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Em cantos de reis: a tradição discursiva em Autos de Natal

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES ÁREA DO CONHECIMENTO: LINGUÍSTICA HISTÓRICA LINHA DE PESQUISA: LINGUAGEM E PRÁTICAS SOCIAIS ORIENTADOR: LUCRÉCIO ARAÚJO DE SÁ JÚNIOR. EM CANTOS DE REIS: A TRADIÇÃO DISCURSIVA EM AUTOS DE NATAL. ELISÂNGELA TAVARES DIAS. NATAL/RN 2013.

(2) ELISÂNGELA TAVARES DIAS. EM CANTOS DE REIS: A TRADIÇÃO DISCURSIVA EM AUTOS DE NATAL. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística Histórica.. Orientador: Dr. Lucrécio Araújo de Sá Júnior. NATAL/RN 2013.

(3) ELISÂNGELA TAVARES DIAS. EM CANTOS DE REIS: A TRADIÇÃO DISCURSIVA EM AUTOS DE NATAL. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística Histórica.. Aprovada em 10 de junho de 2013.. BANCA EXAMINADORA. _________________________________________________________ Prof. Dr. Lucrécio Araújo de Sá Júnior – UFRN Orientador _________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Beliza Áurea de Arruda Mello – UFPB Membro Externo _________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rita Diana de Freitas Gurgel – UFERSA Membro Externo _________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Valéria Severina Gomes – UFRPE Membro Externo _________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Sulemi Fabiano Campos – UFRN Membro Interno _________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria da Penha Casado Alves – UFRN Membro Interno.

(4) À Alannie Rebecca, À Marilene Tavares, A Severino Martins,. Por tudo que representam para mim, dedico..

(5) AGRADECIMENTOS. Registro aqui os meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que de alguma forma participaram desse momento em minha vida e parafraseando Drummond, fugindo à tradição de um agradecimento, muitas “pedrinhas” ajudaram-me a fazer esta jornada. Eis que: No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra No meio do caminho tinha alguém que comigo caminhou e agradecida estou.. Ao meu orientador, Lucrécio Araújo de Sá Júnior, por acreditar em minhas curiosidades acadêmicas e, sobretudo, por todas as palavras de incentivo ditas, bem como sua generosidade em sempre se dispor a me ajudar a todo o momento. À professora Alessandra C. F. Costa, que participou da banca de qualificação, e às professoras Beliza Áurea de Arruda Mello, Valéria Severina Gomes, Rita Diana Gurgel, Sulemi Fabiano Campos e Maria da Penha Casado Alves, pelas correções e considerações que contribuíram para o trabalho final aqui exposto. À minha professora de estágio docência, Alessandra Cardozo de Freitas, pela amizade construída nesse período. Levarei para sempre o seu carinho. À Valéria Gomes, UFRPE, e à Áurea Zavam, UFCE, pelas trocas acadêmicas nesses dois anos de pesquisa. Aos meus sempre orientadores virtuais, e amigos reais, Gilberto Mendonça Teles e Valdenides Cabral Dias por todas as informações trocadas ao longo do curso, e nesses doze anos de amizade conjunta. À Suzane Oliveira, pelo abstract e entendimento das minhas falhas no quesito amizade. À Eva Salustiano, por se dispor a ouvir tantos cantos e ajudar-me na compilação dos autos e pela correção final do texto. À Anne Caroline Medeiros e ao Fred Mancini por terem sido meus amigos virtuais, mais do que reais, durante este período de pesquisa..

(6) Ao meu colega Mateus Augusto Avelino Tavares pela indicação do orientador. Sua participação na escolha foi, sem dúvida, significativa. Aos colegas que construí ao longo do curso, Aucineide Marques, Camila Gomes, Reika Dantas, Silvestre Martins, Aryonne Morais, Kássia Moura, Joyce Paiva, Vanessa Faria, Aloma Farias, que sem eles certamente meu caminho teria sido menos alegre. Aos 50 representantes fomentadores culturais, chancela MinC/FGV, dentre os quais me encontro, que se dispuseram a pesquisar as folias em seus Estados e compartilharem comigo aqui e em Brasília. Aos funcionários das Secretarias de Educação do Estado e do Município do Natal, pelo atendimento em toda a jornada vivenciada para a conquista de minha licença no trabalho. À Secretaria da PPGEL e do curso de Letras por estarem de prontidão às aflições acadêmicas diárias. Ao meus eternos professores e amigos, Leimar Bezerra Galvão de Andrade e Joabel Rodrigues de Souza, responsáveis por me introduzir no mundo da cultura. Aos incentivadores da cultura Severino Vicente e Gutemberg Costa (RN) e Oswald Barroso (CE) pelas informações obtidas. A todos os brincantes que virtual ou presencialmente contribuíram com suas brincadeiras e, em especial, a Dona Iza, responsável pelo Boi de Reis do Mestre Manoel Marinheiro, Dedé Veríssimo, do Boi Calemba Pintadinho de São Gonçalo do Amarante, Pedro Arraia, do Boi da Vila de Ponta Negra e Dona Cecília, do Boi de Reis de Extremoz, com quem passei horas de convívio em um misto de curiosidade e simpatia. Um especial agradecimento à Sulemi Fabiano Campos e ao Luís Carlos Campos Ribeiro, pelo incentivo desde a inserção à universidade até os dias de hoje nas palavras de carinho proferidas outrora. Aos meus colegas do curso de Pedagogia-EAD que tanto me ouviram falar que minha atenção convergia unicamente para o Mestrado, embora soubesse da real necessidade de um professor conhecer com mestria a função de um Pedagogo, além de sua área de formação, sempre me incentivaram nos momentos precisos. A vocês Vera Carvalho, Verônica Alvares, Vilma Nicácio, Diomedes Azevedo, Selma Núbia, Ana de Melo, Josefa Alexandra e Viviane Lima, grata por tudo. A Lenilton de Souza Lima da ONG Boivivo por todas as informações obtidas dos autos potiguares e sua disposição em me acompanhar em todos os municípios para esta pesquisa. Ao Marcos Martins pela doação de alguns livros do PHPB, os quais foram bastante úteis à pesquisa, muito obrigada. Aos meus pais por se disporem a assumir meus compromissos maternos neste momento. E ao meu irmão Eliomar Tavares por sua disposição gráfica do texto aqui exposto. À minha filha, que um dia possa compreender esta minha atitude..

(7) A palavra chegou sôfrega e se expôs aos perigos do meu aflito dizer. Chegou pelo fio de luz que me atravessa na escuridão da noite. Informe, ainda, mas carrega o peso exato da eternidade. Valdenides Cabral Dias.

(8) RESUMO. Este estudo incorpora diversas áreas do conhecimento ao campo da linguística, uma vez que centra a historicidade social dos autos brasileiros e potiguares, a partir de duas propostas analíticas: a presença das fórmulas linguísticas, em sua macroestrutura, dentro do paradigma das tradições discursivas, seguindo Kabatek (2006), Koch e Oesterreicher (2007), além da teoria dos atos de fala, em sua microestrutura, propostos por Austin (1990) e Searle (1995). Com Zumthor (1993; 1997; 2000; 2005; 2010), aludimos à ideia de movência textual, evidenciando que o texto sempre sofre mudanças considerando a performance e recepção nos usos da linguagem. A partir desse arcabouço teórico, centramo-nos no trinômio fórmulas linguísticas, oralidade e performance a fim de descrever as dinâmicas de permanência, variação e mudança que se estabelecem nesses textos e evidenciamos ainda como as relações extralinguísticas sócio-históricas e culturais influenciam em sua composição. Tal discussão, mais precisamente, instala-se na Análise do Texto, ao realçarmos a tradição da oralidade como suporte linguístico. O texto, por sua vez, efetiva-se como evocação, motivados pela transmissão, recepção, e movência, a partir de sua conservação e reiteração. Naturalmente, optamos por um suporte metodológico baseado na pesquisa quali-quantitativa, evidenciado por Flick (2009), que respalda o corpus composto por cantos de Folias de Reis brasileiras e de Bois de Reis potiguares. Desse modo, observamos as dinâmicas da linguagem subjacente à tradicionalidade que se efetiva pelo uso de uma memória social partilhada a partir de duas dimensões: na primeira, evoca a sacralização (religiosa), em que erige a devoção à histórica bíblica; na segunda, a dessacralização com valores identitários e ideológicos, constituintes culturais de um povo. O canto demonstra, nesse impulso lúdico, uma atividade contextualizada, que resulta na seguinte conclusão: os processos de mudança e permanência nas macro e microestruturas textuais dos cantos ocorrem, ao mesmo tempo, pelo ajustamento ao uso do texto cumprindo uma função político-social e outra ético-pedagógica; em tese, são as relações sociais que avivam a tradicionalidade e esta, por sua vez, evoca a movência e o nomadismo no texto.. Palavras-chave: Auto. Tradição Discursiva. Fórmulas Linguísticas. Atos de Fala. Canto. Performance..

(9) ABSTRACT. This study incorporates many areas of knowledge to the Linguistics field, as it centers the social historicity of Brazilian and autos “potiguares” on two analytical proposes: the presence of linguistic formulas - in its macrostructure - into the paradigm of discursive traditions, following Kabatek (2006), Koch and Oesterreicher (2007), besides the theory of Speech Acts, in its microstructure, proposed by Austin (1990) and Searle (1995). Under Zumthor (1993; 1997; 2000; 2005; 2010), the idea of textual variability (mouvance) was alluded, highlighting that the text is always modifying, according to the performance and reception of the language uses. Considering this theoretical framework, we focus on the trinomial linguistic formulas, orality and performance, in order to describe the dynamics of stability, variation and change, emphasizing yet how extra-linguistic social-historic cultural relations influence its composition. Such discuss is inherent more precisely to Textual Analysis in enhancing the orality tradition as a linguistic support. The text, in its turn, becomes effective as an evocation, motivated by the transmission, reception and variability from its conservation and reiteration. Naturally, a methodological support based on quali-quantitative research was chosen, based on Flick (2009), who justifies the corpus composed by Brazilian Folias de Reis chants and Bois de Reis “potiguares”. Thereby Language dynamics, subjacent to tradition which takes effect by the use of a common social memory, are observed from two dimensions: on the first, it evocates the sacralization (religious) in which they stand their devotion to biblical History; secondly, a dissacralization with identified and ideological values, inherent to a people culture. The chant shows, in this ludic impulse, a contextualized activity which results in the following conclusion: the changing and stability processes in textual macro and microstructures occur, at the same time, by the adjustment to the use of the text accomplishing a social-political function and an ethical-pedagogic one; supposedly, social relationships arise the tradition and it, on its turn, evocates the variability and the nomadism in the text.. Keywords: Autos. Discursive Traditions. Linguistic Formulas. Speech Acts. Chants. Performance..

(10) ÍNDICE DE FIGURAS. Figura 01 – Cline do percurso ritualístico do pedido de esmolas em uma FR ......................... 27 Figura 02 – Cline do percurso cênico das figuras que compõem o BoiR ................................ 28 Figura 03 – Representantes dos BoiR – Dedé, Pedro (com camisa vermelha), Cecília e Iza .. 46 Figura 04 – Ritmos das danças ................................................................................................. 48 Figura 05– Apresentação do BCPSG/RN no Festival de Reisado de Zabelê/PB ..................... 49 Figura 06 – Folias brasileiras por região .................................................................................. 57 Figura 07 – Finalidade comunicativa ....................................................................................... 67 Figura 08 – Evocação ............................................................................................................... 70 Figura 09 – Processo constitutivo de um texto ......................................................................... 73 Figura 10 – Cantos de despedida .............................................................................................. 77 Figura 11 – Diferenciação de tradições culturais ..................................................................... 77 Figura 12 – Inovação através da mistura de tradições culturais ............................................... 78 Figura 13 – Permanência nos autos natalinos........................................................................... 86 Figura 14 – Mudança nos autos natalinos ................................................................................ 87 Figura 15 – Propostas teóricas sobre os Atos de Fala ............................................................ 100 Figura 16 – Adaptação da composição dos AF performativos evidenciados por Searle ....... 101 Figura 17 – Cantos formulaicos potiguares ............................................................................ 107 Figura 18 – Expressões formulaicas potiguares ..................................................................... 126 Figura 19 – Masseira dos BoiR potiguares............................................................................. 147.

(11) ÍNDICE DE TABELAS. Tabela 01 – BoiR potiguares .................................................................................................... 44 Tabela 02 – Folias brasileiras por regiões ................................................................................ 57 Tabela 03 – Distribuição de palavras dos BoiR Potiguares.................................................... 128 Tabela 04 – Verbos performativos do BCPSG/RN ................................................................ 132 Tabela 05 – Verbos performativos do BRMPG/RN............................................................... 134 Tabela 06 – Adoração Potiguar .............................................................................................. 140 Tabela 07 – Verbos performativos do BRMMM/RN............................................................. 142 Tabela 08 – Verbos performativos do BRVPN/RN ............................................................... 145 Tabela 09 – Verbos performativos do BRDC/RN .................................................................. 150.

(12) ÍNDICE DE GRÁFICOS. Gráfico 01 – Verbos performativos do BCPSG/RN ............................................................... 134 Gráfico 02 – Verbos performativos do BRMPG/RN ............................................................. 142 Gráfico 03 – Verbos performativos do BRMMM/RN ........................................................... 143 Gráfico 04 – Verbos performativos do BRVPN/RN .............................................................. 145 Gráfico 05 – Verbos performativos do BRDC/RN ................................................................ 151.

(13) ÍNDICE DE ABREVIATURAS. AF BoiR BCPSG/RN BRDC/RN BRMMM/RN BRMPG/RN BRVPN/RN CRSC/MG CRSL/PR EF FR FRAL/GO FRAN/MG FRBJ/ES FRBJJ/GO FRCG/GO FREM/ES FRFM/MG FRGFC/SP FRJ/GO FRJP/MG FRM/ES FRM/GO FRMT/RJ FRP/SP FRRGO/SP FRSJ/MG FRSM/MG FRTF/MG FRUF/PR FRVM/MG MinC MPB TD TDO. Atos de Fala Boi de Reis Boi Calemba Pintadinho de São Gonçalo do Amarante/ Rio Grande do Norte Boi de Reis de Dona Cecília/Rio Grande do Norte Boi de Reis do Mestre Manoel Marinheiro/Rio Grande do Norte Boi de Reis do Mestre Pedro Guagiru/ Rio Grande do Norte Boi de Reis da Vila de Ponta Negra/Rio Grande do Norte Companhia de Reis da Serra da Canastra/Minas Gerais Companhia de Reis de Santa Luzia/Paraná Expressão Formulaica Folia de Reis Folia de Reis de Aparecida de Lages/Goiás Folia de Reis Agreste do Norte/Minas Gerais Folia de Reis de Bom Jesus/Espírito Santo Folia de Reis de Bom Jesus de Jaraguá/Goiás Folia de Reis do Córrego Grande/ Goiás Folia de Reis Estrela do Mar/Espírito Santo Folia de Reis de Fidalgo e Matosinhos/Minas Gerais Folia de Reis do Grupo Folclórico Campinense/São Paulo Folia de Reis de Jaraguá/Goiás Folia de Reis de Joaquim Poló/Minas Gerais Folia de Reis de Muqui/Espírito Santo Folia de Reis de Mossâmedes/Goiás Folia de Reis do Mestre Tachico/Rio de Janeiro Folia de Reis de Palmital/São Paulo Folia de Reis de Ribeirão Grande em Ourinhos/São Paulo Folia de Reis de São José/Minas Gerais Folia de Reis do Sul de Minas/Minas Gerais Folia de Reis Tradição e Fé/Minas Gerais Folia de Reis Unidos da Fé/Paraná Folia de Reis do Vale do Mucuri/Minas Gerais Ministério da Cultura Música Popular Brasileira Tradição Discursiva Tradição Discursiva Oral.

(14) SUMÁRIO. 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16 2 AUTO NATALINO: “OS REIS MAGOS AQUI CHEGOU” ......................................... 25 2.1 A RELIGIOSIDADE POPULAR ...................................................................................... 25 2.1.1 O Auto Natalino Potiguar ................................................................................................ 41 2.2 METODOLOGIA APLICADA ......................................................................................... 51 2.3 PLURALIDADE DE ENFOQUES: ESTADOS DO CONHECIMENTO ........................ 58 3 A TRADIÇÃO DISCURSIVA EM QUESTÃO................................................................ 62 3.1 HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA ...................................................................................... 62 3.2 SOBRE OS FUNDAMENTOS DAS TD........................................................................... 66 3.2.1 Elementos Constitutivos do Texto................................................................................... 71 3.2.2 Contextualizando a Formulaicidade ................................................................................ 80 3.3 A PERFORMANCE EM RITUAIS POPULARES ............................................................ 87 3.4 DO ATO DE FALAR AOS ATOS DE FALA................................................................... 97 4 O CANTO, O VERBO, A FRASE: COMUNHÃO ENTRE TD E MOVÊNCIA ........ 103 4.1. AS FÓRMULAS LINGUÍSTICAS: MACROESTRUTURA ........................................ 108 4.1.1 Expressões Formulaicas nos Autos Natalinos ............................................................... 120 4.2 CANTA O VERBO NA FOLIA: MICROESTRUTURA................................................ 127 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 155 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 163 ANEXOS ............................................................................................................................... 173 ANEXO 01: CANTOS DOS AUTOS NATALINOS – FOLIA DE REIS ............................ 174 Início da jornada ..................................................................................................................... 174 Chegada a casa........................................................................................................................ 175 Benditos .................................................................................................................................. 175 Peditório de esmolas ............................................................................................................... 176 Adoração ao menino Jesus ..................................................................................................... 176.

(15) Agradecimento........................................................................................................................ 178 Despedida ............................................................................................................................... 179 Saída da jornada...................................................................................................................... 179 ANEXO 02: CANTOS DOS AUTOS NATALINOS – BOI DE REIS ................................. 182 Início da jornada ..................................................................................................................... 182 Chegada a casa........................................................................................................................ 183 Benditos .................................................................................................................................. 184 Peditório de esmolas ............................................................................................................... 184 Adoração ao menino Jesus ..................................................................................................... 185 Agradecimento........................................................................................................................ 185 Despedida ............................................................................................................................... 186 Saída da jornada...................................................................................................................... 186 ANEXO 03: ICONOGRAFIA................................................................................................ 188 Acervo pessoal dos personagens do Boi de Reis da Vila de Ponta Negra/RN ....................... 188 Encontro de Folguedos no bairro de Santos Reis ................................................................... 189 Visitas etnográficas aos mestres potiguares ........................................................................... 194 Auto natalino produzido pelo Mestre Dedé Veríssimo .......................................................... 195 Registros documentais do BoiR de São Gonçalo do Amarante nas mídias potiguares .......... 200 Encontro com representantes de BoiR ................................................................................... 201 Boi de Reis: alguns ícones potiguares .................................................................................... 203.

(16) Boas festas, boas festas, Aqui haja neste dia Que manda o menino Deus Filho da Virgem Maria. Ó da casa, nobre gente Escutai e ouvireis; Lá das partes do Oriente São chegados os três Reis. Estas casas são bem altas Forradas de papelão Vivam senhores e senhoras Que dentro delas estão Vinde-nos dar as Janeiras, Se no-las quiserdes dar Somos romeiros de longe, Não podemos cá voltar. Despedida seja dada, Dada seja a despedida, A mercê que nos fizeram No céu seja agradecida. Janeiras portuguesas – César Batalha.

(17) 1 INTRODUÇÃO. O espetáculo das vozes entoadas pelos mestres e brincantes, as cores vibrantes de suas vestes, o esvoaçar das bandeiras, pungindo-lhes sua fé, as longas caminhadas deambulatórias e precatórias, traduzindo-se em práticas sociais, aviva as crenças do povo e de sua cultura. É assim que uma Folia de Reis (doravante, FR) surge. De porta a porta, rezas, danças e brincadeiras confirmam as raízes mnêmicas e culturais de um grupo e atestam a história de uma comunidade. Deter-se-á notadamente nas FR e nos Bois de Reis (de agora em diante, BoiR) dentro da composição dos autos natalinos, dada a sua variabilidade terminológica. Adotamos, nesse caso, o termo auto natalino a estas duas configurações (des)sacralizadas, visto que os dois inscrevem em essência uma mesma peculiaridade: a história de natal e seu caráter de peregrinação emergindo, em linhas gerais, uma linguagem recorrente que transparece a disposição para uma movência cronotópica distinta. As FR e os BoiR conduzem para uma fixação histórico-cultural e linguística. Nesse caso, ao longo da pesquisa, nosso interesse é o de compreender os processos de mudança e permanência evidenciados nos cantos de autos natalinos no estado do Rio Grande do Norte, muito embora confirmemos nossas hipóteses em outros autos brasileiros. A principal ideia é a de que a linguagem desses textos apresenta-se moventes, garantindo-lhes conservação e repetição. Tais textos inscrevem-se, em sua maioria, em domínios religiosos distintos, a saber: na umbanda e no candomblé, ou nas Músicas Populares Brasileiras. Postulamos que isso decorre em função da religiosidade desses sujeitos não se encontrar circunscrita apenas à religião católica cristã. O fato é que os cantos desses autos mostram-se repetidos quer por sua vivência religiosa, ou por outros vieses socioculturais, como é o caso das MPB e demais folguedos. De acordo com Chartier (2002, p. 16), a história cultural “tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler.” Por este modo, a cultura popular constitui, em essência, a “história natural da ação dos homens em sua prática social” (TINHORÃO, 2001, p. 11). E é esta prática, que ganha caráter de ancestralidade, advindas das relações sociais, do.

(18) reconhecimento de seus costumes e valores e que celebra as expressões artísticas, muitas vezes, desconhecidas ou esquecidas, efetivando-se como popular, a cultura do povo. Por cultura popular, Chartier (2002, p. 16) declara como um “conjunto de textos” divididos em (i) “os dos pequenos livros de venda ambulante e conhecidos sob o termo genérico bibliotheque bleue”, ou literatura de cordel e (ii) “com um conjunto de crenças e de gestos considerados como constitutivos de uma religião popular”. Nos dois casos, sua diferença encontra-se no plano da distinção com a literatura erudita e letrada, ou o “catolicismo normativo da igreja” (2002, p. 55). É dentro dessa expressão de arte, do impulso lúdico do povo, que se assinala nosso fenômeno linguístico: os autos natalinos. E é dentro desse universo da cultura popular, do grupo festivo de “caráter sagrado e ritualístico” (TINHORÃO, 2001, p. 18), mais notadamente das FR e BoiR, que nos propomos a partir da análise do texto, sob a égide das Tradições Discursivas, compreender como se configura a formulaicidade textual nos autos natalinos, verificando como se realizam os Atos de Fala nos textos desses autos. Nesse caso, examinaremos os Atos de Fala a fim de perceber como as ações linguísticas instalam-se na performance¸ enquanto ação linguística, e como a existência de uma fraseologia permanece guardada na linguagem que, modelada ao longo dos anos, visualiza-se no palco das TD. É, portanto, no plano da oralidade que se instauram evidentemente os autos natalinos enquanto tradições que se fixam, posteriormente, no cenário da língua sistêmica. Entre os AF e, de igual forma, perpassando pelo encontro com as Expressões Formulaicas, cujas buscas exploram e eclodem nas TD, muita interseção evidencia-se: a voz volta a insistir e atravessar gerações, indo ao encontro de novas vozes. Sua linguagem pouco, ou nada, modifica; emerge uma continuidade, um nomadismo, que se conserva e se transporta pelo espaço e tempo, habitando no “aquém” e no “além” das tradições socioculturais. Nossa hipótese repousa na compreensão de que as Expressões Formulaicas se fixam nos cantos dos autos natalinos, sob a égide das TD, a partir de dois aspectos: a macroestrutura tópica, que antecipa uma fórmula linguística reiterável e movente, e uma microestrutura, focalizada nos verbos, enquanto AF performativos. Para isso, submetemos a uma análise interpretativa e descritiva em uma abordagem processual do texto, compreendendo que a comunicação dos sujeitos dá-se por suas práticas sociais e que exerce, portanto, uma função político-social e outra ético-pedagógica. Trata-se, nesse caso, de perceber que os sujeitos exercem um ideal de cultura a partir de suas.

(19) necessidades, da expressão de seus valores e crenças, reiterando-a continuamente a partir de suas atividades mnêmicas. É possível afirmar que essas atividades, nessa cosmovisão de religiosidade popular, têm um caráter didático, onde a memória é “partilhada, reelaborada, e, ressignificada em um constante processo de movência e nomadismo” (SÁ JÚNIOR, 2009, p. 11). Isso acontece a partir de duas dimensões: (i) evoca a sacralização (religioso), em que erige a devoção à história e feitos bíblicos; e a (ii) profano (ritualístico em seu simbolismo) com seus valores identitários e ideológicos, constituintes culturais de um povo (SÁ JÚNIOR, 2009). O canto das FR evidencia uma atividade contextualizada. Isso acontece enquanto recepção, a partir de uma prospectiva em que se confirmam os acontecimentos religiosos e enquanto (re)ação como atividade interativa e mítica, significantes de uma organização cultural-mnêmica que, em síntese, refaz o trajeto dos Reis Magos e realiza uma jornada, convergindo o divertimento, o precatório e a vivificação religiosa popular. Os cantos dos autos, de modo geral, trazem em sua oralidade “uma transmissão das estórias orais sem prejuízo da fixação culta que também é divulgadora” (CASCUDO, 1978, p. 14). Os Reis Magos são culturalmente representados por brincantes da cultura popular através de jornadas campestres, garantindo-lhes a retomada da história religiosa por seus autos natalinos. Sendo assim, a historicidade das FR prende-se à sua narratividade, através de seus cantos, em que as passagens religiosas se entremeiam às manifestações culturais de um grupo, a partir de suas performances. A título de primeiro capítulo, a paragem inicia-se pela manifestação da tradição oral. Sob o título Auto Natalino: “Os Reis Magos aqui chegou”, mostramos a gênese dos autos brasileiros, e também potiguares, e qual a metodologia seguida, pairando em alguns referenciais, como teses e dissertações, que em suas proposituras analíticas utilizaram como fenômenos de pesquisas as FR. O imaginário dos Reis Magos cria um pacto, uma continuidade à realização de suas crenças: a promessa ou o voto católico (nesse caso, o voto profano) é vivificado, de igual forma, nessa “festa popular” (TINHORÃO, 2001, p. 18) garantindo a circularidade da oralidade dos sujeitos. “É em sua energia invisível e real, que move o giro dos autos que faz dos sujeitos envolvidos nessas crenças a própria viagem dos Reis Magos” (PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 195, grifos dos autores). Nesse sentido, Cascudo (1978, p. 27) denota por tradição o “entregar, transmitir, passar adiante, o processo divulgativo do conhecimento popular ágrafo.” Noticia o que se passa na sucessão oral, conservando-se nas reminiscências de cada um. Um fato na contraluz desse espetáculo vivo que se reflete como tradição..

(20) Esta práxis votiva, celebrada nas comemorações religiosas, também prevalece nas festas que evidenciam a dessacralização. Ribas (1992 apud TINHORÃO, 2001, p. 19) esclarece que a festa profana difere da religiosa por seu caráter lúdico. Segundo Ribas (1992), é “uma ruidosa festa popular celebrada sem qualquer estrutura ritualística ou cerimonial predeterminada, codificada, mas sempre com grande alegria, grande envolvimento sentimental e social, sempre com um divertimento” (TINHORÃO, 2001, p. 19, grifo do autor). No caso das FR há um processo ritualístico que constitui o auto: a sua jornada. O cantar-contar a história do nascimento de Jesus, bem como de outras passagens bíblicas evidencia o envolvimento e a ludicidade de um grupo. O que ora se traduz neste capítulo é, em linhas gerais, retratar o auto natalino, enquanto fenômeno sociocultural e linguístico, partindo de pressupostos teóricos amplamente divulgados em produções acadêmicas, ou estados do conhecimento, dentro do país e qual metodologia seguida para a compreensão de nossa hipótese. Nessas pesquisas, linguistas, etnólogos, historiadores, antropólogos, sociólogos, musicólogos, dentre outros de diversas searas intelectuais, pouco a pouco foram narrando suas vivências etnográficas, dialogando com essas manifestações culturais populares, mencionando o ritual vivido, a peregrinação e precatórios, etc, desses eventos seculares. Constatamos a presença dos cantos nessas análises, circunscritos aos textos como completude de seus pensamentos, mas sem uma análise pormenor. Daí a necessidade evidencia-se: nossa pesquisa pauta-se na movência do canto/texto e, para isso, buscamos encontrar nos cantos desses trabalhos o cotejamento necessário para responder nossas hipóteses. Mormente a isso, alguns referenciais bibliográficos e áudios fizeram parte da compilação. Nesse caso, não há como dissociar a relação emocional do evento, entre os executantes, a plateia, e o canto performatizado, visto que a oralidade interioriza a memória e, igualmente, a espacializa. (ZUMTHOR, 2010, p. 41). Nesses textos, sua predominância é para o evento performático, a persona, os brincantes, as reuniões, os simbolismos existentes, o percurso, e não para aquilo que é entoado. Evidencia o ritual e insere o canto, corroborando suas expectativas analíticas. Ao que parece, o canto consolida suas permanências in loco, potencializando seus interesses, mas aparecem em seus textos contidos, reservados e dependentes do ritual. Não há como dissociar: o ritual é o canto e este personifica os brincantes. No segundo capítulo, denominado “A tradição discursiva em questão”, mostramos à luz das TD, propostas por Kabatek (2006), Kock (2007) e Oesterreicher (2007) e Lopes (2010), uma discussão sobre a formulaicidade. Adentramos na oralidade e na memória,.

(21) reconhecendo nelas a repetição e inovação proposto por estes autores. De igual modo, recorremos aos AF performativos por constatarmos essa recorrência cíclica de repetição e, por fim, por se tratar de uma cultura que se estabelece pelo uso da voz, mostramos a necessidade de recorrência à performance. É pela performance que implica o exercício concomitante de (re)ação dos atores envolvidos, trazendo consigo a lembrança da movência textual, quando os sujeitos entoam os seus cantos. Isso porque, o espetáculo performático circunscrito no ato lhes permite sua reprodução e sua atualização constantes. Adentramos, pois no campo da performance por sua multiplicidade de campos que esta abrange. Tal imersão, com outros “domínios das ciências sociais, alicerça a formação da identidade e dos valores histórico-culturais” (TEIXEIRA, 2010, p. 151) e se entrecruza com a língua/linguagem, reforçando a oralidade, sua tradicionalidade, em um constante nomadismo de vozes (ZUMTHOR, 2010). A presença da performance, portanto, resumiria. O relacionamento humano que assumiria a qualidade de uma máscara, construída por uma persona que deve exibir um eu apropriado a cada ocasião. Todo ser humano seria consciente dessa personificação e a vida se tornaria num processo de incorporação de uma infinita variedade de representações, apresentações e atuações (TEIXEIRA, 2010, p. 25, grifo nosso).. É na concepção de performance, como ação linguística, que se vincula diretamente a retomada do texto oral e a realização do ato que lhe confere um caráter essencialmente reiterado. Nesse sentido, não se trata de um estudo dramatológico, mas da recorrência aos cantos dos autos enquanto AF reverberado nas TD. Contudo, é importante ressaltar que a performance não se instala unicamente no canto, ela transcende à sua elocução. A produção oral, feita no improviso, é igualmente performance. Desse modo, “o processo do ato, da voz, é o que o faz existir, ao passo que o conteúdo ou a concepção à fórmula linguística tem caráter abstrato” (BRAIT, 2008, p. 15, grifo nosso). Dessa concepção, em nosso estudo, a estrutura textual presente nesses cantos ascende essa abstracidade. Ela vivifica as reminiscências e atualiza-se, quase que originalmente, e suas transformações configuram-se em TD. Não há como fazer uma cisão daquilo que é representado com o seu texto e com o dizer diário dos sujeitos. As fórmulas linguísticas se constituem como categorias de análises inseparáveis dessa relação entre a performance e a formulaicidade. O ato e a fala formulada, reunidos, representam uma clara linha de continuidade histórica e sociocultural nos discursos desses.

(22) sujeitos e na vida-arte desses textos. Este entrelace, nos cantos dos autos, cumpre representar a mistagogia, fincada às ações diárias desses indivíduos e seus credos. Assim, a concretude da arquitetura textual resgata sua religiosidade a partir de sua oralidade. E como tal, representa sua materialidade discursiva fazendo-se pela formulaicidade textual. Outro elemento igualmente importante são os AF. Trata-se da proposição teórica discutida por Austin (1990) e Searle (1995) para os atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários. Segundo Sá Júnior (2006, p. 12): O ato ilocucionário é a unidade básica de comunicação e compreensão nas línguas naturais. Ele é constituído normalmente de um ato de referência de um ato de predicação, de um ato proposicional que são atos subsidiários. Uma questão, uma afirmação, uma ordem, uma exclamação, etc., são atos ilocucionários. Quando um enunciado é proferido com a intenção de produzir um certo efeito no ouvinte, o resultado é o ato perlocucionário.. Esse arcabouço teórico da Filosofia da Linguagem fundamenta nosso pensamento. Ocorre que, a partir das análises, os textos dos autos natalinos reproduzem acentuadamente esses AF, pois é toda sua oralidade. O brincante ao mesmo tempo em que comunica (ilocução), prevê uma intenção/efeito (perlocução) quando canta. Essa noção implica, rapidamente, dizer que nos cantos dos autos a presença de verbos performativos assertivos, diretivos, compromissivos e expressivos, propostos por Searle (1995, p. 13; p. 47-73), apresentam-se em constantes. Nossas motivações, por fim, resultam da sedução zumthoriana pelo uso da voz, como “forma arquetipal”, que se configura por “traços que predeterminam, ativam, estruturam em cada um de nós as experiências primeiras, os sentimentos e pensamentos” (ZUMTHOR, 2010, p. 10). Esses traços revelam uma oralidade em direção à movência, onde a voz manifesta-se em uma existência secular que simultaneamente se conserva e repete-se. Não por acaso, é da voz que o texto configura-se coeso a partir da linguagem cotidiana dos sujeitos. “Como é que um texto, que é linguagem, pode estar fora das linguagens?” É assim que Barthes (1987, p. 41) explicita sobre os falares do mundo. Segundo o autor, “desde que nomeio, sou nomeado.” Ou seja, sua exteriorização surge mediante sua própria linguagem em uso. Esta mesma linguagem, que movente, permanece nas vozes mnêmicas de uma comunidade. Nossa intenção é perceber as marcas formais presentes nos cantos dos autos. Para isso, a mestria frásica existente nos cantos, a partir de suas fórmulas linguísticas – em sua macroestrutura –, decorre do falares diários que se transportam para o texto. Em face disso,.

(23) tomamos alguns estudos que reverberam o uso dessas fórmulas na língua. Entre eles destacamos: Lopes, A. (1992), Bragança Júnior (1999), Cazelatto (2006) e Xatara e Succi (2008). É sob esse prisma que tomamos os AF performativos – em sua microestrutura –, a partir das concepções austinianas e searleanas para nossas proposituras analíticas. Para isso, tomamos como referência autores como Austin (1990); Searle (1995) e Rajagopalan (2010). Nossa investigação busca mostrar a repetição e a conservação das fórmulas linguísticas como AF performativos, pautados no paradigma das TD, entendendo-as como moventes, que se fixam/repetem enquanto tradição. Assim, do tripé instituído, entre performance, AF performativos e EF, a partir da tradicionalidade, algumas dúvidas surgiram no percurso inicial: como um AF é um fator constituinte da performance? Como a performance insere-se no texto, partindo das TD? Seria um AF uma TD? A performance reflete as fórmulas da língua? Dessas indagações, outras mais surgiram ao nos deparamos com nosso fenômeno linguístico, quais sejam: (a) Que AF constituem-se frequentes nas FR e nos BoiR potiguares? (b) O que esses AF revelam desta tradição cultural? (c) É possível um AF ter como norte um paradigma como os das TD? (d) Qual a relevância desta pesquisa, enquanto contribuição teórica e metodológica? O objetivo dessa pesquisa, por sua vez, é analisar a trajetória dos autos natalinos dentro do próprio estado norteriograndense, a fim de situar a formulaicidade encontrada nos cantos potiguares no escopo das TD, confirmando tais fórmulas. Isto porque, observamos que nos autos a profusão de repetições, evidenciando o nomadismo das vozes, encontra-se continuamente presentes na religiosidade popular desses sujeitos, como é o caso do candomblé, umbanda e catimbó ou nas composições das MPB e, ainda, versejadas em alguns poemas. No terceiro capítulo, dedicado às análises das discussões teóricas, enveredamos para a comprovação de nossas hipóteses. É importante lembrarmos para o fato de que todas as referências teóricas utilizadas são essenciais para atestar e assegurar as reflexões feitas em torno das análises procedidas, principalmente no que tange aos constructos discutidos nos cantos aqui inscritos, mesmo que não estejam ancorados no âmbito linguístico. Paralelamente, em alguns momentos, alargamos ideias, incutimos reflexões1, ou produzimos novos questionamentos, que consubstanciam as hipóteses apresentadas, pautadas nos estudos zumthorianos, de que as palavras em sua formação recaem em um estado de movência, 1 Direito conferido pela Estética da Recepção, enquanto produção, recepção e comunicação entre autor, leitor e obra, permitindo ao leitor expressar-se livremente, a respeito do que se propõem teorias diversas..

(24) através de sua conservação e da reiteração, que as evocam, dada a sua transmissão e a sua recepção. Dos versos moventes em todo o país, um só ideal: a reconstituição da passagem bíblica encontrada na credulidade dos sujeitos pelos cantos das FR, que se configuram como versos reiterados ao longo de sua existência. Em consonância com o quadro teórico apresentado, outros autores convergem para a construção de nosso pensamento. Assim, destacamos: Brandão (1977), Castro e Couto (1977), Porto (1982), Canesin e Silva (1983), Pessoa, Pessoa e Vianês (1993) e Pessoa e Félix (2007). Para a pesquisa dos cantos, adotamos uma averiguação etnográfica através de diálogos travados com folcloristas como é o caso de Severino Vicente e Gutemberg Costa (Natal/RN) e Raimundo Oswald Cavalcante Barroso (Fortaleza/CE); em conversas mantidas com alguns brincantes potiguares como é o caso do BoiR de Mestre Manoel Marinheiro (Natal/RN) e do BoiR da Vila de Ponta Negra (Natal/RN), do Boi Pintadinho de São Gonçalo (São Gonçalo do Amarante/RN), do BoiR de Dona Cecília (Extremoz/RN) e do Cavalo Marinho do Sr. Araújo (Pernambuco/PE); ou com representantes de produções artísticas por todo o país, como é o caso de Beth Krisam e Angélica Melo, do Reisado do Mandacaru (Maceió/AL), Francisco Cazuza da folia de Poço de Zé de Moura (Paraíba), Abadia Maria de Oliveira (Goiânia/GO), Malva Ramos Malvar (Aracaju/SE), Francisco Edilberto Oliveira Filho e Cristina Bastos (Vitória/ES) e Lenilton Lima (Natal/RN). Também é possível destacar que para a realização da pesquisa outro norte foi tomado. Como não dispúnhamos de acesso a tantas FR, procuramos desenvolver esse trabalho a partir da coleta de dados com agentes e produtores culturais brasileiros. A importância do Ministério da Cultura (MinC) e da Fundação Getúlio Vargas/RJ, nesse momento, foram fundamentais. Para esse feito, as grandes doutrinas ou tendências linguísticas, surgidas ao longo da historicidade da língua, produziram transformações significativas. Todas essas doutrinas reverberam pensamentos anteriores, iluminam novos olhares, consubstanciam teorias diversas, aproximam ciências distintas, antecipam ou suscitam discussões sobre a linguagem do sujeito através de suas proposições. Dessa constatação, o pensamento dos teóricos empregados aqui firma nossa análise. Logo, a relação análoga entre Zumthor e Kabatek ocorre a partir da concepção da movência, da repetição de algo (KABATEK, 2006, p. 510), existente na língua em sua circularidade textual e sua continuidade em um cronotopo social. Fortuna (2000), Carlson (2009), Teixeira e Viana (2010), além do escritor medievalista apontado, tratam o tema performance sob diversos aspectos. Enquanto os primeiros surgem com discussões sobre estratégias antropológicas e etnográficas, ou abordagens linguísticas e sociopsicológicas, ou mesmo sob teoria contemporânea de.

(25) identidade e resistência, os dois últimos discorrem sobre o patrimônio imaterial brasileiro, tendo a performance como elemento que une suas discussões. A partir daí, tomamos o cotejamento de Pessoa e Félix (2007), ao resgatarem as FR brasileiras, em sua progênie, abarcando várias localidades brasileiras, onde a FR ainda se faz presente. Empregamos ainda outros escritores como Pessoa, Pessoa e Vianês (1993), Brandão (1977), Castro e Couto (1977), Canesin e Silva (1983) e o Auto de BoiR de Mestre Manoel Marinheiro (2005) e outros BoiR potiguares para confirmar nossas hipóteses na recolha dos cantos desses autos natalinos. Em linhas gerais, o resultado dessa simbiose performance/formulaicidade/AF legitima-se em uma base fronteiriça que, embora distintas, se entrelaça e tenta explicar a organização estrutural desse trabalho. Sua natureza interdisciplinar, dialogando com vários autores, busca compreender a linguagem como resultado da interação entre os sujeitos e que pelo nomadismo das vozes tende a se conservar e repetir-se continuamente. Por fim, em nossas considerações finais, apresentamos uma síntese da gênese das dos autos natalinos, salientando as questões acerca da convenção e inovação (KOCH, 1997, p. 10) no percurso das TD, verificando se ocorreu, ou não, a presença dos AF performativos nas fórmulas linguísticas dos autos natalinos em sua concepção de mudança e permanência do texto. Entendendo, com isso, que as EF na oralidade da cultura popular repousam no paradigma das TD não somente para, em linhas gerais, confirmar o seu gênero, mas principalmente por ser movente e reiterado..

(26) 2 AUTO NATALINO: “OS REIS MAGOS AQUI CHEGOU”. 2.1 A RELIGIOSIDADE POPULAR. O universo da religiosidade dos sujeitos vê-se aportada em dois eixos: a sacralização e a dessacralização. De acordo com Eliade (1981, p. 10) na história das religiões, quer primitiva ou até as mais elaboradas, constitui-se “por uma acumulação de hierofanias, por manifestações das realidades sacras.” (ELIADE, 1992, p. 13). Sendo essas hierofanias, ou manifestação do sagrado, interpretada além do mundo cristão, e se defronta com o que o autor chama de mundo profano (ELIADE, 1981, p. 10), ou dessacralização. No tocante a este mundo, a religiosidade dos sujeitos, que se vê partilhada em sua historicidade cristã e na interpretação de mundo, retira dela sua credulidade e transforma-as, muitas vezes, em suas culturas populares. É exatamente esta a ideia basilar do auto natalino das FR e dos BoiR. Sua concepção, operada na dessacralização – na proposição de Eliade (1981, p. 10) universo profano – paira igualmente na história do sagrado, do cristianismo. Em se tratando do auto natalino, os brincantes tomam para si essa persona, a partir da representação tríade dos Reis Magos, mostrando suas manifestações em um espírito de coparticipação com a plateia na troca de seus valores culturais e religiosos, fazendo dessa cultura popular um caráter múltiplo. Isto é, a sua credulidade religiosa vê-se igualmente nesse binômio de (des)sacralização. A tradição, mantida e movimentada pela cultura oral, é “uma força obscura e poderosa, fazendo a transmissão, pela oralidade, de geração a geração” (CASCUDO, 1978, p. 168). Sua continuidade é visível e representa o ideário popular; sua historicidade, consagrada no exercício das vozes, reforça o nomadismo. Cascudo (2000, p. 241) indica ser uma “existência dual da cultura entre todos os povos”. Ou seja, há uma “cultura sagrada, hierárquica, venerada e reservada para a iniciação” (2000, p. 241) e, paralelamente, uma cultura popular que se abre à transmissão oral coletiva, que se destina à manutenção dos usos e costumes da vida dos indivíduos. Os linguistas, folcloristas, antropólogos e etnólogos brasileiros, dentre outros de variadas searas, anunciaram sobejamente a origem e os predicativos existentes em uma FR, que vão desde suas vestes coloridas, percurso, às peculiaridades de cada auto dentro do país..

(27) Sob essa responsabilidade, nossa hipótese abarca não em sua historicidade, no que tange à sua gênese mas, precisamente, ancoramo-nos em seus cantos, pois estes carregam consigo a memória do sujeito, que através de sua movência textual conserva-se, reiterando-se quer pelo gênero, em estudo, ou pela diversidade de outros gêneros que se imbricam intergenericamente. Nesse viés, abrigamos as fórmulas linguísticas e AF como nosso propósito hipotético inicial, que é o reconhecimento da mobilidade das EF entre esses autos. Assim, cabe mencionar a variabilidade terminológica para este auto. Cascudo (2000), por exemplo, denomina o reisado como um “cortejo erudito em relação à FR que se apresentava como espetáculo popular”. Entretanto, a cultura popular é a mesma nos dois autos. Ou seja, reconhece o autor como autos natalinos idênticos o BoiR, Reis, Ternos e Ranchos, em que seu enredo sempre se dá pela história da natividade, dos Reis Magos e dos pastores a caminho de Belém (CASCUDO, 2000, p. 581). As FR têm em sua peregrinação um ponto inicial (que é a saída da jornada) e um ponto final (o arremate) previamente definidos. Há um contrato acordado no giro pelos embaixadores que expressam suas dimensões religiosas, sociais, cênicas e organizativas. A viagem é, pois, a essência do rito, o princípio e o fim. “Trata-se de uma história milenar vivida, descrita, desenhada, cantada mundo afora por uma infinidade de pessoas” (PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 10).. O que chegou até nós é incomparavelmente muito mais amplo e é fruto de atitudes de fé, de criação artística, de imaginação etc. isso para dizer que, dois mil anos depois, um ritual é aprendido e transmitido praticamente à margem da escrita, como é a FR, não necessariamente deve ser visto como portador de uma compreensão uniforme daquela viagem (PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 32).. A fonte bíblica é a mantenedora desse auto, porém sua composição também se dá por suas vivências socioculturais, por sincretismos religiosos distintos e por suas interpretações religiosas. Trata-se ainda, na estrutura do auto, de reconhecer o que esses mestres das vozes aprenderam “do núcleo central da narrativa de outros autos, mas, vão acrescentando elementos e interpretações, dando vida e atualidade aos personagens fundadores” (PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 43, grifos nossos). Nas culturas populares brasileiras, as FR não tratam de uma simples reprodução portuguesa, mas, sobretudo, de uma continuidade histórico-cultural e social que marca um tom de espiritualidade confessional e credulidade religiosa dentro do país. Entretanto, é difícil.

(28) definir uma lideracidade para sua nomenclatura, quão variada é a concepção taxionômica. Significa dizer, no entanto, que muitos nomes são atribuídos para um mesmo auto, mas, sobremaneira, sua essência devocional religiosa é a mesma. Brandão (2003) assim define:. O Reisado é um dos autos populares próprios da época natalina que se filia ao vasto ciclo de autos derivados das Janeiras e Reis portugueses, como as Folias de Reis de S. Paulo, Estado do Rio, Guanabara, Bumba-meu-boi do Nordeste, Reis de Boi do Espírito Santo, Boi-de-Mamão do Paraná e Santa Catarina, Boizinho do Rio Grande do Sul e Boi-Bumbá da Amazônia. Em Alagoas o auto sincretizou co outro auto, o auto dos Congos ou Reis de Congos, talvez também um Reisado, e por isso passou a apresentar maior riqueza e encanto em sua indumentária, em sua música e coreografia, tornando-se assim diferente, em certos aspectos, das versões de Reisados de outros Estados e regiões do país. (BRANDÃO, 2003 apud PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 171, grifos do autor).. Muitos foram os estados do conhecimento que disseminaram as histórias das FR, mas poucos se detiveram à música per si. Nossa convicção é a de que não estudamos a música enquanto letra; efeitos sonoros, mas o gênero oral, a cultura oral dos sujeitos. Nesse caso, não poderíamos, em rigor, discutir os cantos sem avultar sua performance. É ela quem dá vivacidade e dinamismo ao texto. É ela quem provoca o desejo de continuidade. Nos textos, pudemos averiguar o mesmo processo ritualístico em um FR. Ou seja, percebemos o início da jornada de um local pré-determinado, perpassando pela chegada/pouso à casa do festeiro; os benditos de mesa; peditório de esmolas; adoração ao Menino-Jesus; agradecimento; despedida e saída da jornada. Em tese, casa a casa, temos:. Figura 01 - Cline do percurso ritualístico do pedido de esmolas em uma FR. Fonte: Dias (2012). No caso do BoiR, a saída da jornada, seu início, é representada pelo o que os brincantes definem “massera”, que é o momento de concentração do grupo..

(29) Dos cantos eu lembro Jesus da Lapa, lembro Massendo areia... O massera ele é uma música de começo de entrada ele tem, ele dizia assim... a massera é quando a gente começa o treinamento dentro de casa. Que essa música é para a gente dançar ela dentro de casa. Não tem o salão, né? É música de salão. E quando sai já pode cantar outra música. Ele diz: “massera, minha massera...” aí eles estão dando aquele treinamento... aí eles treinam, treinam, aí vão pra fora. (Depoimento da brincante Odaíza/Iza do BoiR do Mestre Manoel Marinheiro, em agosto de 2012). Dessa feita, no BoiR, dada a sua estrutura cênica e de palco, temos o percurso evidenciado no próprio canto. Não há mais paragem, nem caminhada como é uma FR original. Uma apresentação de sua cultura popular, reverenciando os Reis Magos é realizada pela performance dos sujeitos. Assim, temos:. Figura 02 – Cline do percurso cênico das figuras que compõem o BoiR. Fonte: Dias (2012). Observamos das figuras 01 e 02 a simbiose entre as FR e os BoiR no tocante à tradicionalidade em fazer do canto um mesmo percurso. Ou seja, há um começo, um meio e um fim para toda essa cultura popular. Nesses dois autos percebemos uma saída (ponto de partida) e um arremate (ponto final) que evidenciam uma mesma tradição, entrecruzando-se na adoração ao Menino-Jesus. A divergência só acontece no momento da apresentação cênica das personagens do BoiR e da comicidade2 que possuem alguns dos brincantes (é o caso dos animais Jaraguá, Cão, Burrinha, Gigante, ou de Mateus, Catirina e Birico). No caso das FR, temos uma jornada notívaga em que os brincantes vão casa a casa até a noite de Reis adorá-lo pelos cantos e orações. No BoiR, esse ritual acontece em um único dia, quando da contratação dessa cultura oral, e ocorre por meio da contação de uma história, que é a morte e a ressurreição de um boi e dos diálogos travados entre o mestre e 2 Não é foco de nossa análise o lado cômico produzido pelos brincantes nos autos natalinos potiguares..

(30) demais personagens. Os dois autos, de igual modo, acontecem sempre à noite. Em tese, temos nos autos um início perambulatório – embora nos BoiR atualmente isso já não ocorra –, um pouso para a adoração ao Menino-Deus e uma saída deambulatória que finaliza a jornada. Uma característica visível nos BoiR potiguares e a ausência dos precatórios3. Assemelham-se, de modo geral, por se tratarem de autos natalinos que recontam passagens bíblicas do nascimento de Jesus por meio do canto e parecem-nos distintos pela própria configuração dos autos: nas FR, há um caráter de caminhada e paradas para cantos e orações na casa dos festeiros e nos BoiR há uma atividade performática contratada, contandonos uma história natalina e envolvendo o diálogo com demais personagens para uma plateia atenta. A chegada da FR, nesse caráter deambulatório, não acontecem nos BoiR. Enquanto é comum em um o passeio noturno e o canto, no outro toma conta a teatralidade em um espaço cênico através das vozes mnêmicas performáticas. Muito embora essa distinção atual nem sempre tenha ocorrido. Nos BoiR potiguares pesquisados há a evidência dessa peculiaridade de caminhadas a um ponto específico. Na dinâmica dos autos natalinos, percebemos a linearidade nas FR na formação de seu percurso. Os brincantes perambulam em meio à mata, noite adentro, e repousam adorando o Deus-menino para, em seguida, despedirem-se e finalizarem a jornada. No BoiR, este ritual é relativamente idêntico. Sua diferença está em não exaltarem tanto o peditório, mas enaltecerem as loas dos palhaços e evidenciarem as falas dos personagens deste auto. Dessa tradição, encontramos na performance da voz, nas ações linguísticas, a configuração para atinar como uma TD, dada a sequência mnemônica dos atos linguísticos, evidenciados nos cantos. A voz mnêmica, impressa no texto/canto, apresenta-se como uma atividade poética que engendra na arte, legitimando a tradição cultural, consolidando-a e resgatando a inteireza das TD. Daí, observamos a seguinte tradicionalidade cultural:. (i). A ação performática acontece durante alguns momentos fundamentais: à noite por figurar a caminhada dos Reis Magos à manjedoura; por proteção aos algozes, conforme passagem bíblica da perseguição/peregrinação ao Messias; por ser o momento em que o clima está mais ameno para os brincantes.. (ii). A visita aos festeiros, nos cantos, sugere a hora do almoço o que antecipa a compreensão de uma jornada diária precatória.. 3 Isso ocorre, evidentemente, por haver um contrato financeiro entre os brincantes dos BoiR e quem os contrata. Após o final da apresentação, há um pagamento pelo trabalho performático..

(31) (iii) O espaço de sua circulação é campesino e, no entanto, a concórdia das casas visitadas é feita previamente entre os participantes. (iv) O tempo da epifania é sempre iniciado com o nascimento de Jesus, em 24 de dezembro, indo até 06 de janeiro com o dia de Reis. Entretanto, nos BoiR potiguares há o acordo de se começar os ensaios três meses antes. (v). Os. personagens. epifânicos. constituem-se. sempre. por. homens4. metamorfoseados e personagens totêmicos. (vi). Os cantos dialogam a caminhada, suas dificuldades e o intento da jornada.. Considerando esses elementos sínteses, observamos dois ciclos: por credulidade e por encantamento. A primeira, de teor religioso, propaga as intenções cristãs em avivar as histórias bíblicas, muitas vezes, ascendendo às dessacralizadas. E a segunda, de teor alegórico, tem caráter moralizante: os brincantes exigem a participação donativa dos festeiros em nome de sua fé, mesmo em momento de pura diversão, em que a doação não é a essência do auto, mas a rememoração do auto natalino. Um auto popular reúne, segundo Cascudo (2000, p. 241), letra, música, coreografia e temática. Entretanto, essa reunião tem passado por mudanças. Isso porque, as manifestações culturais populares tendem a variar. Isso acontece pela própria interpretação dos brincantes5, pelo tempo da apresentação, modificando, ou diminuindo, as músicas e pelo tempo/espaço em que o auto surge. No universo das tradições populares, a cultura da reverência aos Reis Magos subjaz em sua progênie aos colonizadores ibéricos, notadamente aos portugueses, e empregados pelos jesuítas no processo de catequese, expandindo-se por outros países (SILVA, A., 2006, p. 15). De caráter sagrado, que retoma as passagens bíblicas e as recontam em suas culturas populares, possui paralelamente uma especificidade profana em que, segundo Silva, A. (2006), “sempre se considerou honrar as cerimônias religiosas com toda espécie de manifestações vivas dos homens, tudo servindo de homenagem” (2006, p. 42). A respeito dos autos, Rocha (1977 apud CASCUDO, 2000, p. 242) classifica-os em 04 tipos distintos: (i) o natalino, composto por Reisado, Guerreiro, Bumba-Meu-Boi, Chegança, Fandango, Marujada, Presépio, Pastoril, Pastoril Profano, Maracatu, Taieiras, 4 Nos livros e estados do conhecimento pesquisados, a alusão se esclarece pelas dificuldades dos lugares passados e por rememorar os seguidores de Jesus, confirmado por inquéritos orais desses brincantes. 5 Um bom exemplo é o BoiR de Dona Cecília de Extremoz/RN. Ela narra que aos 15 anos acompanhava o BoiR de Mestre Manoel Marinheiro em suas apresentações. Decidiu, mais tarde, fazer o próprio BoiR com seus próprios familiares. Hoje, seu auto tem 51 anos de tradição e seus cantos deixaram de serem os cantados pelo mestre Manoel. (Resumo do depoimento de Dona Cecília em janeiro de 2013)..

(32) Quilombo e Cavalhada; (ii) o carnavalesco, com as Cambiadas, Negras da Costa, Samba de Matuto, Caboclinhos; (iii) carnavalesco com estrutura simples, com o Boi de Carnaval, Ursos de Carnaval, Gigantões e Cobra Jararaca; e de (iv) festas religiosas, com Mané do Rosário e Bandos. Dessa variabilidade ainda há outros que não foram referidos pelo autor. É o caso do BoiR, Boi Bumbá, Congada, Baianas, etc. Pessoa e Félix (2007, p. 132) esclarecem que a referência aos Reis Magos, oriunda de Portugal, vai além do campo das práticas religiosas. Isso acontece dada a dessacralização, avultada por Eliade (1992, p. 13). No século XI, segundo Moreira e Brandão (1983 apud PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 132), a encenação litúrgica, assinalava o (i) Officium Pastorum, que representavam os primeiros dramas dos pastores a Jesus e o (ii) Officium Stellae, que dramatizavam a vinda dos Reis Magos à manjedoura. Mais tarde, com sua fusão, surge o (iii) Ordo Prophetarum, em que nesses autos se incorporam “à matança dos inocentes, à fuga para o Egito e ao anúncio dos profetas” (PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 132). Pessoa e Félix ainda atestam, de acordo com Bastide (1983 apud PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 134), que a FR origina-se em Portugal e é conhecida como cantar os Reis, pedir os Reis ou cantar as reisadas. Nesse caso, para os autores, há uma distinção peculiar entre as Janeiras, como também são conhecidas as folias e cantar os Reis. A ortodoxia presentes nas Janeiras é o “cantar profano ligado à sociabilidade comunitárias das aldeias”, enquanto que, em sua outra denominação, o cortejo e o conteúdo versejado no canto tinham um caráter mais religioso e sua Epifania ocorria no dia de Reis, em 06 de janeiro (PESSOA; FÉLIX, 20072007, p. 135). Dentro desse caráter da gênese da FR, Bonesso (2012), embora aponte igualmente a Espanha, no início do século XIII para o surgimento dessa cultura, evidencia Portugal para a origem dessa religiosidade popular. Eis:. Em geral, esses agentes reconhecem como local de origem a Península Ibérica – mais especificamente Portugal. Mas as datas, muitas vezes, diferem entre si. Embora haja um quase consenso de que foram os colonizadores portugueses que trouxeram as folias para o Brasil, é imprecisa a época em que esse fato aconteceu. A origem está nos cancioneiros ibéricos. (BONESSO, 2012, p. 17). No Brasil, seus primeiros registros são datados do século XVIII com o processo de colonização do país (PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 134). Cascudo (1978) assinala que, diferentemente das Janeiras portuguesas, o bumba-meu-boi, como são conhecidas as FR em alguns lugares brasileiros, é uma “convergência de reisados e daí sua mobilidade, crescendo.

(33) por enxertia e eliminando por desuso figuras e cenas, de lugar para lugar” (1978, p. 17). Enquanto que nos cancioneiros ibéricos, nos séculos XVI e XVII, apresentavam danças com contornos que lembravam as FR. (PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 134). Este modelo, evidenciando os precatórios, o dia votivo, os festejos é, evidentemente, uma das peculiaridades do auto brasileiro, não acontecendo o mesmo nas terras lusitanas. Paradoxalmente, Pessoa e Félix (2007, p. 139) notam que se as raízes para o auto natalino brasileiro têm procedências lusitanas, esta não é exclusividade apenas portuguesa, pois em toda a Europa difundiam-se eventos paralelos. É o caso, da Inglaterra com os Christmas, em 1170; da França, a presença dos Noëls; da Alemanha, os Weihnachtslied; da Espanha, os Villancicos, nos séculos XV e XVI. É sabido que a cultura popular decorre da memória coletiva dos sujeitos e, como tal, os registros dessa tradição, perpassam através das gerações. Um exemplo dessa constatação é recolhido por Vasconcellos (1983 apud PESSOA; FÉLIX, 2007, p. 138) em 1880:. - Quais foram os cavaleiros Que fazem sombra no mar? - São os três Reis do Oriente Que a Jesus vão adorar. - Quais são os três cavaleiros Que fazem sombra no mar? - São os três Reis do Oriente: Gaspar, Belchior, Baltasar. Não precuro por pousada Nem por quem a possa dar; Procuro por Jesus Cristo Aonde o poderei achar. Fomos achá-lo em Roma Revestido num altar, Com cálix bento na mão E a hóstia por consagrar, Com dez mil almas à roda Todas por comungar. Esta casa cheira a fritos Ou eu me enganei de cheiro. Senhor, que está deitado Nesse leito de madeira, Deus lhe dê boa fortuna Com a sua sementeira. Senhora, que está lá dentro Deixe-se estar que está bem, Mandai-nos dar a esmola.

Referências

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