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Participantes da pesquisa, estabelecimento do contrato e contato inicial

6. Considerações Teórico Metodológicas

6.1. Participantes da pesquisa, estabelecimento do contrato e contato inicial

Participaram da pesquisa duas famílias. O número de duas famílias foi considerado suficiente para o estudo, devido ao rico universo que cada grupo familiar possui. Além disso, a proposta de acompanhamento dos cotidianos das famílias necessitou de grande disponibilidade (temporal e afetiva) do pesquisador. Um número elevado de famílias, ou mesmo apenas maior que o proposto, poderia além de desqualificar o processo de construção de conhecimento, impossibilitá-lo diante da proposta aqui apresentada.

As famílias surgiram a partir da minha atuação na época da pesquisa como docente e estudiosa da temática em questão. Uma delas foi identificada a partir da busca de uma aluna por ajuda, no que diz respeito ao histórico de problemas relacionados ao uso de drogas por um dos seus irmãos. Esse irmão será aqui chamado de maneira fictícia por Pedro. No caso da família de Pedro, o contato foi estabelecido preliminarmente com a sua irmã mais velha. A ela foi feito o convite e estendido a todos os membros de sua família para participarem do estudo, caso desejassem. A mesma se mostrou bastante interessada e, dias depois, confirmou a participação de Pedro e de outros membros da família na pesquisa. Estabelecida essa primeira contratação, agendei um encontro com Pedro e os demais familiares para dar detalhes sobre a proposta de estudo e obter o consentimento de todos para a participação na pesquisa.

A segunda família surgiu a partir da experiência de atenção às famílias em situação de vulnerabilidade via Núcleo de Psicologia Social Comunitária e chamaremos de família de Joana. Na época, Joana recebia acompanhamento psicoterápico individualizado no serviço escola do estabelecimento de ensino superior em que eu trabalhava como docente na época. Sua irmã mais nova recebeu alguns atendimentos individuais que culminaram em um aconselhamento psicológico realizado por uma estagiária do oitavo período do referido Núcleo, e cujo caso foi supervisionado academicamente por mim. Tendo acesso às

informações sobre o caso, em que a queixa inicial relacionava-se ao sofrimento psíquico vivenciado por Joana, devido ao uso de drogas (maconha e álcool) pela irmã mais nova (Bia, de apenas 15 anos na época), achei pertinente convidar essa família para participar do estudo. Em uma das idas de Joana ao serviço, em uma breve conversa particular com a mesma, fiz o convite para participação no estudo, o qual foi aceito. O convite foi estendido aos outros membros da família em um momento posterior, e da mesma maneira que com a outra família participante, agendei uma visita domiciliar para que a proposta de estudo fosse detalhadamente explicada. A visita aconteceu e nela estabeleceu-se o restante da contratação, tendo os outros integrantes da família aceitado participar do estudo.

Esse momento de escolha das famílias e a seguinte contratação para o estudo de ambos os casos permitiu realizar algumas reflexões. Em primeiro lugar, é possível sinalizar que a espontaneidade e facilidade com que os casos surgiram pode denotar o que já está posto na literatura sobre o envolvimento dos impactos nos grupos familiares dos problemas relacionados ao uso prejudicial de drogas por um dos membros do grupo familiar. A necessidade de diálogo sobre a questão foi notória nas duas famílias participantes.

Tanto a busca por estratégias de cuidado e resolução dos problemas identificados na primeira família, quanto o processo de adoecimento apresentado pelo membro da segunda família como elementos disparadores de uma relação com o uso de drogas por um dos familiares, confirmam dados apontados por estudos já citados anteriormente e destacam-se como um importante cenário a ser investigado. Além disso, a abertura e disponibilidade presentes no processo de contratação para a pesquisa com as duas famílias há de ser valorizado como um elemento importante para as reflexões sobre o tema, pois pode indicar uma situação de desamparo e desejo por cuidado, também por parte seus membros e não só pela “pessoa índice”, entendida, aqui, como aquele membro do grupo cujo uso de drogas geraria problemas para toda a família.

É importante ressaltar, também, que o processo de contratação foi atravessado por estabelecimento de uma relação de confiança. Essa ideia se respalda no que Sade, Ferraz e Rocha (2014), afirmam ao falar da confiança na pesquisa: “o que se busca na pesquisa de campo é a constituição de um plano de experiência compartilhada, em que as singularidades dos encontros que se fazem presentes no campo concorram para multiplicar as possibilidades de conexões entre sujeitos e mundos”. (p. 68). Nesse sentido, a confiança seria muito mais a abertura ao plano da experiência e o aumento da potência de agir, do que somente o resultado da formalização de um contrato ou da instituição de regras. Aspectos éticos e metodológicos estão intrinsecamente relacionados e fazem parte da processualidade do trabalho de pesquisa cartográfica.

Outros aspectos, além dos anteriormente citados, ajudam a fortalecer a perspectiva da importância do estabelecimento do ethos da confiança na pesquisa, que segundo Sade, Ferraz e Rocha (2014), “tem o sentido de abertura ao plano da experiência e aumento da potência de agir”. (p. 69). A ainda imatura implementação da Política Nacional sobre Drogas e o avanço atual sobre as discussões relacionadas ao uso abusivo de substância psicoativas, bem como práticas retrógradas no que diz respeito ao cuidado com a saúde mental e a questão do álcool e outras drogas no país (a exemplo da internação compulsória e práticas de cuidado pautadas no viés religioso) as quais serão discutidas mais adiante neste estudo, sinalizam a fragilidade do cuidado oferecido ao usuário de drogas e, de maneira indissociável, a sua família e demais laços comunitários.

A fragilidade das soluções propostas para lidar com o tema lança sobre a questão características como medo, obscuridade e uma série de dúvidas que podem culminar numa vivência de sofrimento daqueles que, através da proximidade dos laços, buscam ajudar pessoas que usam drogas e que tenham problemas relacionados a esse uso. Esse panorama interrogativo sobre o tema facilita a aproximação das famílias daqueles que se dispõem a

pensar e discutir coletivamente sobre o assunto, atualizar virtualidades e produzir agenciamentos. As virtualidades aqui citadas significam, no sentido proposto por Deleuze e Parnet (1996), aquilo que existe num campo de subjetivação, porém ainda não materializado, ou seja, atualizado numa prática social, sendo assim, tudo que diz respeito à concretude das relações humanas (um funcionamento familiar, por exemplo). O virtual constitui a esfera da afirmação e da criação de um diferente caminho apara a atualização. O virtual aponta sempre para o novo, para o criativo. Segundo Craia (2009), “é na região virtual onde encontramos todas as facetas sub-representativas, a-subjetivas, e pré-individuais, enquanto campo problemático da diferença”. (p. 122).

Esses elementos, ao serem vislumbrados na sua compreensão a partir das vivências das famílias aqui elencadas, lançam um convite ao mergulho nesse compartilhamento de existências que buscará compreender as dinâmicas de funcionamento familiar relacionadas com a droga e aos seus usos que causam sofrimento, buscando identificar as redes de atravessamentos e transversalidades de forças que se intercruzam no sentido da reprodução e da criação de modos de vida fundamentais para pautar novos caminhos para o alcance dos objetivos desse estudo.