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Epidemiovigilância do Usutu e de Organofosforados e Carbamatos em aves em Centros de Recuperação de Animais Selvagens

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

“Epidemiovigilância do Usutu e de Organofosforados e Carbamatos em

Aves em Centros de Recuperação de Animais Selvagens”

Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Georges Martins Moita

Orientador: Professor Doutor José Manuel Almeida

Co-orientadora: Professora Doutora Ana Cláudia Coelho

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

“Epidemiovigilância do Usutu e de Organofosforados e Carbamatos em

Aves em Centros de Recuperação de Animais Selvagens”

Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Georges Martins Moita

Orientador: Professor Doutor José Manuel Almeida

Co-orientadora: Professora Doutora Ana Cláudia Coelho

Composição do Júri:

Doutora Maria Manuela do Outeiro Correia de Matos

Doutor Nuno Francisco Santa Alegria

Doutor José Manuel de Melo Henriques de Almeida

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iii

Declaração:

O autor desta dissertação de mestrado declara que o documento aqui presente foi desenvolvido através da sua pesquisa e trabalho, sob a orientação dos seus orientadores. Todos os documentos consultados e utilizados na realização desta dissertação encontram-se devidamente referenciados e não colocam em causa os direitos da Propriedade Intelectual de terceiros. O trabalho aqui apresentado é original e não foi submetido anteriormente em nenhuma instituição de ensino.

Georges Martins Moita Dezembro de 2017

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iv

Agradecimentos

Agradeço à Helena Gaspar, minha namorada e melhor amiga, por toda a força e motivação que conseguiu aglomerar e transmitir-me, estas foram essenciais na criação desta dissertação. Adicionalmente agradeço as suas intervenções do foro cognitivo sobre o meu trabalho e dúvidas que surgiram.

Agradeço à minha mãe pela oportunidade que me deu de voltar a estudar, principalmente considerando o longo percurso que constituiu este curso.

Agradeço aos meus orientadores, Professor Doutor José Almeida e Professora Doutora Cláudia Coelho, que foram exemplares, sempre dispostos a ler e criticar o meu trabalho, estando este muito melhor graças à sua intervenção e conhecimento.

Agradeço ainda à Professora Anabela Alves pela sua ajuda na tradução e compreensão dos termos referentes às lesões histopatológicas.

(5)

v

Resumo

Os Centros de Recuperação de Animais Selvagens (CRAS) são locais aptos a acolher e recuperar, física e comportamental, os animais selvagens de fauna indígena ou naturalizada recolhidos. Dentro dos seus objetivos está o contributo para a vigilância sanitária da fauna selvagem, mas esta monitorização pode ser mais organizada e mais focada.

Na presente dissertação delineia-se um projeto de epidemiovigilância em aves, que são a classe de animais mais comum nos CRAS. As duas doenças a vigiar são a doença infeciosa emergente causada pelo vírus Usutu, e intoxicações por inseticidas Organofosforados (OF) e Carbamatos (CM) que têm uma grande importância nas aves.

O primeiro registo da doença do Usutu na Europa é referente a 1996 e desde então já matou milhares de aves selvagens e já foi diagnosticado em 13 países europeus. Este é um vírus transmitido por mosquitos e não se possui conhecimento acerca deste em Portugal.

Os organofosforados e carbamatos são inseticidas que inibem a enzima acetilcolinesterase e apresentam uma toxicidade aguda elevada e efeitos no comportamento das aves com repercussões negativas nas populações.

O projeto terá como objetivo a aplicação desta epidemiovigilância nos 14 CRAS da rede de centros de Portugal continental, usando as suas infraestruturas especializadas e recursos humanos. O projeto terá uma duração mínima de 4 anos e produzirá relatórios anuais com os resultados epidemiológicos obtidos. O projeto monitorizará o Melro-preto (Turdus

merula), o Pardal-comum (Passer domesticus) e a Coruja-do-mato (Strix aluco), aves

suscetíveis ao vírus Usutu e aos inseticidas OF e CM e nativas de Portugal continental. Nos diferentes centros, as aves das espécies a monitorizar que derem ingresso serão avaliadas de forma a definir se estas constituem um caso suspeito destas doenças.

As aves vivas das espécies a monitorizar que ingressarem nos CRAS serão alvo de um exame físico e neurológico e se respeitarem os critérios de definição de caso suspeito ir-se-á recolher uma amostra de sangue. O procedimento será realizado de acordo com o protocolo definido de forma às amostras serem fidedignas. Para avaliar a doença do Usutu realizar-se-á o Teste de Inibição da Hemaglutinação, que caso seja positivo ou duvidoso, será confirmado pelo Teste de Neutralização por Redução de Placas, o ‘gold standard’ serológico. As possíveis intoxicações por OF ou CM serão analisadas através da mensuração da atividade das colinesterases no sangue total.

As aves mortas das espécies selecionadas serão necropsiadas; e, se estas corresponderem aos critérios de inclusão proceder-se-á à recolha do cérebro da ave. De forma a padronizar a definição dos casos suspeitos, foi desenvolvido um protocolo de necropsia específico para o projeto. Metade do cérebro será avaliado por Transcrição Reversa

(6)

vi – Reação em Cadeia da Polimerase específica para o vírus Usutu. Na segunda metade será mensurada a atividade da acetilcolinesterase de forma a verificar se esta foi inibida pelos inseticidas.

Os resultados do projeto serão divulgados às entidades competentes e à comunidade científica.

Palavras-chave: Epidemiovigilância, vírus Usutu, Organofosforados, Carbamatos,

(7)

vii

Abstract

Wildlife Rehabilitation Centers are places able to receive and rehabilitate, physical and behavioral, of the wildlife of indigenous or naturalized fauna collected. Within their objectives is the contribute to the sanitary surveillance of wildlife, but this monitorization can be more organized and more focused.

In this dissertation, a project of epidemiological surveillance in birds, animal class more common in wildlife centers, is outlined. The two diseases to monitor are the emergent infectious disease caused by the Usutu virus, and intoxications by Organophosphate and Carbamate insecticides that have a big importance in birds.

The disease caused by the Usutu virus was first diagnosed in Europe in birds that died in 1996 and since then it has already killed thousands of wild birds and has been diagnosed in 13 European countries. This virus is transmitted by mosquitos and there is no knowledge about its presence in Portugal.

The organophosphates and carbamates are insecticides that inhibit the enzyme acetylcholinesterase and have a high acute toxicity which leads to negative effects in birds’ behavior with negative repercussions in populations.

The project will have the objective of the application of this surveillance in the 14 existing wildlife centers of the network of centers of continental Portugal, using their specialized infrastructures and human resources. The project will have a minimum duration of 4 years and will report annual epidemiological data. The project will monitor the Blackbird (Turdus merula), the House sparrow (Passer domesticus) and the Tawny owl (Strix aluco), birds susceptible to Usutu virus and organophosphates and carbamates and native of continental Portugal.

In the different centers, these bird species will be evaluated to determine if they constitute a suspect case of these diseases.

The live birds of the aforementioned species that enter the wildlife centers will be subjected to physical and neurological examination and if they match the criteria a blood sample will be collected. The procedure will be done accordingly with the defined protocol in a way that the samples are reliable. To evaluate Usutu it will be done a Haemagglutination Inhibition Test, that if is positive or doubtful, it’ll be confirmed with the Plaque Reduction Neutralization Test, the serological ‘gold standard’. The possible intoxications by organophosphates or carbamates will be analysed through measurement of the cholinesterases activity in total blood.

The dead birds of the selected species will be necropsied; and, if they correspond to the inclusion criteria a sample of the birds’ brain will be collected. In order to standardize the definition of suspect cases, it was developed a specific necropsy protocol for the project. Half

(8)

viii of the brain will be evaluated by Reverse Transcription – Polymerase Chain Reaction specific for Usutu virus. In the second half will be measured the acetylcholinesterase activity, to check if it was inhibited by the insecticides.

The results of the project will be disclosed to the competent entities and to the scientific community.

Key-words: Epidemiological surveillance, Usutu virus, Organophosphates, Carbamates, Birds, Wildlife Rehabilitation Centers.

(9)

ix

Índice

1ª Parte - Introdução ao Projeto ... 1

1. Nota ... 2

2. Introdução ... 3

3. Objetivos... 5

2ª Parte - Revisão Bibliográfica ... 6

1. ‘One Health’ (Uma só Saúde) ... 7

2. Doenças Infeciosas Emergentes e Reemergentes ...11

2.1. Doenças Infeciosas Emergentes em Animais Selvagens ...12

2.2. Causas das Doenças Infeciosas Emergentes ...13

2.3. Origem das DIE ...16

2.4. Distribuição Geográfica e Socioeconómica ...17

3. Doença do Usutu ...20

3.1. Vírus Usutu – Etiologia ...20

3.2. Epidemiologia ...21

3.2.1. Hospedeiros e Espécies Suscetíveis ...21

3.2.2. Transmissão do USUV ...22

3.2.3. Distribuição ...25

3.2.3.1. Prevalência ...28

3.2.4. Fatores de Risco Envolvidos com o USUV ...29

3.3. Patogenia ...30

3.3.1. Patogenia do Vírus da Febre do Nilo Ocidental ...31

3.3.2. Patogenia do Vírus Usutu ...32

3.4. Quadro Clínico e Lesional ...33

3.4.1. Quadro Clínico ...34

3.4.2. Quadro Lesional ...35

3.4.2.1. Lesões Post-mortem Macroscópicas ...35

3.4.2.2. Lesões Post-mortem Histopatológicas ...36

3.5. Diagnóstico Laboratorial ...39

3.5.1. Testes Serológicos...40

(10)

x

3.5.1.2. Teste de Neutralização Viral (VNT) ...41

3.5.1.3. Teste da Inibição da Hemaglutinação (TIH) ...42

3.5.1.4. Imunofluorescência Indireta ...42

3.5.1.5. Microarranjo de Proteínas ...43

3.5.2. Deteção de Ácidos Nucleicos Virais ...43

3.5.2.1. Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) ...43

3.5.2.2. Hibridização in situ ...44

3.5.3. Deteção de Antigénios Virais ...45

3.5.3.1. Imunohistoquímica (IHC) ...45

3.6. Tratamento ...46

3.7. Prevenção e Controlo ...46

4. Toxicologia em Animais Selvagens...48

4.1. Breve História da Toxicologia em Animais Selvagens ...49

4.2. Inseticidas...50

5. Organofosforados (OF) e Carbamatos (CM) ...53

5.1. As Moléculas dos Organofosforados (OF) e Carbamatos (CM) ...53

5.1.1. Organofosforados (OF) ...54

5.1.2. Carbamatos (CM)...54

5.2. Utilização dos Organofosforados e Carbamatos ...55

5.3. Organofosforados e Carbamatos no Ambiente ...56

5.4. Toxicologia ...56 5.4.1. Toxicocinética ...57 5.4.1.1. Absorção ...57 5.4.1.2. Distribuição ...58 5.4.1.3. Metabolismo ...59 5.4.1.4. Eliminação ...60 5.4.2. Mecanismo de Ação ...60

5.4.2.1. Mecanismo de Ação Principal ...60

5.4.2.2. Mecanismo da Síndrome Intermédia Induzida por Organofosforados ...62

(11)

xi 5.4.2.3. Mecanismo da Polineuropatia Retardada Induzida por

Organofosforados (PRIO) ...62

5.4.3. Espécies Suscetíveis ...63

5.5. Quadro Clínico e Lesional ...64

5.5.1. Quadro Clínico ...64

5.5.1.1. Intoxicação Aguda ...64

5.5.1.2. Síndrome Intermédia Induzida por Organofosforados ...65

5.5.1.3. Polineuropatia Retardada Induzida por Organofosforados (PRIO) 66 5.5.1.4. Doses Subletais e as Alterações Comportamentais Induzidas por OF e CM em Aves ...66

5.5.2. Quadro Lesional ...68

5.5.2.1. Lesões Post-mortem Macroscópicas ...68

5.5.2.2. Lesões Post-mortem Histopatológicas ...69

5.6. Diagnóstico ...71

5.6.1. Biomarcadores ...72

5.6.2. Cromatografia ...74

5.7. Tratamento ...75

5.8. Prevenção e Controlo ...76

3ª Parte – Projeto de Epidemiovigilância do vírus Usutu e de Organofosforados e Carbamatos em Aves em Centros de Recuperação de Animais Selvagens ...77

1. Os Centros de Recuperação de Animais Selvagens como Instituições de Monitorização de Doenças em Animais Selvagens ...78

2. Doenças a Monitorizar no Projeto ...80

2.1. Importância da Epidemiovigilância do vírus Usutu em Aves Selvagens ...80

2.2. Importância da Epidemiovigilância dos Organofosforados e dos Carbamatos em Aves Selvagens ...81

3. Espécies a Vigiar no Projeto ...83

4. Objetivos do Projeto ...86

5. Duração do Projeto ...87

6. Funcionamento Geral do Projeto ...88

7. Funcionamento do Projeto nos CRAS ...89

8. Monitorização de Aves Vivas ...91

(12)

xii

8.1.1. Volume Necessário para os Diferentes Testes: ...95

8.2. Recolha de Sangue das Aves a Analisar ...95

9. Monitorização de Aves Mortas ...99

9.1. Testes Laboratoriais a Realizar ... 101

9.2. Necropsia de Monitorização ... 102

9.2.1. Preparação da Necropsia... 102

9.2.1.1. Biossegurança ... 102

9.2.1.2. Tratamento dos Cadáveres a priori da Necropsia ... 103

9.2.1.3. Material Necessário ... 104

9.2.2. Procedimento da Necropsia ... 105

10. Preparações das Amostras para o Transporte ... 109

11. Indicadores de Produção do Projeto ... 110

12. Orçamento Geral do Projeto ... 111

4ª Parte - Considerações Finais ... 113

1. Discussão ... 114

2. Conclusão ... 118

Bibliografia ... 119

Anexo A – Tabelas das espécies em que foi diagnosticada Usutu ... 138

Anexo B – Tabela de distribuição do USUV ... 151

Anexo C – Fichas de funcionamento do projeto ... 154

(13)

xiii

Índice de figuras

Figura 1 - Uma só Saúde que engloba a saúde animal, a saúde humana e a saúde

ambiental, que por sua vez se interligam entre si. ... 7

Figura 2 – Âmbito da ‘One Health’. ... 9

Figura 3 - Agentes infeciosos responsáveis pelas DIE, onde se observa que 75% destes são zoonóticos. ...16

Figura 4 – Distribuição global dos casos de DIE. ...17

Figura 5 - Distribuição global dos mamíferos reservatórios de doenças zoonóticas. .18 Figura 6 – Número de casos de DIE divididos por bandas de latitude de 10º. ...18

Figura 7 - Ciclo de transmissão do USUV. ...23

Figura 8 - Usutu em África. ...26

Figura 9 - Usutu na Europa. ...27

Figura 10 – Estrutura química dos organoclorados. ...52

Figura 11- Estrutura química da permetrina. ...52

Figura 12 – Estrutura química das benzoilfenilureias. ...52

Figura 13 – Estrutura química dos organofosforados (I) e dos carbamatos (II). ...53

Figura 14 – Melro-preto (Turdus merula). ...83

Figura 15 – Pardal-comum (Passer domesticus). ...84

Figura 16 – Coruja-do-mato (Strix aluco). ...84

Figura 17- Organograma dos diferentes procedimentos em aves vivas e em aves mortas no âmbito do projeto. ...89

(14)

xiv

Índice de Tabelas

Tabela 1 - Diferentes sinais clínicos observados em aves com infeção pelo USUV confirmadas, estando divididos em sinais clínicos não neurológicos e neurológicos. ...34

Tabela 2 – Lesões macroscópicas observadas nas necropsias de aves com Usutu. Em alguns dos estudos é possível denotar a prevalência de algumas das lesões na amostra de aves estudada. ...35 Tabela 3 - Lesões histopatológicas observadas nos órgãos de aves com Usutu. Em alguns casos é possível denotar a prevalência da lesão na amostra de aves estudada. ...36 Tabela 4 - Alterações comportamentais observadas em aves devido a intoxicações subletais por OF ou CM. ...67 Tabela 5 - Lesões macroscópicas observadas nas necropsias de aves intoxicadas por OF ou CM. ...68 Tabela 6 - Lesões histopatológicas observadas nas necropsias de aves intoxicadas por OF ou CM. ...69

Tabela 7 – Espécies de aves a monitorizar no presente projeto. Estas estão de acordo com os critérios de inclusão definidos e foram espécies que ingressaram no passado no CRAS do HV-UTAD. ...84 Tabela 8- Critérios clínicos de definição de ave suspeita. ...91 Tabela 9 – Os testes de diagnóstico de Usutu quanto aos diferentes critérios de seleção. ...92

Tabela 10 – Valores fisiológicos da atividade da EAC no plasma de Melro-preto, Pardal-comum e Coruja-do-mato. ...94

Tabela 11 – Critérios lesionais a atender na definição das aves mortas suspeitas de Usutu ou intoxicação por OF ou CM. ... 100 Tabela 12 – Valores fisiológicos da atividade da enzima acetilcolinesterase (EAC) no cérebro de Melro-preto, Pardal-comum e Coruja-do-mato. ... 101

Tabela 13 – Orçamento das diferentes seções do projeto. ... 111 Tabela 14 - Equipamento necessário para o projeto. ... 112

(15)

xv

Lista de abreviaturas

CM - Carbamatos;

DDT - Diclorodifeniltricloroetano (inseticida organoclorado); DI - Doenças Infeciosas;

DIE - Doenças Infeciosas Emergentes;

DNA - Ácido Desoxirribonucleico, do inglês ‘Desoxyribonucleic acid’; EAC - Enzima Acetilcolinesterase;

ECDC - Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, do inglês ‘European Centre for Disease Prevention and Control’;

ELISA - Ensaio de Imunoabsorção Enzimática, do inglês ‘Enzyme-Linked Immunoabsorbent Assay’;

FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, do inglês ‘Food and Agriculture Organization of the United Nations’;

HV-UTAD - Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; Ig - Imunoglobulinas;

IgG - Imunoglobulinas G; IgM - Imunoglobulinas M;

IHC - Imunohistoquímica, do inglês ‘Immunohistochemistry’; ISI – ‘International Scientific Indexing’;

mRNA - RNA mensageiro do inglês ‘messenger RNA’;

NTE - Esterase de Neuropatia Alvo, do inglês ‘neuropathy target esterase’; OF - Organofosforados;

OIE - Organização Mundial da Saúde Animal, do francês ‘Office International des Epizooties’, atualmente denominada de ‘World Organisation for Animal Health’;

PCB - Bifenilopoliclorado, do inglês ‘polychlorinated biphenyl’;

PCR - Reação em Cadeia da Polimerase, do inglês ‘Polymerase Chain Reaction’; PRIO - Polineuropatia Retardada Induzida por Organofosforados;

R0 - Número Básico de Reprodução;

RNA - Ácido Ribonucleico, do inglês ‘Ribonucleic acid’;

RT-PCR - Transcrição Reversa – Reação em Cadeia da Polimerase, do inglês ‘Reverse Transcription – Polymerase Chain Reaction’;

SARS - Síndrome Respiratória Aguda Grave, do inglês ‘Severe Acute Respiratory Syndrome’;

SEPNA - Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente; SIDA - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida;

(16)

xvi SIV - Vírus da Imunodeficiência Símia, do inglês ‘Simian immunodeficiency virus’; SNC - Sistema Nervoso Central;

TIH - Teste de Inibição da Hemaglutinação;

TNRP - Teste de Neutralização por Redução de Placas; USUV - Vírus Usutu, do inglês ‘Usutu virus’;

VNT - Teste de Neutralização Viral, do inglês ‘Virus Neutralization Test’;

WAHIS - Sistema Mundial de Informação de Saúde Animal, do inglês ‘World Animal Health Information System’;

WHO - Organização Mundial de Saúde, do inglês ‘World Health Organization’; WNV – Vírus da Febre do Nilo Ocidental, do inglês ‘West Nile Virus’.

(17)

1

(18)

2

1.

Nota

O título da presente da dissertação “Epidemiovigilância do Usutu e de Organofosforados e Carbamatos em Aves em Centros de Recuperação de Animais Selvagens” deveria ser “Epidemiovigilância do vírus Usutu e de intoxicações por Organofosforados ou Carbamatos em Aves em Centros de Recuperação de Animais Selvagens”. Não houve a possibilidade de fazer a correção, devido a questões processuais, ficando aqui esta breve ressalva.

(19)

3

2.

Introdução

A presente dissertação trata-se de um projeto de epidemiovigilância do vírus Usutu e de intoxicações por inseticidas Organofosforados e Carbamatos em aves selvagens na rede de Centros de Recuperação de Animais Selvagens (CRAS) de Portugal continental.

O autor da presente dissertação realizou estágio curricular em dois Centros de Recuperação de Animais Selvagens, no CRAS do Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (HV-UTAD) e no Centro Recupero Uccelli Marini e Acquatici, em Itália. Nestes estágios, o autor teve a oportunidade de acompanhar e realizar muitas das atividades dos centros, desde a alimentação de crias, tendo sempre em conta as dietas dos diferentes animais, até à aplicação de talas em membros fraturados de aves (Anexo D). No decorrer dos vários meses de estágio o autor denotou que o potencial dos Centros de Recuperação de Animais Selvagens no que toca à epidemiovigilância não era totalmente explorado, sendo neste âmbito que surgiu a ideia da presente dissertação.

O projeto insere-se no conceito da ‘One Health’ e organiza e padroniza o modelo de ação da monitorização de doenças em animais selvagens nos CRAS portugueses.

Inicialmente, é realizada uma revisão bibliográfica acerca do vírus Usutu, que é o agente etiológico de uma doença infeciosa emergente que afeta principalmente as aves, e ainda a revisão bibliográfica acerca dos inseticidas Organofosforados e Carbamatos que são maioritariamente aplicados na agricultura e afetam as aves que são especialmente suscetíveis à sua toxicidade.

Através da revisão bibliográfica será possível obter o conhecimento atualizado de toda a informação necessária ao delinear do projeto de epidemiovigilância destas doenças.

O projeto tem como base de implementação as infraestruturas especializadas na receção e manutenção de animais selvagens dos CRAS, os seus recursos humanos e o facto de os centros serem o local de eleição para onde os animais selvagens encontrados são direcionados.

A metodologia do projeto é explicada em detalhe de forma a que todos os centros consigam obter amostras de qualidade e os resultados serem fidedignos. Esta metodologia é diferente em aves vivas e mortas, onde nas aves vivas se dará prioridade a uma amostragem menos invasiva, enquanto aquando da necropsia será recolhido o cérebro que é a amostra de eleição para diagnosticar a doença do Usutu e intoxicações por Organofosforados ou Carbamatos. No diagnóstico do vírus Usutu, poderia-se ter optado por pesquisar a presença de vírus da família Flavivirus e em casos positivos identificar qual vírus se trata, mas neste projeto optou-se por pesquisar diretamente o vírus Usutu.

(20)

4 Relativamente ao projeto ainda é delineado um orçamento geral, que inclui o valor das análises laboratoriais necessárias para a monitorização e o material que terá que ser disponibilizado aos CRAS de forma a garantir a qualidade da amostragem e das amostras.

Pretende-se que este projeto venha a ser submetido a uma fonte de financiamento oficial num futuro próximo.

(21)

5

3.

Objetivos

 Conhecer as caraterísticas epidemiológicas do vírus Usutu;

 Conhecer o risco toxicológico dos inseticidas Organofosforados e Carbamatos;  Delinear um projeto de epidemiovigilância do vírus Usutu e de intoxicações por Organofosforados ou Carbamatos em aves selvagens na rede de Centros de Recuperação de Animais Selvagens de Portugal continental.

(22)

6

(23)

7

1.

‘One Health’ (Uma só Saúde)

O projeto de epidemiovigilância do vírus Usutu e de Organofosforados e Carbamatos em aves em Centros de Recuperação de Animais Selvagens (CRAS) que será delineado nesta dissertação é uma aplicação das ideias comummente apelidadas de ‘One Health’ (Uma só Saúde).

A ‘One Health’ tem diversas definições, não sendo nenhuma definitiva pois cada uma reflete a missão da organização que a define. Uma possível definição de ‘One Health’ é apresentada pela ‘One Health Commission’ (Comissão Uma Só Saúde): “‘One Health’ é o esforço colaborativo de múltiplas profissões das ciências da saúde, em conjunto com as suas disciplinas e instituições relacionadas – a trabalhar localmente, nacionalmente, e globalmente – para obter máxima saúde para as pessoas, animais domésticos, vida selvagem, plantas, e o nosso ambiente” (“What is One Health? - One Health Commission,” 2017). A colaboração entre as diferentes profissões não tem meramente um efeito aditivo, os seus benefícios são sinérgicos (Zinsstag et al., 2015a).

O ponto fulcral do conceito da ‘One Health’ é a ligação intrincada e interdependente da saúde animal, saúde humana e da saúde ambiental, tornando-as parte de um todo – Uma só Saúde (figura 1). O conceito da ‘One Health’ promove uma abordagem holística, com a colaboração de médicos veterinários e médicos de humanos, que se encontram na linha da frente do conceito (Pal et al., 2014), e de outras profissões da área da saúde, de forma a melhorar a saúde humana, animal e do ambiente (Buttke, 2011; Gibbs, 2014; Gibbs e Gibbs, 2012; Kelly et al., 2017; Pal et al., 2014).

Figura 1 - Uma só Saúde que engloba a saúde animal, a saúde humana e a saúde ambiental, que por sua vez se interligam entre si.

Saúde

animal

Saúde

ambiental

Saúde

humana

Uma só Saúde

(24)

8 Embora Gibbs e Gibbs (2012) considerem a saúde da vida selvagem como parte integrante da saúde ambiental, na opinião do autor desta dissertação, considera-se que esta deva ser parte integrante da saúde animal, estando em paralelo com a saúde dos animais de companhia e de produção. Isto não invalida a forte e bidirecional ligação e dependência que a saúde dos animais selvagens e os seus ecossistemas apresentam. Somente considerou-se tratar de uma classificação mais lógica, principalmente vista do prisma da medicina veterinária.

A ‘One Health’ é um conceito baseado em conhecimento científico e validado através da comunicação em publicações científicas periódicas entre as diferentes disciplinas envolvidas num processo de investigação mais integrado no âmbito da resolução de problemas ligados às interações entre animais-humanos-ambiente (Kelly et al., 2017; Zinsstag

et al., 2015b).

A ‘One Health’ encontra-se no âmbito da Saúde Pública (figura 2) e engloba diversas disciplinas distintas (Buttke, 2011). Esta lida com os desafios das diferentes interações entre as três saúdes, tais como as doenças infeciosas zoonóticas, exposição a agentes tóxicos, a crise mundial de alimentação e as alterações climáticas globais (Buttke, 2011; Gibbs, 2014; Pal et al., 2014). A sua atividade no que diz respeito às doenças infeciosas vai desde a vacinação antirrábica dos cães domésticos, os trabalhos relativos à resistência microbiana a antibióticos, até programas de epidemiovigilância como o PREDICT (Gibbs, 2014; Gibbs e Gibbs, 2012; Kelly et al., 2017). Este programa encontra-se implementado em mais de 20 países e realiza uma vigilância de agentes infeciosos baseada em animais selvagens como sentinelas, e não em humanos, ou seja, pretende detetar as infeções nas suas origens, onde ainda é possível implementar estratégias preventivas de forma a não ocorrer o ‘spillover’ para o humano (Kelly et al., 2017). Embora as doenças infeciosas zoonóticas sejam as mais debatidas, o âmbito da ‘One Health’ também engloba as doenças não infeciosas pois estas apresentam ligações relevantes entre os animais, os humanos e o ambiente (Buttke, 2011). Um exemplo disto foi a identificação da etiologia de uma percentagem anormalmente elevada de neoplasias numa população de baleias-brancas (Delphinapterus leucas), no estuário de ‘St. Lawrence’, no Canadá. As populações humanas da região também possuíam uma taxa de neoplasia acima do normal colocando a possibilidade de etiologia ambiental (Lair et al., 2016; Martineau et al., 2002). As baleias possuíam elevados teores de organoclorados, nomeadamente bifenilopoliclorados (PCB, do inglês ‘polychlorinated biphenyl’) e seus metabolitos. Esta descoberta permitiu considerar, de forma informada, que a taxa elevada de neoplasias se deveu aos elevados teores destes tóxicos na água do estuário (Cadieux et al., 2016; McKinney et al., 2006).

(25)

9 Figura 2 – Âmbito da ‘One Health’ (Gibbs, 2014). Esta engloba a saúde animal, a saúde humana e a

saúde ambiental, e com isto diversas disciplinas e desafios contemporâneos.

As ideias da ‘One Health’ não são inteiramente novas, mas estas ressurgiram na primeira década do século XXI devido a diferentes pandemias que surgiram nos anos transatos, tal como a SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida), a Febre do Nilo Ocidental, o coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, do inglês ‘Severe Acute Respiratory Syndrome’), a Gripe Aviária Altamente Virulenta, entre outras. Estas pandemias revelaram que nós, como sociedade global, não estávamos preparados para responder e controlar doenças deste género. Em resposta a isto, numa conferência organizada pela Sociedade da Conservação da Vida Selvagem (‘Wildlife Conservation Society’), em Nova Iorque, em 2004, denominada ‘One World-One Health’, surgiu o termo ‘One Health’, em conjunto com muito do que são as suas ideias fundamentais. Nesta conferência estiveram presentes especialistas de diversas áreas e foi feita a união do conceito de saúde ambiental à saúde humana e animal (anteriormente, estas duas saúdes, quando abordadas em conjunto, eram apelidadas de ‘One Medicine’ [Uma só Medicina]). Na conferência foram redigidos os 12 Princípios de Manhattan que são uma das bases do entendimento da abordagem holística às Doenças Infeciosas Emergentes (DIE), e entre as

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10 ciências da saúde em geral. Nestes é enfatizada a fundamental importância da saúde dos animais selvagens na luta contra as DIE (Cook et al., 2004; Evans e Leighton, 2014; Gibbs, 2014; Gibbs e Gibbs, 2012; Kelly et al., 2017). Criou-se assim a ideia de implementar um sistema de controlo e resposta multidisciplinar e global (Gibbs e Gibbs, 2012; Kelly et al., 2017). O melhor exemplo disso é que estes conceitos de uma abordagem holística da ‘One Health’ são suportados e foram adotados em conjunto pela Organização Mundial de Saúde (WHO, do inglês ‘World Health Organization’), Organização Mundial de Saúde Animal (OIE, do francês ‘Office International des Epizooties’, atualmente denominada de ‘World Organisation for Animal Health’) e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, do inglês ‘Food and Agriculture Organization of the United Nations’). A ‘One Health’ serviu de veículo para a colaboração entre estas organizações, de forma a fazerem frente ao problema das DIE e outros problemas de saúde pública em cooperação. Esta cooperação foi oficializada em Abril de 2010, onde estas organizações publicaram uma nota que sublinha o seu esforço conjunto face às ameaças ao nível dos interfaces humano-animal-ecossistemas (FAO et al., 2010). A colaboração não se fica por estas instituições, a ‘One Health’ liga uma vasta série de instituições governamentais e não-governamentais da área da saúde humana e animal, conservação da fauna selvagem e sustentabilidade ambiental, desde o nível local ao global (Gibbs, 2014; Kelly et al., 2017).

(27)

11

2.

Doenças Infeciosas Emergentes e Reemergentes

Neste capítulo, antes de se escrever acerca do vírus Usutu com grande detalhe, vai escrever-se acerca das Doenças Infeciosas Emergentes e Reemergentes de forma a entender o que são e a sua relevância na saúde global. Com isto também se ficará com uma melhor compreensão da importância da monitorização do vírus Usutu.

Uma Doença Infeciosa (DI) pode ser emergente ou reemergente. É considerada uma Doença Infeciosa Emergente (DIE) uma nova infeção que causa um impacto significativo na saúde pública. Estas DIE podem ocorrer como resultado de diferentes situações:

1. Agente patogénico conhecido que recentemente tem uma incidência em crescimento significativo, que se propaga para uma nova região geográfica ou para uma espécie nova;

2. Agente patogénico novo, que pode ser um agente inteiramente novo ou uma variante ou estirpe nova de um patogénico conhecido (Jones et al., 2008; OIE, 2016).

Estas doenças podem ser classificadas como Emergentes ou Reemergentes; as emergentes são infeções que anteriormente não tinham sido identificadas; as reemergentes são infeções que já existiram no passado cuja incidência está a crescer ou que estão a alastrar para novas regiões geográficas. Ataques de bioterrorismo, como os que ocorreram em 2001 com Antraz, deram origem a uma terceira categoria, as Doenças Deliberadamente Emergentes (Morens et al., 2004). No presente documento, quando se refere Doenças Infeciosas Emergentes estão a ser consideradas todas as categorias.

As DIE são devastadoras ao ponto de serem um dos grandes escultores da história humana. Estas doenças são causadoras de morte e sofrimento há milénios. Estas estiveram ligadas à história da espécie humana, com as suas mudanças de demografia, comportamento e tecnologia. Supõe-se que as DIE surgiram aquando da domesticação de animais, o que facilitou a transmissão de agentes zoonóticos, e o estabelecimento de pequenas comunidades fixas, que permitiram a persistência de alguns agentes patogénicos na população. Um outro marco histórico nesta história paralela foi o crescimento destas pequenas comunidades em grandes cidades o que aumentou os problemas sanitários dessas sociedades e por consequência o problemas das doenças infeciosas. Mais tarde, pode ser considerada uma terceira fase, a época dos descobrimentos, que foi caracterizada pelo aumento da migração, do mercado, da exploração e conquista a uma escala global e assim uma distribuição maior dos agentes infeciosos (Cleaveland et al., 2007; Daszak et al., 2000; Gummow, 2010; Morens

(28)

12 Em seguida serão apresentados apenas alguns exemplos de surtos de DIE ao longo da história registada de forma a entender-se de uma forma mais concreta a importância deste tema. No ano de 430 AEC (Antes da Era Comum), existem registos de uma enorme e arrasadora doença que assaltou Atenas, não se conhecendo o agente etiológico envolvido; no século XIV, a Peste Bubónica matou milhões de europeus; entre 1520 e 1521 EC (Era Comum) a introdução do vírus da Varíola e do Sarampo pelos espanhóis nas américas, teve um papel fundamental na extinção de civilizações nativas; na década de 1980 a emergência da SIDA que até ao presente dia, já matou milhões de pessoas (Daszak et al., 2000; Gummow, 2010; Morens et al., 2004).

As Doenças Infeciosas Emergentes são uma ameaça importante à saúde global sendo responsáveis pela morte de dezenas de milhares de pessoas (Kelly et al., 2017). Mas a devastação das DIE não se restringe na saúde e vida das pessoas, esta também afeta profundamente o estado psicológico das pessoas, a sua estrutura social e até mesmo a sua cultura (Formenty et al., 2012). Um outro aspeto negativo das DIE passa pela economia, por exemplo, estima-se que o surto do vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave teve custos associados a este entre 50 e 100 mil milhões de dólares americanos; no caso da Gripe Aviária, o seu impacto económico rondou os 300 mil milhões de dólares americanos (Aguirre, 2009). Estes custos económicos das DIE afetam o comércio internacional, turismo, e claro, existem os custos associados com a sua prevenção, controlo e tratamento (Kelly et al., 2017).

2.1. Doenças

Infeciosas

Emergentes

em

Animais

Selvagens

Até ao ano 2000, as doenças infeciosas de animais selvagens livres foram maioritariamente estudadas com o intuito de melhorar a saúde e bem-estar de animais de jardins zoológicos, de espécies cinegéticas ou de produção (Cunningham et al., 2017; Daszak

et al., 2000). As doenças infeciosas raramente eram consideradas como ameaças às

populações de fauna selvagem. Atualmente, com a emergência de certas doenças infeciosas em algumas populações de animais selvagens, principalmente quando se tratam de espécies em risco de extinção, consideram-se estas, agentes importantes no declínio das populações de vida selvagem (Daszak et al., 2000; Sleeman, 2013).

A primeira identificação definitiva de uma doença infeciosa causar a extinção de uma espécie animal foi publicada em 1996, pois no estudo dos indivíduos da última população de

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13 morreram devido a uma infeção por parasitas protozoários do género Steinhausia (Coote, 2009; Cunningham et al., 2017; Cunningham e Daszak, 1998). Esta confirmação revelou que agentes infeciosos tinham a capacidade de levar à extinção de espécies animais ou diminuir as suas populações, e desde então os relatos de mortalidade de animais selvagens devido a agentes infeciosos aumentou (Cunningham et al., 2017).

Um outro exemplo de uma DIE que afeta animais selvagens é a Quitridiomicose. Esta infeção fúngica, causada pelos fungos Batrachochytrium dendrobatidis e B. salamandrivorans, infeta pelo menos 287 espécies de anfíbios em pelo menos 37 países de

seis continentes diferentes e é responsável pelo declínio e extinção de diversas populações de anfíbios. A rápida e vasta propagação da Quitridiomicose aparenta dever-se a translocações antropogénicas dos fungos e de anfíbios infetados, ou seja, um claro caso de poluição patogénica (Cunningham et al., 2017; Daszak et al., 2000; Kriger e Hero, 2009). Esta doença afeta os anfíbios a nível global e é considerada por alguns a pior doença infeciosa em vertebrados registada, em termos de número de espécies afetadas e capacidade de causar extinção (Cunningham et al., 2017).

Alguns dos agentes de DIE em animais selvagens são transmitidos de humanos ou de animais de produção para as populações selvagens. Como o número de animais de produção é elevado, estes podem servir como hospedeiros de manutenção, permitindo o agente patogénico evitar o efeito do limiar de densidade e levar à extinção pequenas populações de animais selvagens (Daszak et al., 2001, 2000).

Embora o papel dos agentes infeciosos na vida selvagem esteja a ter um maior reconhecimento pela comunidade científica, o seu papel em extinções passadas pode estar a ser subestimado devido ao facto de não se colocar o prisma da doença infeciosa nos estudos acerca de extinções (Cunningham et al., 2017).

Um detalhe que torna as DIE de animais selvagens especialmente perigosas é que constituem uma ameaça autocatalítica: são responsáveis pelo declínio de populações de animais selvagens o que diminui a biodiversidade da região e esta, por sua vez aumenta a ameaça das DIE (Daszak et al., 2001).

2.2. Causas das Doenças Infeciosas Emergentes

A emergência de doenças infeciosas é causada por uma série de alterações ambientais, socioeconómicas e ecológicas que alteram as vias de transmissão e o grau de exposição das populações animais a agentes patogénicos. Por vezes, estas vias de

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14 transmissão são criadas por estas alterações (Aguirre, 2009; Jones et al., 2008; Woolhouse, 2002).

O ponto-chave no surgimento da maioria das DIE é a alteração da relação entre o hospedeiro e o agente infecioso (Cleaveland et al., 2007; Daszak et al., 2001, 2000).

As diferentes causas das DIE podem ser organizadas num modelo denominado “O Modelo da Convergência”, onde são divididas em 4 domínios abrangentes onde a tríade agente-hospedeiro-ambiente está em constante interação: fatores genéticos e biológicos, fatores do ambiente físico, fatores ecológicos, e fatores sociais, políticos e económicos. Este modelo coloca o agente etiológico e o hospedeiro como os atores principais e as DIE podem ocorrer quando estes comunicam (interface hospedeiro-patogénico) e os quatro domínios realizam a sua influência isolada e/ou interligada (Smolinski et al., 2003).

Os domínios deste modelo são muito complexos, podendo ser distribuídos em diferentes fatores de emergência das doenças infeciosas (Daszak et al., 2001; Smolinski et

al., 2003; Woolhouse, 2002):

1. Adaptação dos microrganismos: a extensa utilização de antibióticos que

levou a situações como a multirresistência de microrganismos aos antimicrobianos como

Mycobacterium tuberculosis que nas últimas décadas reemergiu; mutações destes

microrganismos que permitem a sua adaptação a novos hospedeiros, como o caso do Vírus da Imunodeficiência Símia (SIV, do inglês ‘Simian Immunodeficiency Virus’) que se adaptou ao humano (Morens et al., 2004);

2. Suscetibilidade dos animais à infeção: aumento das densidades

populacionais das populações animais que aumentam esta suscetibilidade; imunossupressão devido a fatores de stresse ambientais (Daszak et al., 2001); ou casos como a reemergência da tuberculose que foi auxiliada pela SIDA pois esta ativou infeções latentes que foram ainda transmitidas a outros (Morens et al., 2004);

3. Clima e condições meteorológicas: o clima influência a emergência de DI

pois determina as condições ambientais onde vivem os hospedeiros e os patogénicos (Smolinski et al., 2003), um exemplo clássico é o fenómeno cíclico ‘El Niño’ que em 1993 originou uma estação particularmente húmida e daí resultou um surto de Hantavírus no sudoeste dos Estados Unidos da América (Pal et al., 2014);

4. Alterações nos ecossistemas/aquecimento global: destruição, fragmentação e simplificação dos habitats, diminuição da biodiversidade que aumenta as oportunidades de ocorrer a transmissão de agentes patogénicos pois diminui o efeito diluidor que esta possui (Chivian, 2002; Cunningham et al., 2017; Keesing et al., 2010), aquecimento global e seus efeitos (Gummow, 2010; Pal et al., 2014), expansão geográfica de vetores mosquitos (Daszak et al., 2000);

(31)

15

5. Demografia e comportamento humano: o elevado crescimento da

população humana, a caça furtiva, o ecoturismo, o aumento do consumo e tráfego de animais selvagens, a invasão das populações humanas dos habitats cada vez mais pequenos levam a uma maior propensão da emergência de DI (Chomel et al., 2007; Cunningham et al., 2017; Daszak et al., 2000; Jones et al., 2008; Pal et al., 2014; Schwind et al., 2014);

6. Desenvolvimento económico e o uso do solo: conversão de habitats

naturais em pasto ou terrenos agrícolas, mudanças na distribuição e disponibilidade de superfícies de água, uso e depósito de agentes tóxicos, e o aumento da urbanização (Chivian, 2002);

7. Intensificação das viagens e comércio internacionais: o movimento sem

precedentes de pessoas, animais domésticos e os seus produtos, animais selvagens (que inclui os vetores das DI) e objetos à escala e velocidade que se observa atualmente, é responsável pela inadvertida translocação de agentes patogénicos – poluição patogénica. Pode igualmente ocorrer o contrário, ou seja, movimentarem-se animais não contaminados para áreas onde existe um agente patogénico que é desconhecido para o seu sistema imunitário (Daszak et al., 2001; Morens et al., 2004);

8. Tecnologia e indústria: estes fatores influenciam as DIE de muitas formas,

por exemplo a resistência a antimicrobianos em muitos microrganismos e a intensificação da produção animal (Morens et al., 2004; Smolinski et al., 2003);

9. Falha das medidas de saúde pública: estas falhas têm um efeito dramático

na emergência de doenças infeciosas, desde a insuficiente ou incorreta análise aquando de transfusões sanguíneas ou transplantes de órgãos a condições sanitárias inadequadas (Smolinski et al., 2003);

10. Pobreza e desigualdade social: estes fatores sempre estiveram associados

às doenças infeciosas pois as pessoas com menos capacidades financeiras têm menor acesso a tratamentos médicos e menor capacidade monetária para pagar os tratamentos e medicamentos (Bhutta et al., 2014);

11. Guerra e fome: estes fatores levam a instabilidade, subnutrição, destruição

das infraestruturas médicas e de saúde pública, e até migrações de milhões de pessoas, o que aumenta a propensão a DIE (Smolinski et al., 2003);

12. Falta de vontade política: esta falta leva a medidas de intervenção e controlo

insuficientes, e a uma deficiente cooperação entre os diferentes atores da frente política (Smolinski et al., 2003);

13. Intuito de prejudicar: o bioterrorismo e as armas biológicas já são conceitos

e ações humanas antigas, e continuam a constituir um perigo de emergência de DI (Morens

(32)

16

14. Aumento da vigilância: o número de DIE pode ser em parte um reflexo do

aumento da vigilância destas em humanos e animais (Daszak et al., 2001, 2000).

Devido ao surgir e/ou intensificar destes fatores de emergência de DI, nas últimas décadas tem ocorrido um acelerar destas doenças: entre o ano de 1973 e 1999, foram reconhecidos 32 agentes patogénicos novos em humanos (Woolhouse, 2002) e Jones et al. (2008) observaram um aumento na incidência de casos de DIE entre 1940 e 2004 o que demonstra a importância destas doenças na atualidade. A importância deste tema nos nossos contemporâneos anos foi reconhecida por um anterior diretor geral da OIE, Bernard Vallat: “Como resultado da globalização e das alterações climáticas estamos atualmente a fazer frente a um impacto global sem precedentes de doenças animais emergentes e reemergentes e zoonoses (doenças animais transmissíveis para humanos). Melhorar a administração dos sistemas de saúde animal tanto no setor público como privado é a resposta mais eficaz para esta situação alarmante.” (Vallat, 2007).

2.3. Origem das DIE

Os agentes infeciosos, de uma forma genérica, podem ter três origens: a própria população do hospedeiro, o ambiente externo e uma população de uma espécie diferente (Woolhouse, 2002).

Taylor et al. (2001) compilaram uma base de dados dos agentes patogénicos que causam doença em humanos, e foram identificados e classificados, relativamente à taxonomia e via de transmissão, 1415 agentes infeciosos. Destes foram identificados 868 (61,3%) como agentes zoonóticos (segundo a OIE (2016), zoonose é qualquer doença ou infeção que é naturalmente transmissível entre animais e humanos). No estudo, foram identificados 175 agentes infeciosos como responsáveis por DIE, e destes, 132 são agentes zoonóticos, o que constitui 75% de todas as DIE (figura 3).

Figura 3 - Agentes infeciosos responsáveis pelas DIE, onde se observa que 75% destes são zoonóticos (Adaptado de (Taylor et al., 2001)).

Zoonóticos; 132; 75% Não

Zoonóticos; 43; 25%

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17 Jones et al. (2008) realizaram um outro estudo na pesquisa das origens das DIE onde identificaram que 43,3% do total dos casos de DIE reportados foram transmitidas por animais selvagens.

2.4. Distribuição Geográfica e Socioeconómica

As DIE são uma ameaça à saúde pública (animal e humana) à escala global, mas estas apresentam uma distribuição global não uniforme como pode ser observado na figura 4 (Han et al., 2016; Jones et al., 2008).

Figura 4 – Distribuição global dos casos de DIE causados por: a) agentes patogénicos zoonóticos transmitidos por animais selvagens; b) agentes patogénicos zoonóticos transmitidos por animais não selvagens; c) agentes patogénicos resistentes a antibióticos; d) agentes patogénicos transmitidos por vetores. Os valores baixos encontram-se a verde e os mais elevados a vermelho (Jones et al., 2008). Han et al. (2016) estudaram a distribuição de doenças zoonóticas transmitidas por mamíferos e concluíram que, embora haja maior riqueza de espécies em latitudes mais próximas do equador, a riqueza de doenças zoonóticas não apresenta diferenças significativas nas diferentes latitudes. Uma exceção a isto é a zona da Amazónia e da Eurásia que apresentam uma maior riqueza de doenças que as restantes zonas (figura 5).

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18 Figura 5 - Distribuição global dos mamíferos reservatórios de doenças zoonóticas. Ao lado e em cima

estão as contagens de espécies de mamíferos únicos (barras douradas) e os agentes patogénicos únicos (barras vermelhas) encontrados nas bandas de 30º de latitude e longitude (Han et al., 2016).

Jones et al. (2008) estudaram as DIE em específico e obtiveram resultados diferentes destes. No seu estudo, a maior concentração de casos de DIE encontra-se entre as latitudes de 30 e 60 graus norte e entre 30 e 40 graus sul, com os pontos críticos na zona nordeste dos Estados Unidos da América, Europa Ocidental, Japão e Sudeste australiano. Isto pode observar-se na figura 6.

Figura 6 – Número de casos de DIE divididos por bandas de latitude de 10º (Jones et al., 2008). Jones et al. (2008) estabeleceram ainda que os parâmetros socioeconómicos (densidade populacional, uso de fármacos antimicrobianos e as práticas de agricultura), em conjunto com condições ambientais e ecológicas, são importantes determinantes na

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19 distribuição espacial dos casos de DIE. A distribuição da morbilidade e mortalidade das doenças infeciosas é mais intensa em países em desenvolvimento, especialmente em crianças e bebés (Morens et al., 2004).

(36)

20

3.

Doença do Usutu

Depois de se entender o que são e a importância das DIE no capítulo anterior, neste capítulo o autor vai realizar uma revisão bibliográfica acerca da doença do Usutu. Esta será iniciada com um texto acerca do vírus Usutu como agente etiológico, seguido da epidemiologia desta doença emergente, a sua patogenia, os métodos de diagnóstico que já foram utilizados na sua deteção e por fim uma referência ao tratamento, prevenção e controlo desta doença infeciosa.

3.1. Vírus Usutu – Etiologia

O vírus Usutu (USUV, do inglês ‘Usutu virus’) é um Flavivírus transmitido por mosquitos que pertence à família de vírus Flaviviridae. A doença do Usutu é causada por um vírus de Ácido ribonucleico (RNA, do inglês ‘Ribonucleic acid’) de cadeia simples (Ashraf et al., 2015; International Comitte on Viral Taxonomy, 2016). Pertence ao grupo do vírus da Encefalite Japonesa, sendo filogeneticamente relacionado com este, com o vírus da Febre do Nilo Ocidental (WNV, do inglês ‘West Nile Virus’) e com o vírus da encefalite de Murray Valley (Ashraf et al., 2015; Bakonyi et al., 2004).

Engel et al. (2016), num estudo de sequenciação de várias amostras de genoma completo do USUV, demonstraram que este aparenta ter surgido em África há pelo menos 500 anos e pode ser classificado em seis linhagens distintas.

O USUV foi isolado, pela primeira vez em 1959, na África do Sul, de um mosquito da espécie Culex neavei (McIntosh, 1984). Embora tenha sido detetado diversas vezes em aves e mamíferos africanos nunca foi associado a casos fatais, tendo sido por isso ignorado em termos da sua patogenicidade (Bakonyi et al., 2004; Nikolay et al., 2011). O primeiro relato do USUV na Europa foi em 2001, na zona de Viena, na Áustria, onde foram observados diversos casos de mortes de aves de diferentes espécies de aves da ordem Passeriformes e Strigiformes. Foi determinado que este episódio de mortes foi causado por uma infeção por USUV (Weissenböck et al., 2002), provando que este pode apresentar uma elevada patogenicidade em diversas espécies de aves selvagens (Bakonyi et al., 2004). Um estudo retrospetivo em amostras de tecidos de aves mortas da região da Toscana, em Itália, especialmente de Melro-preto (Turdus merula), provou que a forma patogénica do USUV já se encontra na Europa pelo menos desde 1996, ou seja, 5 anos antes do primeiro relato (Weissenböck et al., 2013). Considerando isto e a expansão do vírus para a Europa e mesmo

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21 dentro desta, pode-se concluir que este vírus se tornou enzoótico da Europa Central (Bakonyi

et al., 2004; Weissenböck et al., 2003).

O USUV não se encontra atualmente na lista de doenças de notificação obrigatória da OIE (OIE, 2017a) nem na lista de doenças do Sistema Mundial de Informação de Saúde Animal (WAHIS, do inglês ‘World Animal Health Information System’) (OIE, 2017b).

3.2. Epidemiologia

Conhecido o vírus Usutu (USUV), passa-se para a sua epidemiologia que será apresentada neste subcapítulo: aqui serão expostas as espécies suscetíveis ao USUV, como se realiza a sua transmissão, onde foi diagnosticado o vírus Usutu e a distribuição dos seus vetores onde se incluirá as espécies que se encontram em Portugal, e por fim, os fatores de risco associados à doença.

3.2.1. Hospedeiros e Espécies Suscetíveis

O USUV afeta uma grande variedade de espécies animais: mosquitos, aves e mamíferos (Ashraf et al., 2015).

O USUV foi detetado em diferentes espécies de mosquitos: Culex pipiens (Calzolari et

al., 2013, 2012; Mancini et al., 2017), Culex neavei (McIntosh, 1984), Culex perexiguus

(Vázquez et al., 2011), Aedes albopictus (Calzolari et al., 2013, 2012), Aedes caspius,

Anopheles maculipennis (Calzolari et al., 2013), Culex perfuscus (Cornet et al., 1979), Coquillettidia aurites, Mansonia Africana (Hubálek, 1994) citado por Ashraf et al. (2015), Culiseta annulata, Ochlerotatus detritus (Mancini et al., 2017) e Aedes minutus (Weissenböck et al., 2007).

O USUV já foi detetado em dezenas de espécies de aves em África e na Europa (Gaibani e Rossini, 2017) mas aparenta demonstrar maior mortalidade em Melros-pretos (Turdus merula) (Bakonyi et al., 2007; Becker et al., 2012; Calzolari et al., 2013; Chvala et al., 2007; Weissenböck et al., 2013, 2003). Este flavivírus já infetou imensas espécies de aves, de cativeiro e selvagens. A doença do Usutu já foi diagnosticada em 77 espécies de aves de 18 ordens distintas. A informação acerca destes diagnósticos pode ser consultada no Anexo A. Neste anexo ainda se pode observar os métodos de diagnóstico utilizados em cada espécie, país e ano em que foi diagnosticado, e o seu estatuto em Portugal.

A ordem dos Passeriformes e dos Strigiformes são as que apresentam mais espécies suscetíveis (Becker et al., 2012; Steinmetz et al., 2011; Weissenböck et al., 2002) onde pelo

(38)

22 menos 32 espécies de Passeriformes e 10 espécies de Strigiformes já foram diagnosticadas com a doença do Usutu.

O USUV também tem a capacidade de infetar humanos, embora sejam raros os casos, talvez pelo facto dos seus vetores serem ornitofílicos (Becker et al., 2012). O primeiro caso de infeção documentado foi na República Central Africana em 1981, onde um homem apresentou febre e erupções cutâneas (Ashraf et al., 2015). O primeiro caso de infeção de USUV neuroinvasiva num humano foi reportado em 2009, em Itália. O paciente estava imunodeprimido e foi-lhe diagnosticada uma meningoencefalite (Pecorari et al., 2009). Ainda no mesmo ano foi diagnosticado outro caso em Itália de uma senhora com sinais neurológicos severos devido a uma infeção por USUV (Cavrini et al., 2009). Estes dois casos ocorreram em dois pacientes imunodeprimidos aos quais foram realizadas transfusões sanguíneas (Cavrini et al., 2009; Pecorari et al., 2009). Depois destes dois casos iniciais, já foram identificados outros casos de humanos com sintomatologia neurológica devido a uma infeção por USUV, em Itália e na Croácia (Grottola et al., 2017; Santini et al., 2015; Vilibic-Cavlek et

al., 2014). Contudo, a maioria dos humanos infetados pelo USUV não apresenta sinais

clínicos (Allering, 2016; Cadar et al., 2017b; Gaibani et al., 2012; Pierro et al., 2013).

O USUV também pode infetar cavalos, como foi possível observar em Itália em 2008 e 2009 por Savini et al. (2011) e em 2011 na Croácia por Barbic et al. (2013). Na Tunísia foram detetados anticorpos contra o USUV em cavalos e num burro (Ben Hassine et al., 2014). Em Marrocos, em 2012, Durand et al. (2016) também diagnosticaram USUV em cavalos, e ainda em cães.

Em 2013, Cadar et al. (2014), realizaram a necrópsia e análise dos tecidos de dois morcegos-anão (Pipistrellus pipistrellus) encontrados mortos na Alemanha. A análise de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR, do inglês ‘Polymerase Chain Reaction’) de amostras recolhidas do cérebro dos animais permitiu identificar a presença do USUV. Em 2014, Cardar

et al. (2015) detetaram por PCR o USUV em mais um morcego-anão morto.

García-Bocanegra et al. (2016) diagnosticaram o USUV em veados-vermelhos em três regiões diferentes de Espanha, em 2007 e 2008.

Rubel et al. (2008), citando Adam e Diguette (2007), referem que o vírus Usutu também foi isolado em África em mamíferos roedores do género Praomys.

3.2.2. Transmissão do USUV

O vírus Usutu tem um ciclo de “vida” do tipo mosquito-ave-mosquito (figura 7), onde os mosquitos servem de vetores, as aves de hospedeiros amplificadores e reservatório, e os mamíferos como hospedeiros acidentais; sendo similar aos restantes vírus do grupo dos vírus da Encefalite Japonesa, como o WNV (Ashraf et al., 2015).

(39)

23 Figura 7 - Ciclo de transmissão do USUV. As aves migratórias são responsáveis pela introdução do USUV numa área nova e o ciclo enzoótico mosquito-ave-mosquito permite a manutenção do vírus na

zona. Alguns mosquitos vetores alimentam-se de sangue de mamíferos e transmitem o vírus a estes animais, que servem como “fundo de saco” epidemiológico (Adaptado de (ECDC, 2013)).

A transmissão e circulação do USUV são influenciadas por fatores ambientais que afetam a dinâmica das populações dos mosquitos vetores, o tempo de incubação extrínseco (tempo necessário para o mosquito se tornar infetante após a ingestão do vírus), e a densidade populacional das populações amplificadoras. A competência imunitária das populações hospedeiras também é um fator relevante na infeção e progressão da doença (Chvala et al., 2007; Meister et al., 2008; Nikolay, 2015). Os mosquitos hibernam no inverno e voltam à atividade na primavera. A sua época mais ativa é o verão, daí se concentrarem as infeções nestes meses e ainda no outono (Cadar et al., 2017a; ECDC, 2013; Meister et al., 2008).

Os mosquitos ornitofílicos funcionam como vetores do vírus Usutu na população aviária (Ashraf et al., 2015; Gaibani e Rossini, 2017). Os mosquitos adquirem o USUV aquando da sua refeição de sangue de aves hospedeiras viremicas. O vírus no mosquito acumula-se nas suas glândulas salivares resultando numa elevada viremia na saliva. Por fim, a transmissão do USUV para os hospedeiros vertebrados ocorre quando o mosquito hematófago com USUV penetra a pele do hospedeiro vertebrado aquando da sua refeição de sangue (Colpitts et al., 2012; Fros et al., 2015).

Culex pipiens é considerado o vetor do USUV mais comum na Europa (Calzolari et al.,

2013, 2012; Fros et al., 2015; Mancini et al., 2017; Nikolay, 2015; Nikolay et al., 2012). A espécie de mosquito Culex neavei é a principal responsável pela circulação do USUV em África (Gaibani e Rossini, 2017). Estas duas espécies já viram a sua competência como vetor do USUV comprovada (Fros et al., 2015; Nikolay et al., 2012). A suscetibilidade do vetor é

Ave amplificadora Mosquito vetor Ave amplificadora Mosquito vetor Ciclo Enzoótico

(40)

24 dose dependente, tal como o WNV (Nikolay et al., 2012). A espécie de mosquito Aedes

albopictus demonstrou ser um vetor de baixa competência para o USUV (Puggioli et al., 2017).

As carraças do género Ixodes e do género Hyalomma não aparentam ser vetores do vírus Usutu (Llopis et al., 2017; Mancini et al., 2013).

As aves são os hospedeiros amplificadores e reservatório do USUV, constituindo a fonte do mesmo para os mosquitos vetores (Ashraf et al., 2015; Calzolari et al., 2010; Colpitts

et al., 2012).

A deteção de USUV em mamíferos, hospedeiros acidentais, tal como o humano e o cavalo, demonstra que as espécies de vetores que se alimentam tanto de aves como de mamíferos podem servir como vetores ‘ponte’ (Ashraf et al., 2015; Pauli et al., 2014). Culex

pipiens é um vetor ‘ponte’ entre aves e humanos para o vírus da Febre do Nilo Ocidental

(Nikolay et al., 2012) sendo possível também o ser para o USUV. Os mamíferos são considerados hospedeiros fundo de saco pois apresentam uma reação imunitária com uma produção de anticorpos baixa (Savini et al., 2011); no caso do WNV, a viremia em mamíferos é reduzida (Ben Hassine et al., 2014), por isso a transmissão do USUV em mamíferos não deve ser relevante.

Em alguns estudos foi identificada a presença de anticorpos contra USUV em sangue de humanos dadores de sangue em Itália e Alemanha (Allering, 2016; Bakonyi et al., 2017b; Cadar et al., 2017a; Gaibani et al., 2012; Percivalle et al., 2017; Pierro et al., 2013). Os dois casos de doença neurológica em Itália em 2009 receberam transfusões de sangue (Cavrini et

al., 2009; Pecorari et al., 2009). O vírus da Febre do Nilo Ocidental (WNV) pode ser transmitido

por transfusão sanguínea (Pealer et al., 2003) e por transplantes de órgãos (Iwamoto et al., 2003); considerando a proximidade e semelhanças do WNV e o USUV, talvez se poderá equacionar a possibilidade do USUV também se poder transmitir através destas vias.

Depois de se conhecer o ciclo de transmissão do vírus Usutu em diferentes espécies suscetíveis é importante conhecer o seu Número Básico de Reprodução (R0) que define o número de casos secundários causados pela infeção de um indivíduo durante o seu período infetante numa população suscetível. Este valor define o limiar (neste caso o valor de R0=0) em que a doença infeciosa tende para a extinção (R0<0) ou para a sua propagação na população (R0>0). R0 não é específico de um agente infecioso mas sim a caraterística de uma população particular de agentes infeciosos e de uma população específica de hospedeiros num dado período de tempo (Thrusfield, 2007a).

Rubel et al. (2008) calcularam o valor do Número Básico de Reprodução médio do USUV na Áustria para diferentes anos: para o ano de 2001 a média do R0 foi de 0,66, em 2002 foi 1,06, em 2003 foi 1,35, em 2004 foi 0,54, e em 2005 foi 0,71. Os autores consideraram

(41)

25 as elevadas temperaturas de 2003 como causa do valor de R0 ser tão elevado. Usando o modelo dependente da temperatura de Rubel et al. (2008), Cadar et al. (2017a) calcularam o R0 do vírus Usutu em diferentes áreas da Bélgica, Holanda e Alemanha, entre junho e setembro de 2016. Neste estudo, Cadar et al. (2017a) obtiveram em algumas áreas de estudo um R0 acima de 1, sendo o valor máximo de 2,75. Com auxílio de modelos de clima global, Brugger e Rubel (2009), previram que o USUV se possa tornar endémico da Áustria antes de 2040. No presente estudo, os autores exploraram 20 cenários diferentes onde em apenas dois o vírus Usutu se extinguia, nos restantes dezoito o USUV torna-se endémico na Europa Central antes de 2100.

3.2.3. Distribuição

A distribuição do USUV depende maioritariamente da distribuição dos seus mosquitos vetores, sendo o principal Culex pipiens (Calzolari et al., 2013; Colpitts et al., 2012; Roiz et

al., 2015), e das aves amplificadoras (Cadar et al., 2017a). Esta distribuição aparenta ser

maioritariamente determinada pela temperatura, o que influencia a taxa de desenvolvimento dos mosquitos vetores e reduz o tempo de incubação extrínseco do vírus no mosquito hospedeiro (Fros et al., 2015; Rubel et al., 2008).

A adaptação do USUV nos mosquitos e nos hospedeiros vertebrados, através do local de invernação ou da reintrodução do vírus por aves migratórias podem ser consideradas determinantes importantes na distribuição espacial e estabelecimento do vírus (Engel et al., 2016). A distribuição do vírus sobre grandes distâncias deve-se ao movimento das aves migratórias (Cadar et al., 2017a).

A distribuição espacial dos mosquitos está intimamente ligada com a distribuição de ambientes aquáticos que suportem o desenvolvimento das larvas, e por fatores que determinam o habitat apropriado para a população de mosquitos adultos, tal como a presença de hospedeiros e do tipo e quantidade de vegetação. As zonas húmidas constituem um ecossistema importante para o ciclo de transmissão do USUV pois nestas existe uma população abundante de mosquitos vetores e de aves amplificadoras (Roiz et al., 2015).

Relativamente à presença dos mosquitos vetores do USUV no nosso país, Osório et

al. (2014) realizaram uma sistemática e ampla recolha de mosquitos em Portugal continental

que permitiu verificar que alguns destes são nativos. Foram recolhidos mosquitos adultos e larvas de algumas das espécies de mosquitos nas quais já foi detetado USUV: Culex pipiens,

Anopheles maculipennis, Culiseta annulata, Culex perexiguus, Ochlerotatus detritus e Ochlerotatus caspius (também denominado Aedes caspius). Culex pipiens demonstrou ser o

mais comum (Osório et al., 2014), sendo este considerado o vetor do USUV mais relevante da Europa e já teve a sua competência como vetor comprovada (Fros et al., 2015).

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26 O primeiro isolamento do USUV, como referido anteriormente, foi na África do Sul em 1959 (McIntosh, 1984). Após este caso, o USUV foi isolado em muitos outros países africanos: no Senegal, na República Centro-Africana, no Burkina Faso, Costa do Marfim, Nigéria e Uganda (CRORA, 2005; Digoutte, 1998, 1995; Henderson et al., 1972; Robin, 1975; Williams

et al., 1964), citados por Nikolay et al. (2011). Foram detetados anticorpos contra o USUV em

Marrocos num Melro-preto em 2008 (Figuerola et al., 2009) e em 2012 em cavalos e cães (Durand et al., 2016). Também em 2012, foi diagnosticado serologicamente USUV em cavalos e num burro na Tunísia (Ben Hassine et al., 2014). Em África, o USUV apenas foi isolado em países onde há programas de vigilância ativos, o que leva a crer que a sua distribuição geográfica neste continente seja mais ampla (Nikolay et al., 2011). O mapa da distribuição do vírus Usutu em África, realizado com dados da tabela do anexo B através do ‘software online’ do site ‘mapchart.net’ (MapChart, 2016), pode ser observado na figura 8:

Figura 8 - USUV em África. Deteção direta do USUV a vermelho e deteção serológica do USUV a verde (Adaptado da tabela do Anexo B).

Imagem

Figura 1 - Uma só Saúde que engloba a saúde animal, a saúde humana e a saúde ambiental, que por  sua vez se interligam entre si
Figura 3 - Agentes infeciosos responsáveis pelas DIE, onde se observa que 75% destes são  zoonóticos (Adaptado de (Taylor et al., 2001))
Figura 4 – Distribuição global dos casos de DIE causados por: a) agentes patogénicos zoonóticos  transmitidos por animais selvagens; b) agentes patogénicos zoonóticos transmitidos por animais não  selvagens; c) agentes patogénicos resistentes a antibiótico
Figura 6 – Número de casos de DIE divididos por bandas de latitude de 10º (Jones et al., 2008)
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Referências

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