorre uma interferência de Jesus, que quer mostrar que deverá ocorrer uma libertação total. As atitudes de Jesus encarnam a sua humanidade, e por isso ele se coloca diante dos mais fracos que também são humanos. Essa atitude de Jesus encarna o Reino e corporifica o amor do Pai, fazendo com que ele se aproxime daqueles que todos evitavam, que são os pecadores, impudicos, bêbados, leprosos, meretrizes ou em uma só palavra os marginalizados social e religiosamente, não é por um mero espirito humanitário, mas porque a histórica atitude amorosa do Pai para com esses pequenos e pecadores. Sua situação não representa a estrutura final da vida, não estão definitivamente perdidos, pois nesse sentido, Deus pode libertá-los de todas as opressões.

38 SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há Salvação: pequenos ensaios utópico-proféticos. São Paulo,

Paulinas: 2008, pp. 122-123.

Referências

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