• Nenhum resultado encontrado

A decisão da seleção de que doenças monitorizar no projeto, na opinião do autor, deve ir de encontro com doenças que afetem a classe das aves, que constitui a maior parte dos ingressos em CRAS. Isto foi demonstrado por Kirkwood (2003), citado por Mullineaux (2014), num estudo a 16000 ingressos em CRAS, onde 60,1% eram aves. Ao analisar os ingressos do ano de 2015 do CRAS do Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (HV-UTAD) o autor do presente projeto constatou que 85,3% (301 aves em 353 animais) foram aves, o que à partida é indicativo desta mesma realidade em Portugal continental.

Existem imensas doenças infeciosas e não infeciosas que afetam aves, neste projeto decidiu-se realizar a monitorização da doença do Usutu e de intoxicações por Organofosforados (OF) ou Carbamatos (CM).

2.1. Importância da Epidemiovigilância do vírus Usutu

em Aves Selvagens

A vigilância do vírus Usutu (USUV) é de extrema importância pois este causa uma Doença Infeciosa Emergente afetando maioritariamente as aves. Este vírus surgiu na Europa em 1996 em Itália (Weissenböck et al., 2013), e já foi diagnosticado em aves em 13 países europeus, incluindo a vizinha Espanha (García-Bocanegra et al., 2016; Höfle et al., 2013) (consultar tabela do anexo B). Ainda em 2016 foi detetado pela primeira vez na Holanda (Rijks

et al., 2016), estando a propagar-se para novas regiões geográficas e também se têm

observado novas espécies afetadas pelo USUV (Buchebner et al., 2013; Garigliany et al., 2014; Meister et al., 2008; Steinmetz et al., 2011). O maior surto epizoótico registado até à data na Europa ocorreu em 2016 na França, Bélgica, Holanda e Alemanha (Cadar et al., 2017a).

A doença do Usutu afeta muitas espécies de aves, pelo menos 77 espécies de aves de 18 ordens, como se pode ver no anexo A, tendo sido responsável pela morte em massa e consequente declínio de populações de Melros-pretos em algumas regiões da Europa (Becker

et al., 2012; Bosch et al., 2012; Chvala et al., 2007; Ziegler et al., 2015). O declínio de uma

população reprodutiva chegou a atingir os 34% (Ziegler et al., 2015). De acordo com Weissenböck et al. (2003) morreram vários milhares de Melros-pretos na Áustria, em 2001 e 2002, devido a infeção pelo USUV, chegando a haver relatos em que alegam que estes

81 desapareceram inteiramente de algumas áreas. Adicionalmente, cálculos efetuados num modelo de simulação com dados de previsões climáticas prevêm que os surtos periódicos de USUV podem levar a um declínio de 24% das populações de Melro-preto na Áustria (Brugger e Rubel, 2009).

Os dados da mortalidade de aves devido ao USUV constituem apenas uma fração do número real pois apenas uma pequena proporção das aves são analisadas, isto é, a amostra não é significativa, sendo assim impossível dar estimativas concretas do declínio das populações de aves associado com o USUV (Chvala et al., 2007).

O vírus Usutu também afeta mamíferos, incluindo o ser humano, mas até agora o número de casos humanos de infeções por USUV graves foi reduzido. Contudo, as similaridades da ecologia do USUV com o vírus da Febre do Nilo Ocidental (WNV, do inglês ‘West Nile Virus) enfatizam a necessidade de caução relativamente ao seu potencial de ameaça à saúde (Blázquez et al., 2013).

Considerando isto, e o facto da situação atual do vírus Usutu em Portugal ser desconhecida, é fácil denotar a importância de um projeto de epidemiovigilância deste vírus em Portugal.

2.2. Importância

da

Epidemiovigilância

dos

Organofosforados e dos Carbamatos em Aves Selvagens

Os inseticidas OF e CM são um grande benefício para a humanidade e simultaneamente uma importante contribuição para a poluição ambiental (Gupta, 2006b). O conhecimento das suas propriedades tóxicas já é conhecida há mais de um século (Pope et

al., 2005).

Os inseticidas OF e CM, embora não sejam cumulativos como os organoclorados, são extremamente tóxicos e apresentam falta de seletividade de espécies, constituindo assim uma enorme ameaça para animais que não são o seu alvo, como humanos e outros mamíferos, aves, e espécies aquáticas (Brasel et al., 2007; Samuels e Obare, 2011). Constituem assim um perigo de saúde pública para os humanos e para a vida selvagem, sendo as aves especialmente vulneráveis (Brasel et al., 2007; Gupta, 2007; Kwong, 2002).

Nos casos de uso de inseticidas OF e CM de acordo com o rótulo da embalagem, os compostos devem permanecer na área a tratar, mas devido à deriva ou como resultado do seu uso indiscriminado, especialmente em países em desenvolvimento, ocorrem muitas vezes

82 intoxicações agudas em animais selvagens e humanos (Buerger et al., 1991; Costa, 2006; Gupta, 2007; Hill, 2003; Kwong, 2002). Muitos dos incidentes de mortalidade aviária devido a inseticidas devem-se à má utilização dos mesmos, onde não foram seguidas as informações do rótulo do produto (Berny, 2007).

Devido à sua elevada toxicidade aguda, os OF e os CM são ainda usados frequentemente na intoxicação intencional e ilegal de aves de rapina e de outros vertebrados (Mineau et al., 1999). Os relatos de intoxicações secundárias de aves de rapina têm aumentado de frequência (Wobeser et al., 2004): aves de rapina foram intoxicadas secundariamente e ilegalmente com carbofurão destinado a coiotes (Allen et al., 1996); um caso extremo foi reportado por Goldstein et al. (1999) onde mais de 4000 gaviões-papa- gafanhotos (Buteo swainsoni) morreram na Argentina entre 1995 e 1996 devido à intoxicação por um organofosforado; uma análise de engodos na Bélgica revelou que 77% das amostras continham pesticidas, sendo o carbofurão, que é um CM, o mais comum (Guitart et al., 2010); num estudo realizado na Grécia sobre casos suspeitos de intoxicação em animais selvagens entre 1998 e 2004, Samouris et al. (2007) observaram que 52,63% dos casos em aves se deveu a tóxicos, sendo que destes casos, 50% deveram-se a organofosforados e 35% a carbamatos. Foram encontrados muitos outros relatos de casos de mortes em aves devido a OF e CM (Elliott et al., 1997, 1996; Hill e Mendenhall, 1980; Hosea et al., 2000; Mendelssohn e Paz, 1977; Mineau et al., 1999; Wobeser et al., 2004).

O perigo ecológico que advém dos OF e CM é maioritariamente resultante da intoxicação aguda que estes provocam (Berny, 2007; Hill, 2003), mas também inclui alterações indiretas como a redução de alimento, a preferência de habitat e alimento por parte dos animais afetados, alterações de comportamentos essenciais à sobrevivência como a reprodução e a migração; rutura do equilíbrio entre os organismos produtores e consumidores no solo e água (Berny, 2007; Hill, 2003; Walker, 2003).

As consequências da aplicação de OF e CM em animais normalmente duram somente alguns dias. Mas, na altura de crescimento das colheitas é normal realizarem-se múltiplas aplicações de inseticidas, o que estende o seu perigo para os animais selvagens, que aparenta ser maior em animais altamente móveis, tal com as aves. A aplicação repetida destes inseticidas pode levar a efeitos fisiológicos acumulativos (Hill, 2003).

Existe pouca informação acerca dos efeitos subletais e crónicos destes inseticidas nas populações de aves selvagens (Hill, 2003).

Assim, as consequências que estes inseticidas têm na saúde das populações de aves selvagens são claras, por isso, é importante realizar um projeto de epidemiovigilância das intoxicações por estes compostos.

83