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1.4 Pobreza, educação e o ciclo vicioso da desigualdade

1.4.3 O ciclo vicioso da desigualdade

Reflexões sobre desigualdade social e as contradições do sistema capitalista em que vivemos tornaram-se tema de grandes debates em diferentes países do mundo em 2014 com o lançamento do livro “O Capital no século XXI”, do economista francês Thomas Piketty.

Embora Piketty não tenha vínculo direto com a área de educação, para os fins deste trabalho, utilizaremos as análises desse economista para ressaltar muitos dos pontos descritos por Marx no passado e que adquirem um vigor ainda maior quando avaliados no presente.

A lição geral de minha pesquisa é que a evolução dinâmica de uma economia de mercado e de propriedade privada, deixada à sua própria sorte, contêm forças de convergência importantes, ligadas sobretudo à difusão do conhecimento e das qualificações, mas também forças de divergência vigorosas e potencialmente ameaçadoras para nossas sociedades democráticas e para os valores de justiça social sobre os quais elas se fundam. (PIKETTY, 2014, p. 555)

Para Piketty, as taxas de rendimento do capital têm se demonstrado continuamente mais elevadas do que as taxas de crescimento da renda e da produção, alimentando um crescente ciclo vicioso de desigualdade. Ou seja, “patrimônios originados no passado se recapitalizam mais rápido do que a progressão da produção e dos salários. O passado devora o futuro”(PIKETTY, 2014, p. 555).

Mas suas análises não representam necessariamente uma crítica ao modelo capitalista em si e, sim, sobre a forma como a renda gerada é distribuída na sociedade. No entanto, Piketty adverte também que esses problemas não admitem soluções simples.

No século XX foram as guerras que fizeram tábula rasa do passado e reduziram bruscamente o retorno do capital, dando, assim, uma ilusão de uma superação estrutural do capitalismo e dessa contradição fundamental. Sem dúvida seria possível taxar mais o rendimento do capital de maneira a diminuir o retorno privado para níveis abaixo da taxa de crescimento. Contudo, se isso fosse realizado de maneira maciça e indiscriminada, haveria o risco de matar o motor de acumulação e diminuir ainda mais as taxas de crescimento. (PIKETTY, 2014, p. 556)

Com base nos prognósticos de Marx feitos no final século XIX e sob a forma das avaliações atuais de Piketty, podemos dizer que as previsões para o futuro da desigualdade em nossa sociedade não são animadoras e de forma difusa ainda menos entusiasmadas são as saídas que vêm sendo apontadas para esses problemas.

A OxfamInternational, uma confederação global de 17 organizações que lutam pelo fi m da desigualdade e da pobreza em 94 países, publicou um documento em Outubro de 2014, no qual declara que, de acordo com cálculos e estudos realizados naquele ano, “as 85 pessoas mais ricas do planeta tinham uma fortuna igual à soma das posses da metade mais pobre da humanidade.”.

Segundo o relatório, “entre março de 2013 e março de 2014, essas 85 pessoas ficaram USD 668 milhões mais ricas a cada dia”.

Ou seja, esses 85 bilionários concentram mais riqueza do que toda a metade da população mundial possui.

No entanto, como muitas vezes os indivíduos são levados a imaginar, não são esses bilionários os responsáveis pela desigualdade mundial. Possivelmente, se toda a riqueza dos mesmos fosse impostamente distribuída aos mais pobres em um determinado momento, dada a forma como é composta a sociedade atual e de acordo com os princípios de Marx, Weber, acompanhado pelos estudos de Bourdieu, descritos anteriormente, em pouco tempo os níveis de desigualdade voltariam novamente aos mesmos patamares anteriores.

Notamos, no entanto, que a igualdade não surge naturalmente. É preciso estimulá-la. Mas, se o sistema capitalista por si só não tem demonstrado eficiência na

distribuição de renda, quem poderá exercer esse papel de “promotor de igualdade”? O Estado?

No capitulo 13 de seu livro “O Capital no Século XXI”, Piketty faz uma avaliação do papel do poder público na distribuição das riquezas e na construção de um Estado Social. Ele demonstra que, embora tenha ocorrido um grande crescimento na participação dos impostos e das despesas públicas na renda nacional dos países ricos, os níveis de concentração de renda aumentaram independentemente ao longo das décadas.

Além disso, Piketty ressalta que em todos os países desenvolvidos, entre 1930 e 1980, a participação dos impostos na renda nacional foi multiplicada por um fator de três ou quatro (às vezes, por mais de cinco, como nos países nórdicos). “O imposto não é nem bom nem ruim em si: tudo depende da maneira como ele é arrecadado e do que se faz com ele”(Piketty, 2014).

Em resumo, não há saída fácil ou uma fórmula definida para esse debate sobre as distorções do capitalismo, a pobreza e a distribuição de renda. Piketty sugere um imposto progressivo anual sobre o capital que iniciaria em 0,5% ao ano para patrimônios inferiores a um milhão de euros, podendo chegar a 10% para patrimônios de centenas de milhões ou bilhões de euros. No entanto, como ele próprio avalia, o aumento de impostos ao longo da história não foi acompanhado por uma diminuição da desigualdade.

Diante das avaliações de Marx, Weber, Bourdieu e Piketty que retomaremos adiante, levantamos a seguir algumas questões, as quais, embora não tenhamos a pretensão de responder, o encadeamento de idéias e reflexões expostas neste trabalho, visam ao menos permitir expô-las ao pensamento coletivo: não seria a ausência de um senso maior de generosidade um dos causadores, entre outros, das distorções e contradições que hoje observamos no capitalismo? Poderia a generosidade ou uma “educação para generosidade” influenciar de forma relevante um resgate cultural de valores que possa inverter esse ciclo vicioso crescente de desigualdade social profetizado por Marx e confirmado por Piketty?

Para que possamos responder melhor a essas perguntas, tornam-se necessárias ações e propostas que possam servir como base de avaliação. É exatamente com o objetivo de apoiar futuras respostas a essas questões que encaminhamos este trabalho: o desenvolvimento de uma ferramenta baseada no conceito Web 2.0 para o ensino e aprendizado da generosidade nas escolas.

No entanto, antes de descrever melhor essa ferramenta, apontaremos alguns estudos científicos que demonstram o quanto a generosidade e uma “educação para generosidade” poderiam representar uma alternativa para uma vida melhor em sociedade.