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RELATÓRIO SOBRE DIREITOS HUMANOS EM MOÇAMBIQUE /2019

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RELATÓRIO SOBRE

DIREITOS HUMANOS EM

MOÇAMBIQUE - 2018/2019

RELA

TÓRIO SOBRE DIREIT

OS HUMANOS EM MOÇAMBIQUE - 2018/2019 - 4ª Edição

Por uma Ordem Inclusiva, ao Serviço do Advogado e do

Estado de Direito Democrático

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RELATÓRIO SOBRE

DIREITOS HUMANOS EM

MOÇAMBIQUE - 2018/2019

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Título: Relatório de Direitos Humanos 2018/2019 (Relatório Final) Propriedade: Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM)

Elaboração: Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane Coordenação: Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique (CDHOAM) Revisão Linguística: Sonia Pinho (4Ever Lda.)

Projecto Gráfico da Capa: WEBCAD

Maquetização, Impressão e Acabamentos: Ciedima, Lda Tiragem:500 exemplares

Endereço: Av. Vladimir Lenine nº 1935 , R/C, Maputo Ano: Dezembro de 2020

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SUMÁRIO EXECUTIVO ... 11

1. INTRODUÇÃO ... 13

1.1. As atribuições da Ordem dos Advogados de Moçambique e o Relatório de Direitos Humanos ... 13

1.2. Objectivos ... 13

1.3. Metodologia ... 14

1.4. Estrutura do Relatório ... 16

2. QUADRO JURÍDICO-INSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ... 16

2.1. Dimensão dos princípios constitucionais ... 16

2.2. Dimensão interpretativa e integrativa ... 22

3. DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA ... 23

3.1. Indicadores estruturais do direito de acesso à justiça ... 23

3.1.1. Marcos Normativos ... 23

3.1.2. Alocação de Recursos Humanos aos tribunais em relação à demanda ... 24

3.1.3. Alocação de Recursos Financeiros... 25

3.1.4. Alocação de Recursos Materiais - Tribunais ... 26

3.1.5. Celeridade ou Morosidade Processual calculada através do Backlog Index ... 27

3.1.6. Celeridade Processual calculada em função da Taxa de Congestionamento dos Tribunais ... 29

3.1.7. Justiça Penitenciária ... 31

3.1.7.1. Indicadores processuais ... 31

3.1.7.2. Indicadores da Prisão Preventiva... 34

3.1.7.3. Alguns casos mediáticos recentes sobre detenções ilegais ... 37

3.1.8. Superlotação dos Estabelecimentos Penitenciários ... 38

3.1.9. A situação prisional nos anos 2018 e 2019 ... 40

3.1.10. Situação prisional em 2019 ... 41

3.1.10.1. Situação prisional de Menores ... 41

3.1.10.2. Direito à alimentação ... 42

3.1.10.3. Direito à Saúde ... 42

3.1.10.4. Direito à Educação ... 42

3.1.10.5. Direito à Assistência Jurídica ... 44

3.2. Execuções sumárias, desaparecimentos forçados e ofensas corporais de cidadãos .. 46

3.2.1. Compromissos estruturais no domínio da tortura e execuções sumárias ... 47

3.2.1.1. Caso Ericino de Salema ... 49

3.2.1.2. Caso Anastácio Matavel ... 50

3.2.1.3. Caso do Assassinato da Presidente da Liga Feminina da RENAMO em ZUMBO ... 50

4. DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO E LIBERDADE DE IMPRENSA ... 52

4.1. Indicadores estruturais do Direito de Acesso à Informação e Liberdade de Imprensa ... 52

5. DIREITO DE ASSOCIAÇÃO E A SITUAÇÃO DAS PESSOAS LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAL E TRANSGÉNERO ... 54

6. IGUALDADE DE GÉNERO E DIREITOS DA CRIANÇA ... 55

7. DIREITOS HUMANOS E INDÚSTRIA EXTRACTIVA ... 73

(5)

indústria extractiva ... 74

7.3. O problema da transparência na gestão dos 2,75% das Comunidades Locais ... 78

8. ORDEM, SEGURANÇA E INSTABILIDADE POLÍTICA (ZONA NORTE E CENTRO) ... 80

8.1. Indicadores Estruturais ... 80

8.2. Indicadores processuais ... 82

8.3. Indicadores de resultado ... 84

9. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: DIREITO ELEITORAL E CONFLITO ELEITORAL (ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS REALIZADAS EM 2018 E ELEIÇÕES GERAIS DE 2019) ... 85

9.1. Estado de Direito ... 86

9.1.1. A Revisão “ pontual da CRM” ... 86

9.1.2. O Ensombrado Acordo Geral de Paz Definitiva ... 87

9.1.3. Sinais preocupantes de degradação do Estado de Direito ... 87

9.1.4. As garantias judiciais do Estado de Direito Democrático ... 88

9.1.5. A independência e imparcialidade organizacional dos tribunais ... 89

9.1.6. Democracia: direito de participação e direito de sufrágio universal ... 90

9.2. Processos Eleitorais de 2018 e 2019 ... 90

9.2.1. Recenseamento Eleitoral polémico ... 91

9.2.2. Processo Eleitoral ... 92

9.2.3. Contencioso Eleitoral ... 93

9.2.4. O problema da constituição da composição da Comissão Nacional de Eleições ... 94

9.2.5. O processo de revisão da Constituição da República visto à luz do princípio do direito fundamental de participação política ... 95

10. PRINCIPAIS CONSTATAÇÕES E RECOMENDAÇÕES... 96

10.1. Constatações ... 96

10.1.1. Em relação ao Quadro Jurídico e Institucional dos Direitos Humanos em Moçambique ... 96

10.1.2. Garantia do Direito de Acesso à Justiça e a situação dos estabelecimentos penitenciários ... 96

10.1.3. Direito à Informação ... 98

10.1.4. Direitos Humanos da Mulher e Criança ... 98

10.1.5. Indústria extractiva e direitos humanos ... 99

10.1.6. Conflito na Região Centro e Cabo Delgado ... 99

10.1.7. Estado de Direito Democrático ... 99

10.2. Recomendações ... 100

10.2.1. Quadro Jurídico dos Direitos Humanos ... 100

10.2.2. Direito de Acesso à Justiça e garantia dos Direitos e Liberdades ... 101

10.2.3. Direito à Informação ... 102

10.2.4. Direito de Associação das Pessoas LGBT ... 102

10.2.5. Indústria Extractiva e Direitos Humanos ... 102

10.2.6. Estado de Direito Democrático ... 103

Índice de Tabelas

Tabela 1: Abordagem metodológica ... 15

Tabela 2: Categorias de indicadores ... 15

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Tabela 5: Evolução das metas e resultados alcançados ... 27

Tabela 6: Evolução do Backlog Index dos Tribunais Judiciais ... 28

Tabela 7: Evolução do Backlog Index dos Tribunais Administrativos ... 29

Tabela 8: Evolução da Taxa de Congestionamento nos Tribunais Judiciais ... 30

Tabela 9: Taxa de congestionamento na Jurisdição Administrativa ... 31

Tabela 10: Evolução Orçamental no SERNAP ... 32

Tabela 11: Evolução das entradas e saídas dos Estabelecimento penitenciários ... 34

Tabela 12: Casos mediáticos selecionados sobre detenções ilegais ... 37

Tabela 13: Capacidade de internamento de reclusos ... 38

Tabela 14: Evolução da superlotação dos estabelecimentos penitenciários segundo os dados da PGR ... 39

Tabela 15: Estabelecimento com Assistência Jurídica ... 44

Tabela 16: Exemplos de alguns casos de execuções sumárias47 Tabela 17: Casos seleccionados53 Tabela 18: Participação da Mulher no Poder Legislativo em 2019 ... 59

Tabela 19: Participação da Mulher no Poder Executivo ... 60

Tabela 20: Participação da Mulher no Poder Provincial 2019 ... 60

Tabela 21: Participação da Mulher no Poder Autárquico 2019 ... 61

Tabela 22: Evolução da proporção de mulheres matriculadas nas IES 2017-2018 ... 63

Tabela 23:Relação de estudantes por sexo segundo área de formação no ensino superior ... 64

Tabela 24: Evolução dos casos gerais: criminais, cíveis e outros ... 66

Tabela 25: Rácio de Mortalidade Materna Intra-hospitalar por Província, 2018-2019 ... 68

Tabela 26: Casos gerais: criminais, cíveis e outros ... 70

Tabela 27: Diferenças entre o valor apurado e o realmente transferido às comunidades ... 78

Índice de Gráficos e Ilustrações

Gráfico 1: Distribuição do Orçamento em 2018 ... 32

Gráfico 2: Distribuição do Orçamento em 2019 ... 33

Gráfico 3: Evolução do Orçamento do SERNAP ... 33

Gráfico 4: Evolução do acolhimento de reclusos ... 35

Gráfico 5: Evolução do número de preventivos e condenados nos estabelecimentos penitenciários ... 35

Gráfico 6: Prisão preventiva expirada ... 36

Gráfico 7: Capacidade de Internamento ... 39

Gráfico 8: Ensino e aprendizagem nos EP’s ... 43

Gráfico 9: Relação de número de assistidos nos EPs com Assistência Jurídica em 2018 e 2019 . 45 Gráfico 10: Mulheres nos Órgãos de Poder e Tomada de Decisão. ... 58

Imagem 1: Jornalista Ericino de Salema (DW) ... 49

Imagem 2: Anastácio Matavel (DW) ... 50

Imagem 3: Imagem dos malogrados (Fonte: VOA, 18 de Outubro de 2019) ... 51

Imagem 4: Vista Parcial de uma casa queimada no distrito de Palma, Cabo Delgado (DW). ... 80

Imagem 5: Aldeia destruída em consequência dos ataques em Cabo Delgado (DW) ... 81

Imagem 6: Distrito de Palma, o epicentro dos ataques em Cabo Delgado ... 83

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CADHP Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

CDHOAM Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique CEDAW Convention on Elimination of all forms of Discrimination Against Woman ComADHP Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

CPE Comissão Provincial de Eleições

CRM Constituição da República de Moçambique DDR Desarmamento, Desmobilização e Reintegração DUAT Direito de Uso e Aproveitamento da Terra

DW Deutsche Welle

EP1 Ensino Primário do Primeiro Grau ES1 Ensino Secundário do Primeiro Grau ES2 Ensino Secundário do Segundo Grau ETP Ensino Técnico Profissional

FDS Forças de Defesa e Segurança FIR Força de Intervenção Rápida FPIC Free Prior Informed Consent INE Instituto Nacional de Estatísticas

IPAJ Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica MISA Media Institute of Southern Africa

MM Mortalidade Materna

MMIH Mortalidade Materna Intra Hospitalar MMV´s Membros das Mesas de Voto

MRPU Mecanismo de Revisão Periódica Universal OAM Ordem dos Advogados de Moçambique OMR Observatório do Meio Rural

ONG Organização Não Governamental ONG´s Organizações Não Governamentais ONU Organização das Nações Unidas PGR Procuradoria Geral da República PLACOR Plano Corporativo

RENAMO Resistência Nacional Moçambicana SERNAP Serviço Nacional das Prisões

STAE Secretariado Técnico da Administração Estatal

UE União Europeia

UNODC United Nations Office on Drugs and Crime

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O presente Relatório de Direitos Humanos, elaborado sob a égide da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique (CDHOAM), constitui um marco importante na prossecução das suas atribuições, nomeadamente defender o Estado de Direito Democrático, os direitos e liberdades fundamentais e participar na boa administração da justiça.

Nesta 4.ª edição, a Ordem dos Advogados de Moçambique reitera o seu compromisso de fazer uma radiografi a ao grau de implementação dos instrumentos de protecção de direitos humanos, quer domés-ticos, quer internacionais, durante o período de 2018 e 2019. Cumpre, assim, a promessa feita na última edição de continuar a oferecer ao público relatórios sobre direitos humanos em Moçambique, procuran-do, a partir das críticas apresentadas à cada edição, melhorar continuamente a qualidade dos mesmos. Com o presente relatório não se pretende, de forma alguma, fazer qualquer julgamento público da actua-ção das instituições do Estado, por não ser esta uma competência da OAM. Pretende-se, sim, apresentar constatações e recomendações referentes à cada área de apreciação do mesmo, que constituem verda-deiras oportunidades de melhoria, para que quem de direito se possa delas apropriar e implementar. O período em referência foi alargado, de modo a permitir uma melhor análise dos resultados dos fenó-menos, que ocorreram, como, por exemplo, os desfechos de processos judiciais, e o tempo necessário para obter as respostas aos pedidos de informação.

Pretendemos, com os relatórios de direitos humanos da OAM, prestar uma consultoria gratuita a todos os que dela necessitarem, pelo que é necessário confi ança e abertura das partes interessadas na partilha de informações, que permitam aos consultores de cada área de actuação analisar e emitir as recomen-dações de melhoria necessárias.

O lançamento do presente Relatório estava inicialmente previsto para 2020. Contudo, a declaração do Estado de Emergência e as suas sucessivas renovações até à declaração do Estado de Calamidade Pública, bem como outros constrangimentos associados ao quadro epidemiológico da pandemia da COVID-19 condicionaram o lançamento que pretendíamos, com uma presença física e calorosa mais alargada do que a que nos é permitida.

É anseio da Ordem dos Advogados de Moçambique que este relatório não seja mais um para decorar as bibliotecas públicas ou privadas, mas, sim, um ponto de partida para desencadear outros estudos por pessoas individuais ou colectivas, privadas ou públicas, que desejem contribuir para a melhoria da situa-ção dos Direitos Humanos em Moçambique, bem como para a elaborasitua-ção da sua 5.ª edisitua-ção.

Uma palavra fi nal de apreço às entidades que nos ajudaram no processo de partilha com os consultores de informações essenciais para a elaboração desta edição.

Maputo, aos 26 de Janeiro de 2021

Por uma Ordem Inclusiva, ao Serviço do Advogado e do Estado de Direito Democrático

O BASTONÁRIO

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SUMÁRIO EXECUTIVO

1. O presente relatório apresenta o panorama da situação de direitos humanos no país nos anos 2018 e 2019, com recurso ao método histórico, que consiste num processo de pesquisa assente na recolha de evidências de eventos que ocorreram no passado, tendo em conta o desfasamen-to temporal entre o período da pesquisa (2020) e o da ocorrência dos facdesfasamen-tos reportados nos anos em referência.

2. Para o efeito, o relatório baseia-se, fundamentalmente, na informação colhida junto de fon-tes oficiais, designadamente, relatórios de instituições relevanfon-tes para os direitos humanos (Tribunal Supremo, Serviço Nacional das Penitenciário, Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica, Anuário Estatístico do INE, relatórios periódicos do Estado aos órgãos internacionais e regionais de direitos humanos, relatórios sectoriais de progresso, informes do Governo, en-tre outros. Para a elaboração do relatório recorreu-se igualmente a fontes independentes, tais como informação das organizações da sociedade civil e imprensa.

3. O relatório abrange a análise da evolução do quadro legal, da situação do direito de acesso à justiça, a protecção do direito à liberdade, o direito à informação, os direitos humanos das co-munidades locais afectadas pela indústria extractiva, os direitos da mulher e criança, a situação do conflito em Cabo Delgado e Zona Centro no contexto dos direitos humanos, terminando com a análise da situação do Estado de Direito Democrático com abordagem dos direitos hu-manos.

4. Em relação ao Quadro Jurídico e Institucional dos Direitos Humanos em Moçambique, em-bora a OAM reconheça os progressos feitos pelo Estado Moçambicano, quer na incorporação na ordem jurídica interna de tratados de direitos humanos, quer na apresentação de relatórios periódicos, observa que o País se encontra atrasado na implementação das Recomendações do II Ciclo da MRPU e do Comité de Direitos Humanos.

5. No que concerne ao Direito de Acesso à Justiça e à situação dos estabelecimentos penitenciá-rios, apesar de elogiar o aumento do número de processos julgados de ano para ano, nota, com preocupação, que os níveis de morosidade processual se mantêm praticamente inalterados, para além de que a alocação orçamental ao sector da justiça, comparativamente com outros sectores, continua baixo, tal como continua muito baixa a proporção de juízes em relação à população.

6. No domínio dos estabelecimentos penitenciários, mantém-se o problema crónico da superlo-tação, degradação das penitenciárias e a consequente impossibilidade de se garantirem condi-ções de acolhimento para os reclusos em conformidade com os padrões internacionais, salvo algumas excepções. Continuam a registar-se prisões preventivas fora do prazo e uso excessivo da prisão preventiva no País, contrariando as recomendações internacionais, que aconselham o uso de meios alternativos ao encarceramento, sobretudo, na fase da investigação.

7. Nos anos de 2018 e 2019, infelizmente, mantiveram-se os casos de detenções arbitrárias, se-questros e execuções sumárias de cidadãos, que se destacam pelo exercício público e activo dos seus direitos civis e políticos, nomeadamente, jornalistas, activistas de direitos humanos e políticos.

8. No que se refere ao Direito à Informação, Moçambique continua a regredir em matéria de liberdade de expressão e de imprensa, devido a detenções arbitrárias de jornalistas, bem como

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RELATÓRIO DE DIREITOS HUMANOS 2018/2019

ao secretismo das instituições públicas, que dificultam o acesso à informação de interesse público.

9. No âmbito do direitos humanos da mulher e criança, apesar de o país possuir um quadro de políticas, programas, planos e leis relevantes para a realização dos direitos da criança, as raparigas continuam a ser vítimas de negligência por parte do Estado, nomeadamente por continuarem a registar-se casos de uniões prematuras, maternidade infantil e outras formas de privação de liberdades sexuais.

10. A ausência de paz efectiva é também um factor importante que compromete os avanços na implementação e exercício dos direitos da criança pois, continuam a verificar-se elevados índices de pobreza infantil, que se reflectem em problemas nutricionais, situações de trabalho infantil, entre outros.

11. Na indústria extractiva e o seu papel nos direitos humanos, devido a deficiências no quadro jurídico, mas não só, nos anos 2018 e 2019, mantiveram-se os casos de lentidão nos processos de reassentamento, falta de transparência nos processos de consulta pública comunitária para a implementação de projectos da indústria extractiva e incumprimento das compensações e benefícios a que as comunidades têm direito.

12. Em relação aos conflitos na zona Centro e em Cabo Delgado, importa louvar os esforços do Governo na manutenção da ordem e segurança pública, apesar de a situação militar e humani-tária se tenha agravado nos anos 2018 e 2019, tendo as acções dos insurgentes se intensificado em Cabo Delgado a partir de meados de 2019;

13. No que diz respeito ao ambiente do Estado de Direito Democrático, embora do ponto de vista formal o País possua legislação que garante os direitos e deveres civis e políticos, a ocorrência de assassinatos de figuras ligadas ao processo eleitoral e o sequestro, ou tentativa de sequestro, de jornalistas entre 2018 e 2019 demonstra a degradação da situação de tolerância e convivên-cia política sãs num contexto de pluralismo de opiniões e garantia dos direitos e liberdades fundamentais.

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1. INTRODUÇÃO

1.1. As atribuições da Ordem dos Advogados de Moçambique e o Relatório de

Direitos Humanos

A OAM rege-se pelos Estatutos aprovados pela Lei n.º 28/2009, de 28 de Setembro, ao abrigo dos quais tem como atribuições defender o Estado de Direito Democrático, os direitos e liberdades fundamen-tais, participar na boa administração da justiça1, contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica e para o conhecimento e aperfeiçoamento do Direito2, bem como promover o respeito pela legalidade3. Enquanto pessoa colectiva pública, representativa dos licenciados em Direito4, a OAM goza da prerro-gativa de exercer o poder de supervisão da Administração Pública através da elaboração de relatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 11 da Lei n.º 7/2012, de 8 de Fevereiro.

Ao abrigo deste quadro legal, a OAM criou a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique (CDHOAM), qual compete “funcionar como observatório da evolução do respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, principalmente dos relativos ao funcionamento do sector da justiça, nos termos consagrados na Constituição da República de Moçambique e nas diversas conven-ções internacionais, ratificadas pelo Estado moçambicano, que versam sobre esta matéria”.

Portanto, a apresentação do presente Relatório da Situação de Direitos Humanos em Moçambique en-quadra-se no mandato legal da OAM de defesa do Estado de Direito Democrático e dos direitos e liber-dades fundamentais, que constituem um dos pilares da natureza republicana do Estado Moçambicano, conforme resulta do disposto no artigo 3 da Constituição da República (CRM).

De certa forma, o presente Relatório é um instrumento de seguimento da evolução da situação dos direi-tos humanos, tendo em conta as constatações dos relatórios anteriores produzidos pela OAM, referentes aos anos de 2016 e 2017. Por isso, tais constatações constituirão o ponto de partida da análise das diver-sas matérias que integram este documento.

1.2. Objectivos

O presente relatório sobre a Situação de Direitos Humanos em Moçambique referente aos anos de 2018 e 2019, visa, em geral, avaliar o ponto de situação do respeito, promoção, protecção e implementação dos direitos humanos em Moçambique durante os anos de 2018 e 2019. Especificamente, o presente relatório visa:

i. Avaliar o grau de implementação dos direitos humanos em Moçambique;

ii. Identificar as questões candentes (ou em inglês, “burning issues”) de direitos humanos em Moçambique;

iii. Identificar os pontos fracos de Moçambique na implementação dos direitos humanos;

1 Cfr. Artigo 4, alínea a), dos Estatutos da OAM. 2 Cfr. Artigo 4, alínea c), dos Estatutos da OAM. 3 Cfr. Artigo 4, alínea d), dos Estatutos da OAM. 4 Cfr. Artigo 1, n. º1, dos Estatutos da OAM.

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iv. Propor recomendações para a melhoria da situação de direitos humanos;

v. Apresentar uma matriz sobre o estágio do cumprimento (melhorias ou retrocessos) das reco-mendações contidas nos relatórios anteriores em matéria de direitos humanos produzidos pela OAM, apresentando os principais constrangimentos e os aspectos que contribuíram para a melhoria da situação; e

vi. Apresentar uma matriz de acompanhamento anual ou um plano de acção anual da implemen-tação dos Direitos Humanos em Moçambique.

1.3.

Metodologia

A função de um relatório, qualquer que seja, é a documentação de factos com o objectivo de informar e persuadir o destinatário ou destinatários a desencadearem acções concretas com base na informação recebida5. No caso dos direitos humanos, o destinatário do relatório é o Estado, através dos poderes le-gislativo, executivo e judicial, enquanto duty bearers6 (detentores de obrigações) a quem incumbe, por

força do disposto nas alíneas e), f) e g) do artigo 11 da CRM, promover e defender os direitos humanos e a igualdade dos cidadãos perante a lei, garantir o reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual, bem como promover uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz.

A obrigação de respeitar os direitos humanos requer do Estado, e de todos os seus órgãos e agentes, o dever de se abster de realizar, patrocinar ou tolerar qualquer prática, política ou acto legislativo que viole a dignidade da pessoa humana ou que infrinja as suas liberdades de ter acesso a recursos para a satisfação das suas necessidades. Por sua vez, a obrigação de proteger implica o dever de o Estado e seus agentes prevenirem a violação de direitos humanos por outros actores, quer sejam estatais, indivi-duais ou não estatais. Mais importante ainda é a obrigação de realizar os direitos humanos, que envolve questões relacionadas com a promoção ou criação de condições para a realização de direitos humanos, tais como alocação de orçamento, regulação da economia, provisão de serviços básicos e indispensá-veis à satisfação das necessidades individuais, garantia da existência de infraestruturas e mecanismos redistributivos7.

Para efeitos da aferição do grau do cumprimento das obrigações inerentes aos direitos humanos espe-cíficos abrangidos por este relatório, os conceitos atrás referidos são transformados em instrumentos práticos de análise, conforme o exemplo abaixo da monitoria do direito de alimentação dos reclusos nos estabelecimentos penitenciários.

5 Watkins, Amos. Writing Effective Reports and Essays, 2016, disponível em https://docplayer.net/20771906-Writing-e-ffective-reports-and-essays.html ( data de acesso: 10 de Junho de 2020)

6 BESSIN, Samantha. The Bearers of Human Rights´ duties and responsibilities for human rights. A quiet (R)Evolution. Disponível em https://core.ac.uk/download/pdf/43669767.pdf (data de acesso: 10 de Junho de 2020).

7 LJUNGMAN, Cecilia M., Applying a Rights-Based Approach to Development: Concepts and Principles, Conference

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Tabela 1: Abordagem metodológica

Conteúdo do Direito

Humano à Alimentação

Adequada Obrigação de Respeitar Obrigação de Proteger Obrigação de Realizar

Acessibilidade de comida Garantir o acesso

existen-te à comida Assegurar que terceiros não ponham em causa o acesso à comida

Existência de programas que garan-tem maior acesso à comida

Conteúdo nutricional Manter os níveis

nutricio-nais existentes Proteger a qualidade nu-tricional da comida Medidas ou programas para elevar os níveis nutricionais da população

Portanto, em termos metodológicos, a ideia fundamental é documentar factos que demonstrem o grau de cumprimento das obrigações internacionais e constitucionais assumidas pelo Estado Moçambicano de promover, respeitar e realizar os direitos humanos. Este desiderato materializa-se através da medição do gozo de direitos humanos pelos right holders (detentores de direitos),os cidadãos, através de indica-dores que permitam visualizar os resultados que traduzem o ponto de situação da realização dos direitos humanos no País.

De um modo geral, os indicadores de medição da realização dos direitos humanos usados neste relató-rio baseiam-se nos atributos dos direitos humanos, os quais se medem pela adequação, acessibilidade, disponibilidade, adaptabilidade, aceitabilidade e qualidade. Em termos práticos, a utilização destes critérios faz-se com base nas diferentes categorias de indicadores, como se exemplifica na Tabela 2.

Tabela 2: Categorias de indicadores

Indicador Conteúdo Indicadores e Fontes de Verificação

Estrutura Avaliam os marcos que demonstram o compromisso do Estado em maté-ria de direitos humanos.

Ratificação, adopção e domesticação das normas internacionais de direitos humanos, políticas pú-blicas, programas e estratégias de realização de direitos humanos em geral ou direitos específicos, criação de mecanismos institucionais de promoção e garantia de direitos e liberdades fundamentais.

Processo

Indicam o esforço contínuo, actual e efectivo do Estado em transformar os seus compromissos internacionais e constitucionais em resultados con-cretos, através de políticas e acções dirigidas à criação de mecanismos que facilitem a realização efectiva de cada um dos direitos humanos.

Alocação de recursos (humanos, materiais e finan-ceiros) para a realização de direitos humanos, efi-cácia e/ou conformidade de políticas, programas e estratégias na consecução dos resultados alme-jados.

Resultado Avaliam o impacto colectivo e indi-vidual dos compromissos e esforços de realização dos direitos humanos.

Quantidade (dados estatísticos) e qualidade (atri-butos dos direitos humanos) dos objectivos alcan-çados.

No que concerne à recolha de informação, a elaboração do presente relatório recorre, fundamentalmen-te, ao método histórico, que consiste num processo de pesquisa assente na recolha de evidências de eventos que ocorreram no passado, tendo em conta o desfasamento temporal entre o período da pesquisa (2020) e o da ocorrência dos factos reportados (2018 e 2019).

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Para o efeito, parte da etapa da elaboração do relatório teve por base a técnica heurística, que consistiu na selecção das fontes consideradas relevantes para a recolha da informação sobre a situação de direitos humanos. A este propósito, o relatório baseia-se fundamentalmente na análise, sob a perspectiva dos direitos humanos, de documentos oficiais, designadamente, relatórios de instituições relevantes para os direitos humanos (Tribunal Supremo, Serviço Nacional das Prisões, IPAJ ,) anuário estatístico do INE, relatórios periódicos do Estado aos órgãos internacionais e regionais de direitos humanos, relatórios sectoriais de progresso, informes do Governo, entre outros. Como fontes independentes, o relatório serve-se da informação das organizações da sociedade civil e da imprensa.

1.4. Estrutura do Relatório

À semelhança dos relatórios anteriores, as duas primeiras secções do presente relatório são gerais, inte-gram a apresentação dos objectivos, âmbito e sistematização do seu conteúdo, bem como o enquadra-mento jurídico dos direitos humanos no ordenaenquadra-mento jurídico moçambicano.

A terceira secção do relatório aborda a análise, na perspectiva dos direitos humanos, da contribuição do Sector de Administração da Justiça na construção do Estado de Direito Democrático nos anos de 2018 e 2019, na qual se analisa, essencialmente, o respectivo desempenho.

Na quarta secção, procede-se a uma monitoria do Direito de Acesso à Informação e Liberdade de Im-prensa. Segue-se uma secção dedicada à monitoria do Direito à Associação, Direito à Saúde, Direito à Igualdade de Género, direitos da criança; bem como aspectos de direitos humanos e indústria extracti-va; ordem, segurança e instabilidade política (Zona Norte e Zona Centro) e participação política, com destaque para o direito eleitoral e conflitos eleitorais (Eleições Autárquicas e Gerais de 2018 e 2019).

2.

Quadro Jurídico-Institucional dos Direitos Humanos

Nos relatórios anteriores da OAM e nas avaliações internacionais a que Moçambique foi submetido, com especial destaque para o segundo ciclo do MRPU, bem como no Comité de Direitos Humanos, foi reiterada a necessidade de o país melhorar o seu quadro legal e institucional dos direitos humanos. Neste contexto, o presente relatório pretende avaliar as mudanças no quadro legal e institucional dos direitos humanos nos anos 2018 e 2019. Neste contexto, serão analisados, em termos sistemáticos, o regime de recepção e aceitação das normas internacionais, a melhoria do quadro institucional e, por último, a interpretação do regime dos direitos fundamentais.

2.1 Dimensão dos princípios constitucionais

2.1.1. A Necessidade de Aprovação de uma Política de Direitos Humanos

Nos relatórios anteriores, referentes a 2016 e 2017, a OAM constatou a necessidade e recomendou a aprovação de uma Política Nacional e Estratégia de Direitos Humanos e o respectivo Plano de Acção que estabeleçam objectivos e metas concretos e que funcionem como instrumento de orientação da acção do Estado em prol da protecção, respeito e realização dos Direitos Humanos. Embora nessa altura a Direcção Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos tenha dado indicações de estar em curso a preparação de instrumentos de política e acção no domínio dos direitos humanos, até à data essa política ainda não foi aprovada.

(18)

Recomendação

A OAM reitera a sua recomendação de que o Governo promova os passos necessários conducentes à aprovação da Política Nacional e Estratégia de Direitos Humanos, bem como os respectivos planos de acção.

2.1.2.

A Necessidade de Participação dos Cidadãos nos Processos de Elaboração

dos Relatórios Periódicos de Direitos Humanos

Do mesmo modo, nos dois relatórios anteriores, a OAM recomendou que o Estado Moçambicano es-tabelecesse mecanismos públicos e participativos de prestação de contas para a implementação de pro-gramas e actividades de promoção, defesa e realização dos direitos humanos. Esta prestação de contas deveria seguir duas vias, nomeadamente o Relatório do Governo sobre a Situação de Direitos Humanos, atendendo ao quadro dos direitos fundamentais previstos na Constituição da República, bem como a apresentação de Relatórios Periódicos impostos pelos diversos tratados de direitos humanos de que Moçambique faz parte.

A OAM nota com satisfação o facto de, em 2019, o Comité para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação da Mulher ter apreciado o Relatório Periódico de Moçambique, do qual resultaram as recomendações CEDAW/C/MOZ/CO/3-58; e o facto de o Comité dos Direitos da Criança ter emitido as Recomendações CRC/C/MOZ/CO/3-59 sobre o Relatório dos Direitos da Crianças. Estes relatórios seguem-se ao Relatório para o Comité sobre Trabalhadores Migrantes, cujas observações finais constam de CMW/C/MOZ/1 que foi apreciado pelo respectivo Comité em 2018.

Constatação

A OAM reconhece o esforço do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos na im-plementação de alguns programas de direitos humanos com envolvimento ou participação das orga-nizações da sociedade civil. Reconhece, ainda, o esforço no sentido do envolvimento participativo nos processos de elaboração dos relatórios períodos impostos pelos tratados de direitos humanos de que o País é parte,

8 Disponíveis em https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CMW/C/ MOZ/CO/1&Lang=En

9 Disponíveis em https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CEDAW/C/ MOZ/CO/3-5&Lang=En

(19)

Recomendação

A OAM reitera a necessidade de que a elaboração dos relatórios periódicos das convenções e relató-rios de direitos humanos, apresentados pelo Governo nos diversos Comités das Nações Unidas ou na Comissão Africana de Direitos Humanos seja participativa. Para que este processo seja aperfeiçoa-do, recomenda-se que o Governo partilhe atempadamente o calendário de elaboração e apresentação destes relatórios, a fim de que a sociedade civil tenha conhecimento e possibilidade de preparar as respectivas contribuições e acções de monitoria.

Recomenda-se igualmente que a participação da sociedade civil seja mantida, consolidada e alar-gada.

2.1.3. Monitoria da Necessidade de Melhoria do Regime de Recepção das Normas

Internacionais de Direitos Humanos

Nos relatórios anteriores, a OAM observou que, embora o regime de recepção automática das normas internacionais apresente a vantagem de que a de convenção ou tratado ratificado dependa apenas da sua ratificação e publicação, em conformidade com o artigo 18 da CRM, este regime apresenta, ao mesmo tempo, uma desvantagem de ordem prática, no que tange à efectiva domesticação das normas interna-cionais, nos casos em que a exequibilidade de uma norma internacional careça da aprovação de um acto normativo complementar.

Ainda relacionado com o sistema de recepção de convenções e tratados internacionais, adoptado pelo artigo 18 da CRM, a OAM alertou em relatórios anteriores sobre a falta de clareza do valor normativo dos instrumentos de ratificação, na medida em que, em rigor, uma resolução é um acto político e não acto legislativo10. Isto tendo em conta que do leque de actos normativos previstos artigo 142, também, da CRM, os actos que se revestem de natureza legislativa ou regulamentar são, somente, as leis, decre-tos-lei11, e os decretos do Governo12. No demais, os actos da Assembleia da República e do Governo, nomeadamente, moções e resoluções, para o órgão legislativo13, e resoluções para o Conselho de Minis-tros, por exclusão de partes, não se revestem da natureza legislativa ou regulamentar.

Nessa ocasião, a OAM apresentou alguns reparos, que ainda não tiveram a repercussão legislativa ne-cessária, resultantes da conjugação dos artigos 18 e 143 da CRM, designadamente:

i. A constatação da falta de clareza do critério de delimitação das competências da Assembleia da República e do Governo para a determinação das matérias que são da exclusiva responsa-bilidade de cada órgão, o que tem como consequência a intromissão do Governo em matérias que deveriam ser exclusivamente reservadas ao órgão legislativo, com os efeitos daí resultan-tes em matéria de validade; e,

ii. A constatação resultante do regime do artigo 142 da CRM, que define os actos normativos

10 O Artigo 18, n.º 2, da CRM, dispõe as normas de direito internacional têm na ordem jurídica interna o mesmo valor

que assumem os actos normativos infraconstitucionais emanados da Assembleia da República e do Governo, consoan-te a sua forma de recepção.

11 Artigo 142, n.º 1, da CRM. 12 Artigo 142, n.º 4, da CRM. 13 Artigo 142, n.º 2, da CRM.

(20)

no ordenamento jurídico moçambicano, nomeadamente, os actos legislativos (leis e decretos -leis) e os actos regulamentares (os decretos do Governo e os Avisos do Governador do Banco de Moçambique), o que quer dizer que as resoluções de ratificação de convenções e tratados internacionais não têm lugar na hierarquia das normas, contrariamente ao que o n.º 2 do artigo 18 da CRM pode dar a entender.

Recomendação

A OAM mantém a sua recomendação sobre a necessidade de aperfeiçoamento e desenvolvimento do actual regime de recepção e domesticação de instrumentos jurídicos internacionais através da

apro-vação de uma Lei do Direito Internacional14, que regule todos os aspectos inerentes à ratificação

e domesticação de tratados internacionais, o tornaria possível melhorar o regime sem necessidade de revisão da Constituição. Neste âmbito, uma das soluções legislativas a ser introduzida é de que a ratificação dos instrumentos internacionais pela Assembleia da República e pelo Governo seja feita por lei ou decretos.

2.1.4. Melhoria do quadro jurídico-institucional

2.1.4.1. Aceitação de normas internacionais de direitos humanos

Ao nível da aceitação de normas internacionais de direitos humanos, constata-se que existem alguns instrumentos internacionais que o País deveria ratificar, incluindo a aprovação ou modificação da le-gislação vigente de acordo com as recomendações emitidas no âmbito dos mecanismos internacionais de monitoria da situação de direitos humanos nos países membros das Nações Unidas e de convenções internacionais de direitos humanos.

Nesse contexto, no segundo ciclo do MRPU, foi recomendado ao Estado moçambicano e este apoiou a ratificação dos seguintes instrumentos jurídicos de direitos humanos:

i. Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais;

ii. Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos;

iii. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo a um Procedimento de Comunicação;

iv. Convenção contra a Discriminação na Educação.

Entretanto, apesar de o Estado ter aceitado ratificar estes instrumentos, a pesquisa constatou que até à data nenhum dos mesmos foi ratificado. Sabe-se, no entanto, que o Pacto Internacional dos Direitos Económicos e Culturais está em processo de ratificação, um processo que dura há bastante tempo. Além dos instrumentos acima referidos, o II Ciclo do MRPU recomendou a ratificação de outros ins-trumentos internacionais de direitos humanos que o Estado moçambicano apenas anotou. São exemplos destes instrumentos:

(21)

i. Tratado de Marraquexe para Facilitar o Acesso à Obras Publicadas para Pessoas Cegas; ii. Convenção n.º 189 da Organização Internacional do Trabalho;

iii. Retirar as reservas à Convenção de 1951 relativa ao Estatuto de Refugiados, a fim de fortalecer a protecção e a integração local dos refugiados;

iv. Convenção Internacional para a Protecção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados; e

v. Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

Em relação a estes instrumentos, com a excepção do Pacto Internacional dos Direitos Económicos So-ciais e Culturais, cujo processo de ratificação foi submetido ao Parlamento, a pesquisa não constatou nenhuma medida do Governo com vista a garantir a sua ratificação. Por isso, o Governo deve garantir a implementação das recomendações do Segundo Ciclo de Revisão, com particular destaque para as recomendações apoiadas, sem prejuízo da necessidade de acções para a integração das recomendações anotadas.

Outrossim, no âmbito da monitoria da implementação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Po-líticos, o Comité de Direitos Humanos apresentou várias recomendações ao Estado Moçambicano, CCPR/C/MOZ/CO/115, em 2013, alertando que o País deveria implementar e apresentar o respectivo Relatório até 1 de Novembro de 2017, com vista a melhorar o ambiente de Direitos Humanos. Destas recomendações, destacam-se as seguintes constatações:

a. No plano legislativo, não foi ainda revista, apesar de o processo de revisão ter sido iniciado, a Lei n.º 33/2009, de 21 de Dezembro, que cria a Comissão Nacional de Direitos Humanos, como também não foi ainda revista a Lei n.º 21/91, de 31 de Dezembro, Lei dos Refugiados. Estes são apenas alguns exemplos do que deveria ter sido feito até 2017 e não foi implemen-tado conforme as recomendações deste Comité.

b. No plano do estabelecimento de mecanismos internos de monitoria de direitos humanos, do mesmo modo, não existe qualquer banco de dados que permita aferir o grau de implementação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, conforme recomendado pelo Comité em referência.

c. No domínio da formação dos agentes responsáveis pela aplicação da lei, verifica-se que até ao presente, o plano curricular de formação básica da Polícia da República de Moçambique ainda não integra um módulo específico de direitos humanos.

Constatação

O Estado Moçambicano ainda não concluiu a implementação das Recomendações do MRPU e do Comité de Direitos Humanos, com vista à melhoria do quadro jurídico e institucional de direitos humanos. Além disso, não cumpriu o prazo de submissão do segundo relatório periódico ao Comité de Direitos Humanos, cuja entrega deveria ter ocorrido em 2017.

15 Human Rights Committee, Concluding observations on the initial report of Mozambique*. Disponivel em: https:// tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=CCPR/C/MOZ/CO/1&Lang=En- Consultado em 27 de julho de 2020

(22)

Recomendação

O Estado moçambicano deve:

a. Acelerar a implementação das recomendações do MRPU e do Comité de Direitos Huma-nos, para o que urge a apresentação de um relatório público dos progressos, reportando as acções desencadeadas até à data e o plano de acção para a implementação das actividades ainda não realizadas;

b. Criar um órgão de acompanhamento do processo de incorporação das convenções interna-cionais de direitos humanos, entidade que poderia caber no Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos.

2.1.4.2. Aperfeiçoamento das normas internas

Pese embora as observações anteriores, a OAM aprecia com satisfação as reformas legislativas internas materializadas no biénio 2018-2019. Tais reformas vieram enriquecer o ambiente legal de direitos hu-manos. São exemplos dessas reformas as seguintes:

a. Lei n.º 19/2019, de 22 de Outubro (Lei da Prevenção e Combate a Uniões Prematuras), que incorpora os princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e o Protocolo à Carta Africana relativo aos Direitos e Bem-Estar da Criança em África;

b. Lei n.º 24/2019, de 24 de Dezembro (Aprova o Código Penal), Lei n.º 25/2019, de 26 de De-zembro (Lei de Revisão do Código de Processo Penal) e Lei n.º 26/2019, de 27 de DeDe-zembro (Lei que aprova o Código de Execução das Penas), que incorporam, fundamentalmente, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e alguns princípios relativos ao tratamento das pessoas privadas de liberdade;

c. Lei n.º 22/2019, de 11 de Dezembro, a nova Lei da Família, que entre outros, aspectos revoga a disposição legal que permitia o casamento de pessoas com idade inferior a 18 anos;

d. Lei n.º 23/2019, de 23 de Dezembro, que aprova a Lei das Sucessões, melhorando os direitos sucessórios da mulher, o que configura a domesticação da CEDAW e do Protocolo à Carta Africana relativa aos Direitos da Mulher em África e ao Protocolo da SADC sobre o Género e Desenvolvimento.

Recomendação

O Estado deve envidar esforços para domesticar os princípios de direitos humanos em todas as áreas, tal como o fez nas normas acima referidas.

(23)

2.2. Dimensão interpretativa e integrativa

No relatório anterior, a OAM recomendou que os Tribunais integrassem nas suas decisões a jurisprudên-cia internacional de direitos humanos, por força do disposto no artigo 43 da CRM, de modo a garantir a sua conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos. Por exemplo, no domínio dos conflitos sobre reassentamentos para a exploração de jazigos de diferentes minérios e hidrocarbonetos, é importante que os tribunais internos considerem a jurisprudência da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos no caso Centre for Minority Rights Development (Kenya) e Minority Rights Group (on behalf of Endorois Welfare Council/ Kenya) 16.

Entretanto, da jurisprudência sobre os conflitos de reassentamentos produzida nos anos 2018 e 201917, nenhuma faz menção à jurisprudência internacional de direitos humanos em matéria de indústria extrac-tiva e direitos humanos. Nem sequer a referida jurisprudência faz referência aos instrumentos da Co-missão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos a este respeito. Esta falta de referência pode violar o artigo 43 da CRM sobre a interpretação e integração dos direitos humanos. Por exemplo, no Acórdão n.º 163/2019, de 31 de Dezembro, na acção intentada pela OAM contra a VALE-Moçambique, o Tri-bunal considerou que a Ordem não tinha legitimidade para intervir, posição contrária à jurisprudência da Comissão Africana, que é referência obrigatória quando se trata de conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos.

A falta de integração das normas e jurisprudência internacionais de direitos humanos na jurisprudência dos tribunais nacionais deve-se, entre outras razões, à falta de capacitação dos magistrados e de acessi-bilidade da jurisprudência, em termos linguísticos e físicos, na área de aplicação do direito internacional dos direitos humanos na actividade judicial.

Recomendação

À semelhança da recomendação do Comité de Direitos Humanos, a OAM recomenda que os tribu-nais apliquem a jurisprudência internacional e regional de direitos humanos, como forma de incor-porar os direitos humanos na actividade judicial, em conformidade com o disposto no artigo 43 da CRM, segundo o qual a interpretação e integração das normas de direitos humanos devem ter em conta os padrões internacionais.

16 No referido caso, as comunidades locais queixavam-se de terem sido deslocadas das suas terras ancestrais sem audição prévia e sem a necessária e adequada compensação, bem como a perturbação das suas práticas religiosas e culturais. Em resposta, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos considerou que a actuação das autoridades Quenianas configurava uma violação aos artigos 1, 8, 14, 17, 21 e 22 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, por violação do dever do reconhecimento dos direitos humanos previstos na Carta, a liberdade de consciência e de professar religião devido à perturbação das práticas religiosas tradicionais por causa a destruição ou dificuldades de acesso a locais de rituais religiosos, o direito à propriedade das comunidades, o direito à educação, o direito de cada povo dispor dos seus recursos naturais, bem como o direito ao desenvolvimento económico, social e cultural. O efeito e impacto da indústria extractiva em Moçambique não diferem da matéria decidida no acórdão da Comissão Africana em Referência. Disponível em: http://www.achpr.org/communications/decision/276.03/ (data de acesso: 13 de Agosto de 2018).

17 Cfr Acórdão n.º 163/2019, de 31 de Dezembro; Acórdão n.º 41/2018, de 12 de Junho; Acórdão n.º 14/2017, de 4 de Abril.

(24)

3.

DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA

Para efeitos de monitoria do direito de acesso à justiça, para além da avaliação da dimensão normativa, o relatório analisa a alocação dos recursos humanos, materiais e financeiros ao sector da justiça, como elemento de medição do esforço na realização do direito de acesso à justiça. No que tange à dinâmica dos tribunais para a realização do direito, o relatório procede à análise quantitativa dos dados referentes ao desempenho dos tribunais, tendo em vista a aferição da realização do direito ao julgamento em tempo razoável, o qual é indicado nos planos estratégicos do sector na vertente da celeridade processual. Com vista à avaliação do desempenho do sector na garantia do direito à liberdade e segurança, bem como na protecção dos direitos humanos nos estabelecimentos penitenciários, o relatório analisa os da-dos referentes à justiça penitenciária, nomeadamente, os dada-dos sobre o controlo da prisão preventiva, a superlotação dos estabelecimentos penitenciários, a garantia da saúde, alimentação e assistência jurídica aos reclusos.

Por último, o relatório apresenta alguns casos referentes às execuções sumárias, no quadro da monitoria das execuções sumárias, tortura e desaparecimentos forçados.

Entretanto, pelo facto de os tribunais judiciais constituírem o palco a que os cidadãos mais recorrem para a garantia da tutela jurisdicional efectiva, bem como por serem os tribunais competentes na área da justiça penitenciária, este capítulo incide fundamentalmente na análise dos dados dos tribunais da jurisdição comum.

3.1. Indicadores estruturais do direito de acesso à justiça

A análise dos indicadores estruturais do direito de acesso à justiça que se seguem, compreendendo os marcos normativos e institucionais, é combinada com a avaliação dos indicadores de conformidade, que se destinam a verificar a harmonização. Devido a constrangimentos materiais e outros, neste capítulo vamos analisar apenas a jurisdição judicial e administrativa.

3.1.1. Marcos Normativos

No que tange à evolução normativa, é de registar, em primeiro lugar, a revisão da Constituição da Repú-blica, que modificou as competências do Conselho Constitucional de modo a criar uma garantia juris-dicional para os titulares do cargo de Governador Provincial, no âmbito da introdução do novo regime dos órgãos de governação descentralizada. Em segundo lugar, a aprovação do novo Código Penal, pela Lei n.º 24/2019, do novo Código de Processo Penal, Lei n.º 25/2019, e do Código de Execução de Pe-nas, pela Lei n.º 26/2019, constitui o marco legislativo mais importante ocorrido no período em análise.

(25)

3.1.2.

Alocação de recursos humanos aos tribunais em relação à demanda

A disponibilidade de magistrados judiciais em número suficiente é o indicador mais importante para a garantia do acesso à justiça nas suas dimensões de acesso físico aos tribunais e do direito a julgamento em tempo razoável. Normalmente18, o índice da relação juiz/habitantes é referenciado por 100.000 ha-bitantes, sendo que as Nações Unidas recomendam a proporção de 8 juízes por cada 100 mil habitantes. Com base nestas referências, nesta parte do relatório procura-se medir o esforço de alocação de magis-trados tendo em conta a procura dos tribunais.

Tabela 3: Evolução da alocação de recursos em relação à demanda

Ano N.º de

Magistra-dos Judiciais19 Total de Processos tramitados

(tran-sitados do ano anterior+novas entradas)

Média de processos/

juiz durante o ano)20 Total de proces-sos decididos/ano Média Anual de Processos

decididos/juiz 2015 325 275372 850 123246 379 2016 334 241689 723 130194 389 2017 344 293229 852 133258 387 2018 358 318163 888 161594 451 2019 362 312180 862 143137 395 Média 835 400

Fonte: Relatórios do Tribunal Supremo dos anos 2015 a 2019

O INE estima em 30.066.648 a população de Moçambique21. Considerando os dados disponíveis, veri-fica-se que há um esforço no sentido de aumentar o número de magistrados judiciais a uma média de 15 novos ingressos por ano. Porém, apesar deste aumento, verifica-se que a situação de Moçambique está muito aquém do ideal, pois por cada 100.000 habitantes apenas existe um juiz. Esta situação repercute-se na garantia do direito a julgamento em tempo razoável, que é parte integrante do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Tal acontece uma vez que em termos práticos, avoluma o trabalho dos juízes, si-tuação que não só se reflecte na morosidade da justiça, mas que pode igualmente ter sérias implicações na qualidade da justiça.

18 Cfr. Actualitix. World Atlas – Statistics by Country, disponível em https://pt.actualitix.com/pais/wld/numero-de-jui-zes.php; Pordata. Magistrados por 100 mil habitantes, disponível em www.pordata.pt/Europa/Magistrados+Judi-ciais+por+100+mil+habitantes-3355

19 Tendo por base o número de Magistrados Judiciais existentes em 2015, a estimativa de número nos anos subsequentes é calculada com base no número de novos ingressos na carreira.

20 Neste caso, usou-se a fórmula mais simples. Na sua versão completa, a workload assessment (avaliação do volume de trabalho) consiste no processo da conversão do número de casos numa carga de trabalho, considerando-se o tempo de-dicado para a avaliação dos processos como representativo da carga de trabalho. Para o efeito, seria necessário calcular o weighted caseload (volume de casos ponderado) que consiste na divisão do tempo que o magistrado precisaria para resolver os casos pelo tempo disponível para fazê-lo.

(26)

Com efeito, com o workload assessment (avaliação da carga de trabalho), calculado a partir da dis-tribuição aritmética do total dos processos tramitados nos tribunais pelo número de juízes, constata-se que a média de processos/juiz/ano é de cerca de 830 processos/ano, sendo que a média dos processos decididos ao ano é de 400/ano, ou seja, cerca de metade dos processos decididos22. Este dado mostra ainda que, se o país pudesse passar a ter 2 magistrados por cada 100 mil habitantes, o que significa duplicar o número de juízes actualmente existentes, a proporção de processos/juiz e de decisões/juiz poderia ser optimizada, o que melhoraria substancialmente a capacidade de os tribunais responderem atempadamente à procura.

Embora outras variáveis influenciem o desempenho dos juízes, os dados da tabela acima mostram que à medida que o número de juízes foi aumentado nos últimos cinco anos, a quantidade de processos de-cididos também aumentou, tanto em termos globais, como em termos individuais.

Recomendação

O Estado moçambicano deve continuar a envidar esforços no sentido de nomear mais juízes, para além da necessidade de introdução de reformas estruturais na legislação processual, de modo a me-lhorar a celeridade dos processos.

3.1.3. Alocação de Recursos Financeiros

Em relação ao indicador processual de alocação de recursos financeiros, na tabela seguinte é analisada a evolução da despesa orçamental com o sistema judicial nos anos 2018 e 2019.

Tabela 4: Evolução da alocação de recursos financeiros

2017 Peso orçamental 2018 Peso Orçamental 2019 Peso Orçamental

4.750,1 Milhões de MT 1,5% 3.642,8 Milhões de MT 1,6% 4.332,2 Milhões de MT 1,6% Fonte: DNO23

Os dados orçamentais da tabela acima mostram, claramente, o pouco investimento no sistema judicial, que se destaca negativamente por ser um dos sectores com peso orçamental mais baixo na distribuição do Orçamento do Estado por sector.

22 O Relatório do Conselho Nacional de Justiça do Brasil indica que os juízes brasileiros produzem 1.616 sentenças por ano, contra a média de 959 dos juízes italianos, 689 dos espanhóis e 397 dos portugueses. Cfr. https://politica.estadao. com.br/blogs/fausto-macedo/o-pais-dos-paradoxos-tem-os-juizes-mais-produtivos-do-mundo-mas-um-judiciario-dos -mais-morosos-e-assoberbados/

(27)

Ademais, nas tabelas orçamentais de Amostra de Projectos de Investimento24, correspondentes ao Or-çamento para o Sector Judicial, não foi inscrita qualquer rubrica de investimento, o que na prática quer dizer que nos anos 2018 e 2019 não se realizou nenhum investimento de vulto, financiado pelo Estado, em termos de infraestrutura judicial.

Os dados sobre os níveis do esforço financeiro reservado ao sector da justiça contrastam com a precária rede infraestrutural judiciária, sobretudo dos tribunais distritais ao longo do país. Com efeito, alguns aspectos relativos à morosidade processual relacionam-se com a falta de condições de trabalho, como acontece nos casos em que os magistrados têm que partilhar a mesma sala de audiências para a realiza-ção de julgamentos.

Recomendação

A alocação orçamental do sector da justiça deve ser incrementada com vista à melhoria da alocação dos recursos humanos e das condições de trabalho.

3.1.4. Alocação de recursos materiais - tribunais

Em 2017, a distribuição dos tribunais no País correspondia aos dados da tabela seguinte, cuja ilação principal foi que o mapa judicial não era consentâneo com a densidade populacional.

Tabela 4: Distribuição dos Tribunais

Província Total dos Tribunais Percentagem de

Trib. Total da população Percentagem da pop.

2017 2018 2019 Nampula 21 14,18% 6.102.867 21,14% Niassa 17 11,48% 1.865.976 6,46% Zambézia 15 10,13% 5.110.787 17,70% Inhambane 15 10,13% 1.496.824 5,18% Cabo-Delgado 14 9,45% 2.333.278 8,08% Tete 13 8,78% 2.764.169 9,57% Sofala 13 8,78% 2.221.803 7,69% Gaza 13 8,78% 1.446.654 5,012% Manica 11 7,43% 1.911.237 6,62% Província de Maputo 10 6,75% 2.507.098 8,68% Cidade de Maputo 6 4,05% 1.101.170 3,81% Total 148 155 157 100% 28.861.863 100%

(28)

Conforme indicado na tabela acima, em 2018 estiveram em pleno funcionamento 155 Tribunais ciais, sendo o Tribunal Supremo, três (3) Tribunais Superiores de Recurso, onze (11) Tribunais Judi-ciais de Província, incluindo o da Cidade de Maputo, dois (2) tribunais de competência especializada, nomeadamente os Tribunais de Menores e de Polícia da Cidade de Maputo e 138 Tribunais Judiciais de Distrito25. Já em 2019, a rede judiciária passou a contar com 157 tribunais, por terem entrado em fun-cionamento mais 2 tribunais de competência especializada, nomeadamente, os Tribunais de Trabalho da Cidade e Província de Maputo26.

Em termos comparativos, de 2017 a 2019, a rede judiciária do País expandiu de 148 para 157 tribunais, porém, os problemas de distribuição do mapa judiciário, tendo em conta a população e o número de tri-bunais existentes em cada província não sofreram alterações. Portanto, continuamos a ter mais tritri-bunais em províncias com pouca população, o que constitui um paradoxo.

Conclusão

27

Os dados acima apresentados ilustram que o indicador processual de alocação de recursos materiais, correspondente à distribuição geográfica dos tribunais no país, quando comparado com a extensão geográfica e a população por província, é ainda fraco ou negativo. A distribuição dos tribunais não tem seguido o critério da relação magistrado/população, tendo em conta que este é o indicador mais comum, e segundo o qual se recomenda a proporção de 8 juízes por cada 100.000 habitantes27.

3.1.5.

Celeridade ou Morosidade Processual calculada através do Backlog Index

28

A duração dos casos é a variável mais próxima do que se entende por morosidade processual, que con-siste na avaliação do desempenho dos tribunais em termos da sua lentidão, por meio do cômputo da média do tempo de vida de todos os processos julgados num dado período.

De um modo global, o Plano Estratégico dos Tribunais Judiciais previa metas para os anos 2018 e 201929, as quais não foram alcançadas.

Tabela 5: Evolução das metas e resultados alcançados

Ano Meta Resultados Alcançados

2018 174.562 161.594

2019 207.360 143.137

Fonte: Plano Estratégico dos Tribunais Judiciais 2015-2020 e Relatórios dos Tribunais Judiciais 2018 e 2019

25 Cfr. Relatório dos Tribunais Judiciais 2018, versão electrónica, p. 43, disponível em http://www.ts.gov.mz/images/ pdf_files/relatorios/Relatorio_2018.pdf

26 Relatório Anual dos Tribunais Judiciais 2019, p. 60.

27 Cfr PORDATA. Magistrados Judiciais por 100 mil habitantes, disponível em https://www.pordata.pt/Europa/Magistra-dos+Judiciais+por+100+mil+habitantes-3355

28 Índice de pendências processuais.

(29)

Conforme resulta dos dados da tabela acima, em 2018 e 2019, os tribunais judiciais realizaram 92% e 69% respectivamente das metas propostas para os anos em análise, o que mostra que as metas não foram alcançadas, embora em 2018 se tenha ficado mais próximo da meta. Contudo, tendo em conta que o Pla-no Estratégico 2016-2020 dos tribunais judiciais tem em vista a celeridade processual como forma de combate ao crónico problema da morosidade processual, os dados apresentados nos relatórios dos tribu-nais judiciais merecem outra análise com vista à aferição da eficácia da resposta do sector ao problema. Na jurisdição Administrativa, o Plano Corporativo do Tribunal Administrativo, PLACOR III, reconhece igualmente a existência de muitas pendências processuais tendo definido como meta para os anos 2018 e 2019 a resolução de 25% e 30% dos processos abertos, respetivamente, de 25% e 30% dos processos existentes no Plenário, 35% e 40% respetivamente, dos processos da 1.ª Secção, e 40% e 50% dos pro-cessos existentes para a 2ª Secção30. Segundo o Relatório Anual de 2018, o Plenário do Tribunal Admi-nistrativo cumpriu 67,6%, sendo que a 1.ª Secção julgou 35,5% dos processos, superando em 0,5% a meta, enquanto a 2.ª Secção julgou 31% processos dos 40% inicialmente previstos.

Para o efeito, existem diversas formas de avaliar a morosidade processual, nomeadamente através dos critérios de Backlog Index, que consiste numa medida que estima a duração média dos casos como a razão entre o stock de casos pendentes e o fluxo de casos resolvidos num determinado ano com recurso à fórmula seguinte:

Backlog Index= Processos Pendentes ÷ Processos resolvidos

Tabela 6: Evolução do Backlog Index dos Tribunais Judiciais

Ano Processos pendentes

tran-sitados do ano em análise para o ano seguinte

Processos resol-vidos no ano em análise

Backlog

Index (BI) Tempo necessário para resolver no(s) ano(s) seguinte(s) os processos transita-dos no ano anterior (BI* 12 meses)

2015 161.37031 123.24632 1,3 15,7 Meses

2016 153.12633 130.194 1,2 14,4 Meses

2017 151.086 133.258 1,2 14,4 Meses

2018 156.569 161.594 0,96 11,5 Meses

2019 100.797 143.137 0,70 8,4 Meses

Fonte: Relatório dos Tribunais Judiciais

Na jurisdição administrativa, o Relatório de 2018, que apenas apresenta os dados do Tribunal Adminis-trativo e não de toda a jurisdição, permite, a título exemplificativo, os seguintes cálculos.

30 Tribunal Administrativo. Plano Estratégico e Operacional do Tribunal Administrativo-PLACOR III 31 Relatório dos Tribunais Judiciais 2014, pg. 7.

32 Discurso de Abertura do Ano Judicial de 2016, Relatório dos Tribunais Judicial de 2016, pg. 9 33 Discurso de Abertura do Ano Judicial de 2016, Relatório dos Tribunais Judicial de 2016, pg. 9

(30)

Tabela 7: Evolução do Backlog Index dos Tribunais Administrativos

Área Ano Processos pendentes Processos resolvidos Backlog Index

Plenário 2018 406 88 4.6

1.ª Secção 2018 490 174 2.81

2.ª Secção 2018 216 67 3.22

Fonte: Adaptado pelo autor

A leitura que se deve fazer do backlog index é de que o índice representa o tempo necessário para os tribunais resolverem no ano seguinte ou nos anos seguintes os processos transitados do ano anterior. Dos dados acima expostos, conclui-se que, apesar de o backlog index ter baixado de 1,3 em 2015 para 0,70 em 2019, o que em princípio representa uma melhoria em termos da eficiência e produtividade dos tribunais, em termos práticos não houve qualquer melhoria, na medida em que a média do backlog index dos 5 anos é de 1,1.

Na prática, os tribunais judiciais precisariam de trabalhar nos anos subsequentes para resolverem os processos acumulados e que transitaram de um ano para o outro desde 2015 até 2019, o que se tradu-ziria no novo acúmulo dos processos que foram entrando de ano para ano. Contudo, deve registar-se que nos anos 2018 e 2019 o backlog index dos tribunais judiciais melhorou comparativamente aos anos anteriores.

No Tribunal Administrativo, apenas para exemplificar, apesar de a 1.ª Secção (Contencioso Administra-tivo) ter superado em 0,5% as metas traçadas para o ano de 2018, os dados do backlog index indicam que esta Secção precisaria de trabalhar 33,7 meses para eliminar as suas pendências processuais. Isto demonstra que a morosidade processual é extremamente alta. Por outro lado, indica que as metas esta-belecidas são irrealistas para alcançar o objectivo estratégico definido no PLACOR III de melhorar a celeridade processual.

Conclusão

Avaliado o desempenho dos tribunais, com base no backlog ndex, o indicador de resultado sobre a morosidade processual é extremamente negativo, o que comprova a necessidade de aumentar o nú-mero de magistrados nos tribunais, para além da necessidade de melhorar as condições financeiras e materiais, conforme atrás referido. Os resultados desta análise mostram que a existência de metas e o aumento do número de processos julgados não eliminou a morosidade processual.

3.1.6. Celeridade Processual calculada em função da taxa de congestionamento dos

tribunais

A morosidade processual pode ser igualmente avaliada através da taxa de congestionamento, que consiste na percentagem de carga de processos não solucionados ou pendentes em cada período. Para o efeito, calcula-se a relação percentual entre os processos resolvidos, processos pendentes e processos entrados num determinado período.

(31)

Taxa de Congestionamento = (1 – Processos Resolvidos ÷ Carga processual) * 100

Neste caso, a carga processual resulta da soma entre os processos pendentes e entrados no período em análise.

Neste sentido, em termos comparativos ilustra-se na tabela abaixo os dados dos últimos cinco anos, com particular destaque para os anos 2018 e 2019:

Tabela 8: Evolução da Taxa de Congestionamento nos Tribunais Judiciais

Ano Processos

transita-dos do ano anterior Processos que deram entrada no período em análise Processos Resolvidos no Período em análise Taxa de Conges-tionamento

2015 161.37034 115.0029 123.24636 55% 2016 153.12637 88.563 130.194 46% 2017 151.086 142.134 133.258 58% 201838 159.962 158.201 161.594 50% 201939 156.569 155.611 143.137 54% Média 52,5

Os dados acima expostos indicam que, pese embora em termos quantitativos o número de processos resolvidos ou findos em cada ano esteja a aumentar significativamente desde 2015 a esta parte, em ter-mos de congestionamento processual a situação permanece praticamente inalterada, na medida em que a média da Taxa de Congestionamento nos 5 anos em análise situa-se nos 52,5%, sendo que anos 2018 e 2019, a taxa de congestionamento foi de 50 e 54% respectivamente. Isto quer dizer que no biénio 2018/2019, mais de metade dos processos nas mãos dos tribunais são transitados dos anteriores. Segun-do os daSegun-dos no INE, esta mesma taxa no que tange à justiça criminal situa-se em 49%.

A outra leitura que estes dados sugerem é a confirmação da relação entre o workload Assessment dos juízes (média de 835 processos/ano) e a taxa de resolução de casos (400 processos resolvidos/ano), isto é, os juízes conseguem resolver apenas metade dos casos que lhes são distribuídos, daí a taxa de con-gestionamento se situar na ordem dos 52%.

A mesma situação é verificada na Jurisdição Administrativa, quando analisada através dos dados do Tribunal Administrativo, conforme demonstra a tabela seguinte:

34 Relatório dos Tribunais Judiciais 2014, p. 7

35 Discurso de Abertura do Ano Judicial de 2016, Relatório dos Tribunais Judicial de 2016, p. 9 36 Discurso de Abertura do Ano Judicial de 2016, Relatório dos Tribunais Judicial de 2016, p. 9 37 Discurso de Abertura do Ano Judicial de 2016, Relatório dos Tribunais Judicial de 2016, p. 9 38 Relatório 2017, p. 27, tabela 1

Referências

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