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20º Congresso Brasileiro de Sociologia. 12 a 17 de julho de UFPA Belém, PA. GT 13 - Sociologia da Juventude

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20º Congresso Brasileiro de Sociologia 12 a 17 de julho de 2021

UFPA – Belém, PA

GT 13 - Sociologia da Juventude

Sociologia e ideologia: um estudo sobre a percepção de ideologia entre os jovens estudantes no ensino secundário no Brasil.

Talita Cristine Rugeri – Doutoranda em Sociologia pela Universidade

Federal do Paraná – Bolsista Capes

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Introdução

As ciências sociais têm produzido pesquisas acerca da(s) juventude(s) tentando superar uma visão reducionista que as considera apenas na perspectiva de um período liminar na vida dos indivíduos. Numerosos estudos, como de Ferreira (2017), Weller (2009), Dayrell (2005), analisam relações, gerações, motivações, diversidades e desigualdades, comportamentos e dinâmicas de socialização de jovens em diferentes contextos.

Nesse campo, compreende-se a amplitude empírica que a categoria abrange, preferindo-se o uso do termo no plural: juventudes. Assumindo essa perspectiva, a pesquisa que está sendo desenvolvida analisa jovens em contexto escolar muito específico, no período final de formação na educação básica.

Entendendo escola como uma instituição histórica, elaborada na perspectiva de um ideal de racionalização forjado na modernidade. Dentro dessa concepção, a escola é lugar privilegiado para transmissão do repertório de conhecimentos acumulados e para o engendramento de uma consciência racional acerca da vida e da natureza.

Não obstante, na educação escolar, a razão se torna, rigorosamente, instrumento operacional para o desenvolvimento de um tipo de dominação social muito particular, posto intransparente na medida em que, sob a justificativa da objetividade técnica e científica, oculta uma perspectiva política.

Além disso, como constata Bourdieu em A Reprodução (1982) a escola também oculta a desigualdade ao mesmo tempo, em que a produz. Acaba mantendo estruturas de dominação econômica e cultural através de uma suposta seleção por mérito que ignora o estoque de capital herdado por estudantes de camadas privilegiadas.

O século XXI, no entanto, apresenta condições novas de circulação e

produção do conhecimento sobre a qual precisamos lançar luz. Os estudantes

demonstram querer controlar as informações. Com efeito, o desafio parece ser

agora pensar a escola e sua contribuição na formação de “um sujeito-estudante

pós-moderno porque ele apresenta um novo tipo de subjetividade humana ―

uma subjetividade pós-moderna ― que se caracteriza pela efetivação particular

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da identidade social e da agência social, corporificadas em novas formas de ser e de tornar-se humano. ” (GREEN e BIGUN, 1995).

Não se pode esquecer que estudantes recriam seus ambientes conforme contextos, ou seja, o seu aprendizado ocorre em processos de interação e nas dinâmicas de formulação de sua identidade e posicionamento no mundo.

Considerando também que as mídias sociais são fatores determinantes para o comportamento dos jovens. Segundo pesquisa Cisco Connected de 2011, 1 a cada 3 jovens considera a internet tão importante quanto água, comida e ar, ou seja, tem um peso fundamental na circulação de informação, formação, posicionamento e criação de identidade.

Os debates políticos-ideológicos apresentados na internet e mídias sociais de modo geral chegam ao ambiente escolar. Nesse sentido, o ato de lecionar ocorre num ambiente de relações e informações bastante saturado, fazendo com que os debates políticos conjunturais movimentem as práticas na escola.

A sociologia como disciplina escolar, a maneira de apresentar temas e teorias exige a demonstração do caráter científico da disciplina. A partir de epistemologias e metodologias é preciso desnaturalizar os fenômenos sociais, criar mecanismo que os estudantes possam compreender a realidade da vida cotidiana, ou seja, que existe uma construção social da realidade (BERGER, LUCKMANN, 2014). Os conceitos estudados em sala, como a exemplo de ideologia, passam pela compreensão de seu caráter objetivo e subjetivo, e como são produzidos ou reproduzidos historicamente.

No Estado do Paraná, ideologia é um conteúdo estruturante em sociologia, tanto no segundo ano do Ensino Médio (aparecendo nas análises de Indústria Cultural), quanto no terceiro ano (como tema central ou em Política e Movimentos sociais).

Ideologia é um conceito polissêmico dentro das humanidades. Passou por uma série de revisões e debates, e é um termo de uso acadêmico e não acadêmico. Aparece como posição, exemplificação, sujeição, identificação, falsa representação, entre uma diversidade de conceitos.

Mais recentemente, autores como Therborn (1987), Eagleton (1997),

Sizek (1996), Bourdieu (2010) entre outros, se dedicaram a definição e à

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compreensão desse conceito. Muitos autores, a exemplo de Eagleton (1997), apresenta que ideologia ganhou uma série de significados convenientes e é marcado por divergências históricas.

Por ser, portanto, um conceito polissêmico e complexo, é possível explicar e analisar ideologia em aulas de sociologia no ensino médio? E o que jovens entendem por ideologia e por posicionamento ideológico?

Essa pesquisa busca responder a esta questão a partir da análise de estudantes do ensino médio que frequentaram aulas de sociologia nos períodos de 2013 a 2018. Entendendo que ideologia é conteúdo das aulas, pretendemos verificar os debates, usos e as apropriações do termo. Pensamos que a formulação da ideia de ideologia reflete no posicionamento de jovens em relação ao mundo cultural e político.

Portanto, o objetivo geral é analisar o que os jovens compreendem por ideologia, se tem e como se constroem seus posicionamentos num gradiente ideológico, no sentido de representações do mundo. Pretende-se também, perceber o papel das aulas de sociologia nessa elaboração.

Este artigo traz os primeiros dados iniciais dos questionários aplicados com 68 estudantes no período já referenciado. Tal questionário possibilita compreender representações que os jovens fazem do mundo, num gradiente ideológico, a partir de questões com pautas ligadas a política, economia, moralidade e costumes.

O questionárioproporcionou uma primeira percepção dos posicionamentos dos jovens, e representação do mundo social. Com os dados primários, foi visível uma mudança de postura/pensamento de alguns estudantes durante o ensino médio, em relação ao momento atual, assim como, o aumento de jovens que se identificam com pautas progressistas.

Dados de pesquisa e posicionamentos dos jovens

Em fevereiro de 2021 foi aplicado 100 questionários online com ex

estudantes, que foram meus alunos entre os anos de 2013 a 2018. Portanto,

todos e todas já haviam finalizado o ensino médio, com maioria realizando o

ensino médio ente 2016 a 2018. Foi obtido o total de 68 respostas.

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A proposta de analisar ex alunos e alunas se deve a dois principais fatores: ter acesso a 180 redações desses estudantes referente ao posicionamento ideológico, e devido à pandemia pela SARS- COVID-19, no ano de 2020, se estendendo em 2021, impossibilitando a pesquisa de campo, que num primeiro momento tinha como proposta entrevistar e realizar etnografia com estudantes e professores de diversas escolas públicas de Curitiba/Pr.

Nesse sentido a metodologia escolhida como base dessa pesquisa é a autoetnografia. A autoetnografia (JONES, ADAMS, ELLIS, 2013), como uma metodologia de análise, que segundo Santos (2017), tem sua orientação metodológica na etnografia, relacionando com uma orientação cultural interpretativa e seu conteúdo na autobiografia proporcionando reflexão.

A imersão proposta na autoetnografia permite não só tratar as relações pessoais no campo antropológico e sociológico, mas também compreender categorias sociais e culturais, fenômenos, relações em contextos dentro de uma subjetividade:

Autoethnography is an expression of the desire to turn social science inquiry into a non-alienating practice, one in which I (as a researcher) do not need to suppress my own subjectivity, where I can become more attuned to the subjectively felt experiences of others, where I am free to reflect on the consequences of my work, not only for others but also for myself, and where all parts of myself—emotional,spiritual, intellectual, embodied, and moral—can be voiced and integrated in my work (Bochner, 2005; Richardson, 1992). It’s a response to an existential crisis—a desire to do meaningful work and lead a meaningful life. (BOCHNER, 2013, p. 53).

Neste seguimento, trago um breve relato que permite sustentar a

escolha da autoetnografia. Lecionei no ensino médio de 2010 a 2020 com

todas as séries, incluindo também cursos técnicos em todos os turnos. Fui

professora na mesma escola da rede pública ao longo dessa década, e

posteriormente lecionei em outras escolas públicas e particulares. Nessa

perspectiva, me tornei professora de sociologia logo após o retorno desta

ciência à educação básica, meu processo profissional, portanto, acompanhou a

trajetória do retorno da sociologia e tudo que isso representa enquanto política

educacional, construção de conhecimento e status da sociologia.

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Ao longo destes dez anos, como professora na educação básica, pude ter acesso a todos os livros didáticos ofertados pelo PNLD (Plano Nacional do Livro e do Material Didático), a cursos de formação continuada e contato mais de 5 mil alunos, dado que nos anos de 2017 a 2019 cheguei a ter mais de 700 alunos por ano.

Nesses processos e acessos enquanto docente, o ensino de sociologia e a juventude me instigaram como campo de investigação, entendendo que a prática docente sempre está vinculada à pesquisa (DUBET, 1997). Um dos principais temas que me chamava a atenção era os conteúdos e como determinam estruturas de conhecimento (BERSTEIN,1997), sendo ideologia um desses conteúdos sociológicos.

A partir disso, realizei uma série de propostas de metodologia de ensino, com atividades que pudessem relacionar a realidade social com a teoria. Uma dessas atividades propostas foi uma redação realizada após a explicação social, histórica e epistemológica do termo ideologia nas ciências sociais, e o que se compreende por posicionamento político a partir da perspectiva da ciência política. A atividade consistia em produzir um texto em primeira pessoa sobre qual é a sua ideologia. Tal texto poderia ser elaborado de maneira livre, e caberia dissertar sobre com qual conceito de ideologia mais se identificava,

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assim como, qual posicionamento ideológico considerava ter/possuir, a partir de um gradiente político, moral, religioso, cientifico (pauta de costumes).

Tais redações demonstraram o que os jovens compreendem por ideologia, mas também as suas representações do mundo social, sendo base para a elaboração do questionário aplicado no início de 2021.

O questionário foi aplicado com alunas e alunos de duas escolas, uma pública, nomeada aqui de Escola G, e outra escola privada, nomeada de Escola E. Foram 49 respostas de estudantes da escola privada E, e 27 respostas da Escola pública G.

1 Era apresentado e analisado 8 conceitos retirados do livro de Eagleton como: o processo de produção de significados, signos e valores na vida social, um corpo de ideias característico de um determinado grupo ou classe social, ideias que ajudam a legitimar um poder político dominante, ideias falsas que ajudam a legitimar um poder político dominante, aquilo que confere certa posição a um sujeito, pensamento de identidade, o veículo pelo qual atores sociais conscientes entendem o seu mundo, o processo pelo qual a vida social é convertida em uma realidade natural.

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As duas escolas são situadas no bairro Vila Hauer, zona sul da cidade de Curitiba. Segundo Dados do IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) de 2010, o bairro Hauer tem 84,14% da população branca, 11,82% parda, 2,16% preta, 1,72% amarela e 0,17% indígena. O bairro é caracterizado por atividades de comércio 53,31%, serviços 35,53% e indústria 12,07%, portanto um bairro caracterizado por oferta de serviços do que moradia.

A predominância da população moradora da Vila Hauer, é pertence à classe média, conforme a renda baseada pelo IBGE, sendo 30,45% de 1 a 2 salários mínimos, 17,93% de 2 a 3 salários mínimos e 16,09% de 3 a 5 salários mínimos. Estes dados são extremamente aproximados com os respondidos pelos estudantes das duas escolas no questionário.

Com relação aos dados das escolas se tem a escola estadual G, com 50 anos de existência, alta procura por matrículas anualmente, sendo considerada pela comunidade escolar uma referência em escola pública na Vila Hauer e por bairros próximos. A maioria dos alunos são oriundos de bairros vizinhos e tem acesso por transporte coletivo e escolar cedido pelo governo do estado. A escola oferta ensino médio é nos três períodos, com cursos técnicos a tarde e à noite, até 2018 os estudantes tinham 2 aulas de sociologia por semana.

Nos três turnos a escola chega a ter uma média de 1700 estudantes, mais de 30 funcionários gerais e 80 professores (as). O colégio também conta projetos como PIBID e Residência Pedagógica desde 2014, apoio e parcerias com empresas locais para estágios.

Já a escola privada E, foi criada em 2016 por um grupo de educação superior internacional, vinculado a Igreja Católica que cedeu o espaço para a instituição. A escola tem uma média de 360 estudantes ao total, ofertada apenas no período matutino, com um projeto de esportes e aulas de inglês no período vespertino, pago a parte pelos estudantes. Possui 20 funcionários e 20 professores, que também lecionavam no Colégio Militar De Curitiba (militares da reserva), assim como a coordenação e equipe pedagógica. As disciplinas como sociologia, filosofia e arte contam com uma aula semanal.

A maioria dos alunos e alunas deste colégio moram próximos da instituição, e cursaram o ensino fundamental em escolas privadas do Bairro.

Por ser uma escola criada recentemente, mesmo a sua instituição fundadora

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sendo antiga e reconhecida internacionalmente, o número de alunos é bem inferior à das escolas privadas em Curitiba.

Esses dados iniciais auxiliam na compreensão e análise das primeiras perguntas do questionário: idade, cidade e bairro, cor/raça, identidade de gênero, orientação sexual, religião e se possui título eleitoral (83% já possui).

Além desses dados primários, as perguntas introdutórias apontaram que a maioria dos estudantes são cristãos, entre católicos e evangélicos, heterossexual, e 58 estão estudando ou formados (majoritariamente faculdade privada, ou cursos privados) e 10 afirmaram não estar estudando.

A partir dessas informações o questionário se desenvolve com 30 questões, sendo 26 divididas em: 13 questões de esquerda/progressistas, 13 questões de direita/conservador.

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As 4 ultimas questões se dividem em: duas sobre o tempo e uso de redes sociais

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, e 2 sobre quais conteúdos mais havia gostado nas aulas de sociologia e filosofia

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. As questões ou afirmações foram aplicadas respectivamente nessa ordem:

1) O aquecimento global é resultado da atividade humana.

2) A ação política deve ser orientada segundo princípios religiosos

3) A doação de órgãos é importante para salvar vidas 4) O aborto em caso de estupro é um direito da mulher 5) Escolas militarizadas são melhores

6) As leis devem ser criadas com base em princípios religiosos 7) É dever do Estado garantir saúde pública e educação pública de qualidade para a população

8) É necessário taxar as grandes fortunas

9) Imigrantes e refugiados devem retornar ao seu país de origem 10) O porte de arma garantirá maior segurança para todos

11) A água deve ser privatizada no Brasil

12) A pobreza é um fenômeno individual devido a preguiça das pessoas em trabalhar

13) A legalização da maconha poderá agravar o consumo de drogas no país.

14) O Estado laico é importante para garantir a democracia de um país

15) Movimentos feministas foram responsáveis pelos avanços da participação das mulheres na sociedade

16) As universidades públicas devem ser privatizadas

2 A proposta em generalizar questões de esquerda/progressistas e direita/conservador é apenas apara elucidar o gradiente das questões, a análise mais profunda sobre posicionamentos está sendo realizada para a tese.

3 Fator que será explorado durante a pesquisa, o uso de redes sociais e a relação com posicionamento ideológico.

4 Pretende-se verificar a memória que os estudantes têm dos conteúdos de sociologia, mas também de filosofia, visto que fazem parte das ciências humanas.

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17) É dever do Estado criar políticas públicas que diminuam as desigualdades sociais.

18) Aborto em qualquer circunstância é equivalente ao assassinato de um bebê

19) Sindicatos são necessários para garantir os direitos dos trabalhadores

20) Pena de morte é uma solução para crimes graves

21) As conquistas dos movimentos LGBTQI+ são importantes para toda a sociedade.

22) O uso das máscaras é eficaz no controle da covid-19

23) Adolescentes que cometem crimes devem ser conduzidos a penitenciárias comuns

24) Partidos políticos são importantes para o processo democrático de um país

25) O corona vírus foi criado em laboratório pela China

26) Debates sobre política devem ser estimulados nas escolas

O questionário foi pensado dentro do gradiente entre política, economia, moral e relações sociais. Tal gradiente está vinculado a uma pauta de costumes ligados a ciência, religião, identificação com correntes econômicas e políticas, que possibilita iniciar o reconhecimento de uma representação do mundo social, e de um posicionamento ideológico.

Os temas das questões também aparecem nas aulas de sociologia e em outras disciplinas, ao ensinar teoria sociológica a construção social da realidade é acionada para aproximar teoria e realidade dos alunos e alunas.

Até o momento, o questionário permite analisar a existência um predomínio de mulheres 54,4% entre os estudantes, sendo a maioria (entre homens e mulheres) identificando-se como heterossexual cisgênero, ou bissexual.

Outro fator importante é: 18 das 26 questões, apresentaram respostas vinculadas no gradiente considerado esquerda/progressista (uma média de 70% das respostas), 3 questões ligadas a direta/conservador, e 5 questões com divisão de opiniões.

Entre as questões com respostas ligadas a uma tendência de

direta/conservador, eram referentes a moral, questões sociais e políticas,

como, por exemplo: prisão de menores de 16 anos e pena de morte. Já as

questões que dividiram opiniões eram sobre legalização da maconha, se a

corona vírus havia sido produzido em laboratório na China, taxação das

grandes fortunas, militarização das escolas e existência de sindicatos.

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Com relação ao tempo de uso nas redes sociais 55,9% afirmou usar mais de 2 horas por dia, 25% mais de 5 horas por dia, 13,2% mais de 8 horas por dia e 5,9% mais de 1 hora por dia. As redes sociais mais utilizadas são whatsapp, instagram, twitter e facebook.

E por fim, os temas/conteúdos que os estudantes apresentaram ter mais apreço e recordar são, na seguinte ordem: relações de gênero, movimentos sociais, cultura, política, desigualdade social, classe sociais, relações de trabalho, teoria sociológica, clássicos da sociologia, indústria cultural e ideologia.

Com base nesses dados iniciais, cruzando com as redações, e rememorando o processo e debates que ocorriam nas aulas, foi perceptível uma mudança de posicionamento em pelo menos 10 jovens, que se apresentavam anteriormente como centro-direita, ou direita-conservador, e no questionário escolheram respostas de caráter esquerda-progressista.

Outro fator, também possível de ser analisado nessa fase inicial da pesquisa, é a facilidade de posicionamentos de ex estudantes nos períodos de 2016 a 2018, em relação aos estudantes que frequentaram o ensino médio de 2013 a 2015. Estabeleço algumas hipóteses de posicionamento e argumentação desses jovens como, intenso debate político dentro dessas escolas devido à ocupação dos estudantes contrários a MP 746 e PEC 241, em 2016 e reverberando em 2017, e as eleições presidenciáveis em 2018, momento de intensa polarização e debate político, dentro e fora da escola.

Nesse sentido é notório, comportamentos e pensamentos parecidos com os jovens pesquisados por Rosane Pinheiro-Machado e Lucia Mury Scalco relatados no texto: Da esperança ao ódio: a juventude periférica bolsonarista (2018). A pesquisa realizada pelas antropólogas acompanhou jovens de uma periferia de Porto Alegre de 2009 a 2018, período similar a minha trajetória enquanto professora.

As pesquisadoras analisaram e relataram falas de diversos jovens nos

anos de 2013 a 2016, momento de governos progressistas (Ptistas), vinculados

à aspectos de classe e raça, e principalmente a entrada desses jovens em um

mercado de consumo. Já nos períodos de 2017 e 2018 ocorre uma onda de

conservadorismo entre os jovens, mais evidente entre os meninos. Embora não

tenha um consenso de posições entre esses interlocutores existe um aspecto

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vinculado a moralidade, e ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro, como podemos observar:

Em todos os debates, quando os meninos foram expostos a argumentos e debates mais longos, houve mudança de posicionamento. Além disso, era comum que eles dissessem algo como “sou fã do cara, mas tenho medo dele, pois ele é extremista” e, então mencionavam que tinham medo de ditadura, de castração química de estupradores e da própria personalidade “cabeça quente”

do candidato. (MACHADO e SCALCO, 2018, p. 58).

Existe uma aproximação dos relatos e do resultado da pesquisa de Machado e Scalco com a minha realidade vivida em sala de aula, posto que a relação de classe dos narradores da pesquisa das antropólogas não é a mesma dos discentes da minha pesquisa, que compõem em sua maioria a classe média na cidade de Curitiba.

Outro fator importante é a confusão e tensão do uso da palavra ideologia nos últimos anos se apresenta de diversas formas, um exemplo é o uso frequente da terminologia “ideologia de gênero”. Esse termo apareceu em 1998 em uma Conferência Eclesiástica no Peru, publicado em 2003 e proferido pelo Papa Bento XVI em 2008 como uma prática estimulada por movimentos radicais que levaria a destruição da humanidade.

Desde então, no Brasil, ideologia de gênero passou a ser um termo utilizado por grupos sociais, a exemplo, o Movimento Escola sem Partido

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, chegando ao congresso nacional e influenciando debates em políticas públicas educacionais, como o caso da criação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) em 2016 e o Plano Nacional de Educação (PNE), 2014 a 2024.

Existe um paradoxo vinculado a ideologia de gênero que é a ligação às teorias marxistas, afirmação que apenas a esquerda seria ideológica, ou seja, a esquerda apresenta um conjunto de ideias falaciosas como forma de controle.

Para Chantal Mouffe (2018) na polarização política se apresentam populismos, e as lutas se tornam mais acirradas elaborando outra maneira de distinguir a relação nós/eles.

5 Movimento iniciado em 2004 primeiramente com o procurador Miguel Nagib ao questionar o uso de uma camiseta do professor de sua filha o movimento recebe o nome de “escola sem partido” com a finalidade de sensibilizar a sociedade civil de supostas práticas partidárias utilizadas dentro das escolas públicas.

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Isso é perceptível no livro Ideologia de Gênero: o neototalitarismo e a morte da família, do argentino Jorge Scala, tratando a ideologia de gênero como uma construção silenciosa de dominação da esquerda, principalmente nas escolas e universidades, atacando diretamente o conhecimento científico,

“Esta tática é aplicada através de um movimento envolvente, utilizando para isso os meios de propaganda" e o sistema educacional formal”. (SCALA, 2011, pg. 11).

Tais confusões eram perceptíveis nos discursos e debates dos estudantes em sala de aula, reverberando na compreensão da ideologia enquanto um conceito sociológico, e consequentemente nos seus posicionamentos ideológicos.

De todo modo, a pesquisa não se concentra exclusivamente na autoenografia como base metodológica, ainda que a autoetnografia busca a compreensão das interações e das relações sociais, assimilando as diversas formas de dominação e diferenças individuais e coletivas. Nesse sentido essa escolha metodológica também se torna um posicionamento político, ao dar visibilidade a determinadas interações e subjetividades presentes na sociedade, e nesse caso nas relações jovens/escola, jovens/professora, jovens/política, jovens/ideologia. “Além disso, a autoetnografia pode ser uma estratégia de “política democrática radical” (p. 763),

6

a qual tem um comprometimento político explícito em promover espaços para o diálogo e o debate, instigando e fomentando mudanças sociais.” (RAIMOND, MOREIRA, BRILHANTE, BARROS, 2020, p. 6).

Todavia, como afirma Bourdieu (2007), é preciso sempre estabelecer uma relação de desconfiança com o entrevistado, da fala do interlocutor. Nesse sentido, a próxima etapa dessa pesquisa, é a elaboração de entrevistas em profundidade, de modo a elaborar uma análise qualitativa e quantitativa. A entrevista online, como aponta Flick (2012), permite garantir mais veracidade das narrativas, dado que entrevistas diretas ou observações participantes podem criar controle de informação. (LAHIRE, 2015).

6 Holman Jones S. Autoethnography: making the personal political. In: Denzin NK, Lincoln Y, editors. The SAGE handbook of qualitative research. Thousand Oaks: SAGE; 2005. p. 763-91.

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Considerações

O questionário aplicado permite perceber posicionamentos iniciais desses jovens, e realizar uma comparação com comportamentos, falas, e a redação realizada sobre ideologia no período em que estavam no ensino médio. Com a média de 70% das respostas vinculadas a pauta de costumes progressistas, demonstra uma mudança significativa de posicionamento ideológico dos jovens, agora fora do contexto escolar, visto que todos os entrevistados já haviam encerrado a educação básica em 2018.

Muitos dos que se apresentavam como de direita, ou conservador durante o período escolar, e justificavam naquele período, seus posicionamentos usando as afirmativas apresentadas no questionário, mudaram de opinião.

Outro fator importante é manutenção da divisão de opiniões com relação a temas como: legalização da maconha, taxação das grandes fortunas, existência de sindicatos desde o período proposto. Já militarização das escolas, debate que se ampliou a partir de 2017 com o auge em 2019, e relação do corona vírus em 2020 e 2021, não chegaram a ser debatidos em sala, pois são posteriores a saída desses estudantes no ensino médio.

Com relação a essas mudanças de pensamento, podemos analisar a partir de Mannheim (1961), que as gerações, consideradas como uma formulação biológica, mas também sociológica, são determinadas pela circulação e estilos de pensamento. Na perspectiva sociológica as gerações existem, pois, compartilham dos mesmos acontecimentos, ou seja, situações de similaridade.

Pretende-se ampliar o que já foi realizado da pesquisa até o momento permitindo analisar e compreender como jovens criam uma representação do mundo social e das posições ideológicas.

Outro fator importante esperado na pesquisa é compreender as subjetividades dos jovens estudantes a partir de suas falas para além da juventude como uma categoria biológica.

Num mundo onde as vozes juvenis raramente modelam os discursos públicos produzidos em torno de categorias “adolescências” ou

“juventude” (onde ressoam com maior legitimidade as vozes de figuras como os professores, pais, especialistas, técnicos, decisores

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políticos, etc.), conversar com jovens e ouvir as histórias que têm para contar pela sua própria voz continua a ser uma forma privilegiada de entrar em suas vidas, de compreender as experiências vividas e realidades subjetivas. (FERREIRA, 2017, pg. 21).

Por fim, espera-se traçar um panorama do comportamento dos jovens que permita uma operacionalidade nas compreensões de escolhas e participações políticas, posição dentro e fora das mídias sociais, visão de mundo e criação das políticas públicas para juventude.

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Acessado em 15/10/2020.

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Referências

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