• Nenhum resultado encontrado

Perceção dos inquiridos sobre a política e gestão municipal e a estratégia para as hortas

4. A Agricultura Urbana na cidade de Lisboa

4.4. A segurança alimentar das populações vulneráreis partir da visão dos hortelões

4.4.7. Perceção dos inquiridos sobre a política e gestão municipal e a estratégia para as hortas

Quando questionado aos hortelões se consideravam que devia haver mais hortas, 94,6%

considerou que “sim”, independentemente de estas serem de caráter municipal ou informal. Aliás, 45,9% do universo inquirido considera mesmo que as hortas informais existentes nas várias zonas da cidade de Lisboa não deviam ser integradas na rede de Parques Hortícolas Municipais, considerando, em muitos casos, que estas desempenham um papel importante, ao nível local, na manutenção e limpeza do espaço público, algo que seria incomportável para o município caso se decidisse proibir a existência destas hortas para criar unicamente hortas de cariz regularizado. Outros hortelões, especialmente os de hortas dispersas, apontam que as regras existentes nos Parques Hortícolas Municipais são um fator inibitivo da consideração da integração das hortas dispersas na rede de Parques Hortícolas.

Com o intuito de compreender a relevância das hortas na vida dos hortelões, especialmente para perceber as diferenças entre os hortelões das hortas dispersas e dos hortelões do Parques Hortícolas, foi questionado se os mesmo tinham receio de perder a horta, ao que, genericamente, a grande maioria respondeu que não (85,1%). A totalidade dos hortelões das áreas de hortas dispersas respondeu que não tinha medo de perder a horta, enquanto somente 16,9% dos hortelões de Parques Hortícolas responderam afirmativamente.

Importa, contudo, notar que a situação profissional do hortelão é um fator relevante para compreender o sentido de resposta e, subsequentemente, as razões da mesma. Neste sentido, consta que 20% dos hortelões que se encontravam desempregados tinham medo de perder a horta, 17% dos reformados/pensionistas responderam no mesmo sentido, e por fim, apenas 9% dos hortelões que responderam que estavam empregados referiram terem medo de perder a horta.

10

83 ,3%

16,7%

66,7%

Os inquiridos que referiram que tinham medo de perder a horta apontam como principais razões o medo de perder o hobby (44,4%) e as dificuldades financeiras do agregado familiar (33,3%).

Questionado aos hortelões se consideram que a horta pode desempenhar um papel na redução das vulnerabilidades sociais, 68,9% constatou que “sim”, 23% achava que “não” e 8,1% optou por não responder ou não tinha uma opinião formada relativamente ao assunto. Dos inquiridos que consideravam que a horta pode desempenhar um papel atenuador das vulnerabilidades sociais, 74,5%

considerava que a horta é relevante para a poupança do orçamento familiar dos agregados familiares mais vulneráveis, 60,8% para a diminuição das carências alimentares e 56,9% para a melhoria da alimentação.

Poupança do orçamento familiar 74,5%

Melhoria da alimentação familiar Inclusão social / Coesão social Diminuição das carências alimentares

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%

Figura 38. Principais razões por a horta atuar como um atenuador das vulnerabilidades sociais (%) Fonte: Inquérito aos hortelões, 2021; Autor: Elaboração própria O Figura 39 sintetiza as respostas dos inquiridos dos Parques Hortícolas alvo do estudo quanto à sua avaliação do papel do município na gestão e política das hortas dos Parques Hortícolas. Foi então pedido aos mesmo que classificassem o desempenho da CML nas suas funções relativamente a esta temática como “muito mau”, “mau”, “suficiente”, “bom” e “muito bom”. Cerca de 29% do universo inquirido considera que o papel do município é “mau” e 11% “muito mau”. Contudo, a maioria considera que a CML desenvolve um trabalho “suficiente” (28%), segundo as expetativas dos hortelões, e 23%

um bom trabalho.

Particularizando cada parque hortícola, verifica-se que 33,3% dos hortelões do Parque Hortícola do Vale do Fundão considera que a CML desenvolve um trabalho “muito bom” e 11,1% “muito bom”, e 55,6% dos hortelões do Parque Hortícola da Vinha responderam que o município desenvolve um trabalho “bom”, sendo estes dois os Parques Hortícolas com os hortelões mais satisfeitos com a gestão e política camarária. Contrariamente, o Parque Hortícola do Vale de Chela, com 12,8% dos hortelões a considerar que a CML desenvolve um trabalho “muito mau” e 33,3% “mau”, é o Parque Hortícola com os hortelões que mostram mais descontentamento com a atividade do município.

56,9%

2,0%

60,8%

81 Figura 3.Classificação da atividade do município na gestão e política das hortas (%)

Fonte: Inquérito aos hortelões, 2021; Elaboração própria Por fim, foi pedido ao universo de estudo que apontasse as principais dificuldades que encontra na gestão das hortas urbanas e, subsequentemente, de que modo poderiam ser melhorados estes aspetos. De modo geral, os hortelões dos parques hortícolas apontaram dificuldades que sentem quotidianamente no cultivo das suas hortas.

A falta de manutenção dos caminhos e dos espaços partilhados pelos hortelões, de responsabilidade municipal, é um dos principais problemas que os hortelões apontam genericamente em todos os parques hortícolas. De facto, verificou-se, regularmente, durante o trabalho de campo esta falta de manutenção, causando constrangimentos aos hortelões, dificultando o acesso às suas hortas, especialmente quando a orografia do terreno já é particularmente difícil, como é o caso do Parque Hortícola do Vale de Chelas.

Outro problema constatado, genericamente, por grande parte dos hortelões dos Parques Hortícolas relaciona-se com a infraestruturação destes espaços, nomeadamente inexistência de casas de banho, uma grave falha aquando do planeamento dos parques hortícolas, uma vez que não foi considerado que muitos hortelões passam aí grande parte do seu dia. Alguns inquiridos apontam ainda a necessidade da instalação de caixotes do lixo, e alguns hortelões do Parque Hortícola da Vinha sugeriram ainda a necessidade de plantar árvores a ladear o Parque para amparar as hortas do vento que frequentemente se faz sentir devido à altitude do terreno.

Ao nível do fornecimento de água nas hortas, foram ainda apontadas algumas falhas por parte dos hortelões, nomeadamente falhas de água e a demora na sua reparação, a falta de água dentro da horta e o desperdício de água causado por ruturas, testemunhando-se esta última falha durante o trabalho de campo no Parque Hortícola do Vale de Chelas. Foi ainda apontado pelos hortelões dos diferentes parques hortícolas, especialmente do Parque Hortícola do Vale de Chelas, que a supressão do fornecimento de estrume dificulta o cultivo das hortas, uma vez que “os solos não são bons, desde as obras realizadas para a criação do Parque Hortícola”, tal como refere um inquirido, obrigando as pessoas a “recorrer a fertilizantes químicos ou outros”, e mesmo que “até sejam os próprios hortelões

12,8% 12,5% 11,1% 11,0%

33,3%

25,0%

22,2%

22,2% 29,0%

28,2%

37,5%

33,3% 11,1%

28,0%

17,9% 25,0%

11,1%

55,6%

23,0%

7,7%

33,3%

9,0%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Parque vale de chelas

Quinta das flores Vale do Fundão Vinha Total Muito mau Mau Suficiente Bom Muito bom

a ir buscar o estrume é sempre um constrangimento por causa dos transportes”, refere outro inquirido.

Contudo, é reconhecido por um outro inquirido que, apesar de reconhecer a necessidade do estrume para o cultivo da sua horta, a maioria dos hortelões não sabe aplicá-lo, levando à formação de bactérias nos solos, sendo este o potencial motivo para a CML deixar de fornecer este fertilizante natural.

Alguns hortelões manifestam-se em discordância com a política e as normas de gestão dos parques hortícolas. A nível político, alguns hortelões defendem que devia haver mais apoios para si, especialmente os mais idosos, nomeadamente em alguns dos aspetos anteriormente referidos, como o fornecimento de fertilizantes naturais ou a instalação de casas de banho, assim como apoiar os mais idosos na atividade (que correspondem à larga maioria do universo inquirido). São ainda apontadas por um hortelão da Quinta das Flores a “falta de transparência no processo de seleção dos hortelões” e as

“cunhas na atribuição de compostagem”. Ao nível das normas de gestão dos parques hortícolas, alguns hortelões defendem que existem “muitas regras” que limitam “incompreensivelmente” a existência de certas culturas na horta, como árvores de fruto, não sentido uma abertura da CML para ouvir os hortelões quanto ao tipo de culturas que podem ou não plantar, cabendo às equipas de fiscalização da câmara estabelecer o contacto com os hortelões para o cumprimento das regras. Outros salientam o desinteresse da CML por estes espaços, pedindo uma gestão dos parques hortícolas mais célere, nomeadamente com a resolução dos problemas ou conflitos entre hortelões de forma mais eficaz, a melhoria da segurança, o combate ao vandalismo e à destruição dos equipamentos e ferramentas dos hortelões, e a manutenção dos espaços exteriores à horta.

Outro aspeto apontado, especialmente no Parques Hortícolas do Vale de Chelas, considerando que aqui a população de hortelões é maioritariamente constituída por pessoas idosas, é a dificuldade no transporte de todo o tipo de bens necessário para o cultivo da horta, assim como no transporte da própria produção da horta para casa. Neste sentido, sugeriram que fosse permitido trazer o automóvel para mais perto do seu talhão, já existindo infraestrutura para tal no caso do Parque Hortícola do Vale de Chelas.

No que concerne às hortas dispersas, a maioria dos hortelões não teceram quaisquer considerações, uma vez que consideravam que “a câmara não deve ter qualquer interferência” nessas hortas. Contudo, sugeriram que a município continuasse a executar a manutenção dos espaços adjacentes às hortas, uma vez que estas hortas se encontram perto de áreas sem qualquer ocupação, o que leva ao aparecimento de mato que necessita de ser cortado.

Por fim, importa deixar nota de algumas considerações feitas por hortelões, independentemente da sua génese, nomeadamente a falta de interesse dos jovens na participação desta atividade e a sua relevância para pessoas de baixos rendimentos, nomeadamente reformados, pelo que consideram interessante a promoção das hortas junto destas populações.

Discussão dos resultados

Conclusão

O presente trabalho centrou-se em tentar compreender o contributo da agricultura urbana para a melhoria do tecido social em que se insere, centrada na temática da segurança alimentar. Procurou- se então, numa primeira fase, estabelecer uma relação entre a existência de comunidades vulneráveis e a localização das hortas, e posteriormente explorar as condições de produção e as pessoas que cultivavam as hortas alvo do estudo. Neste sentido, retomam-se as perguntas da investigação que guiaram a finalidade deste trabalho.

Em que medida a AU contribui para a segurança alimentar, especialmente das populações mais vulneráveis?

A agricultura em meio urbano, tem vindo, progressivamente, a adquirir relevância, nomeadamente, ao nível político, sendo reconhecidas as suas potencialidades, a nível local, enquanto ferramenta resposta aos desafios ambientais, económicas e sociais, que emergem num contexto de mudanças globais. É nesta conceção que um número crescente de cidades de todo o mundo estão a delinear políticas e programas para a agricultura urbana, que procurem explorar os benefícios da agricultura em meio urbano, dado que é aceite que espaço funcionam como um “espaço multifacetado para o desenvolvimento sustentável” (Folgosa, 2007, citado em Gonçalves, 2014).

É reconhecido no presente estudo o papel da agricultura urbana para a melhoria dos níveis da segurança alimentar das populações urbanas, em especial dos agregados familiares que nela participam, seja pela possibilidade de acesso a alimentos frescos e diversificados, seja pela maior estabilidade no fornecimento dos mesmos. Igualmente, constitui um complemento importante no orçamento de famílias, essencialmente pela diminuição dos gastos alimentares.

Contudo, e tendo em consideração os principais pilares da segurança alimentar – disponibilidade, acesso, qualidade, e estabilidade – é possível constatar que nas hortas urbanas alvo do estudo a produção de alimentos não garantem, por si só, a segurança alimentar dos hortelões e respetivos agregados familiares. Ficou reconhecido que hortas não se mostram cruciais para o abastecimento alimentar das famílias, devido à sua pequena escala de produção. Igualmente, apenas uma pequena parte dos hortelões apontou questões económicas como motivações para ter a horta (20,3%), sendo a principal motivação o lazer (77%).

A agricultura urbana apresenta ainda potenciais riscos no que respeita a qualidade dos alimentos produzidos devido à maior suscetibilidade de contaminação da água e do solo em meio urbano, apesar 40,5% dos inquiridos acreditar que a de infraestrutura envolvente não afeta a qualidade dos produtos que produz. No entanto, o grau de risco para a qualidade dos produtos varia em função da natureza da horta (formal ou informal), sabendo que as hortas municipais dispõem de água da rede pública, controlo e monotorização da qualidade do solo e a proibição do uso de fertilizantes e/ou

pesticidas químicos e de práticas agrícolas que podem colocar em causa a qualidade dos alimentos, ao contrário das informais, que não estão sujeitas a qualquer tipo de regulamentação, controlo ou avaliação dos componentes de cultivo.

Neste sentido, apesar de se reconhecer a potencialidade da agricultura urbana para a melhoria dos níveis da segurança alimentar das populações, especialmente das populações mais vulneráveis, também se verifica a existência de potenciais fatores que afetam a sua contribuição. Importa assim garantir a sustentabilidade e a segurança destes espaços de cultivo em que se a segurança alimentar se mostre mais frágil, através de uma inserção adequada no planeamento urbano.

Em que medida aumenta a capacidade de resposta aos problemas socioeconómicos inerentes nestas comunidades?

A população proveniente das áreas rurais, que se instalou na periferia da cidade de Lisboa aquando do forte êxodo rural vivido durante a revolução industrial, manteve a prática agrícola, agora em pequenas parcelas e através da ocupação de “vazios” urbanos. Para além da preservação da ligação com os valores identitários coma terra de origem, a necessidade de subsistência alimentar e fazer face às dificuldades económicas vividas por parte desta população eram o principal motivo que levava à prática agrícola na cidade. Mais tarde, com a crise financeira, a agricultura urbana voltou a ganhar um novo impulso, especialmente pela população mais vulnerável, que viram nestas uma oportunidade de fazer face às dificuldades económicas. Sustenta-se, portanto, que do ponto de vista histórico, o incremento da agricultura em meio urbano não pode ser visto como um retrocesso societal, mas antes como um instrumento para enfrentar contextos de crise política, social ou económica, especialmente para as populações com contextos socioeconómicos vulneráveis, sendo estas as que menos capacidade de dar resposta à subida de preços imposto pela lei de mercado.

Neste estudo, identificou-se que os hortelões consideravam que a agricultura urbana desempenha um papel relevante no combate ao desigual acesso a alimentos na comunidade em que a horta se insere, seja pela poupança do orçamento familiar dos agregados familiares mais vulneráveis, pela diminuição das carências alimentares ou pela melhoria da alimentação.

Com a pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2, apesar de apenas uma minoria da população em estudo ter indicado perda de rendimentos, ficou claro que em períodos de maior instabilidade, a produção de alimentos em meio urbano possui um impacto relevante na economia familiar e na estabilidade do fornecimento de alimentos. Assim, fica demonstrado o papel que a horta pode ter como mecanismo de promoção da resiliência de comunidades desfavorecidas, quando estas estão confrontados com fenómenos extremos.

Assim, apesar de se considerar a agricultura urbana uma atividade viável e produtiva, não se deve encarar a mesma como uma solução para os problemas da segurança alimentar, mas deve ser

encarada como um importante instrumento de resiliência, especialmente das comunidades mais vulneráveis.

Existe uma relação entre localização de áreas de AU e a existência de populações vulneráveis?

Esta relação difere consoante a génese da AU (informal e formal)?

O uso de uma metodologia com base em análise estatística multivariada, a partir de um conjunto de indicadores de dimensão social, económica, habitacional e demográfica, permitiu constatar uma relação entre a localização de hortas urbanas e a existência de populações vulneráveis, sendo a periferia de Lisboa (relativamente ao centro histórico) o principal ponto de encontro geográfico destas variáveis, destacando-se as freguesias de Marvila e Santa Clara. Contudo, sendo as hortas urbanas um elemento urbano de escala local, a impossibilidade de fazer um tratamento estatístico mais detalhado, à escala do bairro, impediu um conhecimento mais aprofundado desta relação, assim como conhecer melhor o real impacto da horta no planeamento urbano.

Verificou-se com o presente estudo os hortelões das hortas informais apresentam níveis de escolaridade e rendimentos mais baixos, comparativamente aos hortelões de hortas formais. Esta situação justifica-se dado que desde a sua essência, estas hortas encontram-se ligadas a aspetos socioeconómicos da cidade de Lisboa, pelo que possuem essencialmente uma forte dimensão social.

O simples facto de as pessoas cultivarem em áreas públicas ou privadas, sem a respetiva autorização, correndo o risco de ser expulsas das mesmas, demostra a viabilidade destes espaços e os benefícios acrescidos que traz a quem participa na atividade.

No mesmo sentido, as hortas dos Parques Hortícolas alvos do estudo são classificadas pela CML como “hortas sociais” e como tal possuem também uma importante função social, sendo os talhões pensados para satisfazer as necessidades alimentares familiares, e consequentemente constituir um complemento ao seu rendimento familiar. Contudo, esta relação não é tão evidente como nas hortas informais, sendo essencialmente entendidas pelos hortelões como espaços de recreio/lazer.

Em grande medida, esta situação deve-se ao facto de o processo de atribuição das hortas ser realizado atendendo ao critério da proximidade da área de residência, e não a fatores socioeconómicos dos candidatos a talhões. Assim, pode-se deduzir que a razão pela qual são classificadas como “hortas sociais” é o simples facto de se inserirem em áreas socioeconómicas mais vulneráveis, e não por servirem de facto populações mais vulneráveis. A par disto, importa ainda notar que a localização dos Parques Hortícolas tem uma relevante dimensão ecológica e paisagística.

Assim, se por um lado a falta de regulação e controlo de qualidade do ambiente de produção nas hortas urbanas informais se mostra uma ameaça à qualidade dos produtos alimentares, e consequentemente à segurança alimentar dos mesmos, por outro, nas hortas formais, não é explorado o seu potencial contributo para a melhoria da segurança alimentar das famílias devido à política e regulamentação dos próprios espaços.

De que forma AU favorece a subsistência alimentar em meio urbano, especialmente nas comunidades em que se insere?

Apesar de se verificar que a larga maioria dos inquiridos acaba por oferecer excedentes alimentares produzidos na horta, inclusive a membros da comunidade em que se inserem, não foi possível apurar pelo presente trabalho o impacto económico e alimentar os espaços de agricultura urbana tem nas comunidades em que se inserem. No entanto, pode deduzir-se que dada a pequena escala de produção nas hortas, ao nível do bairro, o impacto da produção da horta é muito residual, uma vez que a larga maioria dos produtos se destinam para o autoconsumo, e somente os excedentes são oferecidos ou vendidos. Mesmo ao nível familiar, a larga maioria dos inquiridos não considera que as hortas urbanas são cruciais para o abastecimento alimentar das famílias.

Considerando que a capacidade produtiva da agricultura urbana produz efeitos muitos residuais na subsistência alimentar das populações urbanas, importa destacar que, quando são comercializados, a venda dos alimentos cultivados em ambientes urbanos tende a ser feita localmente, acabando por trazer benefícios para as comunidades em que se inserem. Contudo, foi verificado que apenas um número residual de hortelões vendia os seus produtos, pelo que se pode considerar que o contributo alimentar nas comunidades em que se insere é insignificante.

Foi possível notar que a falta de organização entre os hortelões e/ou a inexistência de ligação dos mesmos com as instituições de cariz social das comunidades em que estes espaços se inserem condiciona o impacto que estes espaços poderiam ter na comunidade. Veja-se por exemplo que apenas 1,5% dos hortelões indicou que os excedentes alimentares produzidos nas hortas são destinados a associações de cariz social. E apesar de 64,2% dos hortelões indicar oferecer excedentes a vizinhos, subentende-se um grupo muito residual que beneficia com as hortas sem participar no cultivo da mesma. De igual forma, a inexistência de uma participação coletiva dos hortelões limita os benefícios que os mesmos podiam com a horta, nomeadamente com a venda de produtos, assim como condiciona eventuais melhorias destes espaços, sendo claro a dificuldade que os mesmos têm para expor as suas reclamações e sugestões junto do município.

Considerações finais

Apesar do presente estudo demonstrar que a agricultura urbana tem um papel importante na melhoria dos níveis da segurança alimentar das populações urbanas, em especial das mais vulneráveis que participam nesta atividade, seja pela melhoria na alimentação ou pela poupança de rendimentos, é igualmente reconhecido que as hortas possuem limitações quanto aos contributos para a segurança alimentar, muito devido à sua escala e à estratégia da mesma na cidade de Lisboa.

É ainda crucial reconhecer a fragilidade desta atividade em meio urbano, especialmente no que à qualidade dos alimentos diz respeito. De facto, o maior risco de contaminação da água e do solo

neste contexto mostra ser essencial a avaliação da adequação da qualidade destes elementos para o cultivo, assim como a respetiva monotorização, estabelecendo um controlo adequado destes espaços.

para assegurar a segurança dos alimentos. Neste sentido, o município deve reconhecer os benefícios e riscos potenciais que a agricultura urbana comporta, apoiando os respetivos utilizadores destes espaços a produzir alimentos seguros e saudáveis, seja o seu destino o consumo doméstico ou para mercados urbanos.

Desta forma, apesar de se mostrar essencial integrar estes espaços no planeamento urbano, como garante da segurança dos alimentos, é igualmente necessário continuar a assegurar que estes espaços continuam a ser resposta para a insegurança alimentar. No entanto, apesar de se reconhecer a necessidade da integração das hortas informais no planeamento urbano, a sua dimensão e dispersão por toda a cidade torna irreal a formalização destes espaços no planeamento urbano. Assim, urge que o município tenha um papel ativo e de proximidade junto das hortas, especialmente as de cariz informal que não estão sujeitas a qualquer tipo de regulamentação ou avaliação dos componentes de cultivo

A horta deve ser vista como uma “peça” de um amplo e diversificado sistema alimentar urbano, capaz de fornecer alimentos em termos de quantidade, qualidade e acesso a todas as pessoas. Apesar de não se poder considerar a produção de alimentos da horta como fator eliminador das desigualdades no acesso a alimentos, a sua integração em estratégias alimentares que procurem o desenvolvimento comunitário e a qualidade de vida de populações mais vulneráveis pode impulsionar comunidades mais resilientes no âmbito alimentar e capacitar a resposta e recuperação de fenómenos repentinos, como crises económicas ou guerras. A crise pandémica, e mais recentemente o retorno da guerra na Europa, com o conflito entre a Ucrânia e a Rússia, colocaram graves dificuldades no comércio mundial, tal como o conhecemos, provocando um crescimento acentuado da inflação, demonstrando assim a necessidade de encarar o valor estratégico da garantia de alimentos das hortas urbanas, especialmente para as populações mais vulneráveis.

Do ponto de vista histórico, em particular no caso da cidade de Lisboa, o incremento da agricultura em meio urbano foi encarado como um instrumento para enfrentar contextos de crise, especialmente para as populações com contextos socioeconómicos vulneráveis. Neste sentido, e reconhecendo a inexistência de uma política de desenvolvimento para a agricultura urbana, com enfoque na segurança alimentar, na cidade de Lisboa, mostra-se essencial, num período em que existe a necessidade de aumentar a resiliência das cidades face as desafios globais que se colocam, o desenvolvimento de uma agenda e um programa para agricultura urbana, assente num desenvolvimento sustentável e duradouro, e que tenha em consideração o interesse das populações (especialmente dos mais jovens), a condição socioeconómicas dos indivíduos/comunidades e a proteção dos solos para esta atividade. Este último fator mostra-se particularmente relevante, dado o acesso limitado de solo em meio urbano, assim como a fragilidade da agricultura urbana para competir pelo mesmo. Assim, importa a nível legislativo proteger os solos que, em meio urbano, tem mais potencial agrícola. Apesar desta proteção já estar prevista pela RAN, não existe em Lisboa qualquer área classificada, devido ao seu caráter predominante urbano, pelo que é necessária uma revisão das normas de classificação dos solos como RAN, já que a mesma tem por finalidade proteger o solo para