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O Senegal nas rotas Lusíadas : contributo para o estudo da presença da língua portuguesa na África Ocidental a partir do século XV

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

V MESTRADO EM ESTUDOS AFRICANOS

O Senegal nas rotas lusíadas

Contributo para o estudo da presença da

Língua Portuguesa na África Ocidental a partir do século XV

Dissertação apresentada por

Maria de Lurdes Pires Gomes Martins Reis Leitão

Orientadora:

Professora Doutora Elvira Mea

Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto

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INTRODUÇÃO

“… e o que se mostrava no mapa mundy, quanto ao desta costa, nom era verdade, ca o nom pintavam senom a aventura; mas esto que agora he posto nas cartas, foe cousa vista por olho, segundo já tendes ouvido”

Gomes Eanes de Zurara1

A partir da Literatura de Viagens2 sobre os Descobrimentos Portugueses na Costa Ocidental de África, tentamos conhecer melhor as movimentações dos navegadores portugueses naqueles novos lugares e o relacionamento que estabeleceram com povos tão diferentes cuja existência se desconhecia. Todos os temas abordados, as referências feitas por esses viajantes, testemunhas oculares da época, podem ser pistas para compreender os povos africanos, os seus modos de vida, os seus interesses, as suas acções, porque falam “de cousa vista por olho”3. Por outro lado, aspectos da geografia

dos lugares descritos podem também contribuir para explicar comportamentos e acrescentar dados para a construção da História desses povos; é a face visível que consideramos assemelhar-se à da época pré-colonial e pós-colonial, e que poderá ajudar a explicar movimentos dos grupos e dos reinos que ali viviam. Gostaríamos de contribuir, principalmente através de textos ou registos dos portugueses da época das Descobertas, para trazer não só conhecimento sobre as realidades observadas pelos portugueses, verificar como foram interpretadas por eles, mas também identificar condicionalismos da natureza sobre a acção do homem, investigar sobre os reinos africanos existentes, procurar compreender as vivências e as acções humanas, num espaço muito extenso, com características geográficas e especificidades climáticas muito distintas das da Europa. Por isso, é importante também descobrir a humanidade africana, os seus modos de vida, os seus contactos, as suas mudanças e os seus interesses, as marcas culturais que deixaram, e eventualmente, identificar aspectos culturais que permaneceram até aos nossos dias e que os exploradores portugueses teriam encontrado.

1 G. E. de ZURARA (1453); vide ZURARA, Gomes Eanes de, Crónica do Descobrimento e Conquista da

Guiné (Introdução pelo Visconde de Santarém), publicada por J. P. Aillaud, Paris, 1841, Cap. LXXVIII, “Das legoas que estas caravellas do Iffante forom a allem do cabo, e doutras cousas místicas”, pp. 371-372

2 Ao longo deste estudo, e como fizemos na nota supra, a indicação de um autor seguida de data constitui

uma referência à data de produção do referido texto

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Neste sentido, procuramos dados sobre a relação destes povos com os portugueses e com a Língua Portuguesa. Queremos recolher vestígios do passado que possam explicar o interesse crescente do Senegal e dos senegaleses pela Cultura e Língua Portuguesas, na actualidade. Esse interesse terá origem nas memórias de um passado remoto? Terá outras causas, na época presente? Ou haverá uma confluência das consequências do passado e dos interesses actuais do país?

Com o nosso estudo, pretendemos captar principalmente elementos que se relacionem com os territórios do Senegal e a zona circundante que faz fronteira com a Gâmbia, a Mauritânia, o Mali, a Guiné-Bissau e a República da Guiné (Conacri), embora não existisse esta divisão territorial em países, nem quando os portugueses descobriram o continente africano nem mais tarde. Ou seja, na nossa análise sobre o passado, devemos integrar os dados no contexto de toda a África Ocidental (Guiné, no século XV).

Depois da Conferência de Berlim de 1884, a organização do território criou contextos e perspectivas específicas. Ainda assim, hoje, como há quinhentos anos, esta região apresenta determinados traços geográficos e culturais que devem ser realçados para compreender como foi condicionada pela natureza a fixação de múltiplos grupos humanos, com características muito específicas nos seus modos de vida, e conhecer também os interesses e as necessidades que moveram as suas acções ao longo dos tempos, antes e depois da colonização.

O Senegal é um Estado no litoral do Oeste africano. Com uma superfície de 196722 km²; o seu relevo é plano e pouco elevado. Muitos planaltos se estendem a perder de vista, mas as altitudes são sempre inferiores a 130 metros. Perto da fronteira da Guiné, no Sudeste, encontra-se o ponto mais elevado do país, nas montanhas do Fouta Djalon (581m). No Noroeste, os planaltos ultrapassam ligeiramente os 100 metros e a sua altitude baixa progressivamente de Leste para Oeste, não ultrapassando os 20 metros no Ferlo ocidental, no Siné-Saloum e na Casamansa. Também se encontram dunas fixas que se estendem na região de Cayor e de Jalofo. Devido à escassez e à irregularidade das chuvas, o Senegal é atingido frequentemente por períodos de seca que provocam consequências dramáticas sobre o equilíbrio ecológico e sobre as actividades humanas. O clima, a exploração agrícola contínua e as más escolhas de produtos a cultivar causaram uma grave erosão dos solos, já de si pouco variados, excepto na região de Dacar, no litoral. Predominam os solos arenosos, mais fáceis de trabalhar, e os solos argilosos, mais compactos e mais difíceis de cultivar.

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O rio Senegal estende-se ao longo de 1700 km, do Fouta Djalon, na República da Guiné (Conacri), a Saint-Louis, percorrendo o território senegalês de Sul a Norte e delimitando as fronteiras deste com o Mali e a Mauritânia. Este rio foi ocupado pelo mar há 5500 anos, construindo um delta ao longo dos tempos, cujas correntes fluviais são constituídas por areia muito fina com solos muito salgados, a Oeste de Richard Toll. Este rio favoreceu a penetração colonial no Sudão, sendo hoje factor de desenvolvimento e de integração regional, possuindo um vasto potencial de aproveitamento agrícola, através dos projectos de irrigação desenvolvidos pela Organização para a Valorização do Rio Senegal, na qual participam a República da Guiné (Conacri), a Mauritânia, o Mali e o Senegal. É corrente4 dizer-se que o nome do país provém da expressão “sunugal”que significa “a minha piroga”; isso explica a importância atribuída ao rio que se transfere para a designação do próprio país.

No Senegal correm ainda outros três rios importantes: o Casamansa, o Gâmbia e o Saloum. As regiões da Casamansa e do Siné-Saloum, nomes que advêm dos rios que as atravessam, são regularmente submersas pelas marés. A Gâmbia é um pequeno Estado de 11295 km², um enclave no território senegalês que acompanha o rio do mesmo nome, não tendo nenhuma das suas margens mais de 30 km de largura.

A península do Cabo Verde apresenta um relevo de colinas e de planaltos, com solos pedregosos; ao longo da costa Norte, encontram-se dunas litorais que isolaram os lagos, testemunhos da última submersão marítima. Esta área apresenta um relevo vulcânico: os montes das Mamelles elevam-se em Dacar a 105 metros de altitude e são o que resta de um planalto antigo de origem vulcânica. Os pequenos planaltos do Cabo Manuel, em Dacar, e da ilha de Goreé constituem-se de lavas e todos estes relevos formam uma costa rochosa. As costas Sul e Oeste da península são, aliás, geralmente acidentadas, com falésias.

Referimos ainda, pela proximidade geográfica, a existência do rio Níger. Verdadeira espinha dorsal do território maliano, tem suscitado muito interesse dos geógrafos e dos historiadores. Os mistérios ligados à orientação, à nascente, ao estuário e às cidades próximas do maior rio da África ocidental (4200 km desde a nascente, na República da Guiné, até à foz na Nigéria) só foram esclarecidos por vários exploradores

4 A. D. BOILAT (1853); vide BOILAT, Abbé David, Esquisses Sénégalaises, Karthala, Paris, 1984. Esta

ideia, profundamente enraizada, é, ainda assim, contestada por autores como Etienne Smith; vide SMITH, Etienne, “La nation «par le côté» - le récit des cousinages au Sénégal", in Cahiers d’études africaines, parentés, plaisanteries et politique, 184, Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris, 2006

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nos séculos XVIII e XIX. Este rio é parcialmente navegável em território maliano, especialmente no delta interior que se forma a partir de Ségou. O delta vivo cobre uma superfície de 30000km² e estende-se numa imensa planície com os seus múltiplos braços que formam um mar interior. As águas do Níger alimentam numerosos lagos, fazendo a ligação entre a zona de savana e a desértica. Sendo fonte de vida para numerosos pastores e agricultores, este rio testemunha a presença de civilizações e de impérios africanos. Ainda no Mali, encontramos o deserto do Sara que cobre metade da superfície do país, a Norte de Tombuctu e de Gao. As dunas dominam. Só alguns oásis e poços escavados pelo homem permitem aos raros habitantes viver ali da pastorícia e do comércio do sal. Os dias tórridos, as noites frias e as tempestades de areia tornam a vida quase impossível no deserto.

Mas é na Mauritânia que se sente a omnipresença desta força poderosa do deserto do Sara, como se fosse um grande oceano de areia. Neste país de 1030700km², o único curso de água importante é o Senegal que, por esse motivo, é simplesmente chamado “o rio”. Toda a produção agrícola se concentra na orla do rio que, no final do “hivernage”, a estação das chuvas, chega a atingir 20 km de largura perto do seu estuário. Na estação seca, o rio encontra-se abaixo do nível do oceano e este último tem tendência a penetrar profundamente no interior das terras. O rigor extremo do clima desértico é temperado apenas no Sul, durante a estação das chuvas, e na orla costeira. A Mauritânia é pois, naturalmente, um país com baixa densidade populacional, praticamente nula a Leste de Nouakchott.

Ao longo dos tempos, a situação de finisterra do Senegal terá proporcionado a fixação de vários grupos humanos e de vagas migratórias sucessivas de povos, de origens diversas, vindos principalmente do Norte e do Leste. No rio Senegal terão passado os mais antigos e importantes fluxos migratórios da sub-região: grupos negros do Sara, outros mestiços berberes que terão fugido para o Sul mais húmido e populações sudanesas autóctones ou vindas do Leste. Estes encontros dariam azo a conflitos e ter-se-iam constituído grupos, até compor a originalidade étnica senegalesa actual.

Contudo, a informação histórica sobre a África Ocidental e sobre os territórios do Senegal é, em geral, escassa e encontra-se muito dispersa. Por outro lado, as relações culturais entre Portugal e o Senegal também não têm sido muito visíveis. É frequente encontrar entre os senegaleses (povo, estudantes e professores) pouca informação, ou ideias infundadas, e expectativas irrealistas relativamente aos portugueses e a Portugal. Visto como um dos países da Europa, Portugal é considerado pelos senegaleses como

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um país onde se vive bem. Se se falar do passado, por um lado pensam erradamente, por exemplo, que os portugueses foram os responsáveis pelo início da escravatura em África; por outro lado tendem a valorizar demorada e excessivamente certas ocorrências, causas e consequências da Guerra Colonial nos países lusófonos africanos. Generalizaram ideias sobre esses contextos, expressas demasiadas vezes, sem fundamento e sem contexto ou tempo definidos, causando-nos alguma estranheza por reflectirem um certo desconhecimento de realidades portuguesas do presente e do passado. Ao mesmo tempo, os senegaleses manifestam surpreendentemente enormes simpatias pelos Portugueses, reconhecem com frequência os falantes de Língua Portuguesa e vêem Portugal, ou a Europa, como um paraíso dourado, para onde muitos desejam emigrar em busca de melhores condições de vida.

De facto, o contacto directo com este povo, durante alguns anos, permitiu-nos identificar não só indícios de uma enorme falta de informação sobre a História e a Cultura portuguesas, mas sobretudo um interesse particular pela Língua Portuguesa e, em geral, uma afabilidade inesperada para com os portugueses. Desde logo, esse convívio proporcionou-nos uma reflexão privilegiada sobre a presença e as marcas portuguesas que possam permanecer neste povo, independentemente da sobreposição da influência francófona. Foi crescendo a nossa curiosidade sobre várias constatações e evoluímos para um interesse mais sério com o objectivo de responder às nossas questões, dúvidas e perplexidades, neste domínio da influência portuguesa sobre a cultura senegalesa. Por conseguinte, julgamos ser de grande importância aprofundarmos o nosso conhecimento sobre o Senegal, com pesquisas e dados históricos sobre assuntos acerca dos quais existe, por vezes, uma certa visão distorcida ou mesmo falsa, que paira sobre o o passado e o presente português nestes espaços. Até porque novos dados poderão levar-nos a descobrir ligações importantes, desejáveis e úteis para o futuro da difusão da Língua e da Cultura Portuguesas no Senegal.

Na verdade, o que nos causou maior admiração foi, sem dúvida, o interesse crescente pela Língua Portuguesa no Senegal. Surgiam-nos impressões contraditórias sobre os objectivos a alcançar com a instituição do ensino do Português. Que motivações teriam os estudantes que frequentam os Cursos de Português da Universidade Cheikh Anta Diop, em Dacar? Por isso, inquirimos os estudantes, e os resultados desse processo foram clarificadores, em alguns pontos, sobre as características actuais da cultura senegalesa. Ao mesmo tempo, encontrámos respostas objectivas sobre a ligação dos senegaleses à Cultura e à Língua Portuguesas.

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1. A LÍNGUA PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO PARA A

CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DE ÁFRICA: O CASO DO SENEGAL

O passado de África continua a suscitar a curiosidade de muitos estudiosos. Ao longo dos tempos, os mistérios que envolvem este continente têm despertado interesses múltiplos e até divergentes. Após as Descobertas dos portugueses, outros europeus se deslocaram para esses mesmos lugares, seguindo os passos dos primeiros navegadores que passaram por aqueles mares, querendo obter as famosas riquezas ali existentes. Por que razão os interesses de vários países europeus coincidiriam, ao mesmo tempo, nos mesmos lugares até então desconhecidos? Foi talvez um momento de grande euforia quando se soube que, no continente africano (à época, designado por Etiópia, sob a influência dos estudiosos da Antiguidade Clássica), tinham sido encontradas as riquezas e as rotas do ouro de que se falava na Europa.

Por um lado, a África pré-colonial carece de documentos escritos que nos transmitam informações e testemunhos da época. Não foram ainda identificadas as fontes concretas, escritas ou outras, que teriam apoiado as expedições lusas no século XV. Os conhecimentos anteriores seriam insuficientes para orientar os navegadores para as regiões posteriormente descobertas pelos portugueses porque não se fundamentavam num conhecimento adquirido pela experiência, que trouxe a “clara certidom da verdade” (Fernão Lopes), sendo “a madre de todas as cousas”5 (Duarte Pacheco Pereira). De acordo com a História, e entre muitos autores que desenvolvem esta ideia, Óscar Lopes apresenta uma explicação fundamentada e especialmente minuciosa para o sentido da aventura portuguesa quatrocentista:

5 ALBUQUERQUE, Luís de, Introdução à História dos Descobrimentos Portugueses, Col. Fórum da

História, Publicações Europa-América, 5ª ed., Mem-Martins, 2001, pp. 292, ”Não é menos importante salientar que a prática de uma navegação astronómica, bem como a necessidade de serem observadas as condições físicas da atmosfera e dos mares ajudou a criar o clima propício para o surto de um

experimentalismo que veio a dar no decurso do século XVI alguns dos frutos mais sazonados da ciência portuguesa. Nem sempre a invocação da experiência na pena de Duarte Pacheco Pereira exprimirá já um convívio interrogador com os fenómenos do mundo físico, se bem que nalguns passos inegavelmente o acuse; meio século antes, Azurara empregava expressões idênticas a algumas das usadas no Esmeraldo de

situ orbis, mas num sentido simplesmente literário. (…) ou quando D. João de Castro procurava uma

explicação para a anomalia que notara no desvio da agulha e afastava uma peça de artilharia que lhe estava próxima que supôs ser (e era) a responsável pelo caso, ou , ainda, quando este mesmo navegador mandava lançar fardos de palha às águas da foz de um rio para assim reconhecer a orientação das correntes superficiais nelas criadas, é irrecusável que estavam a considerar a experiência como “madre de todas as coisas” (palavras de Duarte Pacheco Pereira), num sentido positivo, e não retórico.”

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“…diz respeito a uma importante conotação que liga a palavra experiência à palavra perigo, que parece não lhe ser etimologicamente afim mas que o é do ponto de vista paragramático e conotativo, e isto já em latim: um saber de experiência feito não é simplesmente aquilo a que Bertrand Russell deu a designação inglesa de knowledge

by acquaintance. A experiência relacionada com a prática náutica quatrocentista já se

não reduz a uma sedimentação passiva: o ver claramente visto que encontraremos enfatizado em Camões não constitui um simples ver (…) trata-se do saber resultante de um risco (perigo) que se correu, sob as condições de uma metodologia náutica, cosmográfica e cartográfica afinal tão complexa como a metodologia de um laboratório de experimentação mecânica.”6

Fomos investigar, procurando apoio em conhecimentos de vários documentos, narrativas, roteiros e literatura de viagens, em estudos e dados da Literatura, também da Geografia, da Economia e da História.

É nosso desejo recorrer, sempre que possível, a documentos escritos em Língua Portuguesa, como contributo para a construção da História de África, para estudar e avaliar a influência dos portugueses e da Língua Portuguesa nos povos que viviam na África Ocidental, com quem os navegadores contactaram pela primeira vez. Interessam-nos especialmente os territórios e os nativos do actual Senegal, como vimos. Assim, no que diz respeito a Portugal, o nosso interesse incide principalmente sobre o momento e a época em que o Estado Português empreendeu assumidamente viagens de Descobrimentos, no século XV, ou seja, a partir de 1415, data oficial do início destas aventuras marítimas. Mas incide igualmente sobre a permanência de portugueses nesses territórios ao longo dos séculos, assistindo às várias evoluções que foram ocorrendo junto dos indígenas e a relação de continuidade dos portugueses com África.

De acordo com um estudo de História Moderna7, as fontes documentais escritas em Língua Portuguesa, sobre as Viagens do Senegal à Serra Leoa (1453-1508), na primeira fase das Descobertas, são as seguintes:

- Crónica dos Feitos da Guiné, de Gomes Eanes de Zurara (1453-1460?); - Este liuto he de rotear…, de um português anónimo (1480-1485?);

6 LOPES, Óscar, A busca de sentido, Questões de Literatura Portuguesa, Ed. Caminho, Lisboa, 1994, pp.

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7 HORTA, José da Silva, “A Representação do Africano na Literatura de Viagens, do Senegal à Serra

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- “…certos capítulos das prouincias do titulo real…”, de Valentim Fernandes (1502);

- Da viagem de Dom Francisco viso rey…, de Mayr /Valentim Fernandes (1505- 1506);

- Crónica da Guiné [versão da], de Valentim Fernandes (1506);

- Descripçam de Cepta por sua costa…, de Valentim Fernandes (1506-1507); - Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira (1505-1508).

Destes textos, apenas três tiveram um redactor português que coincide com o autor: Gomes Eanes de Zurara, Português Anónimo e Duarte Pacheco Pereira.

Não podendo ter acesso a todas estas fontes escritas em Português, quisémos assegurar, contudo, a informação das fontes mais conhecidas e mais importantes para a História dos Descobrimentos portugueses, para reunir mais informação, de acordo com as referências do mesmo estudo. Assim, referem-se ainda os seguintes textos, um escrito em italiano e os outros dois em Latim, cujos informadores foram portugueses:

- Relação das Viagens de Pedro de Sintra, de um português anónimo e do

italiano Luís de Cadamosto (1463-1465?);

- De prima inuentione Guinee…, de Diogo Gomes de Sintra, escrito em Latim

(1484-1496);

- De inuentione Africae…, do alemão Jerónimo Monetário, escrito em Latim

(1495?).

De todas estas fontes escritas, sobre os Descobrimentos e várias viagens promovidas pelo Estado Português naquele período de tempo, consultámos com maior preocupação e regularidade, não só por razões de maior acessibilidade mas também pelo seu significado e importância histórica, as que a seguir se indicam:

- Crónica dos Feitos da Guiné, de Gomes Eanes de Zurara (1453-1460?);

- Relação das Viagens de Pedro de Sintra, de um português anónimo e do

italiano Luís de Cadamosto (1463-1465?);

- De prima inuentione Guinee…, de Diogo Gomes de Sintra, escrito em Latim (1484-1496);

- Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira (1505-1508).

Explorámos também a informação dada por viajantes que, à época, estavam declaradamente ao serviço do Infante D. Henrique e do Estado Português:

- Carta, Usodimare, (1455);

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Além destes, acrescentamos outros títulos, que não figuram naquele estudo, referentes a uma época mais tardia, que nos permitiram observar a evolução da presença e da influência portuguesas até aos finais do século XVII, de entre os quais analisámos com maior atenção a “Discripção da Costa de Guine e Situação de todos os Portos e

Rios della, e Roteyro para se Poderem Navegar todos seus Rios”, de Francisco de

Lemos Coelho, um relato, escrito na ilha de Santiago de Cabo Verde, em 1684, redigido por um capitão português, sobre a sua própria vivência nestes lugares, ao longo de mais de duas décadas.

Continua a ser necessário consultar as fontes escritas, mas também é indispensável desenvolver métodos e realizar estudos científicos sobre as marcas arqueológicas que existem. Devem investigar-se os vestígios visíveis e analisar-se as culturas hoje existentes, transmitidas sobretudo pela tradição oral. A recolha de dados é muito importante para África, para se compreender e se conhecer melhor, sob pena de se perderem irremediável e rapidamente, conhecidas as influências perturbadoras da globalização, hoje idênticas em todo o mundo, questionando as especificidaddes culturais dos povos. A transmissão oral da História tem imensas limitações, sabemos que aquilo que não se regista, por escrito ou por outra forma material, ou se perde ou se transforma. Diz o povo, em língua portuguesa, que “quem conta um conto, acrescenta um ponto”. Sabemos que é verdade, pois conhecemos esses fenómenos pela nossa própria experiência do quotidiano, que não difere das outras culturas, nem da africana; por muito que se queiram defender as memórias da cultura de transmissão oral, nunca se poderá aprofundar o conhecimento do passado se não se recorrer a outras fontes e a outros métodos para a recolha de dados. Muita informação se perdeu com o passar dos tempos. Nem os próprios africanos podem garantir ou afirmar toda a história do passado das gerações anteriores. A História de África continua por detrás de uma enorme e densa obscuridade.

1.1. Perspectiva Histórica da Senegâmbia

Embora percorrendo, como pioneiros europeus, toda a costa ocidental africana, os portugueses concentraram as suas actividades na faixa a Sul do Cabo Verde – onde se encontra a actual capital, Dacar. Esta área é designada por Senegâmbia e pertenceu, durante séculos, ao Estado do Gabú e pequenos reinos a ele ligados.

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A compreensão da evolução política do reino do Gabú, das suas relações com os vizinhos – e, em particular, com o Fouta – e do conflito entre o animismo autóctone e a islamização exógena, são importantes para a análise do quadro geopolítico encontrado pelos portugueses e da sua evolução até à situação política, étnica, linguística e cultural actuais.

Fundado no século IV pelos berberes, o império do Gana8 tornar-se-ia um território próspero ao longo dos séculos, graças ao comércio transariano dos escravos, do sal e do ouro. Estendia-se do Senegal ao Níger, passando pelo Sul da Mauritânia. Koumbi Saleh seria a capital, situada ao Sul da Mauritânia actual, uma cidade florescente. Parece que o Gana animista manifestava uma grande tolerância para com os muçulmanos, dado que a sua capital tinha uma dúzia de mesquitas. Audaghost (hoje Tegdaoust), outra cidade da Mauritânia, era também uma cidade de caravanas próspera. O ouro do Gana era trocado por tecidos, armas, vidraria e cerâmica com o mundo muçulmano, por intermédio dos berberes, donos de dromedários. Contudo, o crescimento económico provocou a reacção dos berberes nómadas que se aliaram aos almorávidas, tomaram e queimaram Audaghost (1054) e lançaram a “jihad” - guerra santa – contra o Gana animista. O Império do Gana sobreviveria até ao século XIII, antes de ser anexado ao Império do Mali. Uma das principais consequências para a região foi a conversão ao Islão da maior parte da população.

Os antepassados dos sérères, jalofos, toucouleurs e peuls estariam implantados entre o Tagant e o Adrar (ou seja, na actual Mauritânia) e participariam na intensa actividade do reino de Tekrour, a Ocidente do império do Gana, em ambas as margens do troço médio do rio Senegal (correspondendo, grosso modo, à Mauritânia e à actual área do Fouta Toro, ou seja, a margem esquerda do Senegal médio), que se tornou um grande eixo do comércio transariano de escravos, de ouro e de sal. As primeiras referências ao Tekrour surgem em crónicas árabes do século IX, e terá sido fundado pelos peuls vindos do Norte. Em conflito com o Gana, terá abraçado a causa dos almorávidas (1040) e terá sido o primeiro reino subsariano a converter-se ao Islão. Mais tarde, viria a cair sob o domínio do império do Mali, mas sempre conservando um estatuto particular, em grande parte devido ao respeito que detinham os toucouleurs

8 “Ghana” significa “chefe de guerra dotado de um poder sobrenatural” em língua mande. Contudo, o rei

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junto dos outros povos, por terem sido os primeiros a islamizar-se. Mais tarde, a sua importância viria a diminuir com a emergência do Jalofo e do Cayor.

Mapa 1: O Senegal pré-colonial do séc. XV ao séc XVIII9

O Cayor era um pequeno reino situado entre a foz do rio Senegal e a península do Cabo-Verde. Quando Cadamosto10 menciona a sua existência, em 1450, o Cayor está dependente do reino do Jalofo; mas, no final do século XVI, aproveitando a queda do império Songai11, o chefe Detye Fu-Ndiogu proclamou-se rei do Cayor que, situado na

9 « Les Atlas de l’Afrique, Sénégal », Les éditions Jeune Afrique, 5ª ed. Paris, 2000

10 L. de CADAMOSTO e P. de SINTRA (1463-1465?); vide CADAMOSTO, Luís de, Viagens de Luís

de Cadamosto e de Pedro de Sintra, Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1988, pp. 116 e ss

11 No século XVI, estendia-se do Senegal até à curva do Níger e desapareceu neste século. O povo Songai

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costa, foi o primeiro a beneficiar das relações comerciais com os europeus que ali procuravam peles, ouro, marfim e escravos capturados nas regiões limítrofes. Apesar de tentativas diversas, nunca conseguiu anexar o Baol, a Sul, e teve relações difíceis com os vizinhos, tendo sofrido uma derrota severa pelos lébous de Dacar, no Século XVII. Aliás, no final desse século, o Cayor estava preso entre dois vizinhos poderosos: os franceses, a Norte (Saint-Louis) e a Sul (Dacar) e os toucouleurs do Fouta Toro que promoviam a guerra santa - tendo já previamente derrotado a dinastia diananké do Jalofo – e que acabaram por invadir e converter os seus habitantes. Em 1886, com a morte do seu chefe Lat Dior, da responsabilidade dos franceses, o reino do Cayor desapareceu.

O Jalofo nasceu da vontade de separação do Tekrour por Ndiadiane Ndiaye, no final do século XIV, para estender os seus domínios na direcção do Sudoeste, englobando pequenos domínios como o Walo, o Cayor, o Baol e o Sine Saloum. A sociedade era dominada pelo rei (“bour”), seguindo-se-lhe os nobres, os homens livres, as gentes de casta (ferreiros, tecelães, “griots” – trovadores) e os escravos. Estes eram rapidamente integrados na sociedade por via de casamentos e adopções. A sucessão era, matrilinear e o reino foi por vezes dirigido por princesas (“linguères”). A desagregação do Jalofo começou com a secessão do Cayor, em 1566, seguindo-se-lhe outros reinos vassalos e o estabelecimento dos franceses na foz e na costa do Senegal. O Jalofo deu origem aos wolofs, a maior etnia do Senegal actual.

O Mali, pequeno Estado malinké, existiria desde o século XI. Muito ligados à sua cultura e ao animismo, os malinkés viveram muito tempo da caça e da agricultura. Mas a extensão da escravatura árabe provocava êxodos muito importantes de populações, em particular do reino do Gana. Conta-se que Soundjata, o herói lendário cantado pelos “griots” malinkés, após a conquista de Kirina, em meados do século XIII, estendera o seu império pela conquista, ordenara prospecções auríferas e criara, em cada região, forças militares para fazer reinar a ordem, a segurança e a justiça. De campo de captura privilegiado para os esclavagistas, o Mali tornar-se-ia um Estado respeitado por todos. O império ocuparia, nessa altura, uma área compreendida entre o Atlântico e a embocadura do Níger. O comércio transariano apresentaria um crescimento prodigioso. Assim, expandia-se uma civilização cujas principais cidades eram Niani, Kansala, Tombuctu, Oualata, Djenné e Gao. A partir do século XIV, várias revoltas terão eclodido sucessivamente, até à queda do império, em meados do século XVII.

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Por outro lado, parece que também os lugares, os vestígios pré-históricos e os dados fornecidos pela tradição oral permitem pensar que o povoamento do território do Senegal, em épocas anteriores à chegada dos europeus, se efectuou a partir do Norte e do Leste com a chegada de muitas vagas migratórias. As últimas grandes migrações terão sido as dos jalofos, dos mandingas, dos peuls e dos sérères, pertencendo todos a

um grupo designado Bafour12, cuja expansão em vários ramos parece estar

correlacionada com a pressão almorávida. Assim, a História do Senegal pré-colonial caracteriza-se pela existência de reinos e de Estados que foram progressivamente divididos ou desintegrados.

Alguns pesquisadores incluem as populações da Senegâmbia no grupo de línguas atlântico-ocidental, por oposição ao grupo “sudanês” (peuls, toucouleurs, wolofs…).

Grande parte dos povos do grupo atlântico-ocidental (bainouks, balantas, beafadas, papel, para o grupo atlântico, e bassaris, koniaguis, badiarankés, pajadinkas para o grupo continental, no interior) têm estruturas matrilineares (ao contrário dos povos “sudaneses”) e terão sido os primitivos e responsáveis da civilização megalítica de que subsistem testemunhos no Siné-Saloum.

Os bainouks são, aliás, considerados os “mestres do solo” pelas outras etnias e, à data das invasões mandingas, seriam os únicos com reinos constituídos ou, pelo menos, com capacidade de resistência. Também os balantas e os diolas seriam anteriores aos demais povos, na Casamansa. De facto, o Pakao, o Djassi, o Boudhié, o Balmadou eram territórios povoados por bainouks e balantas.13 No século XIX, os bainouks da Baixa Casamansa terão sido em grande parte assimilados pelos malinkés (mandingas). Quanto aos balantas, os residentes da margem direita do rio Geba, ter-se-ão integralmente diluído nos mandingas, enquanto que os da margem esquerda terão permanecido irredutíveis e atacavam mesmo os primeiros.

Os mandingas, em geral, teriam já uma ocupação antiga (anterior ao século XIII e confirmada pelas conquistas de Tiramaghan, às ordens do mítico Soundjata, por volta de 1240) da área entre a península do Cabo Verde e a Gâmbia, de acordo com as tradições wolof, lébou ou sérère. Contudo, esses mandingas seriam oriundos do país

12 THIAM, Iba Der, “Préhistoire et histoire”, in Les Atlas de l’Afrique, Sénégal, Les éditions Jeune

Afrique, 5ª ed., Paris, 2000

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Soninké (no Sudeste do actual Senegal e no Sudoeste do Mali), como atesta a presença dos patrónimos Diafounou ou Wagadou, nas linhagens nobres.

Em termos gerais, o Gabú terá conhecido quatro fases históricas:

1. Um período pré-mandinga, das origens ao Século XIII, testemunhada pelas tradições sérères e wolofs, a Norte, e pelas badiarankés e bainouks, a Sul.

2. O período maliano, de 1240 ao desaparecimento do império, no século XVII, durante o qual é constituído o Gabú e criada uma capital, Kansala (hoje desaparecida).

3. O Gabú independente cujo apogeu ocorreu no século XVIII, com o tráfico negreiro (1650-1790).

4. O declínio e queda, entre 1790 e 1867.

Mapa 2: O Gabú no séc. XVIII14

A história do povoamento do Senegal é também a do relacionamento entre o Fouta e o Gabú e, em particular, dos seus conflitos que, mais do que religiosos (o Fouta é sobretudo representado pelos peuls muçulmanos), foram de luta política pelo domínio da sub-região: atraídos pela prosperidade do Gabú, obtida através do tráfico negreiro, o reino teocrático do Fouta Djalon procurou dominar os pequenos reinos costeiros de Baga e Nalou (Rios Pongo e Nunes) e sentiram-se atraídos pelas praças de Bissau,

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Cacheu, da Gâmbia e de Seju (actual Sédhiou, na Casamansa). A queda de Kansala e a derrota do Gabú teve, como primeira grande consequência, a islamização da região; logo de seguida, ocorreram as conquistas coloniais, com efectiva ocupação dos territórios.

O contacto entre os mandingas (incluindo socés, soninkés e malinkés) e as populações da Senegâmbia é antigo e difícil de determinar. As tradições orais do Siné dão unanimemente conta da presença, no local, de populações mandingas15 quando os sérères chegaram do Fouta Toro (nos Séculos XI-XII, provavelmente no rescaldo das guerras religiosas entre muçulmanos e animistas desencadeadas pelos almorávidas nas províncias ocidentais do Gana)16 e distinguem esse povoamento mais antigo de outro, mais recente, ao tempo do reino do Mali. Os sérères rechaçaram ou assimilaram aqueles mandingas e constituíram-se como “guélowars” (a aristocracia local).

A vaga “maliana”, a partir do século XIII, é mais facilmente reconhecível pelo facto de as famílias provenientes do Wagadou (“império do Gana”, em Soninké) terem conservado o nome do seu país de origem, uma prática corrente na África ocidental, como refere Djibril Niane que assinala, também, o hábito mandinga de chamar os

estrangeiros pelo nome dos seus países.17 A origem da migração do General

Tiramaghan18, com uma comitiva de cerca de cem mil pessoas, está ainda por explicar, mas uma tradição oral refere que se terá devido à recusa daquele de acompanhar o “mansa” (rei) Soundjata19 na conversão ao Islamismo, o que justificaria o facto de os mandingas daquela região se manterem animistas até ao princípio do século XX, apesar da pressão peul. As áreas conquistadas por Tiramaghan, a Sul, adquiriram o nome de Gabú. Os efeitos desta campanha nas nomenclaturas são interessantes: à medida que os exércitos chegavam a localidades, certas famílias ficavam ali estabelecidas, geralmente por decisão do próprio Tiramaghan; assim, a Norte, o patrónimo “Sylla” (do General sarakholé Lamine Sylla) foi integrado pelos wolofs, enquanto que, no outro extremo, a

15 Chamados de “Socés” no Sine e no Jalofo 16 D. T. NIANE, Op. Cit., pp. 16-17 17 D. T. NIANE, Op. Cit., pp. 16-17

18 Terá ocorrido por volta de 1250; vide D. T. NIANE, Op. Cit., pp. 13, e NANTET, Bernard,

Dictionnaire de l’Afrique, Histoire Civilisation Actualité, Larousse, Paris, 2006, « Mali (Empire du)».

19 Soundjata foi o mais notável rei do Mali. De acordo com a lenda, os animistas que fugiam dos

almorávidas foram recolhidos pelo rei do Sosso que, no entanto, tentou matar os doze príncipes do reino do Mali. Apenas sobreviveu Soundjata que conseguiria, mais tarde, unir os chefes de clãs malinkés através da admiração pelas suas façanhas, liderar as conquistas dos reinos do Gana e do Sosso e reformar profundamente o ordenamento político-social da África ocidental. Vide D. T. NIANE, Op. Cit., pp. 13 e ss, e B. NANTET, Op. Cit., « Mali (Empire du)»

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Sul do rio Gâmbia, instalou as famílias Keita e Diatta que viriam, por vezes, a juntar aos seus nomes o patrónimo Manjang.

Por volta de 1450, dois séculos após a expedição de Tiramaghan, as províncias ocidentais tinham um claro domínio mandinga. O povoamento malinké era denso ao longo dos rios Gâmbia e Casamansa, até aos confins do Fouta Djalon. Assim, a maior parte dos povos da Alta e Média Casamansa – baïnouks, balantas, badiarankés, etc – poderia considerar-se mandinga. De resto, os navegadores portugueses incluíam todos os povos da Casamansa, incluindo os diolas, na categoria dos mandingas. Contudo, os mandingas não impuseram a sua língua, embora os chefes diolas a utilizassem para fins comerciais.

A chegada dos portugueses foi um acontecimento maior na História da região; num primeiro momento atribulada, com notórias dificuldades de comunicação, desconfiança e violência, rapidamente a relação com os autóctones melhorou, quando estes perceberam que os portugueses procuravam, sobretudo, comerciar.

Um conjunto de circunstâncias auxiliou o rápido estabelecimento de relações comerciais profícuas: em 1433 os tuaregs conquistaram Tombuctou e expulsaram a guarnição malinké; de 1462 a 1492 os songai revoltaram-se, conquistaram a área meridional do Níger, até ao delta interior e conquistaram Djenné; os malinkés viram, assim, cortado o acesso às pistas sarianas mas tinham ainda o controlo das regiões auríferas de Bouré e Bambouk; ainda tentaram reanimar a pista ocidental com destino a Sidjilmassa, em Marrocos (passando pela feitoria portuguesa de Ouadane20), mas esta cidade estava em declínio após a deslocação para o Cairo do eixo comercial do mundo muçulmano. É neste contexto que se ouve falar, por volta de 1445, da chegada de uns brancos em navios gigantes; e quando, em 1456, Diogo Gomes subiu o rio Gâmbia21, tendo já estabelecido boas relações com os autóctones, foi recebido pelo rei do Bintang e fez a paz com o “mansa” do Niomi, o Manding-Mansa (rei dos mandingas) deu ordem aos mercadores das margens do Níger para dirigirem as suas caravanas para Oeste. Os portugueses tornaram-se rapidamente familiares de todo o universo mandinga, com uma predilecção pelas regiões da Casamansa, Cacheu e Rio Grande. Grandes caravanas partiam do Manding, para viagens que podiam durar quatro a seis meses, atravessavam

20 Ouadane integra um triângulo de três cidades históricas do Leste da Mauritânia, com Atar e Chinguetti.

Era a feitoria portuguesa mais afastada da costa Atlântica e a localidade, inscrita como Património Mundial da UNESCO, foi restaurada entre 2004 e 2006 com apoio financeiro do Estado português.

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o Diarra, o Bambouk e encontravam os portugueses no Cantor ou no Woulli. Este comércio permitia ao Manding-Mansa e à sua corte receberem directamente produtos manufacturados europeus, a um preço dez vezes inferior ao praticado pelos intermediários árabes. Do seu lado, os portugueses recebiam o ouro maliano praticamente na fonte, dispensando a mediação onerosa dos árabes. No início, o ouro seria o bem mais procurado pelos portugueses, seguindo-se-lhe as especiarias e, apenas em terceiro lugar, os escravos.22 Os “mansa” e os “farins” – chefes locais - da Gâmbia e da Casamansa foram, na verdade, os grandes beneficiários do comércio com os portugueses, cabendo apenas ao Manding-Mansa o rendimento dos direitos sobre o comércio do ouro.

Ao contrário dos flups e dos balantas que se mostraram muito reticentes ao contacto com os portugueses, os vizinhos kassangas entregaram-se ao comércio e mesmo a uma certa ocidentalização, patente no fausto da corte do rei Massa Tamba23, conquistador do reino dos bainouks, que trocava um bom cavalo por dez a quinze negros.24 Ora, segundo o mesmo autor, Massa Tamba disporia de uma cavalaria de

cinco mil cavalos…

Os portugueses fixaram-se em número significativo na Casamansa, no Cacheu e no Rio Grande, sendo a sua principal base Toubaboudaga, próxima de Brikama (na actual Gâmbia), a capital de Massa Tamba. Contudo, no Século XVI, a base principal dos portugueses era o arquipélago de Cabo Verde.

O desenvolvimento do comércio com os portugueses e a dinamização das feiras situadas nas rotas para a costa aceleraram o movimento migratório para Ocidente iniciado pelos malinkés; por sua vez, o comércio de escravos tornou-se a principal actividade comercial entre europeus e soberanos da costa, os quais tiveram tendência para se libertarem da vassalagem ao Manding Mansa, emancipando-se.

Os malinkés misturaram-se com as populações locais (bassaris e bainouks, essencialmente, mas não só) e souberam beneficiar do costume local de transmissão da herança do tio aos sobrinhos, filhos da irmã. Para tal, adoptavam também o nome do clã materno e tornavam-se, deste modo, donos legítimos do Gabú; deste modo, nomes malinkés foram sendo substituídos por outros: Traoré (clã de Tiramaghan) deu lugar a

22 D. T. NIANE, Op. Cit., pp. 31

23 Massa Tamba chegou mesmo a criar uma aldeia para brancos, junto à capital Brikama, em 1580, vide

D. T. NIANE, Op. Cit., pp. 32

24 A. DONELHA (1625); vide DONELHA, André, Descrição da Serra Leoa e dos rios de Guiné e do

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Sane e Mané, Keita (clã de Mansa Wali, filho de Soundjata que acompanhou Tiramaghan) foi substituído por Sagna e Mandjan, etc. Contudo, os mandingas que chegaram mais tarde – sobretudo os muçulmanos, que não adoptaram o regime familiar local – guardaram os nomes originais (Cissé, Touré, Diané, Diaby, Dabo, Souaré). Os muçulmanos não faziam parte da comitiva de Tiramaghan mas, na sua crónica, André Donelha já refere o seu grande número.

A data de chegada dos pastores peuls à Senegâmbia também não está rigorosamente determinada: terão vindo na comitiva de Tiramaghan, ou antes? Sabemos apenas que os dois povos viviam juntos no Wagadou e no Manding, ao tempo de Soundjata. Em regra, os peuls acampavam ao lado das aldeias de agricultores, beneficiando do pasto das terras em pousio e estrumando-as; respeitavam as autoridades locais e não tinham ambições políticas; esta seria uma regra geral de comportamento, que os levava a ser bem aceites pelos agricultores.

Contudo, nos Séculos XV e XVI os peuls transformar-se-iam em ferozes guerreiros, pondo em risco o Império do Mali e as províncias da Senegâmbia. Ignora-se o motivo pelo qual, em 1460, os peuls invadiram as províncias ocidentais, embora se acredite25 que tenha a ver com os conflitos no delta interior do Níger entre os mandingas, os songai e os tuaregs. André Donelha refere um rei dos Fulos muito belicoso que saiu da cidade de Fouta e decidiu conquistar grande parte da Guiné”. Este rei, Dulo (ou Diallo) Demba atravessou o rio Senegal, vindo de Leste, penetrou no Jalofo onde derrotou os wolofs em diversas batalhas e atingiu a Gâmbia. Os malinkés não contiveram esta investida dos peuls que atravessaram o Gabú, atingiram o Rio Grande e chegaram às portas do reino Beafada, cujos reis os detiveram. Não obstante, os peuls, animistas como as populações autóctones, integraram-se facilmente com estas.

O primeiro grande chefe dos peuls foi Tenguella Diadié Bah que, contornando o Gabú pelo Leste, atravessou o rio Senegal com o seu exército e, com o apoio dos bambaras, empreendeu a conquista do Bambouk e do reino de Diarra. O Manding Mansa, Mahmoud II, solicitou a ajuda militar de D. João II26 que enviou uma embaixada a Niani, em 1490, chefiada por Pêro de Évora e Gonçalo Eanes. Contudo, embora a comitiva presenteasse o Manding Mansa, com ofertas dignas de um grande soberano, Portugal não deu apoio militar, eventualmente porque cedo se apercebera de

25 LY-TALL, Madina, L’Empire du Mali, N.E.A, Dakar / Abidjan, 1977, pp. 48

26 BARROS, João de, Décadas da Ásia, public. Hernâni Cidade, Agência das Colónias, Lisboa, 1945, e

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que o poder do Mansa era mais simbólico do que real27. O perigo acabaria por ser afastado graças aos songhai – também atraídos pelo comércio atlântico – que derrotaram Tenguella Bah, em Diarra, em 1512. Uma nova investida, em 1535, liderada por Koly Tenguella (filho de Tenguella Diadié Bah e que talvez tenha ficado para a História como o maior chefe peul), daria origem a um novo pedido de apoio de Mansa Mahmoud III, neto de Mahmoud II, a Portugal que, novamente, enviou uma embaixada mas não deu qualquer apoio militar. Das movimentações de Koly Tenguella ficou, entre outros aspectos, o patrónimo Bâ na Casamansa, na Gâmbia e na Guiné.

Em 1625, o Manding Mansa detinha ainda um poder quase lendário mas emergia, na costa, o reino do Gabú, cujo Governador, ou Farim Cabo, se tornou o “Gabou mansa-ba, senhor de todos os reis Mandingas e dos Jalofos, Berbecins e de diversos reis estabelecidos do lado Norte”28. É provável que este domínio chegasse ao Siné até ao século XVII, quando as províncias gambianas se emanciparam do Gabú. No século XVIII, parece que o Mansa-ba dispunha de um grande corpo de fuzileiros bem armados, porquanto, observador não só dos conflitos que opunham brancos portugueses, franceses e ingleses, mas também das incursões esporádicas de holandeses e dinamarqueses, estava ciente de que só com uma forte organização poderia tirar proveito do comércio com os europeus. O Mansa-ba seria o mais importante fornecedor de escravos cujo efectivo rondava, anualmente, três a cinco mil.

No final do século XVI, o Gabú tornara-se um Estado guerreiro e uma área de passagem das caravanas. Ao longo das pistas para a costa surgiram numerosas aldeias de mercadores, os morocounda, termo que vem do facto de lidarem com comerciantes “mouros” (muçulmanos malinkés ou sarakholés). Os diolas eram os maiores mercadores, tinham entrepostos seguros nas aldeias, onde pernoitavam e deixavam os seus feridos, e formavam sociedades familiares: os parentes, dispersos pelas aldeias, comunicavam entre si através de mensageiros. As mercadorias eram transportadas em pequenas etapas até aos portos e esta forma de agir contribuía certamente para reforçar os fortes laços que uniam os clãs diolas entre si.

Os diolas estavam presentes em todo o Gabú e, a partir de certa altura, eram apenas concorrenciados, seriamente, pelos lançados. As feiras, que os diolas animavam, tinham por vezes uma dimensão apreciável, como o mercado semanal de Cacheu, entre

27 D. T. NIANE, Op. Cit., pp. 61

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Novembro e Junho, ao qual acorreriam sete a oito mil pessoas para trocarem mercadorias locais e portuguesas.

No final do Século XVII, o domínio português na Casamansa era já posto em questão pelos franceses e ingleses; contudo, se estes conseguiram dominar as águas gambianas, havia fortes resistências a Sul. As feitorias de Bissau, Cacheu e Farim eram palco de constantes transações. E os beafadas de Cacheu preferiram, a dado momento, os franceses aos portugueses, enquanto os diolas, malinkés e sarakholés mantiveram as suas relações, vendendo ferro e algodão.

No século XVIII, os grumetes (filhos de portugueses e africanas) povoavam todos os rios, formando uma classe sócio-profissional de comerciantes.29 Misturados com as populações locais e partilhando os seus hábitos, vivendo em condições de grande insalubridade, formaram uma sociedade intermediária e o Português, combinado com as línguas locais, deu origem ao crioulo. Os diolas, que, como vimos, eram os rivais dos lançados, aprenderam a falar Português, Francês ou Inglês.

Até à queda do reino do Gabú, o animismo permaneceu a sua crença oficial. Por oposição ao “moro” (mouro), chamava-se soninké ao malinké que pratica o culto tradicional e bebe vinho. Mas, no século XIX, os muçulmanos eram já muitos e procuravam libertar-se da autoridade dos que bebiam vinho. Por fim, a queda de Kansala, em 1867, marcou o fim do reino do Gabú e trouxe a destruição das florestas sagradas e a islamização generalizada dos gabounkés, o que levou, também, à transmissão do poder dos nobres (“nianthio”, em Mandinga), de pais para filhos e não de tios para sobrinhos.

Em 1725 os peuls fundaram o Estado muçulmano do Fouta Djalon. A infiltração peul nas montanhas, propícias à pastorícia transumante, começara provavelmente no século XIII e intensificara-se no século XVII. No início do século XVIII, os peuls eram já suficientemente numerosos para conspirarem contra os chefes djalonkés animistas que derrotaram finalmente em Talansan, em 1730. Os vencedores peuls organizaram um novo poder, reduzindo os anteriores senhores à escravatura. Os chefes religiosos que tinham dirigido a insurreição tornaram-se os novos chefes das províncias. Deu-se, assim, uma alteração radical no quadro geopolítico regional, o aparecimento de um Estado muçulmano no seio dos vizinhos animistas. Contudo, a situação não seria bem aceite pelos djalonkés que passaram a organizar acções de guerrilha contra as aldeias

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peuls e a aristocracia guerreira dos “marabouts” durante quase toda a segunda metade do século XVIII. Entre 1784 e 1789, todo o Fouta foi assolado por uma guerra violenta, resultante de um levantamento de animistas, com um exército tão vasto que certas tradições chegam a estimá-lo composto por quatrocentos mil homens (o que é certamente um exagero mas transmite uma noção da sua dimensão), que reagiram às campanhas dos “almany” (chefes dos peuls) Karamoko Alfa (contra o Gabú e Konkodougou) e Ibrahima Sory Maoudo (para Leste), demasiado destrutivas e frequentes contra as suas aldeias. Os animistas (incluindo peuls não islamizados), conduzidos por Koné Bouréma Sidibé quase exterminaram os muçulmanos mas, confiantes na vitória definitiva, não perseguiram nem capturaram Sory Maoudo que conseguiu reunir tropas e contra-atacar Kondé Bouréma em plena estação das chuvas, vencendo-o. O Fouta estava salvo, e os peuls prepararam um exército forte, condição de sobrevivência necessária do Estado muçulmano rodeado por vizinhos animistas.

No final do século XVIII, o Fouta Toro torna-se também um reino teocrático, com a vitória dos torodbés, tal como o Boundou e o Fouta Djalon. E, se a aristocracia demonstra o seu apego às práticas religiosas tradicionais, as massas camponesas acentuam a sua conversão ao Islão.

Os Estados gabounké e peul apresentavam semelhanças, sendo ambos federações de provínicas autónomas e, tal como os primeiros, os peuls limitaram-se a dotar-se de um poder central forte. Mas os gabounkés permaneceram, em geral, camponeses misturados com os autóctones bainouks, diolas e beafadas, adoptando inclusive os nomes destes. Ao contrário dos mandingas, os peuls, que permaneceram pastores transumantes durante muito tempo, acabaram também por se sedentarizar em aldeias “foulasso” ou “foulacounda”, mas ocuparam as terras dos autóctones (djalonkés, bagas e sares) e reduziram estes povos à escravatura. Ainda assim, com o tempo, os peuls acabaram por se miscigenar com os autóctones, procurando impor, contudo, a sua língua, o pulaar, e a sua cultura; e se, num primeiro tempo, concederam o estatuto de homens livres aos vencidos islamizados, os peuls acabaram por travar a conversão30, optando por manter os autóctones nas suas crenças tradicionais e na situação de escravatura.

No início do século XIX, o Estado peul consolida-se através de uma sociedade fortemente hirarquizada, dominada por uma aristocracia de “marabouts” guerreiros; em

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cada província (“diwal”) as “paróquias” (“missidé”) organizam em seu redor um conjunto de territórios e aldeias (“roundé” e “foulasso”). Os vencidos eram cerca de três quartos da população mas não tinham quaisquer direitos políticos; os peuls pobres e os convertidos podiam deslocar-se entre “missidés”, mas os djalonkés, quais servos da gleba, não podiam sair dos “roundés”. Os aristocratas distinguiam-se em dois estratos, os guerreiros e os letrados – estes eram particularmente numerosos em Labé, na actual República da Guiné (Conacri). O almany era eleito por um colégio de letrados e de chefes de guerra das nove províncias31, residia em Timbo, era simultaneamente chefe religioso e temporal da confederação e dirigia pessoalmente a djihad fora do Fouta. Por último, dois clãs, os Alfaya e os Soriya, alternavam no poder de dois em dois anos, uma prática aparentemente copiada aos gabounkés32.

Entre 1799 e 1870 o Fouta viveu um período estável, embora Estados animistas como Solima, Sankaran e Tamba o tenham atacado regularmente e, sobretudo, apesar de algumas dificuldades internas como a oposição dos muçulmanos ortodoxos da confraria Kadiryia33 aos almany do Fouta e de Timbo. Este núcleo de resistência (a sua capital,

Boketo, só foi conquistada e destruída em 1884) na estrada entre Timbo e a actual Freetown, terá levado os almany a intensificarem as suas campanhas a Norte, contra o Gabú que dominava o território entre a Gambia e o Rio Nunes.

O Fouta Djalon desempenhava um papel relevante na vida económica da sub-região da Guiné-Gâmbia, enquanto centro de comércio de gado, de cereais, de algodão e de mel, e mercado de escravos. Os ingleses (em Freetown), os franceses (junto aos rios Nunes e Pongo) e os portugueses (há muito estabelecidos nos estuários dos rios Grande e Casamansa) competiam na atracção das caravanas que provinham do Fouta.

A partir de 1830, os franceses e ingleses passam a ter o objectivo de levar o trabalho a África, já que não era mais possível trazer mão-de-obra, por causa da industrialização que deixava de requerer aquela de modo tão intensivo. Assim, iniciaram uma nova política agrícola, distribuindo sementes de amendoim e de algodão, o que dinamizou de novo o comércio.

31 As nove províncias eram Timbo, Fodé Hadji, Kébali, Labé, Kolladé, Koin, Timbi, Fougoumba e Bhuria 32 D. T. NIANE, Op. Cit., pp 131

33 Confraria ainda hoje presente na África ocidental, fundada no Iraque por Abd al-Qadir al-Jilani, no

século XII, com vista a converter os povos ao verdadeiro islamismo. Vide THORAVAL, Yves, L’ABCdaire de l’Islam, Ed. Flammarion, Paris, 2003, pp. 49, e BARRY, Boubacar, La Sénégambie du XVe au XIXe Siècle, L’Harmattan, 1988

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Por volta de 1840, o Gabú está em crise: os franceses estabelecem-se na Casamansa, o Fouta Djalon tem, em Sédhiou, um porto de escoamento para as suas mercadorias, dispensando as caravanas de seguirem até à Gambia e os almany esforçam-se por controlar as pistas de caravanas que atravessam o Gabú. Em 1845, subiu ao trono o mansa-ba Dianké Wali, o último rei dos gabounkés. Com Wali, o Gabú conheceria um sobressalto de poder e de reorganização que culminaria com o ataque a Manda e a destruição integral desta cidade peul. Desde o final do Século XVIII nenhum exército gabounké tinha conseguido passar o Koliba e guerrear no Fouta. Mas em 1849, o novo almany Oumar, desejoso de vingar a incursão de Manda, proclamou a guerra santa e mobilizou um exército de seis mil homens, incluindo uma numerosa cavalaria de mais de três mil cavalos. A batalha de Bérékolon concluiu-se ao fim de cinco dias com a vitória peul, mas estes, consideravelmente enfraquecidos, retornaram ao Fouta com menos de metade dos efectivos.

Em 1850, o Gabú, que perdera o mito da invencibilidade, sofre com as incursões peuls, com as sublevações dos muçulmanos e com a implantação cada vez mais forte dos europeus na Senegâmbia. Kansala já não controlava, por exemplo, as províncias do rio Geba, na actual Guiné-Bissau, nem as vias para Cacheu e Farim. O reino era ainda grande, mas encontrava-se dividido pelas guerras e minado por dentro, não pelo peul mas pelo muçulmano malinké, aliado natural do Fouta.

Do seu lado, as provínicas malinkés da margem Norte do rio Gambia separaram-se do Gabounké, embora separaram-sendo consideradas territórios de Tiramaghan34. Assim, nos séculos XVII e XVIII, os reinos do Badibou, do Niani e do Wouli teriam uma grande autonomia.

Os reis de Niomi vigiam com severidade o acesso ao Gâmbia, não hesitando em recorrer à força, a única prática respeitada pelos mercadores. Contudo, o reino declina no final do século XVIII e as rivalidades exacerbam-se. Ao contrário, o Saloum vive nesse tempo um período de expansão, impõe-se, ganha um acesso directo ao Gâmbia e entra no comércio de escravos. Os muçulmanos são cada vez em maior número na área do Gâmbia, tomam consciência da sua força e tentam mesmo ingerir-se nos assuntos do Estado. Em consequência da pressão muçulmana, o Niani divide-se em dois reinos, no início do século XIX, o Alto e o Baixo Niani, cujos princípes se guerreiam. Entretanto,

34 Segundo Djibril Tamsir Niane, esses territórios terão sido, na verdade, domínio de expansão de tropas

não comandadas por Tiramaghan, seriam posteriores à invasão deste. Subsiste, no entanto, um grande desconhecimento em relação a todo este período

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os peuls e os jalofos, atraídos pelo comércio de escravos, fundaram diversas aldeias, entregaram-se à cultura de amendoim e colocaram-se sob a protecção dos milicianos dos negociantes, com os quais lidam directamente. Por fim, um chefe religioso (um

marabout) toucouleur, Maba Diakhou-Ba, decidiu levantar armas em nome do Islão e

impor-se ao Niani e ao Badibou35.

O reino do Wouli, o mais extenso dos gambianos, também não escapou aos efeitos do comércio de escravos. Os ingleses mantinham pelo menos desde o século XVIII feitorias em Fatatenda e Yarboutenda que se tornaram pólos de atracção de malinkés e de sarakolés. Os soninkés governavam sem trabalhar, desprezavam ostensivamente os muçulmanos o que, também aqui, acabou por provocar a revolta destes contra a aristocracia tradicional, ociosa e parasitária.

Por volta de 1850, os franceses tinham conseguido tornar Sédhiou uma praça comercial mais importante do que as de Ziguinchor e de Cacheu, controladas pelos portugueses, mas a influência portuguesa estava ainda bem presente sob forma do crioulo: «En 1849, le nouveau résident Emmanuel Bertrand-Bocandé nous a laissé de fort riches Notes sur la Guinée Portugaise ou Sénégambie méridionale. Ayant appris le créole portugais et le malinké, il avait une grande expérience des pays mandingues»36. Ou seja, as duas línguas francas nos territórios mandingas eram o malinké, naturalmente, e o crioulo do Português.

A desagregação lenta do reino do Gabú foi explorada pelos franceses que, a pouco e pouco, foram considerando território seu, áreas da Casamansa (Boudhié em 1849, seguida das aldeias de Patiabor, Bajari e Bunu), não sem resistências locais: soninkés, primeiro, e balantas, depois, opuseram forte resistência às forças muçulmanas aliadas dos franceses. Em 1854 os franceses aproveitaram incidentes com balantas para conquistar a margem esquerda do Casamansa, entre Binako e Bambanjon. Perante estes acontecimentos, Kansala já não tinha, de facto, qualquer autoridade ou força para reagir, tanto mais que os residentes franceses apoiavam, secretamente, os peuls do Fouta Djalon contra o poder animista.

Nos anos 1860, precipita-se a queda do Gabú, com sucessivas deserções de “nianthios” num contexto em que a guerra com o Fouta se tornara palco de complexas alianças e traições, mais ditadas por motivos políticos e económicos do que religiosos.

35 I. D. THIAM, Op. Cit.

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A terrível batalha de Kansala (dita pelos mandingas “Guerra da exterminação da raça gabounké”), em 1867, ditou a derrota definitiva do Gabú, a destruição da capital pelo próprio mansa Dianké Wali e a morte da grande maioria da sua aristocracia perante um exército peul de trinta e dois mil homens, dos quais doze mil cavaleiros, todos de branco vestidos e usando o nome de Mamadou (Maomé).

Com a conquista de Kansala, parece estar-se perante o início do domínio peul e da islamização. Contudo, a conquista colonial sobreveio pouco depois, com Portugal, a França e o Reino Unido a partilharem entre si os reinos gambianos e do Gabú.

No final do século XVIII e no início do século XIX, o Fouta Djalon tornara-se um dos centros mais importantes da cultura islâmica na África ocidental, mas o papel principal foi muitas vezes desempenhado não por peuls, mas por diakhandés e sarakolés. Os peuls tinham centros corânicos reputados em Touba (na actual Guiné Conacri37), Sombili, Koula, Daralabé e Dow Sare e recorreram ao alfabeto árabe para escrever o pulaar que se tornou, deste modo, escrita e veículo de difusão cultural e literária. Os letrados peuls escreviam tanto em pulaar como em árabe e, em Timbo ou em Labé, o Estado subvencionava os membros da classe que podiam, assim, viver exclusivamente para estudar. A escola corânica era obrigatória para todas as crianças filhas de pais livres; nela se cultivava o amor pelo bem mas, também, o ódio do animismo e o desprezo por todos os descrentes. Mais tarde, gerou-se uma tendência para um culto de superioridade sobre outras raças negras (tratadas de “balébés” – os negros38).

Uma das grandes confrarias do Senegal é a dos Mouridas, fundada por Amadou Bamba M’Backé, um marabout (chefe religioso) toucouleur falecido em 1927. Após ter feito os seus estudos junto de Cheikh Sidiya, membro eminente da grande confraria Qadiriyya ou Khadrya (ainda muito presente na sub-região e a terceira mais importante no Senegal), criou a sua própria confraria, por alegada inspiração do anjo Gabriel. O mouridismo, virado inicialmente para os jalofos, preconiza que o trabalho manual é tão importante para o discípulo (“talibé”) como a oração e esses ensinamentos são transmitidos nas “daaras” (escolas corânicas). O centro da confraria é Touba, uma cidade fundada por Amadou Bamba em 1886, a 60 km a Leste de Djourbel.

37 A cidade guineense de Touba foi o mais pujante centro de difusão corânica na sub-região, no século

XIX, sob a condução das chefias religiosas Khadrya; não confundir com a cidade senegalesa de Touba, sede da confraria mourida.

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A outra grande confraria (não se sabe, em bom rigor, qual delas é a que tem mais adeptos) é a Tidjane, fundada em 1737 por Sidi Ahmed Al Tidjani, em fés, Marrocos. A Tidjania é uma confraria sufi39 que visa uma ascenção individual pela purificação do indivíduo; repousa no ensino religioso tradicional da “sunna” (feitos e gestos do Profeta Maomé), da recitação de excertos do Corão e de textos da própria confraria. A Tidjania (também presente na Guiné-Bissau) foi difundida no Senegal e no vale do Níger pelo conquistador Toucouleur El-Hadj Omar Tall durante a guerra santa contra os animistas (1856). O seu sucessor, El-Hadj Malick Sy compreendeu a supremacia dos colonizadores e adoptou uma via pacífica. A sede da confraria é em Tivaouane, a cerca de 40 km a Norte de Thiès, na estrada que liga esta importante cidade com Saint-Louis. Os tidjanes têm um comportamento mais discreto do que os mouridas e, tal como estes, realizam uma grande peregrinação anual. No caso dos tidjanes, trata-se do Gamou que corresponde ao Maoloud, comemoração do nascimento do Profeta. Para os mouridas, é o Magal, comemorando o dia do regresso do exílio e da visão profética do fundador da confraria.

Os limites administrativos da colónia francesa do Senegal foram estabelecidos em 1904, após a criação da África Ocidental Francesa (1895) e da deslocação da capital de Saint-Louis para Dacar (1902). Avançam então obras públicas e a conquista agrícola do Leste, comandada, no terreno, pelos marabouts mouridas.

Em 1945, dois deputados, Lamine Guèye e Léopold Senghor, têm assento na Assembleia Constituinte francesa. A actividade política acompanha-se da criação de partidos políticos distintos dos da metrópole. Associados na Federação do Mali em Janeiro de 1959, o Sudão e o Senegal pedem a independência que obtêm no quadro unitário, no dia 4 de Abril de 1960. Porém, a Federação não resiste e, a 20 de Agosto de 1960, a Assembleia senegalesa proclama a independência do país. Desde então, o país evoluiu para um regime pluripartidário, sob a batuta do primeiro Presidente, Léopold Senghor que, após 20 anos no poder, se tornou o primeiro Chefe de Estado a dele sair antes do término de um mandato. Seguiu-se-lhe o também socialista Abdou Diouf, de 1980 a 2000, ano em que, a 19 de Março, o liberal Abdoulaye Wade ganhou as eleições presidenciais, em nome da “alternância”.

39 O Sufismo, corrente mística do Islão, nascida no século VIII, opõe-se ao Islão legalista e privilegia a

apropriação pessoal da verdade corânica. Esta “maleabilidade”, contrária à do chiismo ou do sunismo, poderá justificar a sua popularidade na África ocidental, porquanto permite uma melhor adaptação às práticas animistas enraizadas. Ainda hoje, são raros os chiitas e os sunitas num país fortemente islamizado como o Senegal.

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1.2. A presença portuguesa

Primeira razão do Infante

“E porque o dicto Senhor [Infante] quis disto saber a verdade, parecendo-lhe que se ele ou algum outro senhor se não trabalhasse de o saber... e vendo outrossim como nenhum outro príncipe se trabalhava disto, mandou ele contra aquelas partes seus navios, por haver de tudo manifesta certidão, movendo-se a isso por serviço de Deus e d’el- Rei D. Eduarte seu senhor e irmão que aquele tempo reinava. E esta até que foi a primeira razão de seu movimento.”40

Foi esta razão do Infante que levou a Língua Portuguesa para África, e depois para todos os continentes; ainda que não esteja escrito, o facto é que os Descobrimentos marítimos tiveram como consequência directa e inabalável a transferência do código linguístico português para terras novas. E tal como noutros países africanos, a Língua Portuguesa deixou as suas marcas na costa ocidental de África, nomeadamente no Senegal. Naqueles territórios, por onde passaram, os descobridores lusos registaram o que viram e o que lhes aconteceu em contacto com a natureza e com as novas gentes, e passaram a comunicar com eles. Mas, falando línguas diferentes, parece-nos que os estrangeiros e os autóctones levaram tempo para aprender a língua do outro, e não comunicariam pela linguagem verbal, desde o início. Então, como se justifica ou se explica a seguinte afirmação?

“Aos negros todos trate com boas palavras e não se engane, cuidando que não entendem o portuguez (sic) por que o não fallão: pois os mais delles o entendem bastantemente.”41

Parece que a presença portuguesa foi tão intensa, desde meados do século XV, que permitiu a aprendizagem da língua portuguesa pelos nativos, como informa este capitão português, Francisco de Lemos Coelho, que passou mais de vinte anos da sua

40

G. E. ZURARA (1453); Op. Cit., Cap. VII, “ no qual se mostram cinquo razoões porque o senhor

iffante foe movido de mandar buscar as terras de Guynea”, pp. 44-49.

41

F. L. COELHO (1684); vide COELHO, Francisco de Lemos, Duas Descrições Seiscentistas da Guiné,

(Manuscritos Inéditos Publicados com Introdução e Anotações Históricas de Damião Peres) Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1990, pp. 114

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vida nos territórios correspondentes ao actual Senegal. Em meados do século XVII, data desta afirmação, apesar da presença dos holandeses, dos franceses e dos ingleses, os indígenas africanos não só reconheciam como compreendiam bem o Português, antes de conhecerem a influência francófona nos territórios do actual Senegal, colonizado pela França, depois de muitas rivalidades e conflitos com os outros europeus que ali se fixavam. Após a descoberta destes territórios, parece que os portugueses se distribuíam pela região de forma algo indeterminada ou desordenada. A partir do século XVI, outros europeus se fixaram nesses mesmos territórios e impuseram a ocupação daqueles espaços; logo iam construindo fortalezas, com grandes exércitos, para protegerem o seu comércio e manterem os seus interesses em diversas áreas, como observaremos mais à frente.

Por isso, torna-se necessário conhecer melhor a acção dos portugueses e falar dos antecedentes das Descobertas, para um entendimento mais correcto da evolução das investidas dos portugueses até alcançarem aqueles espaços e compreender o grau de influência que tiveram junto daqueles reinos africanos.

Por estas alturas, no século XV, os nautas portugueses manifestavam já o conhecimento de técnicas de navegação das mais avançadas da Europa. Empreendendo viagens marítimas cada vez mais frequentes e mais afastadas da costa portuguesa, enriqueciam-se de um saber que os manteve na linha da frente dos Descobrimentos marítimos e terrestres sobre o continente africano:

“Todo o movimento de expansão marítima supõe igualmente um mínimo de condições orgânicas gerais, ou seja, um ambiente económico internacional que solicite aquele esforço, e particulares, isto é, um conjunto de aptidões específicas em determinado povo ou grupo social que lhe permitam levá-lo a cabo.”42

Portugal era já no século XIV, uma nação consolidada, que conquistara as condições que fundamentam a expansão lusa. Os portugueses sempre se inclinaram para os trabalhos do mar, dada a situação geográfica do país. Estando também rodeados por Estados poderosos e rivais, a Norte, a Sul e a Oriente, a expansão para o oceano era determinada não só por circunstâncias geográficas mas também políticas, económicas e religiosas:

42 J. CORTESÃO (1931-1934); vide CORTESÃO, Jaime, História da Expansão Portuguesa, INCM, vol.

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