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3. Doença do Usutu

3.2. Epidemiologia

3.2.3. Distribuição

A distribuição do USUV depende maioritariamente da distribuição dos seus mosquitos vetores, sendo o principal Culex pipiens (Calzolari et al., 2013; Colpitts et al., 2012; Roiz et

al., 2015), e das aves amplificadoras (Cadar et al., 2017a). Esta distribuição aparenta ser

maioritariamente determinada pela temperatura, o que influencia a taxa de desenvolvimento dos mosquitos vetores e reduz o tempo de incubação extrínseco do vírus no mosquito hospedeiro (Fros et al., 2015; Rubel et al., 2008).

A adaptação do USUV nos mosquitos e nos hospedeiros vertebrados, através do local de invernação ou da reintrodução do vírus por aves migratórias podem ser consideradas determinantes importantes na distribuição espacial e estabelecimento do vírus (Engel et al., 2016). A distribuição do vírus sobre grandes distâncias deve-se ao movimento das aves migratórias (Cadar et al., 2017a).

A distribuição espacial dos mosquitos está intimamente ligada com a distribuição de ambientes aquáticos que suportem o desenvolvimento das larvas, e por fatores que determinam o habitat apropriado para a população de mosquitos adultos, tal como a presença de hospedeiros e do tipo e quantidade de vegetação. As zonas húmidas constituem um ecossistema importante para o ciclo de transmissão do USUV pois nestas existe uma população abundante de mosquitos vetores e de aves amplificadoras (Roiz et al., 2015).

Relativamente à presença dos mosquitos vetores do USUV no nosso país, Osório et

al. (2014) realizaram uma sistemática e ampla recolha de mosquitos em Portugal continental

que permitiu verificar que alguns destes são nativos. Foram recolhidos mosquitos adultos e larvas de algumas das espécies de mosquitos nas quais já foi detetado USUV: Culex pipiens,

Anopheles maculipennis, Culiseta annulata, Culex perexiguus, Ochlerotatus detritus e Ochlerotatus caspius (também denominado Aedes caspius). Culex pipiens demonstrou ser o

mais comum (Osório et al., 2014), sendo este considerado o vetor do USUV mais relevante da Europa e já teve a sua competência como vetor comprovada (Fros et al., 2015).

26 O primeiro isolamento do USUV, como referido anteriormente, foi na África do Sul em 1959 (McIntosh, 1984). Após este caso, o USUV foi isolado em muitos outros países africanos: no Senegal, na República Centro-Africana, no Burkina Faso, Costa do Marfim, Nigéria e Uganda (CRORA, 2005; Digoutte, 1998, 1995; Henderson et al., 1972; Robin, 1975; Williams

et al., 1964), citados por Nikolay et al. (2011). Foram detetados anticorpos contra o USUV em

Marrocos num Melro-preto em 2008 (Figuerola et al., 2009) e em 2012 em cavalos e cães (Durand et al., 2016). Também em 2012, foi diagnosticado serologicamente USUV em cavalos e num burro na Tunísia (Ben Hassine et al., 2014). Em África, o USUV apenas foi isolado em países onde há programas de vigilância ativos, o que leva a crer que a sua distribuição geográfica neste continente seja mais ampla (Nikolay et al., 2011). O mapa da distribuição do vírus Usutu em África, realizado com dados da tabela do anexo B através do ‘software online’ do site ‘mapchart.net’ (MapChart, 2016), pode ser observado na figura 8:

Figura 8 - USUV em África. Deteção direta do USUV a vermelho e deteção serológica do USUV a verde (Adaptado da tabela do Anexo B).

27 Engel et al. (2016), num estudo de sequenciação do genoma e evolução do USUV, alegam que o vírus foi introduzido regularmente na Europa vindo de África nos últimos 50 anos. A deteção definitiva mais antiga remonta de 1996 em Melros-pretos em Itália (Weissenböck et al., 2013). Desde então o USUV já foi diagnosticado em aves e alguns mamíferos em muitos outros países como é possível ver na tabela do anexo B: Áustria (Meister et al., 2008), Espanha (Jurado-Tarifa et al., 2016), Polónia (Zdenek Hubálek et al., 2008), Alemanha (Becker et al., 2012), Suíça (Buchebner et al., 2013), Holanda (Rijks et al., 2016), República Checa (Hubálek et al., 2014), Bélgica (Garigliany et al., 2014), Grécia (Chaintoutis et al., 2014), Hungria (Bakonyi et al., 2007), Reino Unido (Buckley et al., 2003), França (Lecollinet et al., 2016) e Croácia (Barbic et al., 2013). O mapa da distribuição do vírus Usutu na Europa, realizado com dados da tabela do anexo B através do ‘software online’ do site ‘mapchart.net’ (MapChart, 2016), pode ser observado na figura 9:

Figura 9 - USUV na Europa. Deteção direta do USUV a vermelho, deteção serológica do USUV a verde, deteção direta e serológica do USUV a azul (Adaptado da tabela do Anexo B).

Adicionalmente em 2014 e 2015, foi detetado o vírus Usutu em mosquitos em Israel, o primeiro registo no continente asiático (Mannasse et al., 2017).

Existem imensas espécies aviárias que realizam a migração entre África e Europa. Algumas destas, como Acrocephalus scirpaceus, Sylvia curruca, Sylvia communis, Ficedula

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hypoleuca, Circus aeroginosus, Hirundo rustica, Sylvia bobin, Delichon urbica, podem ser

consideradas como possíveis responsáveis pela introdução do USUV na Europa, vindas de África (Meister et al., 2008; Weissenböck et al., 2002). Outras espécies, como Pica pica,

Passer domesticus, Gallus gallus e Turdus merula, são consideradas responsáveis pela

disseminação do USUV pela Europa (Nikolay, 2015). Estes aspetos necessitam de um estudo mais aprofundado de forma a entender-se devidamente este assunto (Nikolay et al., 2011).

Calzolari et al. (2013) sugerem que o USUV inverna nas aves na Itália, o que prova que o USUV já apresenta ciclos mosquito-ave-mosquito estáveis na Europa. Acrescido a isto, a contínua deteção de aves mortas devido ao USUV em anos consecutivos, e a propagação do vírus por tantos países europeus significa que o USUV está estabelecido na Europa (Becker et al., 2012; Chvala et al., 2007; Weissenböck et al., 2003). Considerando o nosso país vizinho, a seropositividade de pelo menos um animal em todos os anos analisados por García-Bocanegra et al. (2016), e todas as deteções de USUV realizadas nos anos transatos (Busquets et al., 2008; Höfle et al., 2013; Llorente et al., 2013), pode-se considerar que o vírus Usutu está estabelecido em Espanha.

Importante referir que o USUV e o WNV co-circulam em conjunto na Europa, tanto em termos de distribuição geográfica, como no facto de infetarem diversas espécies de aves em comum; através de algumas das mesmas espécies de vetores (Calzolari et al., 2010; Nikolay, 2015; Rudolf et al., 2015).

3.2.3.1. Prevalência

Becker et al. (2012), na Alemanha, no período de junho e novembro de 2011, através da análise por Transcrição Reversa – Reação em Cadeia da Polimerase (RT-PCR, do inglês ‘Reverse Transcription – Polymerase Chain Reaction’) de cadáveres de diversas espécies de aves, encontraram uma prevalência de USUV de 38% nos cadáveres das aves analisadas. Buchebner et al. (2013), num estudo realizado em aves de diversas ordens do jardim zoológico da cidade de Basileia, Budapeste, Viena e Zurique, encontraram através do Teste de Neutralização por Redução de Placas (TNRP) uma prevalência de anticorpos contra o USUV de 5%. O jardim zoológico de Budapeste não tinha casos positivos. Buckley et al. (2003), também utilizando a técnica de TNRP em 91 amostras de 8 espécies de aves diferentes, obtiveram uma prevalência de 53,8% com anticorpos contra o USUV, no Reino Unido entre outubro de 2001 e Setembro de 2002. Calzolari et al. (2012), num estudo realizado em Itália entre maio e outubro de 2010, obtiveram através da RT-PCR uma prevalência de 1% nas diversas espécies de aves analisadas. No ano seguinte, Calzolari et al. (2013), também em Itália, entre janeiro e novembro de 2011, obtiveram através da RT-PCR uma prevalência de aproximadamente 1,7%. Chvala et al. (2007), usando a RT-PCR e

29 Imunohistoquímica, encontraram uma prevalência de 21% em 504 amostras de aves, na Áustria entre 2003 e 2005. Jurado-Tarifa et al. (2016) realizaram um estudo na região da Andaluzia em Espanha, entre novembro e dezembro de 2011 e em cadáveres provenientes de um CRAS referentes a 2011-2014, usaram o Teste de Neutralização Viral e obtiveram uma seroprevalência de 3,6% em Gansos-bravos (Anser anser) e Patos-reais (Anas platyrhynchos) num total de 1052 análises. Meister et al. (2008), num estudo entre agosto de 2003 e maio de 2006, na Áustria, em 442 aves selvagens de diversas espécies diferentes, obtiveram uma seroprevalência de 31% de USUV usando o teste da hemoaglutinação e o TNRP. Lim et al. (2017), em amostras de sangue de aves recolhidas entre 14 de novembro de 2014 e 13 de maio de 2015 na Holanda, através de ELISA e subsequente confirmação através do Teste de Neutralização Viral, detetaram uma seroprevalência de 2,6%. Tamba et al. (2011) testaram uma amostra de 1218 aves através de PCR em 2009 em Itália e obtiveram uma prevalência de 0,9%.

García-Bocanegra et al. (2016) recolheram sangue a ruminantes selvagens na Espanha entre 2003 e 2014, observou-se uma prevalência de 0,1 a 0,2% em veados vermelhos.