• Nenhum resultado encontrado

20º Congresso Brasileiro de Sociologia. 12 a 17 de julho de Universidade Federal do Pará (UFPA) Belém/PA. GT 01 - A era do trabalho virtual

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "20º Congresso Brasileiro de Sociologia. 12 a 17 de julho de Universidade Federal do Pará (UFPA) Belém/PA. GT 01 - A era do trabalho virtual"

Copied!
23
0
0

Texto

(1)

20º Congresso Brasileiro de Sociologia

12 a 17 de julho de 2021

Universidade Federal do Pará (UFPA)

Belém/PA

GT 01 - A era do trabalho virtual

Influenciadores Digitais: novas relações de trabalho e disciplinamento da força de trabalho.

Vilma Soares de Lima Barbosa (UFS) Ivaldo Oliveira Santos (UFS)

Resumo

Este trabalho buscou analisar o desenvolvimento das atividades dos influenciadores digitais, como um reflexo imediato do momento de transformação em que vive nossa sociedade e da forma como encaramos e pensamos o trabalho, a partir do suporte teórico que discute a mudança de uma sociedade da disciplina (FOUCAULT, 2014) para a sociedade do desempenho (HAN, 2017), que foca no indivíduo, consumo e comercialização do próprio Eu. Desprovidos de uma regulação que acompanhe o desenvolvimento destes

(2)

novos postos de trabalho, o objeto empírico dessa análise é compreender como este novo paradigma modal de trabalho, os influenciadores digitais, veem as suas atividades e tem se organizado coletivamente para construir um marco legal para a proteção destas. Para coletas de dados utilizamos a observação direta, análise documental, vídeos e entrevistas semi-estruturadas. Os dados apontaram que esses sujeitos ao buscarem realizar um labor de forma mais livre, acabam exercendo sobre si uma vigilância e uma cobrança para produzirem conteúdos para seus seguidores. Considerando-se como empreendedores, não vislumbram sua atividade como um trabalho, de modo que não buscam assegurarem suas garantias trabalhistas, exercem um trabalho precarizado e

tendem a se conformarem com logica trabalhista do capital.

Palavras-chaves: Influenciadores digitais; atividade; sociedade.

Introdução

É nítido que mudanças vem ocorrendo no mundo do trabalho, seja em termos de novas concepções e relações de labor, como também da ineficiência da evolução das legislações trabalhistas para acompanhar o processo de mutação das relações de trabalho1. Diante deste novo cenário seria necessário alargar um estudo atento as alterações alusivas ao campo de atuação do trabalhador e o acompanhamento das legislações infraconstitucionais no sentido de regulamentar esses novos campos de trabalho que se estabelecem para fomentar e amparar essas transformações.

A organização e estrutura trabalhista tem se modificado drasticamente nos dois últimos decênios. Progressivamente a tecnologia tem nos presenteado

1 Em linhas gerais, a determinação do sistema de normas de um país poderia explicar essa situação.

Esses sistemas podem ser sintetizados em duas grandes escolas: a Common Law seria aquela baseada fundamentalmente em precedentes jurisprudenciais, na qual as decisões judiciais são fontes imediatas do direito e gerando efeitos vinculantes; e Civil Law, sistema utilizado no Brasil, prioriza-se o positivismo consubstanciado em um processo legislativo, que se fundamenta, principalmente, em outorgar à lei como uma fonte imediata do ordenamento jurídico.

(3)

com uma mobilidade quase infindável. A internet e a comunicação móvel, por meio de smartphones, tablets e afins, têm sido os grandes dinamizadores dessa mutação. Hoje é possível reger um negócio, trabalhar em equipe e difundir um produto mesmo estando cada dia em um lugar diferente.

Com isso, a própria acepção daquilo que seria trabalho é posta em xeque na medida em que estes novos postos de labor se desenvolvem e novas experiências com o trabalho emergem para, como afirmamos, alterar as bases daquelas que seriam as acepções clássicas do trabalho. O Brasil, que possui uma legislação moldada como uma colcha de retalhos e cujas bases principiológicas ainda derivam de um ermo período do desenvolvimento social, já não reconhecem os novos vínculos que germinam em um novo campo, os ciberespaços.

Não chega a ser uma novidade tratarmos sobre como a evolução digital tem adquirido contornos nunca antes vistos. Muito disso se deve a velocidade com que os avanços são operados. Vários setores são atingidos e a vida em nossa sociedade muda conforme progride a cientificidade do mundo. Mas nada traz apenas ganhos. Assim como são os benefícios trazidos pela tecnologia, igualmente são incontestes os desafios e riscos que ela traz a nossa sociedade. Não é preciso apenas criar, mas também pensar em como esse progresso tecnológico repercutirá para aqueles que dela fazem uso.

Partindo desta premissa, observamos a figura daqueles que se intitulam como “influenciadores digitais”. Estes estabelecem uma tênue linha de prestação de suas atividades que se encontram desconectadas de qualquer amparo legal. Os métodos de atuação digital e de evolução desta forma de trabalho não possuem uma legislação apta ao adequado controle de suas atividades.

Aplicativos como o Instagram e YouTube, por exemplo, a muito tempo deixaram de ser apenas um site de compartilhamentos de fotos e vídeos para se tornarem uma condução de carreiras e sítio de trabalho. O desenvolvimento de meios digitais como estes competem e já ameaçam a soberania de plataformas de comunicações outrora estabelecidas e incontestes, tais como o rádio e a própria televisão, uma vez que possuem canais que divulgam conteúdo constante, com o benefício de poderem ser acessados a qualquer momento e quantas vezes se almejar.

(4)

Tais agentes, na maioria jovens, além da popularidade e fama geradas, utilizam suas atividades como a porta de entrada para outras oportunidades, cujo conteúdo varia desde tutoriais diversos, entretenimento, humor e dicas de saúde e beleza, como simplesmente um diário acompanhando a vida do “youtuber”, circunstâncias nas quais capitalizam ao monetizar suas publicações com anúncios patrocinados. São através de tais serviços que se justificam jovens que nem chegaram aos 30 anos e já alcançarem o primeiro milhão ou altas somas monetárias.

É diante do avanço destes novos postos de trabalho, que encontramos uma lacuna que fragiliza essas relações trabalhistas digitais e que desampara seus agentes, colocando-os em situações de total fragilidade perante uma teia de relações laborais que se desenvolvem de forma desenfreada e desregulada, como um vírus que se irradia para todos que compactuem com esta modalidade de exercício.

Cumpre destacar, ainda, que a maneira como se processam essas relações de trabalho alienam o trabalhador a ponto de os mesmos sequer identificarem suas atividades como um exercício regular de trabalho, cuja subordinação os aprisionam a uma estressante, porém camuflada relação de trabalho, transvestida de um ideário de fazer aquilo que se ama ou até de flexibilização da relação de emprego, na qual o empregado exerceria suas atividades livre do olhar e da pressão do empregador, perpetuando a máxima de auto exploração.

Suas origens e bases para seu desenvolvimento

De acordo com as definições que usualmente nos deparamos, os influenciadores seriam aqueles que, de alguma forma, teriam algum poder de persuasão no processo de decisão de compra de um sujeito. Sendo capazes de expor pontos de vistas e gerar discussões em circulação pelas mídias sociais; poderiam, inclusive, exercer uma influência direta em decisões relacionadas ao estilo de vida, gostos e bens culturais daqueles que estão em sua rede de seguidores. Na verdade, para ser apto a influenciar, de alguma forma, um grupo

(5)

de pessoas, pressupõe-se um destaque, prestígio, isto é, algum tipo de distinção em meio ao grupo.

Para melhor esclarecermos o nosso objeto de estudo, os situaremos ao longo do tempo, diante da evolução de sua atuação no vasto campo cibernético. Até́ 2014, blogueiras de moda eram conhecidas apenas como blogueiras de moda ou bloggers. O mesmo para blogueiros de outros nichos; de games à decoração. Aqueles que trabalhavam com produção de conteúdo em outras plataformas, como o YouTube, por exemplo, eram, por sua vez, vlogueiros ou vloggers. Em 2015, no entanto, inicia-se um movimento de redefinição de nomenclaturas profissionais, uma guinada discursiva. Assim registramos a evolução do termo influenciador digital. (KARHAWI, 2017)

É importante ressaltar que no caso dos influenciadores digitais, faz-se necessário que haja sempre a produção de conteúdo. Esta seria uma condição

sine qua non para que um determinado ator seja qualificado como influenciador

digital, no cenário que se construiu ao entorno deste termo. Tais conteúdos produzidos, atingem através das redes digitais, não apenas um receptor, mas vários, gerando uma rede de comunicação, diferente do tradicional, sem limites geográficos e econômico, possibilitando a difusão desse emergente campo de atuação. Explicamos: nesse novo contexto, surge construções associativas e a consequente ampliação de demanda consumidora, pois o consumidor tem a capacidade de interagir próximo dos produtos do seu interesse, já que possui mais informações sobre os objetos de seu interesse. Assim, esses influenciadores digitais alcançam igualmente palcos tradicionais de publicidade, editoriais de revistas, cinema e televisão.

E, para ser considerado um influenciador digital, não basta apenas ser popular, é necessário ter engajamento, como já explanado. Entendemos como engajamento todo envolvimento, interação, relacionamento com a sua audiência, que vai além do número de seguidores em uma rede social ou likes em uma publicação. A base que se utiliza para compreender o nível de engajamento são os resultados mensuráveis demonstráveis. É importante saber se as pessoas estão comentando seu conteúdo, se eles estão revendo ou classificando. Será que estão compartilhando o seu conteúdo e criando um efeito viral? É isso que,

(6)

principalmente, demonstra o poder de engajamento exercido pelo influenciador sobre seus seguidores. (ESTELA, 2019)

O engajamento adquirido com o público transcende as mídias, o que acaba exigindo que os meios tradicionais absorvam esse conteúdo que interessa ao público. As estratégias de engajamento podem conter práticas do dia a dia, orientações a respeito de um tema específico, comentários acerca de trabalhos de terceiros, aspectos que transpassem pela via midiática e cultural, gerando valor na mídia social. Cada vez mais a internet tem se tornado um local de participação do consumidor e isto ocorre de diversas maneiras. A cultura da participação trouxe a possibilidade de produzir nas mais diferentes áreas: no jornalismo, na publicidade, nas artes, na música.

Existem influenciadores de vários níveis e nichos como: beleza, cidades, arquitetura, urbanismo, comportamento, estilo de vida, conhecimento, curiosidades, cultura, entretenimento, decoração, organização, economia, utilidades, esportes, família, games, política, entre centenas de outras categorias e que já estão colecionando prêmios de melhor influenciador em sua categoria. Estes prêmios têm o objetivo de destacar os influenciadores mais relevantes, peças fundamentais dentro das estratégias de marketing de marcas e empresas. (ESTELA, 2019)

Algumas das consequências imediatas do desenvolvimento da atividade dos Influenciadores digitais: a) Influenciadores passam a ser vistos como elementos da cadeia de negócios pela audiência que construíram. Assim, passam a ser convidados pelas marcas para serem garotos e garotas propagandas ou ainda lançarem seus próprios produtos; b) Influenciadores se consideram comunicadores de nicho e, portanto, falam para comunidades específicas e concorrem entre si; c) Influenciadores passam a ter rotinas de trabalho, nas quais o tempo online é uma das características profissionais, além da presença ou associação com marcas; d) Influenciadores tornam-se empresários ou passam a ter empresários para a “carreira” e começam a se preocupar cada vez mais com a profissionalização de suas atividades; e) Influenciadores reformulam as estratégias de marketing digital e passam a ser protagonistas de marcas, criando uma lógica contemporânea de vender a própria imagem. (CAMARGO; ESTEVANIM; SILVEIRA, 2017).

(7)

Da sociedade da disciplina à sociedade do desempenho

As plataformas digitais nas quais se subsidiam os Influenciadores Digitais criam uma infraestrutura invisível que conecta oferta e demanda, facilitando a interação dos prestadores de serviços e os usuários. Todavia, essas plataformas não conseguem seu êxito do nada, sendo que seu trunfo é aproveitar uma legislação menos protetora para os autônomos e uma liberdade de fixação de preços – leilão pelo menor preço – que não existe quando se está em um campo de proteção laboral. Ou seja, as plataformas digitais estão provocando profundas mudanças sociais, tendo em vista que os modelos tradicionais de emprego, e as estruturas de trabalho, estão sendo desmantelados. (LEME; RODRIGUES; JÚNIOR, 2017)

Com o avanço da tecnologia, ergue-se a Cultura da Internet, que serve como norte ao desenvolvimento destes novos campos de trabalho, que é uma cultura feita de uma crença tecnocrática no progresso dos seres humanos através da tecnologia, levado a cabo por comunidades de hackers que prosperaram na criatividade tecnológica livre e aberta, incrustrada em redes virtuais que pretendem reinventar a sociedade, e materializada por empresários movidos a dinheiros nas engrenagens da nova economia. (CASTELLS, 2003)

Dessa forma, é possível entender que a Internet foi apropriada pela prática social, em toda a sua diversidade, embora essa apropriação tenha efeitos específicos sobre a própria prática social. A representação de papéis e a construção de identidades como base da interação on-line parece estar fortemente concentrada entre os seguimentos mais jovens da população que, de fato, estão no processo de descobrir sua identidade, de fazer experiências com ela, de descobrir quem realmente são ou gostariam de ser, moldando inclusive a relação que estabeleceriam com o campo de trabalho através de seus anseios profissionais. (CASTELLS, 2003)

Esse novo modelo de trabalhador identifica aquilo que é importante para si e que lhe traz relevância, compreendendo a demanda que seu público busca quando faz acesso a essas novas plataformas de informações e de trabalho, os ciberespaços. A partir daí, elenca seus conteúdos de maneira a atrair seus seguidores e com isso, desenvolve junto com eles um sentimento de auto

(8)

realização, que, por vezes, mascara a natureza exploratória que essa nova demanda de trabalho tem com aqueles que dela necessitam para externalizar seu conteúdo.

Além de identificar-se com aquilo que faz e produz, o indivíduo substitui a antiga acepção de atribuir ao labor uma atividade penosa, para aquela que lhe traz satisfação e completude no exercício de suas funções. O receio de antigas profissões estarem fadadas ao desuso não se dá, exclusivamente, à descoberta de avanços tecnológicos, mas também se refletem pelo desinteresse no desempenho desses ofícios. Esse novo desenho social derroca de uma mudança paradigmática.

Não esqueçamos que essa nova premissa de trabalho também exerce profunda alteração na forma como esse novo proletariado entenderá a atividade que desempenha. Simultaneamente atinge-se a questão do reconhecimento e valorização do indivíduo, porque agora você teria uma suposta liberdade em produzir o conteúdo que atingirá aqueles que o novo trabalhador anseia alcançar através de seu engajamento, como também a questão de ser “bem pago” por isso. Porém, essa noção de ser recompensado não se vincula única e exclusivamente com o viés financeiro, uma vez que essa nova ideia de trabalho desenvolve de maneira desenfreada uma cultura narcisista2.

Talvez o marco mais significativo que possamos trazer para essa discussão seria o fato de uma evolução no panorama disciplinar de nossa sociedade para a noção de desempenho. Byung-Chul Han, em sua obra Sociedade do Cansaço, nos proporcionou uma profunda análise sobre essa alteridade no quadro social. Ele identifica que a sociedade do século XXI não corresponderia a concepção de sociedade disciplinar explanada por Foucault,

2 Sobre isso, Lasch, escreveu em 1979, A cultura do narcismo. Nesse livro, ele faz uma critica às sociedades

ocidentais burguesas, sobretudo, a sociedade americana onde predomina o individualismo como valor. Ele demonstra que as preocupações dos americanos, após a ebulição política dos anos 60, se restringiu ao bem estar pessoal. A decepção com os resultados políticos, levou grande parte dos indivíduos a se preocuparem somente consigo mesmo. Os narcisistas, se caracterizariam, pela supercialidade emocional, pseudo-autopercepção, horror à velhice e à morte. Outro autor que também trabalha essa idéia é Joel Birman em Mal estar na atualidade (2016). Ele sublinha que essa cultura se caracteriza por ter uma glorificação e enaltecimento do eu muito forte. A cultura narcisista consiste no autocentramento em virtude de valorizar o cuidado do individuo com o próprio eu. Então, trata-se de uma cultura que valoriza a exterioridade, dando destaque ao olhar do outro, às redes e aos meios de comunicação, visto que estes são fonte de apreciação e admiração vindas do outro, destinadas ao eu. Entretanto, esse foco no eu, pode produzir novas formas de adoecimento psíquico no mundo do trabalho.

(9)

mas sim uma sociedade de desempenho e teria como paradigma a ideia de que seus habitantes, antes denominsados “sujeitos da obediência”, agora seriam qualificados como sujeitos de desempenho e produção, pois tornar-se-iam empresários de si mesmos. (HAN, 2017a)

Por sua vez, Foucault, sublinha que a disciplina exerce seu controle, não sobre o resultado de uma ação, mas sobre seu desenvolvimento. Esse é um ponto primordial para o entendimento dessa evolução de nossa sociedade. Seria a disciplina uma técnica de poder que determinaria em uma vigilância perpétua e constante dos indivíduos e, além disso, o conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de poder vão ter por alvo e resultado os indivíduos em sua singularidade (FOUCAULT, 2014).

Abalizando esse conceito para o âmbito trabalhista que rege nosso ordenamento jurídico, a ideia de disciplina faria jus aos modelos tradicionais de construção das relações laborais, na qual instituía-se uma cadeia hierárquica estruturada e sob a qual se ordenavam condições para a realização de um trabalho. No ordenamento jurídico brasileiro, por exemplo, a disciplina estabelecer-se-ia pautada sobre 4 condições – onerosidade, não-eventualidade, pessoalidade e subordinação3.

É curioso tal observação, uma vez que identificada a forma como se procede o desenvolvimento dessas atividades que são amplamente difundidas nas redes virtuais – ciberespaços – podemos inclusive questionar se estas poderiam ser enquadradas nas formalidades da lei trabalhista brasileira. Talvez seja esse o grande entrave para que possamos desenvolver de maneira mais célere a proteção desses obreiros no âmbito da justiça do trabalho no Brasil.

Considerando que a própria legislação já impõe algumas obrigatoriedades para que se entenda uma atividade como relação de emprego4, ainda temos o fato de que os próprios influenciadores digitais, muitas vezes, não identificam a precarização das atividades que os mesmos exercem. Tivemos a

3 Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a

empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

4 Importante destacarmos a diferença entre relação de emprego e de trabalho. A primeira ocorrerá quando

restarem presentes todos os requisitos previstos no art. 3º da CLT. A última ocorre quando algum dos requisitos do art. 3º da CLT não são preenchidos, ou seja, basta que um daqueles critérios não seja suprido para que tenhamos uma relação de trabalho.

(10)

oportunidade de entrevistar alguns instagrammers5 e youtubers6 e observamos que quanto maior o grau de instrução e formação profissional do agente, mais consciente ele tem de sua realidade. Entretanto, mesmo diante dos diferentes graus de esclarecimento sobre sua realidade, todos foram uníssonos em ansiar o contínuo crescimento de suas atividades na rede que utilizam e visam um futuro promissor, independentemente do grau de comprometimento que tenham de suas vidas para o regular desempenho dessas atividades.

Dessa forma, conforme esclarece Klaus Martin Schwab, paulatinamente emerge um mundo do “precariado”, composto por uma nova classe social de trabalhadores. A marca deste novo trabalhador será a de que poderá trabalhar com quem quiser, quando quiser e exatamente como quiser. É esta a ilusão ventilada a esta nova ordem de trabalhadores. Seria a suposta combinação ideal entre a liberdade, menos estresse e maior satisfação no trabalho. Entretanto, já que este indivíduo não é mais um empregado, não recairão sobre si as “dificuldades, restrições e normas do trabalho”. (SCHWAB, 2016)

Todo esse novo ideário surge para acompanhar essa mudança de paradigma que se construiu com a transformação da sociedade disciplinar para a sociedade de desempenho. Incute-se um inconsciente social quanto ao desejo de maximizar a produção. O sujeito do desempenho é mais rápido e mais produtivo que o sujeito da obediência. Mas isso não afasta o caráter exploratório da atividade exercida. Muito pelo contrário, esta nova máxima não altera um cerne básico, qual seja o do trabalhador que agora reveste de “poder”, mas não se cancela o “dever”. (HAN, 2017a)

Neste ponto, Han chama nossa atenção sobre uma condição aterradora: o imperativo de obedecer apenas a si mesmo ocasiona uma pressão de desempenho. Seria esse excesso de responsabilidade e iniciativa, cumulado com o imperativo de desempenho da sociedade pós-moderna do trabalho quem ditaria a dinâmica destes novos postos de labor. O agente de coação externo

5 No Instagram, os usuários que conquistam o posto de ganhar dinheiro com publicações em redes sociais

são chamados de Instagrammers. Tratam-se de pessoas pagas para fazerem posts na plataforma de fotos e vídeos, que contam com um público grande e, de preferência, alcançam determinado nicho em que uma marca pode se interessar

6 A definição dada para a palavra YouTuber, segundo verbete do Oxford, seria a de “um usuário frequente

do site de compartilhamento de vídeos YouTube, especialmente alguém que produz e aparece em vídeos no site”. Tratam-se de pessoas que obtém através dessa plataforma um meio de monetização de sua imagem.

(11)

não deixa de existir, ele apenas perde espaço para o controle que o próprio indivíduo desperta sobre si e a atividade por ele desenvolvida. É diante desse quadro que surge o animal laborans. (HAN, 2017a)

Explorando a si mesmo, sem qualquer tipo de coação estranha e assumindo um papel de agressor e vítima, o sujeito de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo. Neste momento, liberdade e coação coincidem e constroem esse novo perfil laboral que perfila em si mesmo todas as marcantes características que permeiam o novo século.

Assim, o sujeito de desempenho se entrega à liberdade coercitiva ou à livre coação de maximizar seu desempenho. Esse excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que, em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes, se transforma em violência. (HAN, 2017a)

O trabalho, então, se aperfeiçoa, remodela o pensamento desse novo obreiro e este se coaduna ao pensamento regente de nossa sociedade. O trabalhador é ao mesmo tempo o preso e o vigia. Ao construir as paredes de sua própria prisão, o trabalho passa a refletir a necessidade do trabalhador de gerar uma auto exposição e de desenvolver uma nova condição para o consumo. Comercializa-se a si próprio. Expõe-se como uma verdadeira mercadoria. Seu valor quantifica-se tanto pelo que produz, como por entregar ao outro aquilo que se espera para ser consumido, saboreado e espetacularizado.

Como se vê, o sujeito de desempenho continua também disciplinado. Ele traz consigo já internalizado o estágio disciplinar. O poder a que nos referimos eleva o nível de produtividade justamente porque este é intencionado através da técnica disciplinar. Ou seja, o imperativo do dever eleva a produtividade sem que haja qualquer ruptura. Muito pelo contrário, o que observamos seria uma continuidade, uma evolução. O modelo disciplinar de controle comportamental – autoritário e proibitivo – foi abolido em favor de uma norma que incita cada um à iniciativa pessoal, em que cada um se compromete a tornar-se, ele mesmo, seu inquisidor. Seria o imperativo de obedecer apenas a nós mesmos, uma pressão por desempenho. (HAN, 2017a)

(12)

Mais do que a regência do próprio indivíduo como um sujeito de auto vigilância, observamos igualmente um sentimento de propósitos incutido a ideia desse novo ser laboral. Para Cortella (2016), há uma desenfreada busca por ser reconhecido, por ser valorizado pelo que se faz. Essa questão de propósitos tem-se aderido gradativamente à mentalidade laboral, uma vez que a sociedade de hoje está mais focada no indivíduo. Assim, a ideia de propósito reflete-se diretamente ao sentimento de realização pessoal. (CORTELLA, 2016)

Na verdade, é quando enxergamos a nossa sociedade através desta nova perspectiva que se apresenta através da necessidade de reconhecimento, entendemos o porquê da rápida aceitação e propagação deste novo viés trabalhistas. Uma vida com propósito seria pautada na ideia em que o indivíduo entenda as razões pelas quais faz o que faz e pelas quais claramente deixou de fazer o que não faz. Dessa forma, o reconhecimento é uma questão-chave nessa busca por sentido. O indivíduo necessita ser reconhecido nas atividades que exerce. Porque quando eu faço algo, eu me “re-conheço”, isto é, eu conheço a mim mesmo de novo. (CORTELLA, 2016)

E nesse campo de propósitos desenvolve-se o conceito de consumo às relações de trabalho. A face se tornou uma forma de mercadoria, a do semblante humano. Han já falava da necessidade de aparecer para possuir valor, e isso não se aplica só a produtos, uma vez que ser humano foi transformado em elemento de valor. O sujeito precisa aparecer enquanto profissional, para ser de fato profissional, e esse aparecer é que atribui valor ao seu trabalho.

A ideia de consumo baseia-se no sentido da coação expositiva. Esta leva à alienação do próprio corpo, coisificado e transformado em objeto expositivo, que deve ser otimizado. Quando Han refere-se à impossibilidade de morar no próprio corpo, fazendo-se necessário, então, expô-lo e, assim, explorá-lo, ele traz a ideia de que o próprio mundo desses sujeitos se transforma em seu espaço de exposição. Assim, ele traz em sua fala que já não seria possível o habitar – estar satisfeito, estar em paz, permanecer onde se está – que cederia lugar à propaganda, com o objetivo de incrementar o capital da atenção do público. (HAN, 2017b)

Dessa forma, cada sujeito é seu próprio objeto-propaganda. Tudo se mensura em seu valor expositivo. E seria esse excesso de exposição que

(13)

transformaria tudo em mercadoria. Foi a própria economia capitalista que trouxe consigo essa acepção de que tudo é passível à coação expositiva. Quando o próprio sujeito dá lugar à mercadoria, temos o auge da extensão do consumo. A necessidade de ser observado, de ser reconhecido e de ser “comprado” não impõe qualquer barreira ou limite.

Do fordismo/taylorismo ao pós-fordismo

Com a primeira revolução industrial houve um processo contínuo e permanente de aperfeiçoamento de métodos de trabalho e de produção. Não se tratou de um movimento isolado ou de um abrupto rompimento com o paradigma anterior, mas sim de uma sequência de inovações nas técnicas de produção, que impactaram o sistema capitalista de produção. O âmbito interno das relações de trabalho também sofreu impacto direto dessa nova sistemática de organização das fábricas advindos da primeira revolução industrial. Com isso, a primeira revolução industrial se estabeleceu sobre dois grandes pilares: o primeiro baseado no desenvolvimento das tecnologias de produção massificadas e o último pela nova forma de organização da força de trabalho no interior da estrutura produtiva. (GAIA, 2018)

Já segunda fase da revolução industrial, por seu turno, é identificada pela intensificação do papel da ciência na produção, que trouxe inúmeros reflexos nas relações de trabalho assalariado, especialmente na sua organização e na importância do trabalho assalariado. Com isso, a força humana assalariada passou a ser concentrada nas fábricas, o que exigiu do capitalista a implantação de um sistema de supervisão direta do trabalho para controlar a produtividade dos trabalhadores. (GAIA, 2018)

Entretanto, com o avanço e desenvolvimento das tecnologias houve uma redução da dependência da mão de obra para o aumento dos lucros do capitalista. Essa mudança do paradigma tecnológico no sistema de produção capitalista impactou, especialmente no século XX, as novas formas de trabalho humano tanto no setor industrial e, especialmente, no setor de serviços. Com isso, a organização da classe operária na luta contra as novas formas de exploração do trabalho permitiu a edição de normas de proteção ao trabalho pelo

(14)

Estado, especialmente em matérias relativas à duração do contrato de trabalho e higiene e segurança no ambiente laboral. (GAIA, 2018)

No Brasil, a absorção dos modelos instituídos pelas primeira e segunda revoluções industriais foi intermediada por um “capitalismo tardio” e pelas desigualdades entre regiões e setores econômicos. A construção do modelo de desenvolvimento que foi empregada no país pressupunha um parque industrial já desenvolvido. Tanto o é que nos setores nos quais já se observava o avanço da industrialização no Brasil, também se observava o avanço da organização trabalhista. O Estado brasileiro reagiu, regulamentando as relações trabalhistas, o que certamente ganhou maior expressão com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). (ZANELLI; BORGES-ANDRADE; BASTOS, 2014)

É importante esclarecer que as formas de organização do trabalho taylorista e fordista na segunda revolução industrial estavam assentadas no mundo e, posteriormente no Brasil, basicamente em um modelo de trabalho produtivo7. A energia humana seria direcionada prioritariamente à produção em si, ainda que um pequeno grupo de trabalhadores fosse deslocado para o trabalho dito improdutivo8. Já o sistema toyotista, por seu turno, desenvolvido na terceira revolução industrial e ainda incipiente no Brasil, cujas bases se esteiam mediante a recente reforma trabalhista, seria fundado nos trabalhos produtivos e trabalhos improdutivos, que se entrelaçam e são mutuamente dependentes um do outro. (GAIA, 2018).

Entretanto, buscando estabelecer as bases para o fomento da CLT, que ainda acompanhavam o aperfeiçoamento desejado pela segunda revolução industrial, esclarecemos que esta veio com Taylor e com Ford. O sistema taylorista imprimiu ao trabalho humano uma nova forma de disciplinar a maneira como seriam executadas as tarefas, realizadas através do parcelamento e simplificação das tarefas, do aumento do controle sobre o empregado e da imposição de ritmos de trabalho. Dessa maneira, seria possível assegurar uma

7 O trabalho produtivo representa, na teoria marxiana, a força de trabalho dirigida e capaz de gerar de

forma direta a produção de mais-valia, ou seja, aquele em que a força humana é imediatamente consumida e empregada no processo de valorização do capital.

8O trabalho improdutivo é aquele, por sua vez, representado pela atividade de cunho imaterial utilizada

indiretamente no processo produtivo. No trabalho improdutivo, a força de trabalho é consumida no processo de produção como valor de uso

(15)

padronização na produção dos bens, diminuição dos custos e uma melhora na produtividade e rendimento de sua produção. (CUNHA, 2016)

O binômio fordismo/taylorismo, que indica sistema produtivo e processo de trabalho, estruturava-se na fabricação em massa de mercadorias, ancorada na produção homogeneizada e verticalizada. Já o padrão de produção fordista baseou-se no trabalho parcelar e fragmentado, consoante o qual as tarefas eram decompostas a fim de que os operários praticassem movimentos repetitivos, que, somados, resultavam no produto coletivamente produzido. O trabalhador era um mero apêndice da máquina. (CUNHA, 2016)

Além desses aspectos, é importante frisar que a história de cada país condiciona as formas peculiares de desenvolvimento da atividade e organização das atividades produtivas de acordo com os moldes fordistas/tayloristas. Ou seja, o fordismo e o taylorismo não foram aplicados uniformemente nos diversos países capitalistas do mundo. A transplantação de um modelo de produção sofre modificações porque as condições sociais e econômicas variam de acordo com o país a ser estudado. Tais condições podem ser díspares, inclusive, dentro de um mesmo país, fato que pode se observar no Brasil e que se reflete até hoje. (CUNHA, 2016)

Com a retração do binômio taylorismo/fordismo, vem ocorrendo uma redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, manual, estável e especializado, herdeiro da era da indústria verticalizada de tipo taylorista e fordista. Esse proletariado vem diminuindo com a reestruturação produtiva do capital, dando lugar a formas mais desregulamentadas de trabalho, reduzindo fortemente o conjunto de trabalhadores estáveis que se estruturavam por meio de empregos formais. Há, entretanto, contrariamente à tendência anteriormente apontada, outra muito significativa e que se caracteriza pelo aumento do novo proletariado fabril e de serviços, em escala mundial, presente nas diversas modalidades de trabalho precarizado. São os terceirizados, subcontratados,

part-time, entre tantas outras formas assemelhadas, que se expandem em

escala global. (ANTUNES; ALVES, 2004)

Desse modo, para se compreender a nova forma de ser do trabalho, a classe trabalhadora hoje, é preciso partir de uma concepção ampliada de trabalho. Compreender, portanto, a classe-que-vive-do-trabalho, a classe

(16)

trabalhadora hoje, de modo ampliado, implica entender este conjunto de seres sociais que vivem da venda da sua força de trabalho, que são assalariados e desprovidos dos meios de produção. Como todo trabalho produtivo é assalariado, mas nem todo trabalhador assalariado é produtivo, uma noção contemporânea de classe trabalhadora deve incorporar a totalidade dos(as) trabalhadores(as) assalariados(as). A classe trabalhadora, portanto, é mais ampla que o proletariado industrial produtivo do século passado, embora este ainda se constitua em seu núcleo fundamental. Dessa forma, ela tem uma conformação mais fragmentada, mais heterogênea, mais complexificada e que somente pode ser apreendida se partirmos dessa noção ampliada de trabalho. (ANTUNES; ALVES, 2004)

Foi sob esta nova ótica que se desenvolveu e se situa os Influenciadores Digitais, trabalhadores precarizados desde sua origem e que tanto não possuem qualquer espécie de proteção laboral, como também não se mobilizam e anseiam por esta proteção, uma vez que nascidos no seio da precarização, estão imersos numa influência que os fazem crer serem independentes, empreendedores e diretamente responsáveis pelo sucesso de suas “carreiras”. Essa sociedade do desempenho basear-se-ia numa sociedade pautada na liberdade/positividade, desvinculando-se da negatividade proposta pela sociedade disciplinar, que traduzir-se-ia nos modelos taylorista/fordista de produção, para assim permitir a eclosão dessa nova forma de pensar o sistema produtivo pautado no toyotismo. E, apesar de o toyotismo pertencer à mesma lógica de racionalização do trabalho do taylorismo/fordismo, o que implica considerá-lo uma continuidade com respeito a ambos, ele tenderia, em contrapartida, a surgir como um controle do elemento subjetivo da produção capitalista que estaria posto no interior de uma nova subsunção real do trabalho ao capital - o que seria uma descontinuidade com relação ao taylorismo/fordismo. (ANTUNES; ALVES, 2004)

Nos dias de hoje, a própria presença física do trabalhador no ambiente da empresa é representativa do passado. Essa é uma tendência mundial e atualmente propôs-se como uma saída para as atividades dos mais variados ramos de atuação. Uma transformação que só foi possível graças ao desenvolvimento das tecnologias de informação. O teletrabalho ou trabalho à

(17)

distância permitiu que, mesmo longe do estabelecimento empresarial, o trabalhador possa realizar o seu trabalho, reduzindo os custos envolvidos na manutenção da empresa, e o empregador controlar a sua assiduidade e produção, por meio de aparatos tecnológicos. São elementos como esses que confirmam o panorama social com que nos deparamos, uma sociedade baseada no desempenho e na produção, flexibilizando o controle e alterando a sociedade disciplinar que por tanto tempo guio nossas relações.

CARACTERÍSITICAS DO TRABALHO NAS PLATAFORMAS DIGITAIS

O trabalho dos influenciadores digitais nas plataformas digitais traz algumas especificidades, tais como: a) a existência de alguma autonomia dos trabalhadores para determinar a carga horária e a jornada de trabalho; b) uma relação direta entre dependência e precariedade, em que quanto maior a dependência na plataforma para sobreviver, maior a precariedade das condições de trabalho; c) o gerenciamento da força de trabalho pelo algoritmo, sendo que a intensidade da coordenação e do controle de mão de obra varia em cada plataforma; e d) uma acentuada desigualdade econômica entre os trabalhadores, as plataformas e os tomadores de serviços.

Acresce a essas características, o fato dos trabalhadores, além de não terem salário, renda ou jornada garantida em seus contratos, também não gozarem de qualquer direito, mesmo quando exercem um serviço. Ou seja, essa nova acepção de trabalho além de potencializar exponencialmente as formas de obtenção de lucros e até mesmo de extração do mais valor, permite que as empresas utilizem essas ferramentas como um instrumento sofisticado de controle da força de trabalho, tudo sob o aparente comando dos algoritmos. (FÍLGUEIRAS; ANTUNES, 2020)

Um novo fetiche do mundo tecnológico do capital se desenvolve e permite, ao mesmo tempo, que se expanda o ideário fetichizado de que tudo está sob impulsão de uma neutra tecnologia, autônoma, quando é a engenharia informacional do capital que tem de fato o comando do algoritmo e, portanto, dos ritmos, tempos, produtividade e eficiência no universo microcósmico do trabalho individual, como também traz a ideia de liberdade e flexibilidade (trabalhar

(18)

quando e onde quiser) propagada pelas empresas que constitui, na verdade, em uma transferência deliberada de riscos para aumentar o controle sobre os trabalhadores, pois essa liberdade significa ausência de salário garantido e incremento de custos fixos que se convertem em responsabilidade dos mesmos. Ainda que haja autonomia para gerir o tempo, paradoxalmente, não existe controle sobre seu tempo de trabalho, uma vez que esse é determinado pelos ditames do volume de trabalho. Será necessário sempre responder às demandas de trabalho, porém sem restrição de tempo ou disponibilidade. (FÍLGUEIRAS; ANTUNES, 2020)

Dessa maneira, o que se observa é que para as empresas há ampla flexibilidade, mas para os trabalhadores a flexibilidade (escolher horários, periodicidade, locais e forma de trabalho) é apenas aparente, já que, na prática, são obrigados a trabalhar mais para garantir sua sobrevivência e manutenção de seus instrumentos de trabalho, exatamente como a plataforma indica. Se bem nos atentarmos, a venda de uma ideia de trabalho independente e flexível se opera em contornos invertidos, trazendo os referendados benefícios em prol das plataformas digitais e não de seus subordinados. Um poder de alienação também se irradia, exercendo as condições para um controle invisível sobre quem se afilia a esse trabalho informacional, criando a ideia da autorrealização individual. (FÍLGUEIRAS; ANTUNES, 2020)

Ademais, o trabalho realizado nas plataformas digitais apresenta uma forte precarização, pois inexiste, formalmente, vínculo empregatício com os seus trabalhadores, que restam, assim, desprovidos de qualquer direito trabalhista ou previdenciário. Ao prestarem seus serviços sem qualquer tipo de cobertura social, a empresa não lhes presta qualquer assistência, de maneira em que não há garantia de uma renda mínima, independente do número de horas trabalhadas, os riscos da atividade são integralmente arcados pelo prestador de serviço, inexistindo garantia quanto, por exemplo, a acidentes relacionados a atividade exercida pelo prestador, além de não serem computados as horas laboradas – e a disposição do exercício desta atividade – para fins previdenciários, inviabilizando-se qualquer recolhimento por parte das plataformas. E essa característica corrobora o desenfreado desenvolvimento de empresas que atuem sob esta estrutura de plataforma, pois a ausência de

(19)

direitos, é fundamental para a maximização dos lucros das empresas do setor. (GUSMÃO, 2020)

Assim, como em uma operação matemática, conclui-se que quanto maior for a dependência na plataforma para sobreviver, maior será a precariedade das condições de trabalho. A evolução do paradigma de uma sociedade da disciplina, para uma sociedade do desempenho, acrescida do ideário de autorrealização e de liberdade e flexibilidade de atuação são os principais combustíveis utilizados para que se aumente a demanda de profissionais interessados nos serviços oferecidos nas plataformas. E quanto mais disponível for a quantidade de mão de obra, mais precarizado se torna o trabalhador que se encontra vinculado a essas atividades. É curioso como mesmo precarizado, o trabalhador por plataformas representa parcela crescente da mão de obra disponível no país. A fórmula é simples. Entender como se irradia tão freneticamente essa ilusão no seio social é que o desafia e mobiliza tantos pesquisadores a se debruçarem sobre o tema. (GUSMÃO, 2020)

No que tange a subordinação, observamos que o gerenciamento da força de trabalho se realiza através do algoritmo utilizado pela plataforma digital, sendo que a intensidade da coordenação e do controle de mão de obra varia em cada plataforma. Entretanto, as relações sobre as quais se estabelece o trabalho por plataforma, concebe novo tipo de subordinação que foi determinada como estrutural, pois fica vinculada à estrutura da empresa, e não a ordens diretas do empregador, como antes. E, nesse sentido, a Lei 12.551/11 alterou a redação do artigo 6º da CLT, inserindo nele um parágrafo único, acrescendo, à previsão originária de ausência de distinção do labor na empresa ou no domicílio do empregado, a possibilidade do labor à distância, não necessariamente no domicílio. (GUSMÃO, 2020)

Na verdade, apesar da flexibilização, o que se averigua é um estrito controle do labor prestado, que conduz boa parte da doutrina e um robusto viés jurisprudencial a aderir à corrente que sustenta a existência do vínculo empregatício. Esse controle velado nos parece ser prova necessária para corroborar essa ideia de uma nova forma de subordinação, distinta da tradicional subordinação jurídica às ordens diretas do empregador, mas, ainda assim, uma vinculação estrita às diretrizes da plataforma. O período vigente da subordinação

(20)

nas plataformas seria derivado da subordinação dos trabalhadores nesse universo digital, estritamente dirigido pela inteligência artificial e comandada por um algoritmo, capaz de manter, até mesmo de perscrutar, a subordinação do trabalhador às diretrizes das plataformas. (GUSMÃO, 2020)

Infelizmente, apesar dos avanços apresentados sobre o assunto, ainda se encontra longe de ser pacificado, tanto na doutrina quanto na jurisprudência trabalhistas. Há, assim, diversas decisões da Justiça do Trabalho brasileira, em ambos os sentidos, ora reconhecendo, ora negando o vínculo empregatício do trabalhador por plataformas. No Tribunal Superior do Trabalho, a matéria ainda é embrionária, apesar de já haver decisões esparsas proferidas por algumas Turmas, com tendência à negativa do vínculo empregatício. (GUSMÃO, 2020)

Conclusão

É mais do que certo que a digitalização da vida é um processo sem volta. Não tem como fechar a caixa de pandora após aberta e conhecido todo o acervo infinito que já se encontra tão intrinsecamente vinculado à rotina da população mundial. E não só isso, a digitalização da economia, como também do trabalho, traz panoramas incertos para todos, mesmo para aqueles que não fazem uso explícito dos ciberespaços como uma forma de monetização.

Ainda que façamos uso dos meios tradicionais de labor, estamos constantemente conectados. A evolução da sociedade da disciplina para a sociedade de desempenho é um processo que se irradia como um vírus por todas as relações laborais existentes. Seja através de uma rede de monitoramento muito mais flexível ao empregador, seja através da eclosão de meios de trabalho que desde seu berço já estão fadados a precarização, todos estamos diretamente conectados.

Porém, como temos em tela as atividades exercidas pelos influenciadores digitais, através dos resultados das entrevistas que realizamos pudemos observar alguns quadros sintomáticos dessas atividades e que muito depende do agente que faz a utilização dessas redes. Para aqueles que já puderam

(21)

experimentar o exercício de alguma outra modalidade laboral dispare daquela exercida na rede, a noção sobre a realidade exploratória de sua atividade existe, porém é suplantada pelo ideário de empreendedorismo e de propósito que orbita a natureza dessa atividade. Também existe um anseio, mesmo que tímido, sobre a necessidade de regulação de suas atividades, ainda que mais como forma de auxiliar o melhor desempenho de seu trabalho e de respalda-los de eventuais

haters9, do que, necessariamente, de buscar métodos legais que coíbam abusos no exercício de sua atividade, trazendo consigo um discurso velado de precarização.

Já para aqueles que nasceram e desenvolveram seu perfil profissional neste berço virtual, nem mesmo reconhecem a natureza laborativa da atividade exercida. Creem praticar uma relação de trabalho e não de emprego, uma vez que não se enxergam como empregados, mas sim como colaboradores ou, simplesmente, produtores de conteúdo, que dispõe de total liberdade para atuarem da maneira que melhor lhes convier. Apesar disso, são firmes ao informarem sobre a “necessidade” de manter uma produção continuada de conteúdo sob pena de perder seguidores, engajamento ou até mesmo alguma forma de retaliação do próprio canal (situação que identificamos naqueles que fazem uso do YouTube como meio principal de desenvolvimento de suas atividades). Até mesmo, tem suas carreiras assessoradas por pessoas indicadas pelo próprio aplicativo, quase como uma forma de se manter ativo naquela rede. Estão alienados de tal forma que passa desapercebido o meio de exploração a que estão submetidos e, por isso, não veem essa mesma necessidade de regramento de suas atividades.

Como discurso comum a todos, a dificuldade em obter autonomia financeira na atividade que exerce. Mesmo após anos de atuação, ainda necessitam de suporte financeiro ou do exercício de outras atividades para se sustentarem e, até mesmo, se manterem “ativos” na rede. Porém, mesmo diante dessas dificuldades, todos discursam no sentido de manterem seu campo de atuação

9 É uma palavra de origem inglesa e que significa “os que odeiam” ou “odiadores” na tradução literal para

a língua portuguesa. O termo hater é bastante utilizado na internet para classificar algumas pessoas que praticam uma espécie “cyber bullying”.

(22)

nesta mesma plataforma, já que creem ser possível sucesso na rede a ponto de sobreviver única e exclusivamente dela.

Esse é um campo que ainda demanda uma ampla pesquisa, até porque pela forma como se enxergam essas atividades de labor, muitas vezes vendidas como uma glamorização que impulsiona a tantas outras pessoas a buscarem esse mesmo viés – circunstância que já põe em risco uma massa de futuros trabalhadores que já se veem desestimulados aos meios tradicionais de labor diante da possibilidade de trabalhar com o que lhes dá prazer ou uma noção de lazer – e consequente faz com que se amplie cada vez mais o campo de atuação desses Influenciadores Digitais. Este é um risco que se não for responsavelmente dimensionado e controlado, poderá trazer irreversíveis consequências ao futuro de nossa sociedade.

Referências bibliográficas

ANTUNES, Ricardo; ALVES, Giovanni. As Mutações no Mundo do Trabalho

na Era da Mundialização do Capital. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p

335-351, maio/ago. 2004.

CAMARGO, Isadora; ESTEVANIM, Mayanna; SILVEIRA, Stefanie C. da.

Cultura participativa e convergente: o cenário que favorece o nascimento dos influenciadores digitais. Communicare (São Paulo), v. 17, p. 96-118, 2017.

CORTELLA, Mario Sergio. Porque fazemos o que fazemos?: aflições vitais

sobre trabalho, carreira e realização. 1ª edição. São Paulo: Planeta, 2016.

CUNHA, Tadeu Henrique Lopes da. O fordismo/taylorismo, o toyotismo e as

implicações na terceirização. Boletim Científico da Escola Superior do

Ministério Público da União, v. 47, p. 183-210, 2016.

ESTELA, Dine. O impacto dos influenciadores digitais nas eleições de 2018. Maringá: PR: Eviseu, 2019. Ebook.

FARIA, Ana Clara Gobbes; MARINHO, Felipe Harmata. Influenciadores

Digitais: Um Estudo Sobre a Popularidade Alcançada Através do YouTube.

In: 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Intercom, 2017, Curitiba. 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Intercom, 2017.

(23)

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 8ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 2014b.

GAIA, Fausto Siqueira. As novas formas de trabalho no mundo dos

aplicativos: o caso “UBER”. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

2018.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço; tradução de Enio Paulo Giachini. 2ª edição ampliada. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017a.

HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência; tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017b.

KARHAWI, Issaaf. Influenciadores digitais: conceitos e práticas em

discussão. Communicare (São Paulo), v. 17, p. 46-61, 2017.

SILVESTRE, Camila Marins. O consumo na rede social Instagram:

influenciadores digitais, materialidade e sonhos. In: 40º Congresso Brasileiro

de Ciências da Comunicação, 2017, Curitiba. 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2017.

SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016 ZANELLI, José Carlos; BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo; BASTOS, Antônio Virgílio Bittencourt. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. 2. ed. Dados eletrônicos. Porto Alegre: Artmed, 2014.

Referências

Documentos relacionados

Análise das Exportações Brasileiras do Agronegócio - por produto e por destino O principal produto da pauta exportadora do agronegócio brasileiro em junho de 2021 foi soja em

A unicidade, bem como a Direção também dos Órgãos Colegiados (Colegiado de docentes e Conselho di Instituto únicos para os anos iniciais e finais do

A oferta de aulas fora do ambiente escolar, por plataformas digitais; a extensa documentação que deve ser preenchida; o registro de diversos casos de gravação (consentida

RESUMO: Este artigo retrata a trajetória do desenvolvimento da estrutura arquivística da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desde a sua primeira unidade de refe-

Tal texto poderia ser elaborado de maneira livre, e caberia dissertar sobre com qual conceito de ideologia mais se identificava, 1 assim como, qual posicionamento

Há uma espécie de embate, que frequentemente toma a forma de uma discussão, onde “quem critica deve produzir justificações que sustentem a crítica, assim como

Segundo Novaes (1997), o termo “juventude” no plural é utilizado para que se evite compreendê-lo como algo objetivamente definido por uma faixa etária. Se

Ao adotar o índice de crescimento sustentável dos municípios, ICSM, como ferramenta para analisar o impacto do avanço do agronegócio na qualidade de vida das pessoas, o estudo