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Elementos Constitutivos do Texto

3.2 SOBRE OS FUNDAMENTOS DAS TD

3.2.1 Elementos Constitutivos do Texto

Diversos são os fatores que justificam uma tessitura textual. Assim, podemos elencar, por exemplo, a escolha de sua tipologia em gêneros, as estratégias de construção utilizadas que lhes permitam a referenciação, repetição, parafraseamento, dentre outros, (JUBRAN; KOCH, 2006, p. 34) ou talvez, a aplicabilidade de critérios de textualização que subjaz à coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade (MARCUSCHI, 2008, p. 99), além de sua ideologia discursiva, etc., que nos leva à comunicação/interação. Com isso, podemos entender as EF, no escopo das TD, a partir de estratégias de construção como é o caso da repetição, e dentro de um critério de textualização que é o intertexto.

Em razão disso, Guimarães (2009, p. 35) mobiliza dois fatores constituintes do texto: a microestrutura que se responsabiliza pela “estruturação linguística do texto”, pois ela representa todo o “sistema de instruções textualizadoras de superfície” (GOMES, 2009, p. 35), auxiliando, por sua vez, na linearidade textual através de palavras e frases a sua estrutura coesiva e a macroesturura que são os componentes que organizam o sentido global do texto e respondem por sua significação.

Destarte, subsumimos por noção de texto a totalidade integrada de uma unidade temática, cujo formato ou significação dá-se pela relação entre constituintes e contexto de produção (GUIMARÃES, 2009, p. 12). Diante disso, em uma noção preliminar, o texto enquanto linguagem é compreendido como:

Uma forma de atividade humana construída nas/pelas interações sociais estabelecidas por interlocutores dotados de objetivos comunicativos. A

linguagem é uma atividade interacional, estabelecido segundo as intenções de seus participantes e realizada por/através de um conjunto de operações verbais (SIGNORINI, 2008, p. 27).

Por seu turno, o texto é o lugar em que se constitui e interage o sujeito social e, dessa forma, resulta em evento comunicativo, compreendido como um “tecido estruturado, entidade significativa/comunicação ou artefato socio-histórico” (MARCUSCHI, 2008, p. 72), resultado da interação entre os sujeitos. Ele não existe “a menos que alguém o processe como tal” (MARCUSCHI, 2008, p. 89).

O que nos fascina é o fato de que o texto, ou mais precisamente sua práxis enquanto atividade comunicativa, organiza a sociedade condicionando suas ações. Essa questão é aparente quando se trata de assuntos afins à comunidade, como é o caso das crenças religiosas, em que a voz é uníssona e compreendida por todos. Partindo dessa reflexão, Marcuschi (2008, p.191) ao abordar o continuum fala e escrita sugere dessa relação – e o que para nós esclarece a presença de um auto: (a) a historicidade, tendo sua origem em práticas sociais; (b) evidências em uma sociocomunicação, revelando práticas; (c) a estabilização de algumas rotinas; (d) uma adaptação a alguma forma característica; (e) uma funcionalidade que lhes dê maleabilidade e definição, etc.

Em linhas gerais, o que subjaz a essa discussão embrionária sobre o texto não é sua compreensão enquanto produto ou artefato, mas como evento comunicativo (MARCUSCHI, 2008, p. 242, grifos do autor) que se dá socialmente através da tradicionalidade e de sua consequente movência histórica que recai em TD. Mais precisamente, ocupamo-nos do texto para dele repousar em sua fraseologia, de modo que compreendamos como se evidenciam a formulaicidade nos autos natalinos aqui propostos.

O texto é o lugar em que se constitui e interage o sujeito social e incompreendido e controverso, este ascende em discussões entre os linguistas quanto à sua definição, havendo consonância no que diz respeito à genética textual e a história do livro e da leitura (ADAM, 2008, p. 19): “um texto não é exclusivamente um objeto espacial estável, ele é ancorado histórico e socialmente em que se reflete todo discurso e todo sentido” (ADAM, 2008, p. 42). Para nós fica clara sua significância: é a materialidade das vozes mnêmicas que, de igual modo às TD, se sobressaem como TDO.

Cada texto aponta não só apenas para sua rede intertextual, mas, sobremaneira, à sua relação constitutiva com a intertextualidade. Ou seja, nas TD operamos tanto por seu fragmento discursivo reiterado, o intertexto, quanto pela manifestação de seu macrotexto, a intertextualidade. Quer pela presença explícita, ou não, mantida com outros textos ou por seus

fragmentos linguísticos, o texto evidencia modos de falar tradicionais que operam sua movência cronotopicamente.

A correspondência entre texto falado e oral tem, em sentido amplo, não apenas seu aspecto verbal/vocal, enquanto língua falada, mas todo o mecanismo necessário para a produção da fala entre os interlocutores. É tudo que “provoca, propicia, favorece e possibilita a produção, transmissão e recepção da fala como material verbal e oral, como canal de interação” (URBANO, 2000 apud PRETTI, 2000, p. 153)

Para a construção de textos, notadamente discursivos, a recepção destes – agregada à repetição e circularidade – tende a exercer no indivíduo internalizações pelo que se ouve e dessa recepção, repeti-los continuamente no convívio social. Assim, ao se escutar os cantos da religiosidade popular, como é o caso dos autos natalinos, os sujeitos acabam por abstrair o texto e, em alguns momentos, evidenciá-los enquanto atividade comunicativa. Destarte, para que isso ocorra, passa a existir uma congruência entre os processos de tradição e atualização do texto que ocorre a partir da sua produção à repetição. Temos na cadeia de circularidade textual assim representada:

Figura 09: Processo constitutivo de um texto Fonte: Dias (2012)

Convém esclarecer que neste merisma, dentro do continuum do oral e do escrito, ocorre a formação do texto. No repositório reminiscente social, em suas atividades mnêmicas, perceberemos a evocação do texto por recepção e transmissão e na movência há, paralelamente, a reiteração e a conservação. Nesse caso, no segundo eixo, poderá ocorrer tanto pela voz, quanto pela palavra escrita. Tomemos, por exemplo, a EF “Deus vos salve”: a simples evocação dela antecipa uma recepção e uma transmissão pelos sujeitos em seus contextos sociais, como se vê em: (i) “Ai, Deus vos salve a casa santa” (FRM/ES); (ii) “Deus

•Movência •Evocação

REITERAÇÃO RECEPÇÃO

TRANSMISSÃO CONSERVAÇÃO

vos salve santa lapa” (FRM/GO); (iii) “Deus vos salve a bela oferta, ai” (FREM/ES); (iv) “Deus vos salve o belo altar” (CRSC/MG); (v) “Deus vos salve o nobre casal” (CRSC/MG) e (vi) “Deus vos salve companheiro” (CRSC/MG). Evidentemente, extraímos as expressões dos cantos, mas seus empregos, de igual modo, tendem a passar por uma reiteração e

conservação, quando empregados no cotidiano dos sujeitos, levando-as à movência. É o caso,

da MPB, cantada por Nara Leão, em que se usa a mesma expressão das FR: “Ó Deus vos salve esta casa santa/Onde a gente janta com nossos pais/Ó Deus vos salve essa mesa farta/Feijão verdura ternura e paz”; de cantos aos Orixás: “Deus vos salve a aldeia, Deus vos salve./Deus vos salve este nosso kanzuá./Deus vos salve a aldeia santa./Salve todos Orixás, Obaluaê e a rainha do mar./Deus vos salve a aldeia, Deus vos salve./Deus vos salve este nosso kanzuá./Deus vos salve a aldeia santa./Salve todos Orixás, Obaluaê e a rainha do mar” e de poemetos, de Roberto Mendes e Mabel Veloso, como: “Deus vos salve Lua Nova/Minha Lua bonitinha/Faça com que eu consiga/Tornar-me outra vez novinha/Deus vos salve ó crescente/Lua boa e tão bonita/Ajuda-me a conseguir uma vida de prazer/Deus vos salve Lua Cheia/Lua brilhante, Lua forte/Não me deixe minguar tanto/Vem clarear minha sorte”. Em resumo, a simples evocação da EF concomitantemente perpassa por esses quatro eixos, levando-a à movência e nesse nomadismo também reitera e conserva a EF.

Uma mudança linguística advém da manifestação interacional entre os falantes e, nesse caso, as TD pairam na composicionalidade do texto para por em evidência a permanência/tradição ou a sua mudança/atualização. Nessa dinâmica, Koch (1997, p. 7-17) postula sobre a evolução das TD: (a) a co-referência entre os textos, (b) o conservadorismo formal da língua e (c) as inovações cronotópicas, decorrentes das mudanças sociais e culturais. Para isso, compreende essas inovações a partir da divisão de um gênero, de suas reformulações e convergência, aportadas nas tradições culturais.

Sabemos, com isso, que uma TD não é apenas a equiparação entre os textos a partir de um gênero, ou subgêneros, específico. Há uma migração – que aduzimos movência textual – no processo de sua construção que os levam à evocação e à repetição. Essa transposição do gênero, que lhe confere atualização e tradição, permite a mobilidade do texto, quer por convergência de gêneros ou não.

Na comunicação humana, o canto está entrelaçado a questões de linguagem no contexto

social dos sujeitos. “No canto ou na recitação, mesmo se o texto declamado foi composto por

escrito, a escrita permanece escondida”, “não elimina o efeito vocal” do texto (ZUMTHOR, 1993, p. 19).

Interferindo na vontade de produzir um efeito durável, determina um conjunto de regras, procedimentos, truques de ofício que servem para ordenar o texto. De uso virtualmente universal, eles variam segundo vários parâmetros. Quais sejam: tipo de língua natural, onde atuam; costumes e estilos de cada um; estilos de época e locais (ZUMTHOR, 2010, p. 144, grifos do autor).

A interação entre os falantes em seus costumes e estilos agregados à época e locais, sugere uma produção mais singular e mais natural. Nesse caso, a formulaicidade contida nos cantos com suas regras e truques – como são o caso do estribilho, frases repetidas, textos simples – antecipa uma necessidade de memorização. Evidentemente, a sucessão de frases que se repete quase pouco varia ao longo dos anos, refletindo-se em TD. Seu canal, por via de regra, é a representação cênica, isto é, a sua performance.

Poder-se-ia dizer que a repetição da comunicação de um conteúdo já é uma TD já que é algo linguístico e ao mesmo tempo algo que se repete. Ou a repetição de uma situação e as palavras pronunciadas em ambas. Ou a repetição de duas instituições ou de dois canais particulares de comunicação. Todas estas repetições não são ainda TD, mas são repetições que podem estar intimamente ligadas às TD, ligadas mediante o que chamamos a evocação (KABATEK, 2006, p. 510).

Um exemplo de variação textual é encontrado no canto do BoiR do Mestre Manoel Marinheiro. Nele, observamos trechos que identificam a movência textual e a mudança do texto, no que tange à sua atualização. Observemos que no primeiro canto as estrofes 2ª e 6ª são as mesmas quadras do segundo canto nas 1ª e 4ª. E o que traçamos preliminarmente aqui como TD é o agradecimento que normalmente se faz ao se despedir de alguém, assim como a promessa vindoura da visita e continuidade do auto.

Nos cantos, observamos algumas inovações/mudanças. Neles, verificamos uma mudança pontual no canto. Entretanto, essa mudança na materialidade do texto não se configura totalmente uma mudança, mas uma atualização. Isto é, nas estrofes 3ª e 5ª, do canto à esquerda, e as estrofes 3ª e 6ª, à direita, permanece a referência a flores, embora que as palavras não sejam mais as mesmas há a recorrência pelo mestre de açucena e rosa, pau-brasil e pau da mata; o ato de despedida é também uma atualização. Assim, em “Adeus adeus meu povo de lá,/até para o ano se ainda voltá” e “Meus sinhores e sinhoras/Deus le dê muito bonoite”. Não há, na materialidade do texto, a expressão “adeus”, mas na saudação “lhe dê muito boa noite” há o mesmo entendimento. O que inova, certamente, é quando o mestre faz referência no canto de sua presença: “Diz o Mestre da maruja/Que hoje aqui não brinca mais” e “Quem por mim perdeu seu sono/Agora pode ir dormi” ou “As casada num me ama/E as

sorteira é quem me mata”. No que concerne à permanência, podemos aduzir a significativa referência aos santos da religiosidade sacra “Jesus Cristo”, “Desu”, “Maria”, “São José” e “Santos Reis”, por exemplos.

Canta meu boi – Manoel Marinheiro Canto de despedida – Manoel Marinheiro

Despedida há de ser hoje, que amanhã não pode ser E na hora da despedida, nem a deus16 posso dizer Despedida despedida, Jesus Cristo em Belém Meus sinhores e sinhora, e até o ano que vem Despedida despedida, como disse o beija-flor Quando for beijar sussena, nos pés do nosso Senhor Despedida há de ser hoje, que amanhã não pode ser E na hora da despedida, nem a Deus posso dizer Despedida despedida, despedida rogorosa Quando for beijá sussena, despedi do pé da rosa Despedida despedida, chapéu fora da cabeça Meus sinhores e sinhora fique com Deus e amanheça Adeus adeus meu povo de lá, até para o ano se ainda voltá Adeus adeus que eu já me vou, não temos sodade aqui meuzamô Adeus adeus adeus meu amo, até para o ano se ainda voltá Aí eu virei e torno a virá, até para o ano se ainda voltá

Despedida, despedida17

Jesus Cristo em Belém bis Meus sinhores e sinhoras,

até o ano que vem bis Despedida, despedida

Santos Reis subiu à corte bis Meus sinhores e sinhoras

Deus le dê muito bonoite bis Aprantei , mas num nasceu

As semente do pau-brasil bis Quem por mim perdeu seu sono Agora pode ir dormi bis Despedida despedida,

chapéu fora da cabeça bis Meus sinhores e sinhoras

fique com Deus, amanheça bis Despedida, despedida

Dá pra frente e dá pra trás bis Diz o Mestre da maruja

Que hoje aqui não brinca mais bis Aprantei mas num nasceu

A semente do pau da mata bis As casada num me ama

E as sorteira é quem me mata. bis São José foi dizê missa

Na Igreja de Belém bis Condo foi dizendo oremo,

Orá Maria também. bis

16 Na recolha do canto observamos a expressão “a deus” e “a Deus”. Entendemos uma saudação, mas respeitamos a originalidade do texto e da coleta dos autores.

17 Nas atividades etnográficas com os representantes dos BoiR potiguares, o relato que se tem é de que o canto é suprimido, pois “os contratantes” sugerem um tempo determinado para a apresentação de cada grupo. Nesse caso, ao longo dos anos, os cantos vão sendo diminuídos pelos grupos para que todos os personagens possam se apresentar.

Virei virei e torno a virá até para o ano se ainda voltá Adeus adeus meu povo de lá, até para o ano se ainda voltá.

Figura 10: Cantos de despedida

Fontes: Canta meu boi – Associação Companhia TerrAmar (2005) e Canto de Despedida – Gurgel (1985, p. 71-72).

A língua, indiscutivelmente, manifesta-se nos textos e nas práticas sociais. Sua mudança ou permanência, em sua fixação, vai além do seu funcionamento sistêmico, pairando no contexto dos sujeitos. Nesse caso, Koch (1997, p. 14-16) esclarece que as TD, submetidas à historicidade de uma língua, perpassam por três filtros, quais sejam: (i) inovação por diferenciação de tradições culturais; (ii) inovação por mistura de tradições culturais e (iii) inovação por convergência de tradições culturais. No caso dos autos natalinos, essa distinção está presente tanto na diferenciação, que os tornam culturas populares específicas, quanto na mistura de suas tradições culturais, uma vez que os BoiR apresentam-se como nova forma performática de um reisado tradicional, pois têm suas características peculiares que é a morte e ressurreição de um boi e as recontam através de figuras totêmicas a história do nascimento de Jesus.

Nesse sentido, Koch (1997) sugere uma diferenciação para as tradições culturais. Para ele, uma mesma tradição tende a se diferenciar sucessivamente. Ou seja, se tomarmos o primeiro círculo como uma FR verificaremos que em sua adaptabilidade regional, histórica e cultural poderá, ao longo dos anos, variar produzindo novos autos como é o caso do BoiR (que atualmente já se subdivide em BoiR de reisado e BoiR de baile).

Figura 11: Diferenciação de tradições culturais Fonte: Koch, (1997, p. 15).

Dessa configuração, Koch (1997) ainda esclarece que poderão ocorrer outras novas combinações por mistura ou por assimilação representada na figura 13:

Figura 12: Inovação através da mistura de tradições culturais Fonte: Koch, (1997, p. 16).

Variações desse tipo nos levam claramente à relação entre nosso corpus. Esses gêneros orais engendram uma só manifestação: a presença da religiosidade dos sujeitos. É evidente que há entre esses dois gêneros orais, as FR e os BoiR, suas interseções e divergências. Enquanto nas FR há um caráter deambulatório, permanecido até hoje, nos BoiR sua performance configura-se como uma apresentação cênica para uma plateia. Sua coesão se comprova com o fato de que os dois autos (re)contam a história bíblica de Jesus Cristo, até pela presença de figuras totêmicas, retiradas da própria configuração do nascimento do Messias ou de figuras de homens mascarados e outros animais, que representam comicidade muitas vezes, para despistar a presença dos soldados de Herodes.

Enquanto práxis discursiva as FR apresentam-se como um “processo cultural socialmente contextualizado e de arte contextualizante”; uma “representação narrativa; dramatização; performance verbalizada” (BORGES, 2003, p. 16). Nesse caso, elas sinalizam para o reconhecimento da tradição, advindas da memória coletiva, formando paradigmas; modelos de culturas que são referentes para outras gerações.

A TD, encontrada nos autos natalinos, mostra-nos alguns elementos que ilustram sua organicidade textual de forma simétrica. Tais elementos, em sua macroestrutura, revelam-se nas FR três pontos essenciais: rezas, pedidos e adoração. Outras marcas ainda são visíveis como a promessa, o agradecimento e a despedida. Em sua ação linguística trata-se de um canto que tem como característica essencial a narratividade. Ou seja, é através da melodia repetitiva e de pouco conteúdo textual – que se configura em repetições constantes – que os brincantes relatam a passagem bíblica do nascimento de Jesus.

A estruturação das TD visibiliza e legitima notadamente as reminiscências coletivas a partir dos textos dos autos natalinos. Nos cantos, as repetições que se seguem acentuam

também um processo de movência linguística, que nos permite perceber uma variabilidade textual acontecendo enquanto TD.

Posto isto, é no arcabouço do intertexto que avivamos o estudo das EF, à luz do paradigma das TD, assumindo a evocação e a movência textual em seu aspecto sincrônico. Nos cantos dos autos natalinos observamos nos fragmentos textuais/discursivos o substrato de uma historicidade cultural, que se perpetuam na cadeia da oralidade.

A tradição, entendida como toda e qualquer prática partilhada pelos sujeitos socialmente e cujos saberes vão, aos poucos, sendo repassados através das gerações, permanece viva como manifestação identitária coletiva. Os atos dos mais simples aos mais complexos repetem-se culturalmente no cerne social, transformando-se em uma tradição. Essa

tradition corresponde à oralidade/linguagem falada e à escrituralidade/linguagem escrita.

Sendo assim,

A valorização do passado é procedimento muito comum em relatos sobre cultura, e em particular, sobre cultura popular. [...] O ato de usar a escrita como apoio da memória oral é procedimento que permite a seguinte avaliação: aqueles que participam do universo da oralidade têm consciência de que a escrita é um poderoso instrumento e que pode servir para guardar o oral do esquecimento. Pode parecer paradoxal mas, neste caso, a escrita é posta a serviço da oralidade (AYALA, 2003, p. 107-109).

Seja como for, a tradition remete em sua historicidade as características zumthorianas de movência e nomadismo através de textos desterritorializados e reiterados, inserindo-os em arquétipos da literatura oral, manifestando assim uma identidade cultural. Nessa perspectiva, Sá Júnior (2012)18 esclarece: “No curso da história, culturas populares admitem, alimentam e recriam mitemas para assegurar sua existência terrena e projetar um ideal espiritual”.

Além dessas condições reais, Guimarães (2009, p. 13) ainda enfatiza que são essencialmente textos: ordem, exortação, diálogo, argumentação, advertências, sinal de alerta, exclamação e interjeição, etc. e, nesse caso, a presença de expressões interjetivas apresentam- se reiteráveis. Seu avivamento, ancoradas nas TD, é uma marca recorrente nos autos. Contudo, tomamos como escopo analítico os verbos, enquanto AF.

18 Conferência ministrada por Lucrécio Araújo de Sá Júnior no III Colóquio Internacional Vozes – Natal/SEDIS/RN. Agosto de 2012.