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A integração da agricultura urbana no planeamento: segurança alimentar e populações vulneráveis: o caso de estudo da cidade de Lisboa

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Academic year: 2023

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A integração da agricultura urbana no planeamento:

segurança alimentar e populações vulneráveis O caso de estudo da cidade de Lisboa

João Manuel Fonseca Lopes

Dissertação de Mestrado orientada pela Prof.ª Doutora Patrícia Abrantes

Mestrado em Ordenamento do Território e Urbanismo

Janeiro de 2023

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A integração da agricultura urbana no planeamento:

segurança alimentar e populações vulneráveis O caso de estudo da cidade de Lisboa

João Manuel Fonseca Lopes

Dissertação de Mestrado orientada pela Prof.ª Doutora Patrícia Abrantes

Mestrado em Ordenamento do Território e Urbanismo

Júri

Presidente: Professor Doutor João Rafael Marques Santos da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa

Vogais: Professora Doutora Iva Miranda Pires da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa;

Professora Doutora Patrícia Catarina dos Reis Macedo Abrantes do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa.

Janeiro de 2023

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Agradecimentos

Em primeiro lugar endereço os meus maiores e mais sinceros agradecimentos à Professora Doutora Patrícia Abrantes, minha orientadora, por todos os ensinamentos e mostrar-se sempre disponível para me apoiar e sugerir ideias que se mostraram fulcrais para o desenvolvimento deste trabalho.

Deixo também um especial agradecimento aos hortelões pelos pela sua disponibilidade para colaborar no presente estudo e responderem às minhas questões e dúvidas, e por muito bem me acolheram nos seus espaços. Sem eles este trabalho não era possível.

Aos meus pais por serem o meu amparo nos piores momentos e por serem um exemplo de respeito, amor e resiliência, um enorme obrigado.

À minha irmã, pela fraternidade e disponibilidade para me ajudar em tudo que preciso, obrigado.

Ao meu avô por me guiar pelo seu exemplo e hombridade, agradeço os seus valiosos ensinamentos e toda a sua ternura.

Um agradecimento também a todos os outros familiares pelo apoio e ajuda durante esta etapa, em particular ao tio Nuno, André e Inês por terem tornado de Lisboa também a minha casa.

Um especial agradecimento à Francisca pelas valiosas críticas e contributos. Obrigado pelo encorajamento, paciência e carinho.

A todos os meus amigos, desde os que há mais tempo me conhecem até aqueles que se cruzaram comigo durante este período, e de alguma forma tiverem um papel importante na minha vida, um muito obrigado. Um especial agradecimento ao Tomás, ao Pires e ao Amaral pela amizade, companheirismo e histórias para um dia mais tarde recordar.

A todos os meus amigos da Residência Universitário António Aleixo agradeço a camaradagem e aos muitos convívios (inusitados e tardios).

A todas os colegas e professoras que de algum modo acompanharam e marcaram o meu percurso académico, um sincero obrigado.

João

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Resumo

A agricultura urbana, inicialmente uma atividade marginal à cidade e de caráter temporário, tem vindo a adquirir relevância, nomeadamente ao nível político e à escala local, sendo reconhecidas potencialidades enquanto ferramenta de resposta aos desafios ambientais, económicos e sociais, que emergem num contexto de mudanças globais.

Apesar de não se assistir a um perigo imediato ou premente da segurança alimentar, deve-se encarar o valor estratégico do fornecimento de alimento da agricultura urbana, como forma de adaptação e mitigação das desigualdades no acesso a alimentos e a garantia de segurança alimentar em populações vulneráveis. É essencialmente nas famílias que participam na atividade e que se encontram numa situação socioeconómica mais frágil, que o impacto da agricultura urbana, enquanto garante da segurança alimentar, é mais significativo. Contudo, há também aspetos e preocupações críticas, nomeadamente no que se refere à qualidade dos produtos cultivados em meio urbano e a contribuição factual que a agricultura urbana tem na alimentação dos agregados que praticam a atividade. O presente estudo propõe identificar a expressão da agricultura urbana no estabelecimento de uma maior segurança alimentar das populações urbanas, especialmente nas comunidades vulneráveis.

A metodologia deste trabalho assentou num primeiro momento na identificação de casos de estudo na cidade de Lisboa, através da aplicação de métodos de análise multivariada a um conjunto de indicadores, de forma a permitir identificar padrões socioterritoriais que estabeleçam uma relação entre a existência de populações vulneráveis e a localização de hortas urbanas. Num segundo momento, foi elaborado um inquérito direcionado aos hortelões dos casos de estudo identificados, centrado na temática da segurança alimentar.

A análise dos resultados demonstra que a agricultura urbana constitui um complemento importante na melhoria da segurança alimentar das famílias, especialmente das mais vulneráveis, seja pela melhoria na alimentação ou pela poupança de rendimentos. Verificou-se que foi particularmente relevante para agregados mais afetados pelos efeitos económicos provocados pela pandemia COVID- 19, atuando como uma ferramenta de resiliência. Contudo, a mesma não se mostra fulcral para o abastecimento os agregados familiares.

Palavras-chave: Agricultura Urbana; Segurança Alimentar; Populações Vulneráveis; Planeamento Urbano; Concelho de Lisboa

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Abstract

Urban agriculture, initially a temporary activity that was marginal to the city, has been gaining importance, namely at political and local level, as its potentialities as a tool for responding to environmental, economic and social problems that arise from a context of global change are recognized.

Although there is no immediate, pressing threat to food security, the strategic value of the food supply of urban agriculture should be taken into consideration as a way of adapting to and mitigating inequality to food access, and as a food security assurance for vulnerable populations. It is for families that engage in this activity and are in a fragile socioeconomic condition that the impact of urban agriculture, as a guarantee of food security, is of more significance. However, there are also important concerns related to urban agriculture, such as the quality of products grown in urban settings and the effective contribution of urban agriculture to the diet needs of the households that take part in this activity.

The present study aims to identify the value of urban agriculture for the establishment of greater food security for urban populations, especially for vulnerable communities.

The methodology used in this study first relied on the identification of case studies in the city of Lisbon through the application of multivariate analysis methods to a set of indicators, so as to spot socio- territorial patterns that establish a link between the existence of vulnerable populations and the location of urban gardens. Secondly, a survey targeting the identified case studies’ gardeners, focusing the subject ’food security’, was developed.

Result analysis shows that urban agriculture represents an important complement to the improvement of the food security of these families, particularly the most vulnerable, be it by improving their diets or saving their incomes. Results found that urban agriculture was particularly relevant for those households that were most affected by the economic effects of COVID-19, acting as a resilience tool. Nevertheless, urban agriculture doesn´t show to be fundamental to the food supply of households.

Key words: Urban Agriculture; Food Security; Vulnerable Populations; Urban Planning; Municipality of Lisbon

(8)

Índice

Agradecimentos ... i

Resumo... ii

Abstract ... iii

Índice ... iv

Índice de Figuras ... vi

Índice de Tabelas ... viii

Lista de Acrónimos ... ix

Introdução ... 1

Objetivos e hipóteses de estudo ... 2

Estrutura e metodologia de trabalho ... 3

1. Enquadramento conceptual da agricultura urbana ... 5

1.1. Urbanização, AU e alimentação: evolução e desafios ... 5

1.2. O conceito de agricultura urbana ... 9

1.3. As tipologias da agricultura urbana ... 10

1.4 Serviços de ecossistema prestados pela agricultura urbana ... 11

1.5. O papel da agricultura urbana no planeamento da cidade e as suas dimensões ... 14

2. Agricultura urbana, a segurança alimentar e populações vulneráveis ... 16

2.1. O conceito de segurança alimentar ... 16

2.1.1 A relevância da agricultura urbana para a segurança alimentar das populações urbanas ... 17

2.2.2 Riscos ambientais associados à agricultura urbana e segurança do alimento ... 19

2.2. O papel da agricultura urbana para as populações vulneráveis ... 21

3. A agricultura urbana no quadro das orientações de política a diferentes escalas ... 23

3.1. O Quadro Político Europeu ... 23

3.2. O Quadro político Nacional e Regional ... 26

3.3. Agricultura Urbana na Política Municipal. O caso de Lisboa ... 28

4. A Agricultura Urbana na cidade de Lisboa ... 31

4.1. Caracterização da área de estudo ... 31

4.2. Enquadramento da agricultura urbana na cidade de Lisboa ... 38

4.2.1. Breve contextualização histórica ... 38

(9)

v

4.2.2. Iniciativas municipais: Parques Hortícolas Municipais ... 42

4.3. Seleção dos casos de estudo através de análise estatística multivariada aplicada a indicadores socioeconómicos e demográficos ... 46

4.3.1. Descrição metodológica ... 46

4.3.2. Recolha e tratamento de dados ... 47

4.3.3. Análise fatorial em componentes principais ... 51

4.3.4. Regressão linear multivariada ... 58

4.3.5. A escolha dos casos de estudo para elaboração de inquérito aos hortelões ... 61

4.3.6. Descrição do inquérito ... 64

4.4. A segurança alimentar das populações vulneráreis partir da visão dos hortelões ... 66

4.4.1. Perfil socioeconómico dos hortelões ... 66

4.4.2. Motivações dos hortelões para ter a horta ... 69

4.4.3. Características e benefícios socioeconómicos das hortas ... 71

4.4.4. Segurança do alimento ... 75

4.4.6. A horta na pandemia Covid-19 ... 78

4.4.7. Perceção dos inquiridos sobre a política e gestão municipal e a estratégia para as hortas urbanas em Lisboa ... 79

Conclusão ... 83

Discussão dos resultados ... 83

Considerações finais ... 86

Bibliografia ... 89

Anexos ... 95

Anexo I – Planta de Ordenamento – Estrutura Ecológica Municipal ... 95

Anexo II – Unidades operativas de planeamento e gestão (UOPG) ... 96

Anexo III – Regulamento para a Instalação e Funcionamento de Áreas de Agricultura Urbana - Câmara Municipal de Lisboa. Fonte: Matos (2010) ... 97

Anexo IV – Normas de Acesso e Utilização das Hortas Urbanas dos Parques Hortícolas Municipais. Fonte CML ... 104

Anexo V – Análise Fatorial em Componentes Principais: Tabelas SPSS ... 110

Anexo VI – Regressão Linear Multivariada: Tabelas SPSS ... 115

Anexo VII – Guião dos questionários aplicados aos hortelões ... 116

Anexo VIII – Registos do trabalho de campo ... 128

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Índice de Figuras

Figura 1. Esquema metodológico da dissertação ... 4

Figura 2. O amplo conjunto de serviços de ecossistema fornecidos pela agricultura urbana ... 12

Figura 3. Relação entre os serviços dos ecossistemas e o bem-estar humano ... 13

Figura 4. Caminhos chave para a segurança alimentar ... 18

Figura 5. Enquadramento geográfico do concelho de Lisboa ... 31

Figura 6. População residente e Taxa de variação no concelho de Lisboa ... 32

Figura 7. Densidade populacional, em 2021 ... 33

Figura 8. Estrutura etária da população residente no concelho de Lisboa, em 2021 ... 33

Figura 9. Índice de envelhecimento, em 2021 ... 34

Figura 10. Nível de ensino da população residente, 2021 ... 34

Figura 11. População sem grau de ensino completo (%), 2021 ... 35

Figura 12. Taxa de desemprego, 2011 ... 35

Figura 13. Proporção de edifícios com necessidades de grandes reparações ou muito degradados (%) ... 36

Figura 14. Alojamentos por localização geográfica (2021) e Taxa de variação (2011-2021) no concelho de Lisboa ... 37

Figura 15. Densidade de hortas nas freguesias de Lisboa (dm2)... 41

Figura 16. Hortas urbanas existentes, em obra ou projetadas em Lisboa ... 41

Figura 17. Parques Hortícolas Municipais ... 45

Figura 18. Área total de hortas urbanas pelas freguesias do concelho de Lisboa (m2) ... 51

Figura 19. Scores dos Fatores 1 e 2 ... 56

Figura 20. Scores dos Fatores 3 e 4 ... 57

Figura 21. Valores previstos ... 61

Figura 22. Casos de estudo ... 62

Figura 23. Nível de escolaridade, segundo a tipologia da horta (%) ... 67

Figura 24. Rendimentos médios mensais do agregado familiar, segundo a tipologia da horta (%) ... 68

Figura 25. Constituição do agregado familiar (%) ... 69

Figura 26. Relação entre o rendimento e o número de elementos do agregado familiar (%) ... 69

Figura 27. Principais motivos do hortelão para ter a horta (%) ... 71

Figura 28. Tamanho da horta (%)... 72

Figura 29. Há quanto tempo tem o hortelão a horta (%) ... 72

Figura 30. Principais produtos hortícolas produzidos nos casos de estudo (%) ... 73

Figura 31. Principais motivos para os hortelões deixarem de consumir produtos caso não tivessem a horta (%) ... 73

Figura 32. Efeito da infraestrutura envolvente na qualidade dos produtos (%) ... 75

Figura 33. Qualidade do solo da horta (%) ... 76

Figura 34. Uso de fertilizantes e/ou pesticidas químicos na horta (%) ... 77

Figura 35. Formação agrícola segundo o nível de escolaridade (%) ... 77

(11)

Figura 36. Procura das hortas urbanas durante o período pandémico, segundo a tipologia da horta (%)

... 78

Figura 37. Principais contributos da horta para fazer face á perda de rendimentos (%) ... 79

Figura 38. Principais razões por a horta atuar como um atenuador das vulnerabilidades sociais (%) 80 Figura 39. Classificação da atividade do município na gestão e política das hortas (%) ... 81

Figura 40. Estrutura Ecológica Municipal ... 95

Figura 41. Unidades operativas de planeamento e gestão ... 96

Figura 42. Scree Plot ... 114

Figura 43. Hortas Dispersas do Vale do Fundão – Vista exterior, 2021 ... 126

Figura 44. Hortas Dispersas do Vale do Fundão – vista panorâmica, 2021 ... 126

Figura 45. Relação entre as hortas e o edificado – Hortas Dispersas, 2021 ... 127

Figura 46. Parque Hortícola do Vale do Fundão – vista panorâmica, 2021 ... 127

Figura 47. Agricultura Urbana nos Parques Hortícolas – cultivo de vegetais, 2021 ... 128

Figura 48. Caminhos partilhados nas hortas – Hortas informais (à esquerda) vs Hortas formais (à direita), 2021 ... 128

Figura 49. Acumulação de lixo nas hortas do Parque Hortícola do Vale de Chelas – vista panorâmica, 2021 ... 129

(12)

Índice de Tabelas

Tabela 1. Contribuições (potenciais) da agricultura urbana/periurbana para as metas de metas de

desenvolvimento sustentável ... 7

Tabela 2. Diferenças entre Agricultura Intraurbana e Periurbana ... 9

Tabela 3. Evolução da área de agricultura urbana em Lisboa (m2). ... 39

Tabela 4. Tipologias de hortas urbanas, segundo o Regulamento para a Instalação e Funcionamento de Áreas de Agricultura Urbana ... 44

Tabela 5. Indicadores do estudo ... 49

Tabela 6. Testes Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e de Esfericidade de Bartlett ... 52

Tabela 7. Variância Total Explicada ... 52

Tabela 8. Matriz dos Componentes Rodados ... 54

Tabela 9. Coeficientes de Correlação e proporção de variação explicada pelo modelo ... 59

Tabela 10. Coeficientes da análise de regressão linear múltipla ... 60

Tabela 11. Caracterização das hortas de estudo ... 63

Tabela 12. Tamanho da amostra nos Parques Hortícolas ... 65

Tabela 13. Sexo e idade dos hortelões (%)... 66

Tabela 14. Situação profissional dos hortelões (%) ... 68

Tabela 15. Destino dos produtos cultivados na horta (%) ... 74

Tabela 16. Matrix de Correlações ... 110

Tabela 17. Communalities ... 113

Tabela 18. Component Transformation Matrix ... 114

Tabela 19. ANOVAa... 115

Tabela 20. Residuals Statisticsa ... 115

(13)

AU – Agricultura Urbana

Lista de Acrónimos

AML – Área Metropolitana de Lisboa

CCDR-LVT – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo

COM – Comissão Europeia

CML – Câmara Municipal de Lisboa

DL – Decreto Lei

EU – União Europeia

FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) HD – Hortas Dispersas

IGT´s – Instrumentos de Gestão Territorial

INE – Instituto Nacional de Estatística

ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

PAC – Política Agrícola Comum

PDM – Plano Diretor Municipal

PDML – Plano Diretor Municipal do concelho de Lisboa

PH – Parque Hortícola

PNPOT – Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território PROT – Programa Regional de Ordenamento do Território

RAN – Reserva Agrícola Nacional

REN – Reserva Ecológica Nacional

SE – Serviços de Ecossistema

UOPG – Unidades Operativas de Planeamento e Gestão

(14)
(15)

Introdução

Na sua essência, a agricultura urbana encontra-se intimamente ligada à segurança alimentar das populações urbanas, especialmente das mais vulneráveis, em que a agricultura urbana é vista como uma ferramenta para construir comunidades mais resilientes e sustentáveis (Oliveira & Morgado, 2016), capaz de melhorar o acesso a alimentos frescos e diversificados, nomeadamente hortícolas, promovendo assim uma alimentação mais saudável e equitativa (Stewart et al., 2013).

Contudo, ainda não é claro na literatura científica o real impacte da agricultura urbana na população, especialmente no que se refere à sua segurança alimentar. Apesar da segurança alimentar estar na génese da agricultura urbana, não se pode afirmar que sempre que existe agricultura urbana, existe segurança alimentar, uma vez que a segurança alimentar não decorre somente da disponibilidade de alimentos, mas também das condições onde a atividade é praticada, devido à sua influência na qualidade dos alimentos. Neste sentido, se considerar o conceito mais amplamente aceite de segurança alimentar, estabelecido na Conferência Mundial da Alimentação de Roma, em 1996, que considera a estabilidade, o acesso (físico, económico e sociocultural), a disponibilidade e a qualidade dos alimentos como os principais pilares da segurança alimentar (FAO, 1996), a agricultura urbana não constituiu um garante de todos estes pilares, muito por via do meio em que se insere. Se por um lado, a sua tendencial pequena escala de produção, resultante da parca disponibilidade de solo em meio urbano, não permite o abastecimento de toda a população urbana. Por outro, os riscos associados ao ambiente de produção, decorrentes das condicionantes impostas pelo meio urbano e a atividade humana, constituem um maior risco de contaminação dos alimentos.

Apesar de até muito recentemente a agricultura urbana (AU) ser entendida como uma atividade marginal à cidade e de caráter temporário (Gonçalves, 2014), esta tem vindo a conquistar espaço no planeamento urbano. A consciencialização das populações e da política publica para a necessidade de abordagens mais sustentáveis em meio urbano, seja pela melhoria da qualidade do ambiente urbano, das condições de vida da população ou pela atenuação das desigualdades (Howorth, 2011), impulsionaram a afirmação da agricultura nas cidades, enquanto espaço formalizado. Os diferentes tipos de espaços agrícolas começam assim a ser entendidos como ferramentas capazes de dar resposta aos problemas sociais e ambientais que as cidades comportam, especialmente em áreas onde existem populações mais vulneráveis. Estas populações compostas por reformados e pensionistas, pessoas com baixos rendimentos ou até população emigrante, possuem menos capacidade de antecipar, lidar, resistir e recuperar ao impacto de pressões externas causadas por fenómenos extremos, como uma catástrofe natural ou até surtos de doença (Singh, Eghdami & Singh, 2014). Assim, muitas cidades incluíram a AU em estratégias de desenvolvimento comunitário e de promoção da qualidade de vida das populações (Hodgson et al., 2011), dada a sua capacidade de fornecer alimentos frescos e diversificados, nomeadamente hortícolas, e uma alimentação mais saudável e equitativa, assim como de capacitar as comunidades, particularmente as mais vulneráveis, na resposta e recuperação de fenómenos repentinos, como uma crise económica ou uma guerra (Orsini et al., 2014).

(16)

Em 2007, o Município de Lisboa iniciou uma estratégia de integração e de organização da agricultura urbana na cidade (CML, 2020). Esta passou, em muitos casos, pela construção de parques hortícolas em áreas que já possuíam espaços agrícolas de cariz informal, criando uma regulação para estes espaços e dotando-os de infraestruturas adequadas. A estratégia seguida teve uma importante dimensão social, uma vez que as áreas foram projetadas para a produção de consumo próprio ou até mesmo para gerar eventuais ganhos económicos através dos excedentes obtidos (Sousa & Madureira, 2017), assim como para promover a inclusão social e a produção de alimentos saudáveis e seguros (CML, 2020). Contudo, continuam a persistir na cidade, especialmente em áreas ligadas a populações vulneráveis, espaços agrícolas de cariz informal. A preservação de uma certa autorregulação destes espaços acarreta riscos decorrentes de más práticas no processo de cultivo e, de forma mais relevante, da inexistência de controlo sobre a qualidade dos componentes de produção (Lin et al., 2015), nomeadamente o solo que em meio urbano está mais exposto a maiores níveis de contaminação (Howorth, 2011), tendo consequências diretas ao nível da segurança alimentar dos consumidores.

Contudo, os espaços agrícolas informais mostram-se particularmente interessantes para a compreensão da própria cidade, devido à relação direta que estabelecem com populações vulneráveis, sendo frequentemente utilizados por estas para colmatar as dificuldades financeiras, satisfazendo as suas necessidades alimentares e conseguirem rendimentos extra. A crise financeira de 2008 é exemplo disso mesmo, com Hespanhol (2018) e Silva & Monte (2014) a argumentarem que o crescimento da agricultura urbana de cariz informal na cidade de Lisboa, durante este período, se deveu à deterioração das condições de vida de comunidades socioeconómicas mais frágeis, sendo a AU vista por estas como uma forma de satisfazer as suas necessidades alimentares e fazer face às dificuldades económicas.

O presente trabalho, tendo Lisboa como caso de estudo, procurará analisar o impacto da agricultura urbana para as comunidades vulneráveis, nomeadamente o seu contributo para a melhoria da sua segurança alimentar. Desta forma será possível discutir se se justifica a inserção da agricultura urbana no planeamento urbano enquanto elemento-chave para o estabelecimento da segurança alimentar da cidade.

Objetivos e hipóteses de estudo

A principal questão que se pretende responder é perceber se a inserção da agricultura no planeamento urbano contribui para a melhoria das condições e da qualidade de vida das populações vulneráveis. Por outras palavras, quer procura-se entender o impacto que a agricultura urbana tem nas populações vulneráveis, do ponto de vista da segurança alimentar, e em que medida esta se pode inserir e consolidar no planeamento urbano, enquanto instrumento de resiliência destas populações em particular, e da cidade em geral. Assim, o trabalho tem como objetivo principal analisar o contributo da agricultura urbana para a melhoria do tecido social em que se insere, centrado na temática da segurança alimentar, através de 4 questões complementares que clarificam e orientam os pressupostos finais do trabalho:

(17)

• Em que medida a AU contribui para a segurança alimentar, especialmente das populações mais vulneráveis?

• Em que medida aumenta a capacidade de resposta aos problemas socioeconómicos inerentes nestas comunidades?

• Existe uma relação entre localização de áreas de AU e a existência de populações vulneráveis?

Esta relação difere consoante a génese da AU (informal e formal)?

• De que forma AU favorece a subsistência alimentar em meio urbano, especialmente nas comunidades em que se insere?

De igual forma, foram elaborados objetivos específicos, que pretendem ajudar a alcançar a resposta ao objetivo principal, designadamente:

• discutir o conceito de agricultura urbana e as suas diferentes dimensões, assim como identificar a pertinência desta para a segurança alimentar e como tal para a integração no planeamento urbano;

• aferir o estado da agricultura urbana em Lisboa, os tipos de AU e a estratégia da Câmara Municipal de Lisboa para estes;

• traçar o perfil demográfico e socioeconómico das freguesias para aferir a sua vulnerabilidade socioeconómica e demográfica e identificar casos de estudo

• caracterizar os utilitários nos espaços agrícolas urbanos;

• avaliar a produção de alimentos em hortas urbanas e interpretar os benefícios para a segurança alimentar.

Estrutura e metodologia de trabalho

A estrutura adotada no presente trabalho é norteada pelo cumprimento dos objetivos pré- definidos, pelo que é constituída por três fases essenciais, consubstanciadas em 5 capítulos.

A primeira fase do trabalho é constituída pela revisão bibliográfica sobre o estado da arte da agricultura urbana (capítulos 1 e 2), na qual se pretende explorar a relação da população urbana com a alimentação, estabelecer as principais características e conceitos da agricultura urbana, e identificar as suas principais dimensões e diferentes tipologias. Pretende-se, igualmente, discutir a pertinência da agricultura em meio urbano, especialmente para a segurança alimentar em comunidades vulneráveis.

É também nesta fase que se irá explorar a inserção da agricultura no quadro político europeu, nacional, regional e municipal (capítulo 3).

A segunda fase do estudo explora a agricultura urbana em Lisboa (capítulo 4). Inicialmente, esta fase passa por um enquadramento geral da área de estudo, através de uma análise ao contexto demográfico e socioeconómico do concelho de Lisboa. Seguidamente, realiza-se um breve enquadramento histórico da agricultura urbana em Lisboa, assim como a é analisada a estratégia e o modelo de gestão da agricultura urbana pela Câmara Municipal de Lisboa, visando identificar o seu

(18)

vínculo à segurança alimentar e à vulnerabilidade social. Posteriormente, identificou-se padrões socioterritoriais, a partir de 20 indicadores à escala da freguesia, como objetivo de perceber se a concentração de hortas numa determinada freguesia tinha alguma relação com a existência de comunidades vulneráveis. Para tal, aplicaram-se métodos de análise estatística multivariada ao conjunto de dados, nomeadamente análise fatorial e regressão linear múltipla, por forma a confirmar ou não a existência desta relação. Verificou-se que a freguesia de Marvila era a que mais se adequada para a realização dos questionários a aplicar aos hortelões, que se efetuou em quatro Parques Hortícolas – Vale de Chelas, Vinha, Quinta das Flores e Vale do Fundão - e em duas áreas de hortas dispersas, entre os meses de maio e outubro de 2021. O inquérito realizado divide-se em 6 blocos - Dados do inquirido; “Motivação; Característica do Talhão; Qualidade e Segurança; Pandemia;

Perspetiva do entrevistado sobre a política da autarquia hortas – e foca, direta ou indiretamente a questão da segurança alimentar. Foram realizados 74 inquéritos que serão analisados nesta fase do estudo.

A terceira fase remete para a reflexão e discussão das principais conclusões atendendo a toda a informação obtida anteriormente, e para a elaboração de eventuais propostas que contribuam para a integração da agricultura no planeamento urbano, guiada para a melhoria da qualidade de vida das populações vulneráveis.

Figura 1. Esquema metodológico da dissertação

(19)

1. Enquadramento conceptual da agricultura urbana

1.1. Urbanização, AU e alimentação: evolução e desafios

A agricultura sempre teve um peso muito importante na génese das cidades, assim como na sua expansão. Segundo Gonçalves (2014), “os espaços de cultivo relacionados com a produção alimentar estiveram sempre associados à implantação da pólis, embora normalmente encontrassem o seu lugar fora dos seus limites - admitindo que a localização dos primeiros assentamentos urbanos se fez sempre próximo de água e de terras férteis e aráveis, no sentido de assegurar uma fonte de alimentos próxima”. Assim, os espaços de cultivo estabeleciam uma relação direta com a cidade, assegurando o seu fornecimento alimentar e sustentando a sua existência e crescimento.

A revolução industrial marcou profundas alterações no processo de urbanização, bem como a passagem de uma população predominantemente rural para uma população maioritariamente urbana (Abrantes & Gomes, 2020). O crescimento económico e o desenvolvimento dos transportes e comunicações permitiram a globalização dos mercados agrícolas, deixando a cidade de depender dos solos agrícolas periféricos, para os poder ocupar através do processo de urbanização (Howorth, 2011;

Abrantes & Gomes, 2020), rompendo com o modelo tradicional de abastecimento das cidades. Assim, as cadeias de abastecimento alimentar alteraram-se, deixando as cidades de depender da periferia para passar a depender de cadeias globais. Segundo Armar-Klemesu (2000), este fenómeno produziu impactes no que se refere à segurança alimentar das populações urbanas, uma vez que estas ficaram mais dependentes dos mercados e dos alimentos comercializados.

O processo de urbanização alterou inevitavelmente os padrões de povoamento e, por conseguinte, as relações campo-cidade, tornando-as mais complexas e com novas expressões espaciais (Abrantes & Gomes, 2020). Este processo implicou o fim da dicotomia urbano-rural, permitindo a sobreposição de aspetos rurais e urbanos, uma vez que áreas que outrora eram de cultivo, localizados na periferia da cidade, foram ocupadas por edificações e infraestruturas urbanas. No entanto, é ainda possível encontrar memórias deste mesmo passado, nomeadamente indícios de atividades agrícolas, tal como destacam Abrantes & Gomes (2020) ao notarem “se olharmos para o interior da cidade, verificamos que a agricultura nunca desapareceu, por exemplo, nos bairros e vilas operárias da cidade industrial, e à medida que a cidade se estendeu, algumas bolsas agrícolas parcialmente urbanizadas permaneceram”. Neste sentido, Telles (2005, citado por Vieira em 2017), refere que "já não há separação entre paisagem rural e urbana; existe sim Paisagem Global, sustentada por princípios fundamentais de equilíbrio ecológico, do contínuo natural e da funcionalidade em termos da perenidade dos sistemas”. Assim, a agricultura de pequena escala subsistiu na cidade, muito associada a questões culturais ou de segurança alimentar (Tornaghi, 2014). Em Lisboa, podemos observar isto mesmo. Espaços que outrora eram campos e grandes quintas agrícolas, hoje são parte integrante da cidade, restando vestígios das atividades agrícolas, designadamente no Vale de Chelas, entre outros (Gonçalves, 2014).

(20)

Mais recentemente, a agricultura urbana tem vindo a ganhar relevo graças ao agravamento dos problemas ambientais e à crescente preocupação com a qualidade dos alimentos (Sousa & Madureira, 2017). A agricultura urbana é hoje parte essencial dos objetivos do desenvolvimento sustentável, estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, dado os inúmeros contributos que esta pode dar à concretização dos mesmos. Uma análise recente de Nicholls et al., (2020), evidenciou que a agricultura urbana e periurbana tem potencial para contribuir objetivamente em 8 dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), num total de 17 objetivos definidos pelas Nações Unidas (Tabela 1). Os autores destacam a capacidade de a agricultura urbana contribuir para o desenvolvimento sustentável, nomeadamente no que se refere à “segurança alimentar na cidade (ODS 2), assim como para o meio ambiente (ODS 15) e a saúde e qualidade de vida humana (ODS3), em comparação com as práticas agroindustriais atuais”.

Além disto, a agricultura urbana tem conquistado espaço na cidade por ser vista como uma oportunidade para ocupar espaços “ociosos” nas cidades (Hespanhol, 2018), valorizando a paisagem urbana, criando espaços de recreio e lazer para os cidadãos, assim como de embelezamento da cidade, e promovendo a coesão social e a segurança alimentar das populações urbanas.

Com a tendência de crescimento da população urbana nas próximas décadas, são expectáveis problemas que colocam em causa a segurança alimentar, como o aumento das necessidades alimentares e o aumento dos preços. Urgem assim abordagens inovadoras no planeamento dos sistemas alimentares que incidam sobre a forma como gerimos a produção, distribuição e consumo de alimentos (Oliveira & Morgado, 2016).

(21)

Tabela 1. Contribuições (potenciais) da agricultura urbana/periurbana para as metas de metas de desenvolvimento sustentável Objetivos do

Desenvolvimento Sustentável

Alvo (quando relevante) Contribuição da agricultura

urbana Sinergias com Tensões com

1. Erradicar com a pobreza

Gerar rendimentos / Aliviar a necessidade de compra de

alimentos

2. Erradicar a fome

2.1. Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de alimentos todas as pessoas, em particular os mais pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a uma alimentação de qualidade, nutritiva e suficiente durante

todo o ano Aumento do acesso a

alimentos diversificados e nutritivos para as populações residentes em áreas urbanas

Redução das distâncias percorridas pelos alimentos

2.2. Até 2030, acabar com todas as formas de desnutrição, incluindo atingir, até 2025, as metas acordadas internacionalmente sobre nanismo e caquexia em crianças menores de cinco anos, e atender às necessidades nutricionais dos adolescentes, mulheres grávidas e

lactantes e pessoas idosas

Melhoria da saúde e bem-estar

2.4. Até 2030, garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas resilientes, que aumentem a produtividade e a produção, que ajudem a manter os ecossistemas, que fortaleçam a capacidade de adaptação às alterações climáticas, às condições meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, e que melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo

A agricultura urbana tem potencial para ser sustentável, produtiva, ajudar a resfriar as cidades e reduzir

inundações

Aumento da polinização e serviços de parasitas, melhoria

do acesso a espaços verdes, melhoria da resiliência do clima, vida no campo (ou nos

terrenos) , criação de emprego. menos emissões, como por exemplo fertilizantes

sintéticos

3. Saúde e Qualidade de

vida

2.4. Até 2030, reduzir num terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis via prevenção e tratamento, e promover a saúde mental e o bem-estar

Benefícios diretos para a saúde, melhor acesso a

alimentos nutritivos, benefícios potenciais para a saúde física e mental através

da atividade física e de melhores interações sociais

Educação de qualidade, crescimento econômico sustentado, inclusivo e

sustentável

Potencial de exposição de agricultores urbanos mal treinados

e equipados a pesticidas

7

(22)

8. Trabalho e crescimento económico

8.4. Melhorar progressivamente, até 2030, a eficiência dos recursos globais no consumo e na produção e empenhar- se em dissociar o crescimento económico da degradação ambiental, de acordo com o enquadramento decenal de programas sobre produção e consumo sustentáveis, com os países desenvolvidos a assumirem a liderança.

A agricultura urbana pode ser produtiva e de baixo

consumo

Produção e consumo sustentável, reciclagem de

água

11. Cidades e Comunidades Sustentáveis

11.3. Até 2030, aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e as capacidades para o planeamento e gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis

Proporciona acesso a espaços verdes; esfria

cidades; melhora a resistência a inundações

Redução da pressão sobre as terras rurais; Redução das distâncias percorridas pelos

alimentos

Concorrência com espaço para infraestrutura, habitação, etc.

Necessidades de água potável para irrigação

12. Produção e consumo sustentáveis

12.2. Até 2030, alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais.

Fornece

uma forma sustentável de produção de alimentos; pode

utilizar águas residuais para irrigação

Cidades mais sustentáveis

Implicações sanitárias;

e ambientais em condições de gestão inadequada de

resíduos e contaminação do solo por uso anterior 12.3. Até 2030, reduzir para metade o desperdício de

alimentos per capita a nível mundial, de retalho e do consumidor, e reduzir os desperdícios de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo os que ocorrem pós-colheita.

Cadeia de abastecimento alimentar curta; potencial de

interação direta entre produtores e consumidores

Maior acesso decorrente de maior oferta (e menor custo)

de alimentos

13. Acão climática

13.1. Reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados com o clima e as catástrofes naturais

Diversidade e redundância na produção de alimentos e cadeias de abastecimento aumentam a resiliência

Práticas agrícolas resilientes que fortalecem a capacidade de adaptação às mudanças

climáticas

15. Proteger a vida terrestre

15.1 Até 2020, assegurar a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e de água doce interiores e seus serviços, em especial florestas, zonas húmidas, montanhas e terras áridas, em conformidade com as obrigações decorrentes dos acordos internacionais.

Aumenta a biodiversidade animal e vegetal nas cidades

Melhorar a resiliência climática da cidade, por exemplo, atenuação de tempestades, efeito de ilha de calor reduzido, aumento de polinização e serviços de pragas, melhorar o acesso a espaços verdes

Potencial para menor produtividade (no curto

prazo) se forem adotadas abordagens

agrícolas de baixo rendimento Fonte: Adaptado de Nicholls et al., (2020)

(23)

1.2. O conceito de agricultura urbana

Apesar da agricultura urbana ter sido um elemento relevante na subsistência das populações urbanas ao longo da história, o conceito só começou a ser discutido a partir de meados de 1980 (Stewart, et al., 2013).

A agricultura urbana é um tema vasto e complexo, logo, a leitura sobre a matéria não é consensual entre os vários autores. Na verdade, o problema inicia-se na própria definição de agricultura urbana. Se por um lado é clara a distinção entre agricultura rural e agricultura urbana para os autores, por outro, a limitação do conceito da segunda já não é tão clara devido à multiplicidade de formas existentes internacionalmente, que variam consoante as características socioeconómicas, geográficas e políticas locais (Stewart, et al., 2013).

Muitos autores defendem que agricultura urbana pode ser entendida como intraurbana ou periurbana, implantar-se em solos privados ou públicos (Sousa & Madureira, 2017). Esta visão sobre a agricultura urbana cria uma vastidão de caraterísticas diferenciadas, de acordo com a sua localização, tamanho, escala, técnicas de produção e finalidade dos produtos (Hodgson et al., 2011). Outros autores, com uma visão mais objetiva, defendem apenas que se deve considerar por agricultura urbana a agricultura intraurbana, isto é, aquela que se desenvolve dentro dos limites urbanos e que geralmente ocupa pequenas parcelas, ocorrendo com frequência em terrenos abandonados e que não são propriedade do utilitário, tendendo a ser uma atividade voltada para o autoconsumo e sem uma estrutura empresarial de suporte (Rodrigues, 2006). Apesar da FAO (2001) considerar que as agriculturas periurbana e intraurbana fazem ambas parte da agricultura urbana, faz a distinção entre as duas.

Tabela 2. Diferenças entre Agricultura Intraurbana e Periurbana.

Agricultura Intraurbana Agricultura Periurbana

● Situada em espaços de pequena escala, e inserida em locais urbanizados;

● Praticada em locais de maior densidade

● Tecnologia adaptada às pequenas dimensões das parcelas e subsistência dos hortelões;

● Elevado custo da terra;

● Maior proximidade física aos mercados;

● Menor disponibilidade de recursos naturais (terra);

● Pior qualidade do ar atmosférico;

● Trabalho a part time;

● A sua expansão é possível, mas nunca se poderá transformar em Agricultura Periurbana.

● Situada em espaços de maior escala e inserida em locais que correm “perigo” de se tornarem urbanizados;

● Praticada em locais de menor densidade populacional;

● Tecnologia adaptada às grandes dimensões das parcelas e à comercialização dos produtos;

● Custo mais baixo da terra;

● Menor proximidade física a mercados

● Maior disponibilidade de recursos naturais(terra);

● Melhor qualidade do ar atmosférico;

● Trabalho a tempo inteiro;

● Em função da crescente urbanização, poder-se- á transformar em Agricultura Intraurbana.

Fonte: FAO (2001)

(24)

Apesar dos esforços dos diferentes autores para definir e caracterizar objetivamente a agricultura urbana, a sua principal característica e aquilo que a define é a capacidade desta atividade possuir um elo de ligação com a cidade. Tal como defende Mougeot (2000), o que distingue a agricultura urbana da agricultura rural é a “sua integração no sistema económico e ecológico urbano (...) não é a localização urbana que distingue a agricultura urbana, é sim o facto de ela estar integrada e interagir com o ecossistema urbano”. A agricultura urbana encontra-se diretamente ligada ao metabolismo da cidade, sendo capaz de consumir e gerar recursos de e para a cidade (Delgado, 2017), compondo assim um conjunto de serviços ecossistémicos que beneficiam a cidade e a sua população que não se esgotam na capacidade de produção de alimentos.

Contudo, para a discussão do presente tema importa destacar a noção de escala de produção da agricultura urbana. Aqui os autores fazem uma distinção entre pequenas e grandes produções, no que se refere às grandes produções, a literatura referente ao tema está essencialmente voltada para o âmbito empresarial, sendo o objetivo destes espaços agrícolas beneficiar da proximidade às populações urbanas. Já as produções de pequena escala estão associadas a objetivos mais sociais e à baixa dependência económica relativamente aos seus produtos (Parlamento Europeu, 2017).

As produções da agricultura urbana de pequena escala tendem a ser pouco intensivas em mão de obra, contudo caracterizam-se por uma grande diversidade de culturas (Nicholls et al., 2017). Alguns autores apontam ainda para a multiplicidade de atividades que lhe são subjacentes a esta atividade, desde o cultivo de vegetais à criação de animais (Mougeot, 2000; Hodgson, Campbell, & Bailkey, 2011).

1.3. As tipologias da agricultura urbana

A extensão do conceito da agricultura urbana permite a sua expansão em diferentes infraestruturas que possuem diferentes formas de integração no espaço urbano, como em “parcelas desocupadas, em jardins privados, na orla das estradas, em recipientes, em varandas, em terraços, na cobertura de edifícios, em jardins e parques, em viveiros, em jardins escolares, em quintais de instituições sociais, em espaços abertos, junto a linhas de caminho de ferro, na proximidade de rios e em terrenos comunitários” (Leal, 2015). O entendimento das dinâmicas socioeconómicas e ambientais de cada uma das tipologias tem de ter em consideração a “escala, natureza e propósito de diferentes operações de produção de alimentos” (Oliveira & Morgado, 2016).

Entre as tipologias mais representativas da agricultura urbana nas cidades, sendo difícil dissociar uma da outra, destacam-se as hortas urbanas. Esta relação deve-se à sua capacidade de se relacionar com o desenho urbano e com a rede de infraestruturação de unidades funcionais da cidade, tanto da componente ecológica, como da rede de espaços públicos (Ramos A., 2011). As hortas urbanas caracterizam-se por ser ecossistemas seminaturais, de pequena escala e altamente fragmentados, devido à parca disponibilidade de solos, e são espaços ricos em qualidade (complexos em termos vegetativos e ricos em espécies) (Howorth, 2011; Lin et al., 2017), cujos produtos cultivados

(25)

são direcionados, essencialmente, para o autoconsumo do hortelão (Pegas, 2019). Segundo Howorth (2011), a localização no sistema urbano representa uma forma “instintiva de utilizar os espaços intersticiais das cidades, como os locais entre prédios ou bairros, taludes de estradas, locais deixados ao abandono pelos municípios, por debaixo de pontes ou simplesmente em zonas onde não é possível a construção de edifícios”.

Na cidade, as hortas urbanas podem estar localizadas em propriedades privadas ou públicas (Lin et al., 2017). As hortas podem ser de âmbito privado, localizando-se normalmente em terrenos privados numa área adjacente à residência, ou de âmbito comunitário, espaços localizados em terrenos públicos ou privados, moldados por elementos de colaboração e coprodução, dado a parceria que estabelecem com a comunidade em que se inserem (Specht, et al., 2021). Quanto à forma de utilização do solo pode-se distinguir as hortas comunitárias, entre hortas de cariz informal e cariz formal. As hortas informais surgem em áreas não edificadas, em terrenos em que o utilitário não tem a posse do terreno (Nicholls, et al., 2020). Correspondem tipicamente a espaços abertos ao público, geridos por grupos de pessoas locais, e não são frequentemente reguladas por uma entidade local (Li net al., 2017). Já as hortas de cariz formal correspondem ao cultivo de pequenas parcelas, disponibilizados pela autoridade local, que normalmente, tem como objetivo primordial o estabelecimento de um espaço de lazer / hobby (Nicholls, et al., 2020). A organização destes espaços é devidamente pensada e integrada no planeamento urbano (Pegas, 2019).

Genericamente, os indivíduos que procuram as hortas urbanas buscam um complemento para o rendimento familiar ou lazer, sendo que os produtos que daí resultam destinam-se ao consumo familiar ou comunitário, através da venda dos mesmos (Silva & Monte, 2014). A implantação das hortas urbanas podem estar relacionados com diversas razões, destacando Silva & Monte (2014) alguns exemplos, “social (inclusão de minorias étnicas), ecológico (desenvolvimento sustentável), para a saúde (consumo de alimentos frescos) e económicos (gerar rendimentos para desempregados)”.

1.4 Serviços de ecossistema prestados pela agricultura urbana

Os serviços prestados pelo ecossistema, designados por serviços ecológicos, “são definidos como bens, serviços e benefícios de natureza material ou imaterial, que as pessoas recebem dos ecossistemas, ou como contribuições diretas ou indiretas para o desenvolvimento humano”, e consistem numa série de processos bióticos e abióticos interrelacionados (Madureira, 2016). Os benefícios obtidos a partir dos ecossistemas, sejam eles sistemas naturais, naturalizados ou seminaturais, são importantes para o bem-estar humano, a coesão sociocultural e as atividades económicas (Oliveira & Morgado, 2016). Como tal, o seu entendimento é importante para o planeamento urbano, dado que ajuda a decidir quais os melhores usos do solo para um determinado local.

(26)

Com base nos relatórios Millennium Ecosystem Assessment (2005), foram identificados diferentes tipos de serviços ecológicos, agrupados em quatro categorias diferentes:

Serviços de Suporte – serviços fundamentais para a produção de todos os outros serviços, com impactos indiretos sobre os seres humanos, como a produção de oxigénio, formação do solo ou o ciclo da água;

Serviços de Regulação – benefícios “intangíveis” (em geral, sem valor de mercado) resultantes da regulação dos processos, como por exemplo a regulação climática e hidrológica, a manutenção da qualidade do ar ou a polonização;

Serviços Culturais – benefícios diretos não materiais obtidos dos ecossistemas, como por exemplo a recreação e o lazer, a educação, as relações sociais e o valor estético da paisagem.

A estimativa do valor de mercado destes serviços é de acrescida dificuldade;

Serviços de Produção – produtos/bens obtidos a partir dos ecossistemas, como por exemplo alimentos, combustível ou produtos naturais farmacêuticos.

Segundo Nascimento M. R. (2018) a “disponibilidade de serviços ecológicos nas cidades depende diretamente quer da quantidade quer da qualidade da infraestrutura verde urbana”. Neste sentido, a vitalidade das cidades e do bem-estar das populações urbanas, está diretamente relacionada com a diversidade e quantidade de biodiversidade presente na cidade, dado que quanto maior estas forem, mais serviços ecológicos serão prestados, e consequentemente maior vai ser o valor económico das infraestruturas verdes (Oliveira & Morgado, 2016).

A agricultura urbana presta serviços de ecossistema de diferentes naturezas, que produzem benefícios desde a melhoria do ambiente urbano (purificação do ar, regulação climática, promoção da biodiversidade, entre outros), até à inclusão da função cultural e ao fomento das relações sociais (contacto com a natureza, promoção dos laços sociais e sentido de comunidade, entre outros).

Figura 2. O amplo conjunto de serviços de ecossistema fornecidos pela agricultura urbana Fonte:Adaptado de Zanzi, et al., 2015

(27)

Os serviços de produção, nomeadamente a produção de alimentos é especialmente relevante para o presente trabalho. A Figura 3 elucida o impacte que este serviço de ecossistema tem no bem- estar das populações urbanas. É possível perceber que a ligação/relação entre os serviços de ecossistema e os constituintes do bem-estar/o impacto dos serviços de ecossistema sobre os constituintes do bem-estar que é comumente encontrada, e inclui a influência dos fatores socioeconómicos nessa ligação/relação. Segundo a mesma, destaca-se a relação entre o serviço de ecossistema “Produção” e os constituintes do bem-estar “Segurança” e “Recursos Básicos” de intensidade média e alta, respetivamente. Por outras palavras, existe uma relação clara entre os serviços de produção e o acesso aos recursos básicos e à segurança dos indivíduos. De igual modo, é possível observar o alto potencial de mediação dos fatores socioeconómicos nessa relação, ou seja, a grande capacidade destes de influenciar/condicionar a intensidade do impacto dos serviços de produção sobre os constituintes do bem-estar segurança e recursos básicos. Assim, a relação entre os serviços de produção e os constituintes do bem-estar segurança e recursos básicos é mais sensível aos fatores socioeconómicos do que qualquer outra, ou seja, os fatores socioeconómicos possuem um maior potencial de mediação nas relações produção - segurança e produção - recursos básicos.

Significa isto que uma comunidade de fracas condições socioeconómicas vai possuir maior dificuldade em colmatar ou substituir o serviço de produção se este se degradar, causando impactos mais graves ao nível da segurança e no acesso a recursos básicos.

Figura 3. Relação entre os serviços dos ecossistemas e o bem-estar humano Fonte: Millennium Ecosystem Assessment, 2005

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1.5. O papel da agricultura urbana no planeamento da cidade e as suas dimensões

Os espaços verdes desempenham um papel crucial na qualidade de vida que as cidades podem oferecer, estando intimamente ligados à construção de uma cidade mais robusta e capaz de responder aos desafios que as sociedades atuais enfrentam. Para Oliveira & Morgado (2016), a alimentação é um elemento central para a resiliência e sustentabilidade de um local, já que “todas as fases do sistema alimentar urbano (produção, transformação, distribuição e consumo) podem ter uma tradução direta em termos espaciais dentro da cidade”. Neste sentido, para os autores a integração da agricultura no planeamento urbano passa por alocar alguns terrenos urbanos à produção alimentar, aproveitando todos os serviços de ecossistema que esta atividade pode fornecer.

Uma das principais razões para entender a relevância da integração da agricultura na infraestrutura verde da cidade passa necessariamente por entender os contributos desta no ecossistema urbano (Lin et al., 2015). Segundo Howorth (2011), a agricultura urbana tem sido vista como uma atividade que contribuiu beneficamente para o ambiente, mas também para o bem-estar da população do meio urbano. O autor sintetiza as vantagens da agricultura urbana em três grandes vertentes económicas, ecológicas e sociais.

No que se refere às motivações económicas, a produção de produtos alimentares, que normalmente são destinados ao autoconsumo, contribui para o sustento alimentar de famílias mais carenciadas que, de outra forma, poderia faltar, ou para o aumento do rendimento das famílias, através da diminuição das despesas alimentares ou da venda de excedentes de produção (Ackerman, et al., 2014). Estes excedentes podem também integrar cadeias locais de abastecimento, representando uma mais-valia para a população urbana. Segundo Oliveira & Morgado (2016), a integração da agricultura urbana pode ser especialmente relevante em alturas de crise económica e de contenção urbana.

A agricultura urbana pode também ser motivada pelo seu carácter ecológico, podendo contribuir para a melhoria da qualidade do ambiente urbano e contribuindo para a mitigação de componentes do clima na cidade (Silva & Monte, 2014), assim como ajuda a fechar o ciclo de nutrientes, nomeadamente através da compostagem, assim como pode contribuir para reciclagem de resíduos domésticos (Nogeire-McRae, et al., 2018). Contudo, a relação da agricultura com o meio bidirecional, “já que esta depende do meio, mas também o influencia, por interferir nos processos e dinâmicas dos ecossistemas, constituindo um fator de distúrbio” (Ramos I. L., 2000). O distúrbio produzido pela agricultura urbana em meio urbano, pode levar à formação de novos equilíbrios, que possibilitam o aumento e conservação da biodiversidade da paisagem urbana e a incorporação de novos espaços verdes em meio urbano (Orsini, et al., 2014). Outros autores apontam ainda como razões para a integração da agricultura em meio urbano, a introdução de estética e preservação da paisagem.

No âmbito social, a agricultura urbana aumenta a participação cívica e o envolvimento social (Nogeire-McRae, et al., 2018), promove a coesão das comunidades locais, o sentido de comunidade e inclusão social (Leal, 2015) através do reforço dos laços sociais. É vista como um meio de promoção

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da resiliência de comunidades desfavorecidas, oferecendo aos moradores a oportunidade de se envolverem na atividade e retirarem proveito dela, com a produção e aquisição de alimentos (Ackerman, et al., 2014). Pode-se, assim, considerar a agricultura urbana como um espaço recreativo e de lazer, capaz de atuar como um elemento de promoção da saúde (física e psicológica) dos cidadãos que nela participam.

As áreas de produção agrícola que podem integrar uma área urbana possuem diferentes formas de integração no espaço urbano, tal como anteriormente mencionado. Sendo o objeto do presente trabalho as hortas urbanas, importa perceber a capacidade de integração desta tipologia na cidade e a sua relevância para o sistema alimentar urbano. Não tendo a capacidade de produção dos parques agrícolas urbanos, dificilmente as hortas urbanas conseguem desempenhar um papel relevante no abastecimento das cidades. No entanto, podem ter um impacto muito positivo ao nível local, nas comunidades onde se inserem, especialmente sobre as famílias que participam na atividade.

Tendo a capacidade de se relacionar de forma mais direta com a cidade e a urbanidade, comparativamente às outras tipologias da agricultura urbana, os autores consideram que as hortas urbanas possuem um grande potencial na criação de comunidades e ambientes urbanos sustentáveis, dada a sua faculdade de reduzir as cadeias de abastecimento alimentar, promover a segurança alimentar e gerir os resíduos urbanos, entre outros.

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2. Agricultura urbana, a segurança alimentar e populações vulneráveis

2.1. O conceito de segurança alimentar

A segurança alimentar é vista como um “direito fundamental”, tendo o seu conceito nascido na década de 1970, com o seu enfoque inicial na disponibilidade dos alimentos. Na Conferência Mundial de Alimentos de 1974, foram identificados a disponibilidade de alimentos e o seu preço como os principais critérios da segurança alimentar (Armar-Klemesu, 2000). A definição enfatizava a necessidade de mais produção de alimentos como resposta à fome no mundo, que segundo previsões da FAO, em 1970, afetava cerca de 30% da população mundial (Berry, et al., 2015). Neste sentido, o enfoque do conceito da segurança alimentar na disponibilidade de alimentos, remetia essencialmente para a oferta de alimentos, ou seja, para quantidade de alimentos existentes no mercado.

A mudança de paradigma surge com um melhor conhecimento do “funcionamento dos mercados agrícolas sob condições de stress e de como as populações em risco se encontraram na situação de não conseguir aceder a alimentos levou à expansão da definição de segurança alimentar”

(Berry, et al., 2015). Segundo Armar-Klemesu (2000) percebeu-se que o “problema da fome estava mais relacionado com a distribuição desigual de alimentos, (…) deixando de ser simplesmente uma questão de disponibilidade de alimentos (no âmbito nacional ou mesmo nível local) para ser uma questão mais complexa de acesso (nível familiar ou individual)”. Neste momento, para além da oferta de alimentos, começou-se a considerar o papel chave que a procura também tinha no estabelecimento do conceito de segurança alimentar.

Segundo a Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial e Plano de Ação da Cimeira da Alimentação de 1996, a segurança alimentar ocorre quando todas as pessoas tiverem “em todo o momento, acesso físico e económico a uma quantidade suficiente de alimentos seguros e nutritivos para satisfazer as suas necessidades e preferências alimentares e nutricionais, a fim de levarem uma vida ativa e saudável” (FAO, 1996). Ou seja, a definição de segurança alimentar deixou de considerar a disponibilidade de alimentos como o seu único pilar, passando também a englobar aspetos relacionados com o acesso, qualidade e a estabilidade dos alimentos (Duchemin, Wegmuller,

& Legault, 2008 e Stewart, et al., 2013). O acesso remete para a capacidade de uma família ou individuo aceder a alimentos suficientes para uma dieta nutritiva e variada, englobando esta dimensão fatores relacionados com o meio físico (como o transporte) e económicos (o poder de compra de alimentos), e também as preferências socioculturais (Berry, et al., 2015). Já a qualidade dos alimentos refere-se às questões relacionadas com a segurança do alimento e seus efeitos na saúde humana (Smith & Gregory, 2012), tendo as condições onde a atividade é praticada uma forte influência. O conceito da FAO considera ainda outro elemento - a estabilidade - sendo que este aspeto é aplicado aos outros fatores já referidos (disponibilidade, acesso e qualidade) (FAO, 2007), e enfatiza a importância de trazer uma dimensão temporal ao conceito de segurança alimentar (Berry, et al., 2015).

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Sendo expectável que nas próximas décadas, “as mudanças climáticas, o crescimento populacional, o aumento do preço dos alimentos e os fatores de pressão ambientais terão impactos significativos, no entanto incertos, sobre a segurança alimentar” (IFPRI, 2022), é impossível separar a questão alimentar da sustentabilidade. Neste sentido, é necessário interligar a sustentabilidade ao conceito de segurança alimentar, dado a necessidade de, por um lado, diminuir os impactos da produção de alimentos no meio ambiente e na biodiversidade, e por outro garantir, a longo prazo, todas as outras dimensões da segurança alimentar (disponibilidade, acesso e qualidade e estabilidade) (Smith & Gregory, 2012). Tal como refere Berry, et al. (2015), sem a “integração da sustentabilidade como uma dimensão explícita da segurança (quinta?) da segurança alimentar, as políticas e programas de hoje podem se tornar a própria causa do aumento da insegurança alimentar no futuro”.

2.1.1 A relevância da agricultura urbana para a segurança alimentar das populações urbanas

Tal como já discutido, a crescente valorização da segurança alimentar (Duchemin et al., 2008) foi um dos principais fatores que contribuiu para o impulso da agricultura urbana, sendo que esta é também um fator de segurança alimentar, mostrando-se de especial interesse para as comunidades vulneráveis.

Tal como exposto na Figura 4, acredita-se que a agricultura urbana contribuiu para a melhoria da segurança alimentar das populações urbanas, seja pela capacidade de melhorar a acessibilidade alimentar ou potenciar rendimentos extra (Armar-Klemesu, 2000).

Se por um lado, a agricultura urbana possibilita o acesso a alimentos frescos, diversificados, acessíveis e seguros, devido à proximidade entre o local de produção e o local de consumo, também garante a estabilidade deste mesmo fornecimento (Kennard & Bamford, 2020 e Adagói, 2015). Do mesmo modo, vários estudos apontam para que os agricultores urbanos consumam mais vegetais do que os não agricultores (Egal, Valstar, & Meershoek, 2001), promovendo assim uma alimentação mais saudável.

Por outro lado, a agricultura urbana é capaz de potenciar rendimentos extra (Mougeot, 2006 e (Ackerman, et al., 2014), seja pela poupança, através do consumo de alimentos produzidos em casa que são mais baratos de produzir do que comprar no mercado, ou através da comercialização dos produtos cultivados (Stewart, et al., 2013).

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Figura 4. Caminhos chave para a segurança alimentar Fonte: Stewart, et al. (2013) Para Bellows e colegas (2008), pequenas parcelas agrícolas são “capazes de fornecer a maior parte das necessidades vegetais totais de um agregado familiar, incluindo grande parte das necessidades nutricionais”. No entanto, a maior parte dos estudos aponta que, dada a pequena produção, os custos e o tempo necessário para cuidar destes espaços, é improvável que a agricultura urbana assegure a autossuficiência alimentar das famílias que participam na atividade, contrariando Bellows e colegas (Nogeire-McRae, et al., 2018; Ackerman, et al., 2014; Mougeot., 2000).

Num estudo realizado por Nogeire-McRae e colegas (2018) em Fort Collins, Colorado, Estados Unidos, foi estimada a capacidade de um pequeno terreno (3,05 por 3,05 metros) dentro dos limites da cidade abastecer com legumes frescos e ovos os morados da cidade. Segundo os autores, uma pequena horta pode render cerca de 18 quilos de produtos por estação, 16% do mínimo de frutas e vegetais (110 quilos) recomendados para uma única pessoa, destacando que esta quantidade de produtos se traduzia numa poupança anual de 70$. Destacam ainda que essa mesma horta “fornecia 9,2% das proteínas, 23% de vitaminas K”, 20% de vitaminas C e quantidades menores de outros nutrientes e vitaminas”, das necessidades nutricionais anuais de um indivíduo.

Agricultura Urbana

Melhoria do acesso a produtos alimentares

Aumento do orçamento familiar

Maior quantidade total de produtos alimentares

disponíveis

Acesso doméstico direto a produtos alimentares nutritivos

e diversificados

Poupar rendimentos Gerar rendimento

Aumento da ingestão de calorias e diminuição da experiência de fome

Maior ingestão de micronutrientes e uma

dieta mais equilibrada e saudável

Menos gastos na compra de alimentos

Venda ou comércio de excedentes de alimentos cultivados

internamente

Mais receita disponível para gastar em produtos alimentares e

prevenir crises alimentares

Aumento dos níveis da segurança alimentar urbana

(33)

Não há assim evidências na literatura de que a agricultura urbana possa, por si só, ser um garante de segurança alimentar, uma vez que a mesma não consegue satisfazer todas necessidades das famílias que participam na atividade. Apesar de ser reconhecido que “agricultura urbana já fornece uma parcela significativa de alimentos” (Ackerman, et al., 2014), o seu potencial para a segurança alimentar, em qualquer uma das vias “custo de oportunidade” apresentadas na Figura 4, está dependente da ineficiência do atual sistema alimentar (Stewart, et al., 2013). Para Stewart e colegas, (2013), “lidar com a insegurança alimentar urbana, requer um ato de equilíbrio entre a agricultura urbana (o custo de oportunidade de produzir seus próprios alimentos) e mercados de alimentos urbanos mais eficientes (tornando os alimentos que você compra mais baratos)”.

Sendo as populações urbanas são mais suscetíveis a eventos de crise alimentar, é crucial pensar no sistema alimentar mais diverso e multifuncional (Oliveira & Morgado, 2016). Desta forma, a agricultura urbana pode ter um papel ao lidar com a pobreza urbana e insegurança alimentar, sendo uma das ferramentas integrante deste mesmo sistema, sendo capaz de contribuir para o aumento da resiliência das populações urbanas, especialmente as de cariz mais vulnerável.

2.2.2 Riscos ambientais associados à agricultura urbana e segurança do alimento

Apesar da atividade agrícola em meios urbanos incorporar inúmeros benefícios, esta pode ter riscos associados, provocados por condicionantes do meio urbano, com graves implicações na segurança do alimento. O facto de a agricultura urbana ser praticada em áreas “densamente povoadas, próximas de habitações e cursos de água” faz com que seja “mais passível de promover ou agravar os problemas de contaminação, tanto dos alimentos, como do ambiente” (Tedesco, 2013). No mesmo sentido, Ackerman e colegas (2014) defendem que os principais problemas para a qualidade dos alimentos resultantes da prática agrícola em meio urbano relacionam-se com a contaminação, tanto química como biológica, dos alimentos, que decorre de más práticas agrícolas durante o processo de produção e distribuição/comercialização dos produtos, mas também da seleção ou localização da cultura sem a devida consideração à exposição a poluentes no ar, no solo e na água.

Como o solo urbano está sujeito a mais intervenções, construções, transformações e demolições, e como tal, vê uma redução na sua qualidade para a prática agrícola devido aos níveis de contaminação que pode concentrar, sendo a base elementar da agricultura, é o elemento que mais impacto direto tem na qualidade dos produtos (Howorth, 2011). Dada a abundância de resíduos que se produzem na cidade com potencial de reutilização e aproveitamento para a atividade agricultura, pode- se considerar que o solo urbano não está sujeito a problemas de fertilidade (Tedesco, 2013). Contudo, o mau manuseio e aplicação destes resíduos (como resíduos orgânicos ou fezes de animais) está associado a riscos para a saúde dos consumidores, embora esta seja uma prática favorável à prática agrícola (Ackerman, et al., 2014).

Referências

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