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Desenvolvimento de uma ferramenta baseada no conceito web 2.0 para o ensino e aprendizado da generosidade em escolas no ensino fundamental

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

THIAGO MANCILHA CANCELA

DESENVOLVIMENTO DE UMA FERRAMENTA

BASEADA NO CONCEITO WEB 2.0 PARA O

ENSINO E APRENDIZADO DA GENEROSIDADE

EM ESCOLAS NO ENSINO FUNDAMENTAL

CAMPINAS 2016

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THIAGO MANCILHA CANCELA

DESENVOLVIMENTO DE UMA FERRAMENTA

BASEADA NO CONCEITO WEB 2.0 PARA O

ENSINO E APRENDIZADO DA GENEROSIDADE

EM ESCOLAS NO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em

Educação, área de concentração, Educação.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Ferreira do Amaral

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO THIAGO MANCILHA CANCELA, E ORIENTADA PELO PROF. DR. SÉRGIO FERREIRA DO AMARAL

CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

DESENVOLVIMENTO DE UMA FERRAMENTA

BASEADA NO CONCEITO WEB 2.0 PARA O

ENSINO E APRENDIZADO DA GENEROSIDADE

EM ESCOLAS NO ENSINO FUNDAMENTAL

Autor: Thiago Mancilha Cancela

COMISSÃO JULGADORA:

Prof. Dr. Sérgio Ferreira do Amaral Prof. Dr. Sérgio Apparecido Lorenzato Profa. Dra. Vera Lúcia Crepaldi Pereira

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Dedico este trabalho ao meu

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Prof. Dr. Sérgio Amaral por ter me acolhido em seu grupo de pesquisadores. Ao Prof. Dr. Sérgio Lorenzato e a Prof.ª Dra. Vera Crepaldi por terem iluminado meu caminho para a realização deste mestrado. Ao meu saudoso Pai Floriano Cancela que me ensinou tudo o que sei sobre amor, amizade, diálogo e tolerância. E a minha esposa Ana Paula pelo companheirismo e por suportar, cotidianamente, minhas incansáveis reflexões sobre educação e generosidade.

A todos, mais do que meus agradecimentos, meu compromisso em fazer florescer o tempo e a atenção que me ofereceram.

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“Educação não transforma o

mundo. Educação muda pessoas.

Pessoas transformam o mundo”

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RESUMO

O presente trabalho propõe o “desenvolvimento de uma ferramenta tecnológica baseada no conceito Web 2.0 para o ensino e aprendizado da generosidade em escolas no ensino fundamental” e tem como objetivo central uma reflexão sobre uma virtude, a generosidade, e, consequentemente, uma “educação para generosidade”. Para tanto, essa dissertação se divide em três capítulos: o primeiro intitulado, “Capitalismo, desigualdade e cultura” busca relacionar o sistema capitalista, o processo cultural de acumulação de capital e a enorme desigualdade social; o segundo capítulo, “Estudos científicos sobre generosidade”, destaca os efeitos da generosidade no cérebro humano; a generosidade como uma competência empresarial e a generosidade na

consciência moral infantil; o terceiro e último capítulo,

“Desenvolvimento da ferramenta proposta”, demonstra e avalia os benefícios da tecnologia na educação, a web 2.0 como ferramenta educacional, apresenta a metodologia Extreme Programming que visa imprimir maior agilidade, flexibilidade e adaptabilidade ao processo de desenvolvimento e, finalmente, apresenta a ferramenta em si a ser desenvolvida, denominada “BigChain Escola”. Nas considerações finais destacamos que, para construir indivíduos generosos, precisamos cada vez mais pesquisar e desenvolver artefatos e atividades que estimulem o desenvolvimento dos aprendizes na direção do que chamamos de uma “educação para generosidade”.

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ABSTRACT

This work proposes the “development of a technological tool based on the Web 2.0 concept for the teaching and learning of generosity in primary schools” and has as its main purpose a reflection on one virtue, generosity, and, consequently, an “education for generosity”. As such, this dissertation is divided into three chapters: the first chapter, “Capitalism, inequality and culture” seeks to relate the capitalist system, the cultural process of capital accumulation and the enormous social inequality. The second chapter, “Scientific studies on generosity” highlights the effects of generosity on the human brain; generosity as an entrepreneurial skill and generosity in the moral conscience of children. The third and last chapter, “Development of the proposed tool”, presents and assesses the benefits of technology in education, the web 2.0 as an educational tool and also presents the methodology “Extreme Programming” which seeks to foster more promptness, flexibility and adaptability to the development process and, finally, focuses on the tool to be developed, called “BigChain School”. In the final considerations, we emphasize that, in order to promote generous individuals, we need, more and more research and develop artifacts and activities that stimulate the development of students, guiding them towards what is referred to “education for generosity”.

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LISTA DE QUADROS E FIGURAS

1. Figura 1 - Tela inicial do Facebook_______________________________52

2. Figura 2 - Tela inicial do Linkedin________________________________55

3. Figura 3 - Tela inicial do Whatsapp______________________________57

4. Figura 4 - “Emojis” utilizados no Whatsapp ______________________58

5. Figura 5 – Tela inicial do BigChain_______________________________66

6. Figura 6 – Estrutura de funcionamento do BigChain Escola_______67

7. Figura 7 – Tela inicial de um usuário do BigChain Escola_________71

8. Figura 8 – Tela inicial de uma comunidade do BigChain Escola____74

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO_____________________________________________________12 CAPÍTULO I:

CAPITALISMO, DESIGUALDADE SOCIAL E CULTURA _____________15 1.1 Os princípios da acumulação de capital segundo Karl Marx____15 1.2 A influência cultural do protestantismo no capitalismo_________20 1.3 O Capital Cultural segundo Bourdieu_________________________23 1.4 Pobreza, educação e o ciclo vicioso da desigualdade social______26

1.4.1 A Educação nas constituições brasileiras________________28 1.4.2 Números da desigualdade no Brasil_____________________29 1.4.3 O ciclo vicioso da desigualdade__________________________32

CAPÍTULO II

ESTUDOS CIENTÍFICOS SOBRE GENEROSIDADE_________________36 2.1 Os efeitos da generosidade no cérebro_________________________36 2.2 A generosidade para o bom funcionamento das empresas______38 2.3 A generosidade na consciência moral infantil__________________41

CAPÍTULO III –

DESENVOLVIMENTO DA FERRAMENTA PROPOSTA______________44 3.1 Os benefícios da tecnologia na educação_______________________45 3.2 A Web 2.0 como ferramenta educacional_______________________49 3.2.1 As principais redes sociais e suas interfaces___________51 3.2.2 Efeitos potenciais da Web 2.0 na educação____________58

3.3 Metodologia para o desenvolvimento da ferramenta proposta___60

3.3.1 Extreme Programming e seus benefícios _______________62 3.4 Uma ferramenta para o ensino e aprendizado da generosidade _65

3.4.1 O projeto BigChain.org________________________________65 3.4.2 O BigChain Escola___________________________________67

CONSIDERAÇÕES FINAIS_________________________________________76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS__________________________________80

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INTRODUÇÃO

Paulo Freire, contemplado em 1986 com o prêmio UNESCO “Educação para a Paz”, recitou em seu pequeno discurso, em Paris, transcrito em um artigo de Ana Maria Araújo Freire (NITA):

De anônimas gentes, sofridas gentes, exploradas gentes, aprendi sobretudo que a Paz é fundamental, indispensável, mas que a Paz implica lutar por ela. A Paz se cria, se constrói na e pela superação de realidades sociais perversas. A Paz se cria, se constrói na construção incessante da justiça social. Por isso, não creio em nenhum esforço chamado de educação para a Paz que, em lugar de desvelar o mundo das injustiças o torna opaco e tenta miopizar as suas vítimas.(NITA, 2006)

Em outras palavras, para Freire não existe paz se não houver “educação para a paz”. Uma educação que permita às pessoas compreenderem, interpretarem e buscarem a paz.

Parafraseando Freire, ao propor nessa dissertação o “desenvolvimento de uma ferramenta tecnológica baseada no conceito Web 2.0 para o ensino e aprendizado da generosidade em escolas no ensino fundamental”, nosso objetivo maior, ponderamos também para a possibilidade de não existir generosidade se não houver uma “educação para generosidade”. Ou seja, se desejamos uma sociedade harmoniosa e pacífica, são necessárias práticas educacionais que favoreçam seu aparecimento. Essa é a principal justificativa para esse trabalho.

Passo a passo, procuramos construir, ao longo dessa dissertação, as bases para o encaminhamento de uma proposta que, se por um lado adquire o formato objetivo de uma ferramenta tecnológica, por outro, permite uma reflexão sobre a importância da generosidade como uma virtude adormecida e pouco reconhecida como essencial para o bom funcionamento de nossa sociedade.

Generosidade, no dicionário Aurélio, figura como o oposto do egoísmo. Egoísmo que caminha lado a lado com muitos dos problemas sociais da nossa sociedade, como a corrupção e a pobreza, por exemplo. Diante disso, uma das questões que propomos como reflexão nesse trabalho é, ao invés de apenas nos perguntarmos como devemos combater a corrupção e a pobreza, perguntarmos também o que podemos fazer para combater o egoísmo. Não seria o egoísmo a essência que leva a uma acumulação infinita de capital em nosso modelo capitalista?

No primeiro capítulo, de forma cronológica e com o apoio das teorias de Karl Marx, Max Weber, Pierre Bourdieu e Thomas Piketty, buscamos primeiramente

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relacionar o sistema capitalista, o processo cultural de acumulação de capital e a enorme desigualdade social existente. Ressaltamos que, neste trabalho, apontamos apenas um viés do espaço social – o econômico – embora tenhamos pleno conhecimento de que o espaço social é um espaço multidimensional.

Com o objetivo de reforçar ainda mais o encaminhamento desse trabalho, no segundo capítulo destacamos alguns estudos científicos sobre generosidade como os efeitos da generosidade no cérebro humano, a generosidade como uma competência empresarial para o bom funcionamento das empresas e a generosidade na consciência moral infantil.

Os estudos sobre os efeitos da generosidade no cérebro são muito reveladores, pois demonstram que a prática dessa virtude ativa, de forma visível, em nosso cérebro um "sistema de recompensa": a mesma região do cérebro responsável por prazeres como comer chocolate, praticar sexo ou usar drogas. Ou seja, demonstra que a generosidade não é positiva apenas para o receptor, mas também para o doador, segundo Jorge Moll e Frank Krueger, autores do estudo.

Destacamos também, no segundo capítulo, um estudo que avalia o que denominamos “competência da generosidade” como uma competência comportamental qualitativa, passível de avaliação nas empresas e capaz de gerar ótimos resultados, pois parte de uma voluntariedade natural do ser humano em se aproximar, reconhecer e seguir líderes empresariais essencialmente generosos. Se faltava para a generosidade um viés que pudesse inseri-la no contexto do capitalismo, esses estudos do pesquisador de Wharton, Adam Grant, demonstram que pode sim emergir da generosidade um poder econômico.

Em um elo com os estudos de Marx que demonstram que a educação do trabalhador ocorre ao longo do próprio processo de trabalho, uma vez que a generosidade pode representar um fator importante para a formação de um bom ambiente de trabalho, a “educação para generosidade”, proposta como reflexão nessa dissertação, ganha maior relevância, pois visa suprir não apenas um comportamento social desejável, mas uma evolução no modo de produção capitalista avaliado por Marx. É exatamente na junção de estudos científicos modernos sobre a generosidade e na construção histórica e cronológica das idéias de Marx, Weber, Bourdieu e Piketty que procuramos fundamentar esse trabalho.

Bourdieu traz uma avaliação muito conveniente que utilizamos como um elo de ligação entre as bases do capitalismo estabelecidas nas teorias de Marx e Weber e a

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formação cultural da sociedade nos dias atuais, diante do que conhecemos no universo tecnológico como Web 2.0.

Quando trata das três dimensões do capital cultural que detalharemos melhor no primeiro capítulo, Pierre Bourdieu avalia que “O volume de capital social que um agente individual possui depende então da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico)” (BOURDIEU, 2007, p. 67).

Como avaliaremos ao longo deste trabalho, as evoluções tecnológicas têm permitido cada vez mais um novo tipo de relação entre as pessoas. Elas podem ocorrer e muitas vezes se iniciam no ciberespaço, amplificadas por ferramentas tecnológicas de comunicação interativa com o poder de conectar pessoas e conteúdo. (COLL, MONEREO).

Nesse contexto, a proposta de desenvolvimento de uma ferramenta baseada no conceito Web 2.0 para o ensino e aprendizado da generosidade em escolas que denominamos de “BigChain Escola”, visa criar uma rede social exclusiva para as escolas que permita a interação de pais, alunos e professores em torno de objetivos sociais comuns e com efeito multiplicador em um elo de referência, reflexão e ação social, presente ao longo de toda a vida de seus usuários.

Em termos metodológicos, optamos pelo desenvolvimento da ferramenta utilizando o conceito de Extreme Programming. A ferramenta proposta adapta-se perfeitamente a essa metodologia de desenvolvimento conhecida também como XP que visa imprimir maior agilidade, flexibilidade e adaptabilidade ao processo, pois o conceito principal que está por traz dessa metodologia é que o usuário aprende sobre as necessidades do sistema na medida em que é capaz de manipular o software que está sendo desenvolvido.

Enfim, o “BigChain Escola”, proposto nesse trabalho, surge como uma ferramenta que promova a prática da generosidade como um instrumento de inclusão que permita aos jovens aceitar todos como iguais, reduzindo as desigualdades e consequentemente muitos dos graves problemas que rodeiam e agridem diferentes esferas da sociedade.

De forma ainda mais ampla, mais do que propor o desenvolvimento de uma ferramenta para o ensino e aprendizado da generosidade nas escolas, esse trabalho visa também estimular reflexões sobre as bases educacionais que sustentam a nossa cultura capitalista.

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CAPÍTULO I – CAPITALISMO, DESIGUALDADE SOCIAL E CULTURA

Neste primeiro capítulo será feita uma breve abordagem histórica do capitalismo e a formação cultural da sociedade atual que transpõe seu curso em uma desigualdade crescente, desmedida e sem nenhuma tendência de queda a curto, médio ou longo prazo.

De forma a progredir no objetivo deste trabalho, seguiremos uma visão cronológica passando por Karl Marx, Max Weber, Pierre Bourdieu e Thomas Piketty, com base, respectivamente, em seus livros O capital, de 1867, A Ética Protestante e o

Espírito do Capitalismo, de 1904, Escritos de Educação, uma coletânea de textos de 1966 a 1980 da problemática de Bourdieu na educação e O capital no século XXI de 2014.

Ao mesmo tempo em que descrevemos o título deste capítulo como “capitalismo, desigualdade social e cultura”, poderíamos igualmente apresentar como “cultura, capitalismo e desigualdade social” ou ainda “desigualdade social, cultura e capitalismo”. Nossa preocupação não está vinculada diretamente a uma relação causa e efeito e sim na forma como nosso sistema capitalista se retro-alimenta e suas conseqüências.

Afinal, capitalismo, desigualdade social e cultura, independentes da ordem em si a serem estudados e avaliados, possuem uma ligação intensa, profunda e contínua ao longo de nossa história, conforme avaliaremos a seguir.

1.1 O desenvolvimento da cultura capitalista segundo Karl Marx

Quando Marx publicou O Capital em 1867, o processo de produção capitalista industrial já estava em pleno funcionamento e muitos dos problemas e discussões que vivemos hoje em nossa sociedade, com feições pouco diferentes, já eram uma realidade em sua época, como a desigualdade social, divergências salariais, crescimento econômico, produção industrial e até os efeitos da tecnologia sobre o trabalho.

Foi a respeito de muitas destas questões que Marx focou seus estudos e teorizou uma realidade que é tão próxima quanto distante do mundo em que vivemos hoje.

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Para Marx, era necessário entender a evolução da sociedade por meio da análise das relações de trabalho. Ao analisar essas relações, ele desenvolveu uma teoria para calcular o valor dos produtos, expressando o “valor” como a quantidade de trabalho utilizada na produção de uma mercadoria que, consequentemente, se transforma e se expressa em dinheiro.

Não é por meio do dinheiro que as mercadorias se tornam comensuráveis. Ao contrário. Sendo todas as mercadorias, enquanto valores, trabalho humano objetivado, e portanto sendo em si e para si comensuráveis, elas podem medir seus valores, em comum, na mesma mercadoria específica e com isso transformar esta última em sua medida comum de valor, ou seja, em dinheiro. Dinheiro, como medida de valor, é forma necessária de manifestação da medida imanente do valor das mercadorias: o tempo de trabalho. (MARX, 1996, p.219)

Ou seja, o trabalhador, submetido às leis de mercado, vende sua força de trabalho. A diferença entre o valor atribuído ao produto final descontado o custo dos meios de produção e o valor pago ao trabalhador pelo seu tempo de trabalho é o que Marx denominou de “mais-valia”, teorizando assim a base do lucro no sistema capitalista.

Marx também criou os termos “mais-valia absoluta” e “mais-valia relativa”. Assim ele conseguiu explicar novas formas que os donos do capital usam para aumentarem o lucro. “mais-valia absoluta”, como uma forma de aumentar a produção sem aumentar os custos através do aumento do ritmo de trabalho durante uma mesma jornada (mais produtos por hora trabalhada) sem o respectivo aumento de salário. E, quando se esgotam as possibilidades de aumentar a produtividade crescendo o ritmo de trabalho, há a opção de seguir o caminho da “mais valia relativa”, que consiste em adotar uma crescente mecanização da produção com o uso de máquinas e tecnologia.

O desenvolvimento da força produtiva do trabalho, no seio da produção capitalista, tem por finalidade encurtar a parte da jornada de trabalho durante a qual o trabalhador tem de trabalhar para si mesmo, justamente para prolongar a outra parte da jornada do trabalho durante a qual pode trabalhar gratuitamente para o capitalista. (MARX, 1996, p.437)

Essas duas maneiras de aumentar a produção fazem do capitalismo um sistema que busca constantemente o aumento da produtividade (mais produtos criados com menos pessoas e tecnologia) para gerar cada vez mais riqueza.

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Esse acúmulo crescente de lucro e de uso da “mais-valia” através da exploração do trabalho e mecanização, faz parte das bases do capitalismo que vivemos, consumimos e construímos. Isso gera riqueza e prosperidade, mas também forma as bases de incongruência do sistema, uma vez que cria uma intensa distinção entre ricos e pobres em um ciclo vicioso crescente de acumulação de capital.

No capítulo XXIV de O Capital, que descreve a chamada acumulação primitiva, Marx resume, de forma muito atual, os efeitos de um sistema capitalista autofágico de exclusão social, análogo ao pecado original na Teologia, como se o mesmo fizesse parte de uma cultura formada há séculos, diante da qual não conseguimos evoluir.

Adão mordeu a maçã e, com isso, o pecado sobreveio à humanidade. Explica-se sua origem contando-a como anedota ocorrida no passado. Em tempos muito remotos, havia, por um lado, uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo parcimoniosa, e, por outro, vagabundos dissipando tudo o que tinham e mais ainda. A legenda do pecado original teológico conta-nos, contudo, como o homem foi condenado a comer seu pão com o suor de seu rosto; a história do pecado original econômico no entanto nos revela por que há gente que não tem necessidade disso. Tanto faz. Assim se explica que os primeiros acumularam riquezas e os últimos, finalmente, nada tinham para vender senão sua própria pele. E desse pecado original data a pobreza da grande massa que até agora, apesar de todo seu trabalho, nada possui para vender senão a si mesma, e a riqueza dos poucos, que cresce continuamente, embora há muito tenham parado de trabalhar. (MARX, 1996, p.339)

Quando Marx traça esse paralelo simbólico entre o pecado original teológico e o “pecado original econômico”, ele reitera igualmente a concepção do livre arbítrio que se tem sobre a condução da própria vida, mas que, uma vez composta em sociedade, torna os problemas mais complexos, obscurecendo suas origens, “miopizando” suas vítimas e dificultando suas soluções.

Poucos são os indivíduos, vítimas de violência urbana que atribuem sua origem à desigualdade social, gerada e alimentada por si mesmos ou por seus antepassados em um ciclo continuo de concentração de riqueza. Poucos são os indivíduos que efetivamente se vêem inseridos neste ciclo vicioso de acumulação de riqueza como parte de um problema.

Entre outras interpretações, Marx alerta, nesse texto, que somos parte de um ciclo, possivelmente com origem em um “pecado original” do qual somos também vítimas, mas não questionamos nosso efetivo papel para sua manutenção ou mudança, como se todos trabalhássemos hipnotizados para o funcionamento de uma única máquina: o capitalismo.

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Estaríamos mesmo diante de um processo insensível e interminável de acumulação de capital, sem que possa haver uma saída alternativa viável para isso? Seria possível, através de uma transformação cultural e educacional, resgatarmos virtudes adormecidas que ao menos aprimore nossa vida em sociedade?

No contexto da análise que Marx fazia do sistema capitalista, embora a educação não seja o tema central de sua obra, a mesma não deixou de estar presente uma vez que era parte integrante dos modos de produção.

Quando ele se aprofunda sobre a produção da “mais-valia relativa” com o objetivo de baratear e gerar maior valor às mercadorias através do uso de um processo de mecanização, Marx demonstra que a formação e educação do trabalhador ocorre também ao longo do próprio processo de trabalho.

Do sistema fabril, conforme expõe pormenorizadamente Robert Owen, brotou o germe da educação do futuro, que há de conjugar, para todas as crianças acima de certa idade, trabalho produtivo com ensino e ginástica, não só como um método de elevar a produção social, mas como único método de produzir seres humanos desenvolvidos em todas as dimensões. Viu-se que a grande indústria supera tecnicamente a divisão manufatureira do trabalho, com sua anexação por toda a vida de um ser humano inteiro a uma operação de detalhe, enquanto, ao mesmo tempo, a forma capitalista da grande indústria reproduz ainda mais monstruosamente aquela divisão do trabalho, na fábrica propriamente dita, por meio da transformação do trabalhador em acessório consciente de uma máquina parcelar e, em todos os outros lugares, em parte mediante o uso esporádico das máquinas e do trabalho das máquinas. (MARX, 1996, p.112)

É importante observar que na segunda metade do século XIX, período em que Marx debruçou-se sobre seus estudos, as tecnologias fabris não exigiam grande conhecimento e capacitação de seus trabalhadores. É possível notar inclusive o que Marx aponta como uma “devastação intelectual” no texto abaixo, no sentido de uma perda de qualificação em uma sociedade em que o trabalhador passa a tornar-se restrito a atividades compartimentadas com o suporte das crescentes tecnologias de produção.

Mas a devastação intelectual, artificialmente produzida pela transformação de pessoas imaturas em meras máquinas de produção de mais-valia — que deve ser bem distinguida daquela ignorância natural que deixa o espírito ocioso sem estragar sua capacidade de desenvolvimento, sua própria fecundidade natural —, obrigou, finalmente, até mesmo o Parlamento inglês a fazer do ensino primário a condição legal para o uso “produtivo” de crianças com menos de 14 anos em todas as indústrias sujeitas às leis fabris. (MARX, 1996, p.33)

Nesse contexto, o trabalhador que passa a não dominar mais o conjunto de uma atividade perde conhecimento e assume uma função meramente operacional em uma

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clara divisão entre os empresários que detêm o conhecimento e os operários que executam de forma bruta o trabalho.

Da especialidade por toda a vida em manejar uma ferramenta parcial surge, agora, a especialidade por toda a vida em servir a uma máquina parcial. Abusa- se da maquinaria para transformar o próprio trabalhador, desde a infância, em parte de uma máquina parcial. Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, ele serve a máquina. Lá, é dele que parte o movimento do meio de trabalho; aqui ele precisa acompanhar o movimento. Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, há um mecanismo morto, independente deles, ao qual são incorporados como um apêndice vivo. (MARX, 1996, p.55)

São muitas as implicações das mudanças impostas pelo capitalismo nos mecanismos de trabalho. É importante observar que, além da separação compartimentada das atividades, passa a ser exigido do trabalhador uma nova formação moral que o submeta a uma lógica submissa de interesse direto do empregador ou, de forma mais ampla, do interesse direto de uma máquina capitalista de produção, da qual inclusive o próprio empresário também é vítima e intelectualmente corrompido por uma cultura de acumulação desmedida de capital, enganosamente sustentável.

A separação entre as potências espirituais do processo de produção e o trabalho manual, bem como a transformação das mesmas em poderes do capital sobre o trabalho, se completa, como já foi indicado antes, na grande indústria erguida sobre a base da maquinaria. (MARX, 1996, p.56)

Diante disso, uma vez observando a educação sob a ótica de Marx, como algo integrado aos meios de produção, no decorrer dos anos, com o desenvolvimento maior das tecnologias é que as escolas públicas da época precisaram dedicar maior atenção ao ensino da leitura, escrita e matemática e assim sucessivamente no decorrer dos anos em um processo contínuo de atendimento exclusivo às necessidades mercadológicas de desenvolvimento do capitalismo, conforme abordaremos melhor ao longo deste trabalho utilizando muitas das observações de Marx como referência.

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1.2 A influência cultural do protestantismo no capitalismo

Antes de desvendarmos algumas das idéias de Bourdieu no contexto da educação e da cultura, passaremos por Max Weber em “A Ética Protestante e o espírito do capitalismo” como forma de demonstrar a influência da cultura religiosa protestante no desenvolvimento do capitalismo. Uma avaliação sociológica importante para a proposta deste trabalho no tema generosidade.

Basta uma vista de olhos pelas estatísticas ocupacionais de um país pluriconfessional para constatar a notável freqüência de um fenômeno por diversas vezes vivamente discutido na imprensa e na literatura católicas bem como nos congressos católicos da Alemanha: o caráter preponderantemente protestante dos proprietários do capital e empresários, assim como das camadas superiores da mão-de-obra qualificada, notadamente do pessoal de mais alta qualificação técnica e comercial das empresas modernas. (WEBER, 2007, p. 29)

Nesse pequeno trecho acima, Weber inicia sua análise observando que na passagem do século XIX para o século XX, período em que o capitalismo se desenvolvia a todo vapor, os proprietários do capital e a mão de obra de melhor qualificação nas empresas eram compostas em grande parte por indivíduos de origem protestante.

Weber avalia também que esse fator, além da origem patrimonial em si como herança de gerações, também precede por questões educacionais de grande relevância tanto para a avaliação do fato em si de influência cultural do protestantismo no capitalismo como também para demonstrar neste trabalho a influência de uma cultura e da educação no desenvolvimento social de um povo ou de um modelo econômico, conforme avaliado.

A formação educacional humanística dos católicos versus a formação mais técnica dos protestantes, para Weber, explica o maior interesse tanto de um grupo cultural religioso quanto de outro pela “escolha da profissão e o subseqüente destino

profissional” (WEBER, 2007), conforme observamos no texto abaixo:

Mas que também entre os bacharelandos católicos a porcentagem daqueles que saem dos estabelecimentos modernos, Realgymnasien,

Real-shulen, hohere Burgerschulen etc., especialmente destinados e orientados a preparar para os estudos técnicos e as profissões comerciais e industriais, em poucas palavras, para a vida burguesa de negócios, fique uma vez mais notavelmente muito atrás da dos

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protestantes, e que a formação oferecida pelos Gymnasien humanísticos tenha a preferência dos católicos – esse é um fenômeno que não fica explicado pela diferença de fortunas, mas, pelo contrário, é a ele que se deve recorrer para explicar, por sua vez, o reduzido interesse dos católicos pela aquisição capitalista. (WEBER, 2007, p. 32)

No decorrer de sua avaliação, Weber observa ainda que os “artesãos católicos mostram uma tendência mais acentuada a permanecer no artesanato tornando-se mestres artesãos com uma freqüência relativamente maior” (WEBER, 2007, p. 34) ao passo que

os protestantes afluem em medida relativamente maior para as fábricas para aí ocupar os escalões superiores do operariado qualificado e dos postos administrativos” (WEBER, 2007, p. 35)

A avaliação de Max Weber descrita nos parágrafos anteriores são de grande relevância para o desenvolvimento deste trabalho, pois nos oferece uma análise importante do desenvolvimento de nossa sociedade atual sob dois aspectos: o primeiro em relação aos valores humanistas que claramente perderam espaço no desenvolvimento da sociedade capitalista e, o segundo, em relação à relevância do aspecto cultural e educacional no desenvolvimento dos indivíduos e, consequentemente, na influência de suas escolhas.

É interessante observar também que a perda de espaço dos valores humanistas na história de desenvolvimento do capitalismo não ocorreu por uma escolha própria dos indivíduos e sim como decorrência de uma separação involuntária de aptidões culturais católicas e protestantes. Involuntária porque não foram os católicos humanistas que optaram por seguir uma carreira de “mestres artesãos” e sim o próprio racionalismo econômico que impôs sua “seleção natural”.

Observamos que, essa “seleção natural” que exclui os valores humanistas do berço de desenvolvimento de nossa sociedade, ainda ocorre nos dias atuais, mas possivelmente hoje possamos ter maior consciência da necessidade de um trabalho educacional que resgate valores morais involuntariamente perdidos no passado.

Tanto quanto os estudos de Marx expostos anteriormente, as avaliações de Weber estão absolutamente presentes em nossa sociedade atual. Embora seja um grande desafio, acreditamos que a educação seja o único caminho para um resgate de valores morais capazes de nos libertar desse ciclo vicioso desmedido de acumulação de capital apontado por Marx e que nos torna vítimas involuntárias de nós mesmos.

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No entanto, caminhando com as idéias de Weber, qual a razão para essa tendência dos protestantes ao racionalismo econômico?

Para explicar essa razão, Weber emprega o conceito que ele define como “espírito do capitalismo” que “existiu incontestavelmente antes do capitalismo” (WEBER, 2007, p. 48) e que o texto abaixo procura apresentar uma definição:

Se é que é possível encontrar um objeto que dê algum sentido ao emprego dessa designação, ele só pode ser uma “individualidade

histórica”, isto é, um complexo de conexões que se dão na realidade

histórica e que nós encadeamos conceitualmente em um todo, do ponto de vista de sua significação cultural. (WEBER, 2007, p. 41)

Weber também utiliza passagens de Benjamim Franklin como “dinheiro é fértil por natureza”, “tempo é dinheiro”, “crédito é dinheiro”, “o bom pagador sempre terá crédito”, entre outras. No entanto, para os efeitos deste trabalho, focamos principalmente o que se define como “significação cultural” ou fruto de uma cultura.

Esta “significação cultural”, é definida como uma cultura do trabalho, da

“profissão como dever”, que nos remete também aos estudos de Marx, segundo o qual

era necessário entender a evolução da nossa sociedade por meio da análise das relações de trabalho aqui expostas como uma forma de valorizar sua existência.

“Vês um homem exímio em sua profissão? Digno ele é de apresentar-se perante os reis”. Na ordem econômica moderna, o ganho de dinheiro – contando que se dê de forma legal – é o resultado e a expressão da habilidade na profissão, e essa habilidade, é fácil reconhecer na passagem citada como em todos os seus escritos sem exceção, constitui o verdadeiro alfa e ômega da moral de Franklin (WEBER, 2007, p. 47)

Podemos concluir, portanto, que para Weber o capitalismo ou o “espírito do

capitalismo” é fruto de uma cultura. Uma cultura advinda do trabalho, da “profissão

como dever”. Para Weber, “o ganho desbragado, sem vínculo com norma nenhuma, sempre existiu em todos os períodos da história, onde quer e como quer que de fato fosse possível” (WEBER, 2007, p. 50).

De forma a explorar ainda mais a cultura e a educação como agentes e reagentes de uma construção social, e seguindo uma linha cronológica a que nos propusemos no início deste trabalho, faz-se importante a apropriação de alguns estudos e análises do sociólogo Pierre Bourdieu que avaliaremos a seguir.

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1.3 O Capital Cultural segundo Bourdieu

As relações que se impõem no sistema capitalista entre educação e trabalho ou entre cultura e mercado, se por um lado assumem uma avaliação crítica nesta dissertação, por outro representam também uma constatação objetiva de uma realidade.

Bourdieu, que nas décadas de 60, 70 e 80 produziu diversos estudos sobre nossa sociedade já em pleno desenvolvimento capitalista liberal e neoliberal, nos apresenta avaliações importantes para o encaminhamento e conclusão deste trabalho.

No texto em que trata dos “três estados do capital cultural”, Bourdieu inicia descrevendo sua noção de “capital social” em correspondência ao “capital cultural” que detalharemos na sequência.

A noção de capital social impôs-se como o único meio de designar o fundamento de efeitos sociais que, mesmo sendo claramente compreendidos no nível dos agentes singulares – em que se situa inevitavelmente a pesquisa estatística – não são redutíveis ao conjunto das propriedades individuais possuídas por um agente determinado. (BOURDIEU, 2007, p. 50).

O capital social compreendido por Bourdieu, mais do que uma questão financeira em si, decorre de uma “rede de relações” entre os indivíduos e exprime a importância, o valor e os benefícios dos relacionamentos em grupo no sistema capitalista.

Ou seja, relacionar-se em grupo ou aprender a relacionar-se em grupo representa um requisito importante para o desempenho do conjunto de atividades esperadas pelo modo capitalista de produção e geração de lucro.

Dentro desse contexto é importante observar também que “O volume de capital

social que um agente individual possui depende então da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico)” (BOURDIEU, 2007, p. 67).

Marx, que procurava compreender a sociedade a partir da análise das relações de trabalho, observava que distinguir uma época econômica da outra é muito mais analisar as formas como se produz do que o que se produz em si (MARX, 1996). É exatamente isso que Bourdieu procura analisar quando trata dos “três estados do capital cultural”: o estado incorporado, o estado objetivado e o estado institucionalizado.

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No estado incorporado, para Bourdieu, “a maior parte das propriedades do

capital cultural pode inferir-se do fato de que, em seu estado fundamental, esta ligado

ao corpo e pressupõe sua incorporação” (BOURDIEU, 2007, p. 74).

Nesse contexto, a assimilação de um capital cultural custa tempo e esforço do individuo, mas que para Bourdieu é o“ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez

corpo” (BOURDIEU, 2007, p. 74). Portanto, esse capital, diferente do dinheiro, não permite uma troca instantânea realizada em uma transação financeira. Suas bases de acumulação não seguem uma lógica monetária e dissociam-se de uma lógica econômica.

Em outras palavras, é o que podemos chamar de “conhecimento” ou “capital intelectual” onde repousam a economia das grandes coleções de pintura ou das grandes fundações culturais, da mesma forma que a economia da assistência e da generosidade, conforme revela Bourdieu. Uma herança não monetariamente transferida, mas que se transfere no berço familiar sob a forma do que poderíamos destacar como “educação familiar” ou, segundo Bourdieu, a forma mais oculta de transmissão hereditária de capital que depende em grande parte do tempo livre que uma determinada família pode oferecer para sua aquisição, um tempo que não é diretamente remunerado e separado do tempo destinado à atividade econômica de acumulação inicial. (BOURDIEU, 2007)

Diante disso, podemos apontar que o “capital incorporado” enfrenta a lógica econômica e torna mais complexa a equação em que participam as variáveis tempo e dinheiro. Ou seja, quanto maior o tempo investido em educação ou em aquisição de conhecimento, ambiciona-se, mesmo que de forma incerta, maior ganho financeiro no tempo que pode transcender inclusive gerações.

Essa não é uma equação a ser aplicada apenas nas relações familiares de investimento de capital cultural incorporado nos filhos ou entre seus membros, mas também é uma equação presente nas discussões de políticas educacionais responsáveis de estado, que podemos destacar de forma mais abrangente como “capital cultural incorporado por uma nação”. Algo que assume fundamental importância para o crescimento do produto interno bruto (PIB) de um país, principalmente em um mundo globalizado em que as importações e exportações de produtos de alto ou baixo valor agregado entre países adquirem grande relevância na geração e acumulação de riqueza.

Além do capital incorporado, para Bourdieu, o capital cultural também assume a forma de capital objetivado que, de forma mais simples, podem ser transferidos em sua materialidade como escritos, pinturas, monumentos ou mesmo máquinas e

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equipamentos. No entanto, a ligação frutuosa entre o capital objetivado e sua real utilidade como capital cultural, além dos fatores meramente econômicos do bem em si, ocorrem por meio do capital incorporado, conforme Bourdieu descreve a seguir:

“o proprietário dos instrumentos de produção deve encontrar meios para se apropriar ou do capital incorporado que é a condição da apropriação específica, ou dos serviços dos detentores desse capital. Para possuir máquinas, basta ter capital econômico; para se apropriar delas e utilizá-las de acordo com sua destinação específica (definida pelo capital científico e tecnológico que se encontra incorporado nelas), é preciso dispor, pessoalmente ou por procuração, de capital incorporado.”(BOURDIEU, 2007, p. 77).

Para Bourdieu, na medida em que cresce o capital cultural incorporado nos instrumentos de produção e o tempo necessário para sua aquisição e incorporação, poderia também crescer a força coletiva dos detentores desse capital cultural. No entanto, a mesma se submete à força maior dos detentores do capital econômico que colocam em concorrência os detentores de capital cultural (BOURDIEU, 2007). Uma reflexão importante que retomaremos adiante neste trabalho.

O terceiro capital cultural registrado por Bourdieu é o “capital institucionalizado”, ou seja, um reconhecimento institucional pelo capital cultural adquirido sob a forma física e socialmente reconhecida e valorizada como um “diploma”. Essa “certidão de competência cultural”, segundo Bourdieu, confere ao seu portador um produto passível de converter um capital cultural em capital econômico na medida em que possa ser “trocado” por dinheiro no mercado de trabalho. (BOURDIEU, 2007).

Enfim, os “três estados do capital cultural” descritos por Bourdieu, nos oferece uma importante reflexão sobre o desenvolvimento das diferentes formas de capital no sistema capitalista, mas que assumem igualmente uma relação de subordinação direta ou indireta ao lucro, acumulação, concentração de riqueza e conseqüentemente a uma desigualdade social crescente como profetizava Marx e que, em 2014, Thomas Piketty rejuvenesce no livro “O Capital no século XXI” com a tecnologia numérica científica que o próprio desenvolvimento desse sistema hoje nos permite, alimentando suas contradições.

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1.4 Pobreza, educação e o ciclo vicioso da desigualdade

A escravidão foi uma prática que acompanhou a humanidade por muitos séculos. Em várias das antigas civilizações, a presença de escravos era absolutamente normal.

Eram pessoas que compunham uma classe abaixo da pobreza. Pobres eram aqueles que não tinham muitas posses. Já os escravos, além de não terem sequer direito à posse, também eram privados de liberdade. Eram indivíduos que trabalhavam em troca de roupa, comida e abrigo.

Hoje em dia, abominamos a escravidão. Mas, mesmo assim, sabemos que existem pessoas que sobrevivem em condições quase iguais à da escravidão: não têm posse e são discriminados, como se não possuíssem nenhum direito como cidadãos. Seria exagero chamarmos esses indivíduos de “escravos da desigualdade”?

A desigualdade social na sociedade capitalista em que vivemos se encontra em níveis alarmantes, ao mesmo tempo em que continua a crescer, sem nenhuma tendência de queda no curto, médio ou longo prazo, como afirma Piketty.

Avaliamos e estudamos a desigualdade social porque acreditamos que uma educação voltada à generosidade possa representar uma alternativa para a diminuição desse grave problema que reside no centro incongruente de nossa sociedade contraditória. No entanto, antes de caminharmos em avaliações sobre desigualdade, é importante também distinguir o conceito de pobreza, para caracterizar adequadamente as pessoas que chamamos de ”pobres” nesse trabalho. O termo “pobreza” é extremamente amplo. Sonia Rocha, pesquisadora associada do IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), no primeiro capítulo de seu livro “Pobreza no Brasil – Afinal do que se trata?” aponta a seguinte definição para pobreza:

Pobreza é um fenômeno complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada. Para operacionalizar esta noção ampla e vaga, é essencial especificar que necessidades são essas e qual nível de atendimento pode ser considerado adequado. A definição relevante depende basicamente do padrão de vida e da forma como as diferentes necessidades são atendidas em determinado contexto sócio-econômico. Em última instância, ser pobre significa não dispor dos meios para operar adequadamente no grupo social em que se vive. (ROCHA, 2003, p. 9-10)

Conclui-se, portanto, que tão importante quanto conceituar a desigualdade e suas derivadas é identificar os procedimentos adequados para mensuração da pobreza em

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relação a cada realidade social específica. Nesse contexto, Sonia Rocha aponta também para a necessidade de distinguir pobreza absoluta e pobreza relativa.

Valores mínimos para alimentação, vestuário e habitação definem necessidades básicas para conceituar a pobreza absoluta, mas tornam-se controversos na medida em que o enriquecimento de uma sociedade afasta as definições de pobreza das condições básicas de sobrevivência (ROCHA, 2003). Nesse sentido, os indicadores de bem estar de uma sociedade aproximam-se mais de uma avaliação de pobreza relativa em que indicadores como distribuição de renda e desigualdade assumem maior relevância.

Provavelmente a educação básica que temos hoje no início do século XXI em nossa sociedade é muito superior do que no início ou metade do século XX. Da mesma forma que avaliamos uma pobreza relativa como forma de definir condições básicas de sobrevivência em nossa sociedade, é necessário também distinguir qual o nível adequado de educação para que um indivíduo possa operar no meio social em que se vive.

Marx avaliava a educação como um reflexo dos meios de produção. Ou seja, como algo que, na teoria, evolui paralelamente ao sistema capitalista de forma a alimentar suas necessidades. Baseado nas definições de Sonia Rocha sobre pobreza, procuramos distinguir também uma “educação absoluta” de uma “educação relativa”. Ou seja, na primeira atendemos às necessidades mínimas educacionais por si só independente do meio em que se vive e na segunda, como um reflexo da evolução das tecnologias de produção e da necessidade de se operar adequadamente perante uma realidade apresentada.

Diante disso, podemos dizer que a não atenção ou a ausência de uma “educação relativa” adequada aumenta ainda mais os níveis de pobreza, da mesma forma que limita o crescimento dos meios de produção capitalista e alimenta o ciclo vicioso da desigualdade social em que o rico torna-se cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre.

Para avaliar um pouco melhor o que denominamos “educação relativa” tomemos como base nos próximos itens a educação nas constituições brasileiras e na seqüência alguns números sobre a desigualdade no Brasil.

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1.4.1 A Educação nas constituições brasileiras

Sofia Vieira, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará, onde integra o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Educação, publicou um artigo na RBEP (Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos), em 2007, no qual analisa a educação como direito nas diversas constituições federais no Brasil, identificando seu grau de importância e a evolução histórica do tema.

A primeira Carta Magna Brasileira, em 1824, criada logo após a proclamação da república do Brasil, no art 179, § 32, já estabelece que a instrução primária deva ser gratuita a todos os cidadãos. No entanto, segundo Sofia, nas primeiras constituições (1824 e 1891) as referências são mínimas, ilustrando a pequena relevância do tema para a sociedade da época.

A presença de artigos relacionados à educação só começa a crescer significativamente a partir da constituição de 1934 após a criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930. Entre as normas estabelecidas para o “Plano Nacional de Educação” naquela época estão o "ensino primário integral e gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos e tendências à gratuidade do ensino ulterior ao primário, a fim de o tornar mais acessível" (art. 150, parágrafo único, "a" e "b"). A mesma constituição trouxe normas sobre o financiamento da educação, exigência de concurso público como forma de ingresso ao magistério oficial e a liberdade de ensino em todos os graus, reconhecendo os estabelecimentos particulares de ensino.

Nas constituições seguintes, segundo Sofia, tivemos avanços e retrocessos, mostrando a falta de uma evolução consistente no tratamento da educação no Brasil. A constituição de 1937, por exemplo, coloca o dever do Estado quanto à educação em segundo plano, atribuindo-o uma função compensatória na oferta escolar destinada à "infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares" (art. 129). Segundo Sofia Vieira, fica clara nessa constituição a concepção da educação pública como aquela destinada aos que não puderem arcar com os custos do ensino privado e sendo o ensino vocacional e profissional a grande prioridade. Logo, nota-se uma flagrante omissão com relação às demais modalidades de ensino.

A intensa industrialização do país ao longo da primeira metade do século XX gerou uma crescente urbanização da sociedade, impondo novos desafios para a educação, uma vez que uma sociedade mais industrial exigia mão-de-obra mais

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qualificada. Após a constituição de 1967, vieram as reformas do ensino superior e da educação básica, que seriam fundamentais para sustentar o período historicamente conhecido no Brasil como “milagre econômico”, compreendido entre os anos de 1968 e 1973.

A última Carta Magna, datada de 1988, conhecida como “Constituição cidadã”, trata a educação como “direito de todos e dever do Estado e da família”, conforme dispõe o artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O texto busca facilitar o acesso do cidadão à educação, propondo “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola’” (art. 206, I). Ao mesmo tempo, ressalta legalmente o dever do Estado para com a Educação. O artigo 208, parágrafo 2º, por exemplo, estabelece que o "não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente". No parágrafo 3º do mesmo artigo vemos que o Estado tem o dever de "recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola".

Enfim, as constituições são marcos importantes a serem avaliados para compreendermos a evolução da educação no Brasil. Percebe-se, no entanto, que a relação entre o estado e a educação ocorreu sempre de forma muito irregular comprometendo gravemente o que denominamos “educação relativa” e, desta forma, agravando ainda mais os efeitos nefastos do capitalismo, principalmente sobre os mais pobres que não dispõem do mínimo de “capital incorporado” como denominou Bourdieu para dispor e enfrentar os desafios do meio em que vivem.

1.4.2 Números da desigualdade no Brasil

Conforme avaliamos, educação, pobreza e desigualdade possuem uma ligação muito próxima que, ao longo deste trabalho, procuramos estudar com o objetivo de sugerir uma ferramenta que possa contribuir para melhorar em alguma medida esse quadro numericamente exposto a seguir.

No Brasil, os números da desigualdade sempre foram muito precários. Tanto que Piketty não considerou os números da desigualdade brasileira em seu livro que trata do

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tema em dezenas de países do mundo. Apenas em Agosto de 2014, um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília apresentou em um artigo acadêmico, uma primeira estimativa de concentração de renda entre os mais ricos no Brasil calculada a partir das declarações de Imposto de Renda de Pessoa Física dos anos de 2006 a 2012

Até então, a maior parte das pesquisas para estudar a distribuição de renda no Brasil limitavam-se a questionários em que, seja por desconhecimento, omissão ou até insegurança, os respondentes acabavam não expondo os valores exatos de seus rendimentos.

Marcelo Medeiros, Pedro H. G. Ferreira de Souza e Fábio Avila de Castro, da Universidade de Brasília, construíram uma série de indicadores de desigualdade com base em dados tributários com foco nas frações da renda total apropriadas pelos 0,1%, 1% e 5% mais ricos no Brasil.

Diante disso, construímos a pirâmide abaixo utilizando apenas os números desses pesquisadores com base em dados tributários. Decidimos não considerar os números da conhecida PNAD, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que, conforme veremos na sequência, divergem muito dos números tributários avaliados.

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Com base em números tributários, observa-se que 0,1% da população brasileira, aproximadamente 140 mil pessoas, ganha acima de R$ 872 mil por ano. Segundo dados adicionais da pesquisa, a média de ganho anual desses 0,1 % da população é de R$ 2,4 milhões sendo que de 2006 a 2012 esse grupo recebeu quase 11% da renda total, o que implica que sua renda média foi quase 110 vezes maior do que a média nacional de renda de R$ 20,4 mil.

Quando avaliamos o 1% mais ricos, com renda anual entre R$ 203 mil e R$ 872 mil, (média de R$ 553 mil), a pesquisa aponta também que, entre 2006 e 2012, esse grupo, incluindo os 0,1% mais ricos, recebeu 25% da renda total brasileira.

Os 5% mais ricos, que ganham acima de R$ 58 mil por ano, entre 2006 e 2012 receberam 44% da renda total.

Ainda segundo os estudos feitos pelos pesquisadores da Universidade de Brasília, os levantamentos domiciliares mostram menor nível de concentração no topo do que os dados tributários. As PNADs apresentam as estimativas mais baixas apontando uma concentração de 3% a 4% da renda entre os 0,1% mais ricos, 14% e 16% para os 1% mais ricos e 35% para os 5% mais ricos. Números bem diferentes dos apresentados pelos dados tributários avaliados com médias arredondadas de 11%, 25% e 44% para o 0,1%, 1% e os 5% mais ricos!

Por esse motivo decidimos não utilizar na pirâmide anterior os dados das PNADs. No entanto, segundo os autores do estudo:

A principal conclusão é que a concentração de renda entre os mais ricos é, de acordo com os dados tributários, substancialmente maior do que a estimada pelos levantamentos domiciliares, sem que tenha havido tendência de queda nos últimos anos. Em média, entre 2006 e 2012, o 1% mais rico do Brasil se apropriou de pouco menos de 25% da renda total, sendo que o 0,1% mais rico, por si só, ficou com 11%. A desigualdade entre os mais ricos também é maior nos dados tributários do que nas pesquisas domiciliares. Nossos dados permitem assegurar que os mais ricos são resistentes à queda da desigualdade que foi observada nos levantamentos domiciliares. Seja no que diz respeito à desigualdade entre os mais ricos e o resto da população, seja no que se refere à desigualdade entre os mais ricos, as discrepâncias entre os dados tributários e as pesquisas domiciliares tornam-se muito mais agudas a partir do centésimo superior. Nos dois casos, o problema é mais brando para os indivíduos entre os percentis 95 e 99. Não se deve perder de vista que nosso estudo limita-se a identificar rendas apropriadas e declaradas por pessoas físicas. É possível que a desigualdade seja distinta se as rendas declaradas por pessoas jurídicas – que não deixam de ser propriedade de pessoas físicas – sejam também computadas nas medidas de desigualdade. Também é possível que nossa metodologia de interpolação subestime a concentração no topo da distribuição. Em ambos os casos a consequência seria de que nossos cálculos subestimariam a desigualdade real. (MEDEIROS, SOUZA & CASTRO, 2014, p. 27)

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A título comparativo, é possível dizer que os níveis de concentração de renda no Brasil são ainda superiores do que a média mundial. Ou seja, o que já é muito ruim e problemático no mundo, no Brasil é ainda pior.

Na Colômbia e nos Estados Unidos, por exemplo, a parcela do 1% mais rico na renda total situa-se em torno de 20% de acordo com Piketty e Saez em 2013, enquanto no Brasil, como vimos, o 1% mais rico recebeu 25% da renda total brasileira entre 2006 e 2012. Os resultados para outros países desenvolvidos indicam percentuais entre 10% e 15%, caindo abaixo disso nos países mais igualitários segundo Atkinson.

1.4.3 O ciclo vicioso da desigualdade

Reflexões sobre desigualdade social e as contradições do sistema capitalista em que vivemos tornaram-se tema de grandes debates em diferentes países do mundo em 2014 com o lançamento do livro “O Capital no século XXI”, do economista francês Thomas Piketty.

Embora Piketty não tenha vínculo direto com a área de educação, para os fins deste trabalho, utilizaremos as análises desse economista para ressaltar muitos dos pontos descritos por Marx no passado e que adquirem um vigor ainda maior quando avaliados no presente.

A lição geral de minha pesquisa é que a evolução dinâmica de uma economia de mercado e de propriedade privada, deixada à sua própria sorte, contêm forças de convergência importantes, ligadas sobretudo à difusão do conhecimento e das qualificações, mas também forças de divergência vigorosas e potencialmente ameaçadoras para nossas sociedades democráticas e para os valores de justiça social sobre os quais elas se fundam. (PIKETTY, 2014, p. 555)

Para Piketty, as taxas de rendimento do capital têm se demonstrado continuamente mais elevadas do que as taxas de crescimento da renda e da produção, alimentando um crescente ciclo vicioso de desigualdade. Ou seja, “patrimônios originados no passado se recapitalizam mais rápido do que a progressão da produção e dos salários. O passado devora o futuro”(PIKETTY, 2014, p. 555).

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Mas suas análises não representam necessariamente uma crítica ao modelo capitalista em si e, sim, sobre a forma como a renda gerada é distribuída na sociedade. No entanto, Piketty adverte também que esses problemas não admitem soluções simples.

No século XX foram as guerras que fizeram tábula rasa do passado e reduziram bruscamente o retorno do capital, dando, assim, uma ilusão de uma superação estrutural do capitalismo e dessa contradição fundamental. Sem dúvida seria possível taxar mais o rendimento do capital de maneira a diminuir o retorno privado para níveis abaixo da taxa de crescimento. Contudo, se isso fosse realizado de maneira maciça e indiscriminada, haveria o risco de matar o motor de acumulação e diminuir ainda mais as taxas de crescimento. (PIKETTY, 2014, p. 556)

Com base nos prognósticos de Marx feitos no final século XIX e sob a forma das avaliações atuais de Piketty, podemos dizer que as previsões para o futuro da desigualdade em nossa sociedade não são animadoras e de forma difusa ainda menos entusiasmadas são as saídas que vêm sendo apontadas para esses problemas.

A OxfamInternational, uma confederação global de 17 organizações que lutam pelo fi m da desigualdade e da pobreza em 94 países, publicou um documento em Outubro de 2014, no qual declara que, de acordo com cálculos e estudos realizados naquele ano, “as 85 pessoas mais ricas do planeta tinham uma fortuna igual à soma das posses da metade mais pobre da humanidade.”.

Segundo o relatório, “entre março de 2013 e março de 2014, essas 85 pessoas ficaram USD 668 milhões mais ricas a cada dia”.

Ou seja, esses 85 bilionários concentram mais riqueza do que toda a metade da população mundial possui.

No entanto, como muitas vezes os indivíduos são levados a imaginar, não são esses bilionários os responsáveis pela desigualdade mundial. Possivelmente, se toda a riqueza dos mesmos fosse impostamente distribuída aos mais pobres em um determinado momento, dada a forma como é composta a sociedade atual e de acordo com os princípios de Marx, Weber, acompanhado pelos estudos de Bourdieu, descritos anteriormente, em pouco tempo os níveis de desigualdade voltariam novamente aos mesmos patamares anteriores.

Notamos, no entanto, que a igualdade não surge naturalmente. É preciso estimulá-la. Mas, se o sistema capitalista por si só não tem demonstrado eficiência na

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distribuição de renda, quem poderá exercer esse papel de “promotor de igualdade”? O Estado?

No capitulo 13 de seu livro “O Capital no Século XXI”, Piketty faz uma avaliação do papel do poder público na distribuição das riquezas e na construção de um Estado Social. Ele demonstra que, embora tenha ocorrido um grande crescimento na participação dos impostos e das despesas públicas na renda nacional dos países ricos, os níveis de concentração de renda aumentaram independentemente ao longo das décadas.

Além disso, Piketty ressalta que em todos os países desenvolvidos, entre 1930 e 1980, a participação dos impostos na renda nacional foi multiplicada por um fator de três ou quatro (às vezes, por mais de cinco, como nos países nórdicos). “O imposto não é nem bom nem ruim em si: tudo depende da maneira como ele é arrecadado e do que se faz com ele”(Piketty, 2014).

Em resumo, não há saída fácil ou uma fórmula definida para esse debate sobre as distorções do capitalismo, a pobreza e a distribuição de renda. Piketty sugere um imposto progressivo anual sobre o capital que iniciaria em 0,5% ao ano para patrimônios inferiores a um milhão de euros, podendo chegar a 10% para patrimônios de centenas de milhões ou bilhões de euros. No entanto, como ele próprio avalia, o aumento de impostos ao longo da história não foi acompanhado por uma diminuição da desigualdade.

Diante das avaliações de Marx, Weber, Bourdieu e Piketty que retomaremos adiante, levantamos a seguir algumas questões, as quais, embora não tenhamos a pretensão de responder, o encadeamento de idéias e reflexões expostas neste trabalho, visam ao menos permitir expô-las ao pensamento coletivo: não seria a ausência de um senso maior de generosidade um dos causadores, entre outros, das distorções e contradições que hoje observamos no capitalismo? Poderia a generosidade ou uma “educação para generosidade” influenciar de forma relevante um resgate cultural de valores que possa inverter esse ciclo vicioso crescente de desigualdade social profetizado por Marx e confirmado por Piketty?

Para que possamos responder melhor a essas perguntas, tornam-se necessárias ações e propostas que possam servir como base de avaliação. É exatamente com o objetivo de apoiar futuras respostas a essas questões que encaminhamos este trabalho: o desenvolvimento de uma ferramenta baseada no conceito Web 2.0 para o ensino e aprendizado da generosidade nas escolas.

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No entanto, antes de descrever melhor essa ferramenta, apontaremos alguns estudos científicos que demonstram o quanto a generosidade e uma “educação para generosidade” poderiam representar uma alternativa para uma vida melhor em sociedade.

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CAPÍTULO II – ESTUDOS CIENTÍFICOS SOBRE GENEROSIDADE

Neste capítulo destacamos basicamente três interessantes estudos científicos que poderão nos auxiliar no encaminhamento da proposta do trabalho em foco.

2.1 Os efeitos da generosidade no cérebro

No dia a dia, é possível encontrar pessoas essencialmente generosas que declaram agir desta forma porque isso as faz se sentir bem. Do mesmo modo, pessoas egoístas muitas vezes demonstram serem tristes, vazias e infelizes. Essas observações meramente empíricas, no entanto, vêm sendo objeto de estudo na neurociência e nos apresentam resultados muito reveladores.

Um estudo do ano de 2006, liderado pelo neurocientista brasileiro Jorge Moll Neto e pelo americano Jordan Grafman, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, revelou, através de exames de ressonância magnética, os efeitos da generosidade no cérebro humano.

O artigo no qual os pesquisadores relatam esse estudo inicia com a seguinte descrição que demonstra as bases sobre as quais a pesquisa foi desenvolvida:

O altruísmo humano supera de longe os vínculos imediatos dos laços de parentesco, mesmo quando não são esperados ganhos materiais ou de reputação (1, 2). Estudos recentes em economia experimental começaram a explorar as bases neurobiológicas de cooperação em trocas interpessoais (3–5). Escolhas altruístas ocorrem regularmente além das esferas interpessoal e econômica, porém, as pessoas muitas vezes sacrificam interesses materiais, tempo e até integridade física em nome de causas sociais, princípios e ideologias (6–8). Doações anônimas para instituições de caridade são exemplos notáveis deste aspecto único do altruísmo humano (8, 9), que se baseia em nossa capacidade para relacionar diretamente importância motivacional com crenças morais abstratas e causas sociais. Teorias evolucionárias e neurobiológicas sugerem que essa capacidade foi fundamentalmente formada durante o último grande passo da evolução do homem na explosão cultural do período paleolítico superior (10, 11). (MOLL, GRAFMAN, 2006, p. 1)

No estudo descrito nesse artigo, um grupo de 19 voluntários, cuidadosamente selecionados, foram submetidos a um teste no qual os participantes tinham que decidir o que fazer com US$ 128 que haviam acabado de receber. Uma opção era guardar o dinheiro para si e outra opção era doar para instituições filantrópicas relacionadas a grandes causas sociais. Enquanto faziam as opções, seus cérebros estavam sendo

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