• Nenhum resultado encontrado

No olho da rua: trabalho e vida na apropriação do espaço público em Salvador / BA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "No olho da rua: trabalho e vida na apropriação do espaço público em Salvador / BA"

Copied!
268
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

ROSE LAILA DE JESUS BOUÇAS

NO OLHO DA RUA:

trabalho e vida na apropriação do espaço público em Salvador / BA

Salvador 2015

(2)

ROSE LAILA DE JESUS BOUÇAS

NO OLHO DA RUA:

trabalho e vida na apropriação do espaço público em Salvador / BA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Mestre.

Orientadora: Professora Dra. Ana Fernandes. Co-orientadora: Professora Dra. Angela Franco.

Salvador 2015

(3)

B752 Bouças, Rose Laila de Jesus.

No olho da rua: trabalho e vida na apropriação do espaço público em Salvador / Ba / Rose Laila de Jesus Bouças. 2015.

268 f. : il.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria Fernandes.

Co-orientadora: Profa. Dra. Ângela Maria de Almeida Franco

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Arquitetura, Salvador, 2015.

1. Planejamento urbano. 2.Trabalho informal. 3. Economia. I Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura. II. Fernandes, Ana Maria. III. Franco, Ângela Maria de Almeida.

(4)

ROSE LAILA DE JESUS BOUÇAS

NO OLHO DA RUA:

trabalho e vida na apropriação do espaço público em Salvador / BA

Dissertação aprovada para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:

________________________________________________ Profa. Dra. Ana Maria Fernandes (orientadora) Pós‐Doutorada pela École d'Architecture Paris ‐ Malaquais

________________________________________________ Profa. Dra. Ângela Maria de Almeida Franco (co-orientadora) Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia

________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Heliodório Lima Sampaio (membro interno) Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo

________________________________________________ Profa. Dra. Urpi Montoya Uriarte (membro externo) Pós-Doutorada pela Universidade Federal de Pernambuco

________________________________________________ Prof. Msc. Gabriel Kraychette (membro externo) Mestre pela Universidade Federal da Bahia

(5)
(6)

AGRADECIMENTOS

Gostaria de reconhecer aqui a importância de cada pessoa que faz parte da minha vida, assim como também àqueles que foram somados ao meu rol de amizade nos últimos dois anos e meio de mestrado. Sou muito grata por cada palavra, incentivo e colaboração de vocês.

Agradeço à professora Ana Fernandes por ter me acolhido carinhosamente no Grupo de Pesquisa Lugar Comum. Sou verdadeiramente grata por sua orientação cuidadosa, pelos livros emprestados e por seu olhar atencioso e preciso, capaz de me fazer rever de forma única a concepção e estruturação desta pesquisa.

À professora Ângela Franco pela generosidade em ceder seu tempo, sua casa, e seus livros. Considero um grande presente tê-la conhecido e poder ter contado com suas orientações, atenção e carinho durante esse tempo. Sinto-me com muita sorte por ter contado com o apoio de duas orientadoras tão incríveis.

Ao professor Luiz Antônio por ter sido o primeiro a me incentivar e a acreditar na minha pesquisa.

Ao curso de Urbanismo da UNEB por ter alimentado e contribuído com a minha sensibilidade. Aos professores e grandes mestres que tive a honra e o prazer de conhecer no decorrer das disciplinas do PPG-AU: Heliodório Sampaio, Angela Gordilho, Paola Berenstein, Fernando Ferraz, Washington Drummond, Pasqualino Magnavita, Xico Costa e Thais Portela.

Aos membros da banca por terem aceitado o convite de avaliar meu trabalho.

Aos meus pais que, apesar das inúmeras dificuldades que tiveram, sempre me incentivaram e fizeram o melhor por mim e pela minha educação. Aos meus avós maternos, a quem dedico esse trabalho, por serem os guardiões das minhas lembranças mais doces e ternas.

Ao meu companheiro Caio Rubens pela paciência, incentivo e afeto em todos os momentos. Pela família que estamos solidificando com esse ser semente que trago agora no ventre.

Aos amigos que fiz no PPG-AU, no Lugar Comum e, sobretudo, durante o período em que participei da elaboração do Plano de Bairro 2 de Julho.

Aos professores, companheiros tirocinantes e estudantes que participaram do Ateliê V no semestre de 2014.1 da Faculdade de Arquitetura.

(7)

À Gabriela, Alice, Iago, Gabriel e Emyle, bolsistas do PIBIC Jr. e estudantes do Colégio Estadual Ypiranga, dos quais fui tutora durante pouco mais de um ano no âmbito do Plano de Bairro 2 de Julho e que me ensinaram bastante sobre a arte de partilhar conhecimentos com paciência.

À Reinofy e Suzana da produtora Domínio Público pela amizade e apoio na impressão dos questionários aplicados na pesquisa de campo.

À Bruna Tupiniquim pela colaboração cuidadosa na coleta de dados secundários, aplicação e sistematização dos 299 questionários da pesquisa.

Aos trabalhadores de rua e lideranças que gentilmente cederam um pouco do seu tempo de trabalho para conversar conosco durante a aplicação dos questionários e nas entrevistas. Às queridíssimas do grupo “Belas e Criativas”, pela sororidade desse grupo feminino que é o mais amoroso que conheço.

Aos amigos de todas as horas e tempos: Thallita, João, Larissa e Lais por seu carinho verdadeiro e por sempre vibrarem positivamente por mim, ainda que nem sempre possam estar fisicamente presentes.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pela bolsa concedida durante os dois anos de mestrado.

(8)

O homem está na cidade como uma coisa está em outra e a cidade está no homem que está em outra cidade mas variados são os modos como uma coisa está em outra coisa: o homem, por exemplo, não está na cidade como uma árvore está em qualquer outra nem como uma árvore está em qualquer uma de suas folhas (mesmo rolando longe dela) O homem não está na cidade como uma árvore está num livro quando um vento ali a folheia a cidade está no homem mas não da mesma maneira que um pássaro está numa árvore não da mesma maneira que um pássaro (a imagem dele) está/va na água e nem da mesma maneira que o susto do pássaro está no pássaro que eu escrevo a cidade está no homem quase como a árvore voa no pássaro que a deixa cada coisa está em outra de sua própria maneira e de maneira distinta de como está em si mesma a cidade não está no homem do mesmo modo que em suas quitandas, praças e ruas Ferreira Gullar

(9)

RESUMO

O trabalho é, talvez, a dimensão da vida que tem mais importância em nossa estrutura social. Através dele obtemos recursos para nosso sustento e podemos nos sentir inseridos na sociedade. Contudo, o mercado de trabalho não absorve a todos. Desta forma, obter os meios de sobrevivência para boa parte da população é uma luta diária, que envolve grande criatividade e poder de adaptação. Nesta dissertação investigamos uma dessas muitas formas alternativas de sobrevivência. Buscamos compreender o desenrolar de uma atividade laboral que ocorre aos olhos de todos, no olho da rua, nas ruas do centro de Salvador. Nosso objetivo é, portanto, estudar de que maneira a atividade dos trabalhadores de rua está inserida e se relaciona com o espaço público, bem como a maneira como incidem as ações de planejamento e ordenamento elaboradas entre 1992 e 2014 sobre a mesma, numa área do centro antigo da cidade de Salvador, onde observamos uma grande incidência de trabalhadores de rua. Nesse sentido, para auxiliar nossa compreensão, a teoria dos circuitos da economia elaborada por Milton Santos é fundamental, pois nos ajuda a entender a maneira como as atividades se organizam no espaço, na medida em que fazem parte do circuito superior ou inferior da economia. O espaço com o qual estamos lidando, por sua vez, é o espaço público, comum a todos. A apropriação da rua pelo trabalho por si só já pressupõe a existência de tensões, conflitos e disputas por este lugar. Nos parece interessante observar ainda, que essa apropriação se converte em uso, na medida em que passa a ser regulada pelo poder público, que reconhece a problemática social e busca alternativas para compatibilizar os diversos interesses sobre o local.

PALAVRAS-CHAVE: trabalhador de rua; economia; rua; apropriação; planejamento urbano.

(10)

ABSTRACT

Gainful employment is a large aspect of life that is important to our social structure. We rely on this for our livelihood and so we can become productive, contributing members of the community. However, the labor market does not account for the entire population. Thus obtaining the means of survival, for a majority of the population, is a daily struggle. In this master thesis we investigate one of those many alternative forms of survival. We seek to understand the gradual unfolding of an employment activity that occurs for us all to witness on the streets in Salvador downtown. Our goal is to study how the activity of street workers is related to public space, as well as how the planning actions of 1992 and 2014 affects this activity on the city's old downtown area where numerous street workers can be noticed. The theory of the economic circuits by Milton Santos is an important element to our comprehension because it helps us to understand the manner in which activities are organized on the space, as it involves the upper and lower aspects of economy. The space which we are dealing with is the public space, common to all. The appropriation of the street for the work itself takes on the existence of tensions, conflicts and disputes over this place. It’s also interesting to take note that this appropriation becomes a use as they happen to be regulated by the government, which recognizes the social problem and seeks solutions to reconcile the various interests on the site.

(11)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Trecho da Avenida Sete de Setembro. ... 81

Figura 2: Trecho da Avenida Sete de Setembro. ... 81

Figura 3: Largo de São Bento ... 82

Figura 4: Largo do Mocambinho, vista da Rua Carlos Gomes. ... 84

Figura 5: Avenida Sete de Setembro. Área 3 – perspectiva da área (Rua do Cabeça/Estacionamento São Raimundo). ... 88

Figura 6: Projeto para o Largo do Rosário. ... 92

Figura 7 Largo do Rosário reformado... 92

Figura 8: Proposta de requalificação do mercado das flores (Largo 2 de Julho) / Praça General Inocêncio Galvão ... 93

Figura 9: Rua do Cabeça e “Largo das Flores”, bairro Dois de Julho. ... 94

Figura 10: Reunião para discussão do Projeto de Requalificação do Mercado Dois de Julho. 94 Figura 11: Trecho da Avenida Sete com parklet. Fotografia retirada de slide apresentado durante reunião convocada pela SEMOP em 21-11-2014. ... 96

Figura 12: Largo de São Bento em reforma. ... 96

Figura 13: Largo de São Bento antes da reforma. ... 96

Figura 14: Praça Barão Rio Branco (Relógio de São Pedro) antes da reforma. ... 97

Figura 15: Vista de cima da Praça Barão Rio Branco (Relógio de São Pedro), em reforma. .. 97

Figura 16: Esquema de espaço demandado pela atividade do trabalhador de rua... 99

Figura 17: Situação 1 - Demanda de espaço pela atividade, considerando mobiliário independente de outros. ... 100

Figura 18: Situação 2 - Demanda de espaço pela atividade, considerando mobiliário de quina ou encostado com outros. ... 100

Figura 19: Situação 3 - Demanda de espaço pela atividade, considerando mobiliário encostado com outros ou com a parede. ... 101

Figura 20: Representação esquemática de uma rua. ... 102

Figura 21: Esquema densidade de ocupação – Ruas tipo “A”. ... 102

Figura 22: Esquema densidade de ocupação – Ruas tipo “A”. ... 103

Figura 23: Improvisos para proteger-se da chuva e do sol na Rua da Forca... 150

Figura 24: Improvisos para proteger-se da chuva e do sol na Rua Coqueiros da Piedade .... 150

Figura 25: Ação do rapa com presença policial em 24.09.2014... 153

Figura 26: Ação do rapa com presença policial em 24.09.2014... 154

Figura 27: Reforma da rua Portão da Piedade. ... 154

Figura 28: Reforma da Rua do Cabeça. ... 154

(12)

Figura 30: Trabalhadores provisoriamente deslocados para Avenida Joana Angélica... 155

Figura 31: Trabalhadores provisoriamente deslocados para a lateral do Mosteiro de São Bento. ... 155

Figura 32: Trabalhadores provisoriamente deslocados para canteiro central da Av. Joana Angélica ... 155

Figura 33: Trabalhadores que permanecem ao longo da Avenida Sete. ... 157

Figura 34: Trabalhadores que permanecem ao longo da Avenida Sete. ... 157

Figura 35: Comercialização de mercadorias realizada com o uso de automóveis. ... 158

Figura 36: Comercialização de mercadorias realizada com o uso de automóveis. ... 158

Figura 37: Comercialização de mercadorias realizada com o uso de automóveis. ... 158

Figura 38: Comercialização de mercadorias realizada com o uso de automóveis. ... 158

Figura 39: Carregador levando mercadoria para o ponto de um trabalhador. ... 163

Figura 40: Trabalhadora montando sua guia no início da jornada de trabalho. ... 163

Figura 41: Carregadores levando mercadoria na Rua do Cabeça. ... 163

Figura 42: Carregador na Rua Carlos Gomes... 163

LISTA DE MAPAS Mapa 1: Av. Sete de Setembro – Extensão total, 2015. ... 68

Mapa 2: Bairros que margeiam a Avenida Sete de Setembro. ... 71

Mapa 3: Ruas contempladas com o projeto de ordenamento. ... 91

Mapa 4: Densidade de ocupação na área de estudo. ... 104

Mapa 5: Percurso de aplicação do questionário de aprofundamento. ... 114

(13)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Estimativa do número de ocupados. ... 37 Tabela 2: Distribuição da população em desemprego oculto pelo trabalho precário e experiência anterior de trabalho, segundo tempo de perda do emprego e duração do último trabalho Regiões Metropolitanas(*) e Distrito Federal – 1999, 2004 e 2009 (em %) ... 40 Tabela 3: Síntese da análise do projeto “O Informal em Salvador: políticas e propostas”, 1992. ... 83 Tabela 4: Comparativo entre as alternativas da Proposta I para relocação do comércio informal – Av. Sete de Setembro, 1997 ... 86 Tabela 5: Comparativo entre as alternativas da Proposta II para relocação do comércio informal – Av. Sete de Setembro, 1997 ... 86 Tabela 6: Síntese da análise do projeto “Comércio Informal: projeto de relocação dos ambulantes da Av. Sete de Setembro e Baixa dos Sapateiros”, 1997 ... 89 Tabela 7: Síntese da análise dos projetos “Plano de requalificação e reordenamento de ambulantes de Salvador”, “Requalificação do Mercado 2 de Julho” e “Programa Avenida Sete de Setembro – Território Empreendedor”, 2014. ... 97 Tabela 8: Caracterização da Atividade – Quais produtos comercializa? ... 144 Tabela 9: Caracterização da Atividade – Onde você compra os produtos que comercializa?145 Tabela 10: Caracterização da Atividade – Quanto você consegue tirar num dia bom / ruim? ... 148 Tabela 11: Questionário de aprofundamento – Quais as três coisas que gosta no trabalho / quais as três dificuldades / quais os planos para o futuro... 161 Tabela 12: Questionário de aprofundamento – Quais as três coisas que gosta no trabalho / quais as três dificuldades / quais os planos para o futuro... 166

(14)

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Evolução do PIB nacional, trimestral e das Populações Metropolitanas

Economicamente Ativa e Ocupada -... 37

Gráfico 2: Taxas de desemprego, segundo tipo ... 38

Gráfico 3: Caracterização geral – Pirâmide etária ... 126

Gráfico 4: Caracterização geral – Grau de escolaridade ... 127

Gráfico 5: Caracterização geral - Origem ... 128

Gráfico 6: Caracterização da atividade – Como se desloca até o trabalho? ... 131

Gráfico 7: Caracterização Geral – Como você chama o trabalho que faz aqui neste lugar? . 132 Gráfico 8: Caracterização Geral – Se já trabalhou de carteira assinada, o que fazia? ... 133

Gráfico 9: Caracterização Geral – Quando fica doente (ou quando tem algum acidente ou problema), o que acontece com o negócio? ... 134

Gráfico 10: Caracterização da Atividade – Por que o seu ponto é nessa rua? ... 139

Gráfico 11: Caracterização da Atividade – Tempo em que exerce a atividade / tempo que trabalha na mesma rua ... 140

Gráfico 12: Caracterização da Mercadoria – Se paga aluguel no depósito, quanto custa? .... 142

Gráfico 13: Caracterização da Atividade – Com quem você compra os produtos que comercializa? ... 145

Gráfico 14: Caracterização da Atividade – Que tipo de investimento fez para começar no ramo? ... 147

Gráfico 15: Caracterização da Mercadoria – Porque tem licença ... 152

Gráfico 16: Caracterização da Mercadoria – Porque não tem licença ... 152

Gráfico 17: Caracterização da Mercadoria – De qual associação/sindicato faz parte? ... 159

Gráfico 18: Caracterização da Atividade – Se não faz parte de nenhuma associação, qual o motivo? ... 160

Gráfico 19: Caracterização da Atividade – Como você bebe água e se alimenta?... 164

(15)

ABREVIATURAS E SIGLAS

ASFAERP - Associação dos Feirantes e Vendedores Ambulantes da Cidade de Salvador e Região Metropolitana

ASSINDIVAN - Associação Integrada de Vendedores Ambulantes e Feirantes de Salvador ASSINFORMAL - Associação dos Trabalhadores Informais de Salvador

BNDES - Banco Nacional do Desenvolvimento CAB - Centro Administrativo da Bahia

CDL - Câmara de Dirigentes Lojistas de Salvador CIA - Centro Industrial de Aratu

CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas CMC - Centro Municipal do Camaragibe CMR - Centro Municipal Retiro-Acesso Norte CMT - Centro Municipal Tradicional

DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos FMLF - Fundação Mário Leal Ferreira

LOUOS - Lei do Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo de Salvador OIT - Organização Internacional do Trabalho

PAC - Programa de Aceleração do Crescimento

PDDU - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador PEA - População Economicamente Ativa

SEBRAE - Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEDUR - Secretaria de Desenvolvimento Urbano

SEMOP - Secretaria de Ordem Pública

SESP - Secretaria Municipal de Serviços Públicos e Prevenção à Violência SINDIFEIRA - Sindicato dos Feirantes e Ambulantes da Cidade de Salvador

SUCOM - Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município TRANSALVADOR - Superintendência de Trânsito de Salvador

(16)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 18

1 TRABALHO DE RUA: UMA RELAÇÃO ENTRE INFORMALIDADE E ESPAÇO PÚBLICO ... 28

1.1NEM DICOTOMIA, NEM AMBIGUIDADE: DOIS CIRCUITOS DE UM MESMO SISTEMA ... 29

1.2A ECONOMIA NO ESPAÇO, O TRABALHO NA RUA ... 47

2 O ESPAÇO PÚBLICO E O TRABALHO DE RUA EM SALVADOR: CARACTERIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO E PLANEJAMENTO ... 65

2.1CARACTERIZAÇÃO DAS RUAS ONDE SE OBSERVA O TRABALHO DE RUA:AVENIDA SETE DE SETEMBRO, TRANSVERSAIS E LARGO DOIS DE JULHO ... 66

2.2O ESPAÇO PÚBLICO EM SALVADOR E A LEGISLAÇÃO INCIDENTE ... 72

2.3PROJETOS DO PODER PÚBLICO INCIDENTES SOBRE A ATIVIDADE DO TRABALHADOR DE RUA ... 76

2.3.1 Propostas em 1992 ... 77

2.3.2 Propostas em 1997 ... 84

2.3.3 Propostas em 2014 ... 90

2.4A DENSIDADE DE OCUPAÇÃO ... 99

3 O TRABALHO DE RUA EM SALVADOR: OS PROTAGONISTAS, SUAS CARACTERÍSTICAS E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA ATIVIDADE... 106

3.1AS ASSOCIAÇÕES/SINDICATOS ... 106

3.2OS TRABALHADORES DE RUA ... 113

3.3CONCEPÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS CIRCUITOS DO TRABALHO DE RUA EM SALVADOR 134 3.3.1 Se virar: entre a subordinação e a autonomia ... 136

3.3.2 A correria e o rapa: conflitos e disputas ... 149

3.3.3 A pedra: circuitos de cooperação, pertencimento e solidariedade ... 162

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 170

REFERÊNCIAS ... 181

ANEXO A: PLANTAS DO PROJETO “O INFORMAL EM SALVADOR: POLÍTICA E PROPOSTAS, 1992” – TRECHO SÃO PEDRO, JOANA ANGÉLICA E SÃO BENTO ... 189

ANEXO B: PLANTAS DO PROJETO “COMÉRCIO INFORMAL: AV. SETE DE SETEMBRO; ÁREAS PROVISÓRIAS. SALVADOR: 1997” ... 193

ANEXO C: PLANTAS DO PROJETO “REQUALIFICAÇÃO DA AV. SETE DE SETEMBRO - ORDENAMENTO DO COMÉRCIO INFORMAL" ... 201

(17)

APÊNDICE A: QUESTIONÁRIO BÁSICO APLICADO COM OS 289

TRABALHADORES DE RUA ... 205 APÊNDICE B: QUESTIONÁRIO DE APROFUNDAMENTO APLICADO COM OS 10 TRABALHADORES DE RUA SELECIONADOS ... 209 APÊNDICE C: RESULTADO DA CONTAGEM DOS TRABALHADORES PARA DEFINIÇÃO DA AMOSTRA ... 211 APÊNDICE D: ÁREAS PARA APLICAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS BÁSICOS ... 215 APÊNDICE E: ROTEIRO DE ENTREVISTA ASSOCIAÇÕES / SINDICATO ... 216 APENDICE F: DENSIDADE DE OCUPAÇÃO... 219 APÊNDICE G: SISTEMATIZAÇÃO DO QUESTIONÁRIO BÁSICO: TABELAS E GRÁFICOS ... 224

(18)

INTRODUÇÃO

Nesta dissertação estudamos o trabalho e o trabalhador de rua na Avenida Sete de Setembro e seu entorno, no centro tradicional da cidade de Salvador, lugar onde a atividade acontece com grande intensidade, entre as maiores da cidade. A pesquisa surge e se justifica, portanto, com o objetivo de estudar de que maneira a atividade dos trabalhadores de rua está inserida e se relaciona com o espaço público, bem como a maneira como incidem as ações de planejamento e ordenamento sobre a mesma. Além disso, busca compreender o perfil do trabalhador que atua hoje nas ruas de Salvador e verificar, através da apropriação do espaço público pelo trabalhador de rua, quais são as tensões, interações, contradições, pertencimentos, conflitos, disputas e solidariedades que se evidenciam na dinâmica da realização da atividade aqui estudada. Esta pesquisa parte então do princípio de que, além de ser necessário compreender o contexto no qual a atividade dos trabalhadores de rua se torna mais expressivo na cidade, a ponto de o tema ser inserido nas políticas públicas do Estado sob a forma do planejamento, é preciso buscar entender também como os trabalhadores se relacionam entre si e com o cotidiano da cidade e qual a sua importância para ela.

O trabalho, nesse contexto, é tratado como um aspecto intrínseco à vida, e se destaca ao analisarmos sua realização em um o espaço público, a rua aqui em questão. Talvez possamos arriscar dizer que o trabalho é a própria vida para essas pessoas, principalmente se considerarmos que, assim como em outras ocupações na estrutura social capitalista, o trabalho torna-se uma das feições mais importantes da vida, para a qual dedicamos a maior parte de nosso tempo. É também através do trabalho que o indivíduo é capaz de obter satisfação pessoal, de sentir-se útil para a sociedade e potente diante da vida, além de ser o meio pelo qual se pode garantir a sobrevivência.

O trabalho que estamos estudando possui essa peculiaridade de ocorrer às vistas de todos, sobre o que podemos nos perguntar: o que leva as pessoas a utilizarem o espaço da rua para vender mercadorias? Esta pergunta parece um tanto óbvia, mas aqui nos cabe explicitá-la. As pessoas estão utilizando a rua para comercializar mercadorias, em sua maioria, como veremos no desenvolvimento desta dissertação, porque não encontraram outro emprego. Apesar de haver casos de pessoas que optaram por essa ocupação, a maioria dos trabalhadores pesquisados revelou ter entrado nesse mercado por não ter conseguido um emprego formal ou por terem sido demitidos, ou seja, porque ficaram no “olho da rua”, expressão que carrega em seu significado a ameaça ou a própria situação de desemprego. É justamente no olho da rua que

(19)

verificamos o desenrolar do trabalho, enquanto aspecto fundamental da vida social moderna, expresso na apropriação do espaço público pelos trabalhadores de rua em Salvador. No olho das ruas do centro da cidade podemos verificar a presença de diversos trabalhadores que não foram absorvidos pelo mercado formal, revelando uma das faces das desigualdades de oportunidades a que está submetida grande parte da população urbana e, ao mesmo tempo, um de seus lugares de maior disputa.

Para além das motivações que levaram essas pessoas a realizar suas atividades de trabalho expostas aos olhos de todos, é importante também entender quem são elas, suas histórias, suas atividades e estratégias de trabalho, questão que será abordada no Capítulo 3 da dissertação. Todavia precisamos desde já esclarecer porque estamos fazendo uso do termo “trabalhador de rua”. Cabe ressaltar que, embora seja necessário olhar um pouco para o passado para justificar tal denominação, o nosso objetivo não é fazer um histórico do trabalho de rua em Salvador, mas analisá-lo no período compreendido desde a redemocratização do país e promulgação de sua nova constituição até os dias atuais (1988-2014). Esse recorte temporal foi escolhido em função de sua correspondência com os projetos encontrados e que foram elaborados pelo poder público para o tratamento da questão, bem como com o seu tratamento enquanto política pública incorporada ao planejamento urbano. Dessa forma, podemos melhor aproximar o tema pesquisado da linha de pesquisa de Processos Urbanos Contemporâneos, do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA.

Por que não nos referimos a essas pessoas como “ambulantes” ou “camelôs”? O primeiro termo, “ambulante”, se refere àquele que se desloca para oferecer mercadorias ou fazer negócios. Dá ideia, portanto, de alguém que não cria pontos fixos de trabalho, uma vez que se está sempre em deslocamento e não foi o caso investigado nesta pesquisa. Já o termo “camelô” começou a ser tratado em 1869, conforme Mollier (2009), por Pierre Larrousse no Dictionnaire universel du XIXe siècle. Nele, o termo camelot aparece com o uso popular que recebia na época, referindo-se ao “vendedor ambulante que empurra uma carreta com os braços e encurvando as costas, o que faz lembrar um camelo” (MOLLIER, 2009, p.49). Já no segundo Supplément do Grand Dicitionnaire universel du XIXe siècle, em 1890 o termo era explicado pelos sucessores de Larousse como:

O termo camelô aplica-se a uma nova classe de negociantes essencialmente características das grandes cidades e em particular de Paris. Ativo, esperto, inteligente, o camelô geralmente tem verve e espírito suficientes para reunir a

(20)

multidão em torno de seu modesto mostruário, que cabe inteiro em um pano estendido na calçada (MOLLIER, 2009, p.49).

O autor supramencionado destaca que, no intervalo de 20 anos entre as publicações destacadas, é possível notar que a noção sobre este trabalhador se aprimorou, o que se deve ao fato de, já naquela época, haver uma expansão da atividade. Vale ressaltar que em outra enciclopédia, La Grande Encyclopédie de Marcellin Berthelot, publicada entre 1885 e 1891, o termo se subdividia em duas categorias: o primeiro (gascão) corresponde genericamente ao mascate e o segundo (parisiense) se subdivide entre aqueles que lidam com papel (ex.: jornaleiro) e os que vendem mercadoria ordinária (ex.: passador de fitas, bengalas, guarda-chuvas etc.).

Mollier (2009) dedica sua obra a este que seria um personagem familiar nas grandes cidades desde o século XIX, retratando o surgimento e papel dos camelôs, na França, que para ele é uma figura onipresente na metrópole. A rua, para este autor, preserva em si a função essencial de circulação de informações e mercadorias.

Expostos em um mostruário rudimentar, diretamente no chão ou em uma banca de madeira, mas na maioria das vezes apresentados suspensos em cordões improvisados e presos com pregadores de roupas, esses opúsculos expressam à sua maneira a capacidade de resistir ao tempo (MOLLIER, 2009, p.16).

Se no século XIX na França as atividades dos camelôs já se faziam importantes, no mesmo período no Brasil, sobretudo nas cidades de Salvador, Recife e Rio de Janeiro, se identificava atividades que se aproximam com a anteriormente descrita, com a peculiaridade de estarem inseridas num contexto de uma economia ainda baseada na escravidão. De acordo com Durães (2002) em seu trabalho onde estabelece um paralelo entre os trabalhadores de rua de Salvador do século XIX e os trabalhadores de rua de hoje, as atividades exercidas pelos primeiros, trabalhadores negros (escravos e libertos) e crioulos que trabalhavam nas ruas de Salvador, os identificava como “ganhadores”, “carregadores” ou ainda como “prestadores de “serviços”. Segundo o mesmo autor “dentre as atividades consideradas como informais, na época, registram-se a venda de comidas típicas (quitandeiras) e a atividade dos trabalhadores de “ganho” (carregadores), entre outras” (DURÃES, 2002, p.291).

(21)

[...] se constituiu o trabalho de rua em Salvador no século XIX, altamente marcado pela estrutura social rígida, onde diferenças raciais e sociais eram nitidamente afirmadas. Nesse bojo, processou-se a atividade não regulamentada, marcada pela busca imediata da sobrevivência, que ainda não se caracterizava pela relação de assalariamento, ou seja, eram atividades tipicamente não capitalistas, muito precárias e, por vezes, discriminadas, marginalizadas e excluídas naquela sociedade (DURÃES, 2002, p.294).

Segundo o referido autor, parte do que os trabalhadores de ganho recebiam era repassado para seus donos e a outra parte era utilizada para garantir sua própria subsistência. Essas atividades se realizavam, sobretudo no espaço público da rua, considerada como “reduto dos mais vivos, hábeis e representava o espectro da liberdade para uns, dentre esses o escravo de ganho[...]” (DURÃES, 2002, p.291). Nesse contexto havia já naquela época uma concentração desses trabalhadores em “cantos” específicos da cidade. Nesses “cantos”, de acordo com Durães (2009) havia uma estrutura simbólica que possibilitava o seu uso, mas também uma dimensão legal/oficial de funcionamento já que normalmente se estabeleciam em alguma esquina das ruas mais movimentadas.

Como mencionamos anteriormente, nesta dissertação não nos aprofundaremos neste aspecto particular do contexto histórico que traz à tona a questão do trabalho na rua desde o período do final da escravidão, pois o momento histórico que estará em foco é mais contemporâneo. Porém, consideramos importante evidenciá-lo como uma forma de ampliar nossa percepção sobre o trabalho realizado na rua, cuja apropriação pelo trabalho, como podemos notar, é histórica. A questão da apropriação, por sua vez, será mais bem explorada na segunda parte do primeiro capítulo desta dissertação. Por ora, é interessante observar que a atividade, desde o período comentado por Durães (2002), sofre regulações pelo poder público, que determina sua realização em cantos específicos da cidade. O fato de ela ter sido realizada majoritariamente por negros, escravos e libertos, portanto, pessoas em situação de maior vulnerabilidade, também nos dá indícios sobre a segregação que engendra nossa formação social, política, econômica e espacial.

Para além das questões mencionadas e uma vez apresentados os termos mais comumente utilizados para se referir aos trabalhadores de rua, cabe ainda justificar o uso do termo nesta dissertação. A expressão “trabalhador de rua” é considerada como a forma mais simples de traduzir e remeter ao significado que se quer passar, de alguém que exerce uma atividade laboriosa nas ruas para dela tirar o seu sustento. Além disso, consideramos a expressão importante também por reforçar que se trata de um trabalhador, ainda que a atividade realizada por ele seja precarizada, desprovida de direitos trabalhistas e o deixe em uma condição de

(22)

vulnerabilidade, uma vez que são grandes as incertezas no que se refere à obtenção de rendimentos reais no final do mês. O termo nos parece também mais abrangente, pois pode ser utilizado tanto para aqueles que possuem pontos transitórios, quanto para aqueles que possuem pontos fixos de trabalho. É importante salientar também que há uma grande diversidade nas formas de se referir a esse trabalho, cujo entendimento não é uniforme entre os próprios trabalhadores de rua, como veremos no terceiro capítulo desta dissertação.

Ao nos aproximarmos de como se estrutura a presente dissertação nos parece importante esclarecer a metodologia aqui empregada, pela qual foi necessário percorrer um caminho que buscou alinhavar a compreensão teórica e conceitual com as análises empíricas. O levantamento teórico-conceitual contou com a revisão da bibliografia sobre o assunto e a pesquisa empírica contou com o levantamento de informações em fontes primárias e secundárias, o que foi realizado principalmente porque as informações obtidas com o levantamento teórico-conceitual não foram suficientes para compreendermos efetivamente o funcionamento da atividade e quem são os agentes que a tornam possível. Mesmo nos projetos encontrados, incluindo-se aí os recentemente elaborados, não há um levantamento preciso do quantitativo de trabalhadores atuando na área estudada, por exemplo, tampouco constam informações sobre o perfil dessa população. Por este motivo, se fez necessário realizarmos um levantamento empírico que contou com a observação participante, aplicação de questionários estruturados, entrevistas, registros fotográficos e elaboração de diário de campo.

No que se refere ao caminho teórico proposto, buscamos principalmente compreender o que se entende como os dois eixos que alicerçam a nossa abordagem: a informalidade e o espaço público. O resultado dos estudos sobre esses dois eixos e a relação estabelecida entre ambos aparece no primeiro capítulo desta dissertação. Em seguida, no segundo capítulo, veremos como as ações do planejamento municipal vêm incidindo sobre a área estudada, ao analisarmos os projetos propostos no período enfocado. No que se refere a tais projetos, a análise deteve-se nas seguintes categorias: existência de um diagnóstico sobre a situação; conforto ambiental; infraestrutura de suporte para a atividade; relação entre a proposta e o entorno; e densidade de ocupação. A partir da análise realizada através dessas categorias, acredita-se ser possível avaliar os projetos de forma mais consistente e crítica. Por fim, no terceiro capítulo, os dados empíricos nos ajudam a ter uma leitura sobre o panorama geral do que é o trabalho de rua desenvolvido no centro tradicional de Salvador, suas características, quem são as pessoas que o realizam e como ele se organiza.

(23)

O primeiro capítulo é iniciado contextualizando a informalidade, sob a ótica das linhas teóricas que tratam do assunto, o que nos permitirá analisar o comportamento da economia e do mundo do trabalho do final da década de 1980 até os dias atuais. Além disso, dados estatísticos sobre a situação do emprego e da informalidade serão apresentados, relacionados ao contexto histórico do período estudado, ou seja, considerando o processo de reestruturação produtiva e da globalização com viés neoliberal, que contribuíram para a flexibilização e diversas formas de precarização do trabalho. Nesta noção sobre a economia, a formalidade e a informalidade são interpretadas como duas faces de uma mesma moeda, partes de um mesmo sistema. Dizer isso significa tratar os dois temas compreendendo que sua distinção se origina do processo tardio de industrialização do Brasil, que arruinou as ocupações tradicionais sem ser capaz de absorver uma grande massa de pessoas pouco qualificadas, desempregadas com a modernização dos processos produtivos, seja na indústria, seja na agriculta. Trata-se, portanto, de um traço estrutural de nossa economia e que pode ser melhor compreendido se tivermos em conta a leitura sobre os circuitos superior e inferior da economia desenvolvidos por Milton Santos, onde a noção do espaço é inserida, ampliando nosso entendimento sobre a problemática. Sobre esse aspecto, vale mencionar ainda que a teoria dos circuitos da economia se constituirá como fundamento teórico estruturante da dissertação.

O espaço, por sua vez, é uma dimensão bastante importante para nós e será brevemente delineado teoricamente, sendo compreendido enquanto um produto social em permanente transformação.A questão do espaço será levantada, sobretudo, para que possamos evidenciar a relação imbricada que existe entre espaço e economia, que pode ser expressa de diferentes formas, como é o caso dos trabalhadores de rua aqui estudados. Ademais, o local específico no espaço em que se expressa a atividade dos trabalhadores de rua, por sua vez, é o espaço da rua, espaço público, portanto, que também merece ser melhor compreendido. Assim, a importância das ruas enquanto lugar do diferente, da socialização e da democracia será destacada, buscando direcionar o olhar para as diferentes formas de apropriação que incidem sobre este espaço, que não ocorrem sem problemas ou contradições. A apropriação por parte dos trabalhadores de rua, como veremos, é convertida em direito na medida em que a atividade é absorvida pelas políticas públicas do Estado, que a incorporam no planejamento, não sem restringi-las ou regulá-las.

Uma vez discutidos os aspectos dos eixos informalidade e espaço público, no segundo capítulo nos deteremos às propostas de intervenção elaboradas pelo Poder Público em momentos distintos entre os anos de 1988 e 2014. Para isso, realizamos pesquisa de dados junto

(24)

à Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), ente responsável pela concepção e execução dos projetos urbanísticos desenvolvimentos para o planejamento urbano do município de Salvador, onde foi possível colher informações sobre os projetos elaborados durante o período estudado. Além disso, foi realizada entrevista com um representante da Secretaria de Ordem Pública (SEMOP), órgão responsável atualmente pelo licenciamento e fiscalização do trabalho informal na cidade.

Ainda no Capítulo 2, a Avenida Sete de Setembro e as ruas de suas imediações, onde se incluem as ruas do bairro Dois de Julho, serão apresentadas como uma forma de aproximar o leitor do lugar estudado. Além disso, as propostas de intervenção são apreciadas tendo em vista o contexto do planejamento urbano no Brasil no qual estão inseridas, e os contextos políticos na cidade de Salvador, com a finalidade de evidenciar as semelhanças, diferenças e críticas das propostas apresentadas. Pensamos que assim será possível tensionar a ação do Poder Público na regulação da atividade, no que se faz importante ainda realizar um estudo sobre a legislação incidente sobre o assunto.

No terceiro e último capítulo nos debruçaremos sobre quem são os trabalhadores de rua que atuam hoje na área estudada, em Salvador, o modo como operam sua atividade e qual a importância que esses enxergam seu trabalho para a cidade. Nessa parte da dissertação contamos com uma metodologia bastante comprometida com a consistência das informações coletadas em campo, que contou com a realização de entrevistas e aplicação de questionários com um universo considerável de pessoas. Cabe mencionar ainda que o método utilizado foi de realizar um estudo de caso com inspiração etnográfica e antropológica.

A referência à inspiração etnográfica surge primeiro pelo interesse em evidenciarmos os protagonistas da história, os trabalhadores de rua. Em seguida, pela natureza da pesquisa ser qualitativa, principal característica da pesquisa antropológica, ainda que não esteja sendo realizada com a perícia, habilidade e temporalidade do trabalho de uma antropóloga. Aqui interessa-nos também, portanto, as histórias de vida e os dados advindos da observação do cotidiano. De acordo com Santos (2005) conseguir os dados desejados, em grande parte dos casos, está relacionado ao fato de o pesquisador “estar lá”, envolvido com sua pesquisa, realizando a etnografia.

O método etnográfico, de acordo com Uriarte (2012:173), “consiste num mergulho profundo e prolongado na vida cotidiana desses Outros que queremos apreender e compreender”. Este mergulho possui uma primeira fase de aprofundamento na teoria, em que se realiza um amplo levantamento de informações e interpretações sobre a população que

(25)

queremos pesquisar; uma segunda fase de convívio intenso com as pessoas dessa população; e uma fase de escrita quando o pesquisador retorna para casa e registra suas impressões.1 O “mergulho” em nosso caso, foi dado muito mais como processo que possibilita a observação do que da participação propriamente dita, excetuando-se aí os casos em que foi possível estabelecer uma relação de convívio e confiança com alguns trabalhadores. As impressões levantadas neste percurso resultaram na elaboração de um diário de campo, realizado principalmente para que as percepções do campo não escapassem da memória. Nesse sentido há também a realização de registros fotográficos em diferentes momentos da pesquisa. Diante disso, fica evidente se tratar de uma inspiração no método e não na sua aplicação propriamente dita. Contudo, acreditamos que ainda que não se constitua essencialmente como método etnográfico com toda a profundidade de envolvimento que esta forma de estudo implica, a inspiração nele foi capaz de enriquecer bastante esta pesquisa, sobretudo pela dimensão mais cotidiana dos sujeitos que se tornou possível aproximar.

O levantamento de informações também foi realizado através da aplicação de questionários com uma amostra calculada dos trabalhadores de rua, de modo a auxiliar no entendimento de como se caracteriza a apropriação do espaço utilizado para o trabalho e como se organizam suas redes de funcionamento. Em nosso caso, como trata-se apenas de uma inspiração no método etnográfico e por termos o intuito de levantar informações mais acuradas e atualizadas sobre o perfil dos trabalhadores de rua, que não estão disponibilizadas pelos órgãos municipais competentes, optamos pela aplicação de questionários estruturados. Para esta aplicação foi definida uma área de estudo, considerando os locais onde há incidência de trabalhadores de rua na Avenida Sete e suas imediações. Os questionários aplicados foram divididos em dois momentos de aplicação:

 Um momento de aplicação do questionário básico (Apêndice A), com questões majoritariamente fechadas e quantitativas, aplicado com um universo mais amplo de trabalhadores;

 Um momento de aplicação do questionário de aprofundamento (Apêndice B), com questões totalmente abertas e, portanto, qualitativas, realizadas com o intuito de captar um pouco mais a própria visão dessas pessoas com relação ao trabalho que desempenham e a importância deste para a cidade.

1 A inspiração nessa metodologia levou a pesquisadora a se dedicar nos últimos quatro anos aos estudos e trabalhos

desenvolvidos sobre a temática, além de, nos últimos dois anos tê-la levado a residir no bairro Dois de Julho, uma das áreas pesquisadas, de modo que assim foi possível experenciar mais de perto os aspectos do cotidiano que são mobilizados em função da atividade dos trabalhadores de rua.

(26)

Para iniciar o trabalho empírico, buscou-se levantar o número de trabalhadores em publicações como jornais e diário oficial, porém, devido à diversidade dos quantitativos encontrados, fez-se necessário realizar uma contagem in loco. Como metodologia para a contagem, foi decidido realiza-la em dois dias diferentes e posteriormente tirar uma média dos quantitativos encontrados, para, a partir dessa média, definir o tamanho da amostra necessária. Para facilitar a orientação e análise de campo, foi criado um mapa distinguindo as 04 áreas de aplicação dos questionários (Apêndice D). Neste mapa estão identificadas as áreas e os trechos da Av. Sete de Setembro e Av. Joana Angélica que precisaram ser subdivididos durante a contagem. Os resultados da contagem por trecho, por sua vez, estão listados no Apêndice C. Por ora, cabe aqui comentarmos que a amostra resultante desse processo foi de 287 trabalhadores de rua, nos quais foram adicionados mais 2 questionários em campo por engano, resultando em uma amostra de 289 trabalhadores, os quais nos permitiram analisar os dados do perfil e da dinâmica da atividade.

Os resultados da aplicação do questionário básico, bem como os significados dessas respostas estarão distribuídos ao longo do terceiro capítulo, em diálogo tanto com a teoria apresentada nos capítulos anteriores, quanto com entrevistas realizadas com os outros agentes que interagem com a atividade do trabalhador de rua. As entrevistas, portanto, se constituem como um terceiro elemento da metodologia de realização do trabalho empírico e foram realizadas também em dois momentos: um com os representantes das três associações e de um sindicato dos trabalhadores de rua; e com um representante do órgão municipal responsável pelo controle e ordenamento da atividade.

Soma-se ainda à metodologia de trabalho desenvolvida em campo, a elaboração e apresentação de um relato construído com o intuito de aproximar-se ao máximo de uma narrativa2, que surge como um produto do levantamento de dados e que é incorporada ao terceiro capítulo do trabalho. Tal relato constitui-se, talvez, como o lugar onde mais genuinamente se evidenciam as relações do trabalhador de rua com o espaço do qual se utiliza e com os agentes que nele interferem, fazendo emergir um pouco da relação dessas pessoas com a cidade. A inserção da narrativa no texto se justifica principalmente por considerarmos que o ponto de vista dessas pessoas sobre o seu trabalho é tão ou mais importante do que aquilo que se diz sobre elas. Como nos diz Uriarte (2012:175) sobre o método etnográfico “a essas

2 Uriarte (2013) esclarece sobre a distinção entre descrever e narrar o campo. Segundo a autora, descrever é: “um ato sem prévia

reflexão, que conta acontecimentos, fatos, impressões sem tentar encontrar ainda ordem ou lógica entre eles”. Já narrar é entendido como “um trabalho conscientemente inventivo, que se vale de outras linguagens que não apenas a oralidade”, ou seja, é uma forma de contar fatos selecionados (determinadas passagens, momentos, personagens, etc.), montados em uma certa ordem ou sequência, como uma composição.

(27)

pessoas damos voz não por caridade, mas por convicção de que têm coisas a dizer”. Contudo, cabe dizer ainda que tal narrativa, apesar de apresentar brevemente a história de vida de dez “personagens” da Avenida Sete de Setembro, em sua condição de trabalhadores de rua, não poderá ser demasiadamente prolongada, o que deixa tanto a pesquisadora com mais vontade de escrever sobre elas, quanto pode deixar o leitor com mais curiosidade por conhecê-las.

Uma vez esclarecida a metodologia realizada para o levantamento de dados empíricos, cabe-nos apresentar os resultados encontrados como uma forma de dar visibilidade à dinâmica do trabalho realizado nas ruas da cidade de Salvador. Para isso, no terceiro capítulo, o perfil do trabalhador de rua é apresentado através dos gráficos e tabelas resultantes da sistematização do trabalho de campo. Em seguida tentamos sistematizar a análise da atividade segundo três aspectos que se destacam no seu funcionamento, identificados como: “se virar”, referente ao próprio exercício do trabalho, onde destacamos a relação entre a subordinação e a autonomia no trabalho desenvolvido; “a correria e o rapa”, onde se tratará sobre os tensionamentos existentes no desenrolar da atividade; e “a pedra”, que aborda a relação do trabalhador com o lugar, seus pertencimentos e relações de solidariedade. Acreditamos que a apresentação dos dados dessa forma nos ajuda a ter uma leitura mais completa do desenvolvimento do trabalho de rua em Salvador e suas características, além de ampliar nossa visão sobre quem o torna possível.

Por fim, serão apresentadas as conclusões da pesquisa, onde serão evidenciadas as reflexões sobre as questões mais relevantes discorridas ao longo da dissertação. Elas serão problematizadas principalmente para colocar em questão as interações, contradições, conflitos e disputas originadas da apropriação do espaço público pelos trabalhadores.

(28)

1 TRABALHO DE RUA: UMA RELAÇÃO ENTRE INFORMALIDADE E ESPAÇO PÚBLICO

Neste capítulo será possível tratar sobre os aspectos do contexto e os conceitos que formam o lastro teórico para o processo aqui observado. As mudanças políticas, econômicas, sociais e seu rebatimento no urbano serão apresentadas de modo que o desenrolar da atividade do trabalhador de rua pode ser compreendido como parte de um traço estrutural de nossa economia. Tais informações, embora nos permitam entender o contexto no qual a cidade de Salvador esteve e está inserida, só se completa se também estivermos atentos a dois eixos estruturantes e articuladores de como entendemos o trabalho de rua nesta dissertação. Trata-se do entendimento do que a relação entre as noções de informalidade e do espaço público nos dizem a respeito do trabalho realizado na rua.

No primeiro eixo, informalidade, será colocada em evidência a discussão sobre os setores formal e informal da economia. Perpassar pela evolução da distinção dualista que inicialmente faz parte do entendimento teórico sobre os dois setores, auxilia também no entendimento da expressão que a chamada informalidade ganhou na sociedade, sobretudo no que se refere ao seu papel para a circulação das mercadorias. A dimensão da informalidade será apresentada então, à luz do processo de reestruturação produtiva e da globalização, que contribuíram amplamente para flexibilização e precarização do trabalho. Tais análises, entretanto, não se darão apenas contrapondo os aspectos duais dessa discussão e sua evolução. Agrega-se a leitura do professor Milton Santos sobre esse processo, onde a informalidade aparece como parte componente de um sistema, compreendido pelos circuitos superior e inferior da economia. As características desses dois circuitos serão apresentadas com ênfase no que se refere ao circuito inferior, onde está inserida a atividade estudada.

O entendimento da informalidade, a evolução da discussão a seu respeito e sua compreensão a partir dos circuitos da economia não podem ser completos se não levarmos em conta a noção do espaço, segundo eixo estruturante para a compreensão da atividade estudada nesta dissertação. O trabalhador de rua ocupa um lugar no espaço que não é escolhido aleatoriamente. Ele possui características funcionais para o desenvolvimento da atividade que perpassam por sua localização na cidade e que tem a ver com a dimensão pública da vida. A concepção do espaço é, portanto, elucidada a partir de categorias de análise propostas pelo professor Milton Santos (forma, função, estrutura e processo), e serão explicitadas para auxiliar no entendimento do espaço propriamente dito, compreendido enquanto produto social em

(29)

permanente transformação. A economia e o espaço aparecem assim intrinsecamente ligados, onde a economia se expressa no espaço sob as diferentes formas em que este é apropriado, o que pode ser observado, sobretudo, quando é o espaço público que está em questão. A discussão sobre o espaço público, compreendido tendo em vista às dimensões pública e privada da vida, será evidenciada a fim de chamar a atenção para a importância das ruas enquanto lugar de socialização e do encontro com as diferenças. Considera-se que a articulação entre os dois eixos apresentados nos instigam a olhar para o cotidiano de maneira especial, enxergando para além do que normalmente o senso comum nos permite ver.

1.1 Nem dicotomia, nem ambiguidade: dois circuitos de um mesmo sistema

Que significado para a cidade tem o trabalho da pessoa que usa o espaço da rua para comercialização de mercadorias? A que categoria da economia este trabalho pertence? Para o desenvolvimento desta pesquisa, considerou-se importante inicialmente compreender quem são os trabalhadores de rua na cidade de Salvador e isso implica saber em que categoria eles estão enquadrados, como esse trabalho funciona, como ele está inserido no modo de produção capitalista e, consequentemente, quais são os desdobramentos da atividade no espaço. Para aproximar-nos um pouco mais das respostas a essas questões é preciso entender o que é a informalidade e como ela se apresenta no Brasil. Para tanto, algumas contribuições serão explicitadas a seguir.

Esta seção tem o objetivo principal de buscar conhecer as principais características, abordagens e mudanças que o entendimento sobre a informalidade sofreu nas últimas décadas, e a partir daí explorar também as mudanças ocorridas no mundo do trabalho no mesmo período. Para Costa (2010) a informalidade surge da noção de subdesenvolvimento, de modo a explicar a não-inserção dos menos favorecidos no processo produtivo, em contextos nos quais o assalariamento é pouco generalizado. Para a autora, tal debate se divide em duas correntes: estruturalista e de extração marxista.

A corrente estruturalista seria orientada pela “Teoria da Modernização”, que concebia o subdesenvolvimento como decorrência de uma desvantagem no valor relativo das trocas econômicas entre o centro e a periferia. Está marcada pela presença de um setor de subsistência ou informal, caracterizado pela baixa densidade de capital, pelo precário nível técnico de produção e pela baixa produtividade, convivendo com um setor moderno, de avançado padrão tecnológico, economicamente mais capitalizado e dinâmico.

(30)

Já a corrente de extração marxista pensava o problema da não integração na perspectiva das contradições do próprio modelo de acumulação capitalista consolidado sob a égide da industrialização. Essas ideias eram construídas em torno da “Teoria da Dependência”, onde o subdesenvolvimento não era entendido como um estágio anterior ao desenvolvimento, mas como produto de uma inserção subordinada e dependente dos países da região no sistema capitalista mundial. Destaca-se ainda uma importante crítica dessa corrente:

A crítica basilar dessa corrente às teses da modernização como marginalidade, e que vai buscar seu fundamento na lei geral da acumulação capitalista em Marx, sustenta que o problema da marginalidade e da informalidade, decorre não de uma condição de inadequação de parte do sistema (o arcaico) a seu padrão normal de funcionamento (o moderno); ao contrário, é resultado do modo de produção capitalista, estruturado sob uma lógica de dominação das relações de produção, portanto, de classe, que gera seu próprio excedente de trabalho: um exército industrial de reserva que vai buscar seu meio de sobrevivência fora do domínio das relações capitalistas modernas e que é, sim, funcional e rentável àquele padrão de acumulação, posto que é fator de barateamento e disciplinamento da força de trabalho (COSTA, 2010:174).

A crítica põe em evidência a funcionalidade da informalidade dentro do sistema capitalista, pois além de baratear a força de trabalho, ela favorece também à circulação das mercadorias em diversos níveis, o que será mais bem explorado posteriormente neste trabalho. Podemos acrescentar nesse debate ainda a ponderação de Oliveira (2003) em sua crítica à razão dualista, que justamente propõe uma superação ao dualismo no debate entre o formal e o informal, pois o autor compreende que ambos os setores compõem partes de um mesmo sistema na economia. Se por formal pode-se entender que há todo um respaldo no que refere ao campo dos direitos do trabalhador, no informal esses direitos são total ou parcialmente negados, o que não necessariamente indica uma falta de modernidade ou de importância do setor. “Formal” e “informal” são, portanto, dois lados de uma mesma lógica e assim, para o referido autor, a utilização destes termos por si só não possuem mais força explicativa.

Destaca-se neste sentido um trabalho desenvolvido para Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde se caracteriza a mudança do conceito de setor informal para economia informal. Entre algumas das contribuições apresentadas por Krein e Proni (2010), no que se refere ao setor informal, este aparece como sendo “funcional” ao conjunto de empresas formais para rebaixar o custo de reprodução da força de trabalho, além de servir como porta de entrada ao mercado de trabalho e como manifestação do excedente estrutural e de mão-de-obra. Por

(31)

conta da diversidade de interpretações sobre o setor informal, a discussão sobre a informalidade se tornou tema de algumas conferências da OIT.

Para a OIT, em 1991, o dilema enfrentado pelos países cuja predominância é o trabalho informal se refere à necessidade de se optar pela eliminação do conjunto heterogêneo das atividades de que faz parte a informalidade, para propor estratégias que aproveitem o potencial de geração de ocupação e renda para parte da população menos favorecida. Em 1993 foram adotados os critérios estabelecidos na conferência de 1991, que definia que as unidades econômicas informais poderiam ser de duas maneiras: empreendimentos unipessoais ou familiares; e microempresas com trabalho assalariado. Para Krein e Proni (2010) as várias expressões da informalidade continuaram a se expandir, aumentando a sua heterogeneidade, o que significava que o setor informal desempenhava um papel importante na geração de renda para parcela significativa da população.

Em 2002, em mais uma conferência sobre o trabalho, a OIT passou a utilizar o termo economia informal. O motivo da mudança era o de poder abarcar no conceito a diversidade e dinamismo presentes nesse conjunto complexo e heterogêneo de atividades. O conceito passou então a abranger:

a) trabalhadores independentes típicos (microempresa familiar, trabalhador em cooperativa, trabalhador autônomo em domicílio);

b) “falsos” autônomos (trabalhador terceirizado subcontratado, trabalho em domicílio, trabalhador em falsa cooperativa, falsos voluntários do terceiro setor);

c) trabalhadores dependentes “flexíveis” e/ou “atípicos” (assalariados de microempresas, trabalhador em tempo parcial, emprego temporário ou por tempo determinado, trabalhador doméstico, “teletrabalhadores”);

d) microempregadores;

e) produtores para o autoconsumo; e

f) trabalhadores voluntários do “terceiro setor” e da economia solidária (KREIN E PRONI, 2010:12).

Apesar do termo “economia informal” ser uma referência formulada pela OIT, de acordo com Krein e Proni (2010), o mesmo não teve muita difusão no Brasil. O termo informalidade continuaria para os autores, portanto, sendo o mais utilizado no debate nacional. Nesse sentido, uma das conclusões a que chegam é de que a principal característica da informalidade é a inserção precária no mercado de trabalho, o que se dá, sobretudo, pela ausência ou precariedade de leis trabalhistas e sociais. Mas de que maneira chegamos a esse cenário? É preciso compreender o processo que levou a questão informalidade a ganhar tal

(32)

expressão. Para isso, será necessário olhar um pouco mais no passado, mais precisamente para algumas reflexões da década de 1960 para cá. Contudo, esse olhar não será demasiadamente aprofundado, pois o que se pretende como foco neste trabalho é analisar os rebatimentos desse processo nos dias de hoje, sobretudo no que se refere à atividade dos trabalhadores de rua.

De acordo com Costa (2000:175), “o trabalho informal pode ser conceituado como aquele não regulamentado pelo ordenamento legal do trabalho no país, sobre o qual, inclusive, a sociedade construiu sua política de seguridade social”. Nesse sentido, as políticas de seguridade desenvolvidas pelo Estado dirigiam-se apenas para os trabalhadores formalmente reconhecidos, o que significa para a autora uma “cidadania regulada”, ou seja, aquela adquirida unicamente pelos indivíduos enquadrados na estrutura ocupacional definida e reconhecida pelo Ministério do Trabalho. Sobre este aspecto é importante retomarmos a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), promulgada em 1943 na era Vargas, cujo objetivo era o de assegurar os direitos dos trabalhadores no campo individual, com a definição do limite à jornada de trabalho de 8 horas, salário mínimo, férias, 13º salário, entre outros benefícios, e que também assegura a representação coletiva, ou seja, a negociação dos termos de trabalho entre patrões e trabalhadores, através dos sindicatos. Entretanto, esses direitos se dirigem apenas aos trabalhadores formais.

A divisão da economia em formal e informal para Filgueiras et al. (2004), além de ser muito simplista, também associa o setor informal aos segmentos mais pobres da população, sem considerar as formas de inserção do trabalhador na produção. Os autores destacam a possibilidade de se distinguir o espaço econômico-social através de dois critérios distintos, que originam três conceitos de informalidade diferentes. O primeiro critério distingue formal e informal por suas lógicas de funcionamento e o segundo delimita a diferença entre ambos a partir da legalidade e ilegalidade das atividades.

O primeiro conceito abordado pelos autores se refere aos estudos da OIT já mencionados, para o qual o setor informal seria uma consequência do excedente de mão de obra. De acordo com Filgueiras et al. (2004) a partir da década de 1970 o termo informalidade passou a ser abordado partindo das relações do trabalhador com os meios de produção, cuja definição engloba o conjunto de atividades não tipicamente capitalistas, onde a busca do lucro não é o objetivo central e não há uma separação nítida entre capital e trabalho. Sob este enfoque, a informalidade estaria relacionada às atividades autônomas.

O segundo conceito foi formulado a partir da realidade dos países capitalistas centrais, onde a crise do Fordismo, do Estado de Bem Estar Social, e os programas de

(33)

liberalização econômica tiveram como consequência o surgimento de atividades não regulamentadas pela legislação vigente nestes países. O termo informal, nesse contexto, passou a ser utilizado para exprimir o conjunto de atividades ilegais e/ou ilícitas. A informalidade passa nessa segunda definição a se referir tanto as atividades e formas de produção quanto às relações de trabalho consideradas ilegais, identificando-se com o que se chama de economia subterrânea ou submersa.

O terceiro e último conceito ao qual Filgueiras et al (2004) fazem referência é o da informalidade tomada a partir da junção dos critérios de ilegalidade e das formas de produção não tipicamente capitalistas, ou seja, a informalidade estaria relacionada com todas as formas e relações de trabalho não-fordistas e/ou precárias. Isso quer dizer que os trabalhadores informais teriam uma inserção precária no mercado de trabalho, ou seja, não estariam sob a proteção de leis sociais e trabalhistas. Vale ressaltar que é em sentido semelhante que a informalidade é entendida nesse trabalho, ou seja, como toda forma de inserção precária no mercado de trabalho, onde não se tem respaldo quanto aos direitos trabalhistas.

Filgueiras et al. (2004) chamam atenção para o fato de, no Brasil, a informalidade ter sido intensa desde o período que sucede a IIª Guerra Mundial, momento que coincide com o período de aceleração da industrialização brasileira. De acordo com Costa (2010) a rápida urbanização dos anos 1960 e 1970 não foi capaz de absorver os indivíduos que migraram para as cidades. A atividade capitalista se expandiu, tomando espaço das atividades tradicionais, porém não foi capaz de gerar os empregos na mesma proporção dos que destruiu ou dos que a sociedade necessitava. Desse processo decorreu a criação de novas modalidades de trabalho informal e o próprio desemprego.

Segundo Filgueiras et al (2004) no início dos anos 1980, momento de crise no padrão de desenvolvimento criado desde o pós-guerra e de crise no fordismo, houve um intenso processo de desestruturação do mercado de trabalho, onde já se prenunciava a precarização do emprego. Para Costa (2010) foi a partir da referida década que as mudanças na análise do problema da informalidade passaram a se dar em torno de duas situações principais: em torno da perda da centralidade e do dinamismo do setor secundário (que não gerava mais tantos empregos); e em torno da crescente força do setor de serviços na absorção da força de trabalho. A informalidade se generalizou nesse período, em que se disseminou o discurso de que o caminho para a modernidade passava por reformas no âmbito das privatizações e da desregulamentação dos mercados e do trabalho.

(34)

Ainda segundo Costa (2010) na década de 1990 há uma acentuação no retraimento da economia organizada e do trabalho formal. Com o advento da terceirização, empregos regulares que contavam com certo acúmulo de conquistas sociais foram substituídos por empregos precários, temporários e/ou não regulamentados. De acordo com Borges (2007) as transformações dos anos 1990 impactaram a vida dos brasileiros mudando o padrão de desenvolvimento, as formas e mecanismos de inserção e de permanência no mercado de trabalho, e os projetos para o futuro de diversos trabalhadores. Passou-se de uma economia fechada para uma economia aberta, desregulamentada, voltada a atender os interesses neoliberais de agentes externos, que ganharam maior influência, sobretudo, através das privatizações de setores estratégicos da economia nacional.

Finalmente, nesse período, passou-se de uma economia com elevado dinamismo no seu mercado de trabalho, com geração contínua de postos de trabalho (bons e ruins), para uma economia que destrói os melhores empregos e gera, quase que exclusivamente, postos de trabalho mal remunerados, desprotegidos e em número insuficiente. Com isto, o mercado de trabalho brasileiro, estruturalmente marcado pela presença expressiva da informalidade e do subemprego, aprofunda esses traços e a eles agrega elevadíssimas taxas de desemprego aberto e oculto (BORGES, 2007:82).

Nesse sentido, para Filgueiras et al (2004) a globalização e a reestruturação produtiva da década de 1990 possuem um papel de destaque, pois resultaram em altas taxas de desemprego, acentuação da precarização do trabalho e do emprego, e crescimento das atividades não regulamentadas. A globalização, por sua vez, favoreceu que as empresas buscassem se fixar onde havia mais recursos para seus negócios (por exemplo: isenção de impostos e mão de obra barata). Nos anos 1990, no Brasil, foram registradas as maiores taxas de desemprego da história, bem como uma expansão bastante expressiva do setor de serviços, que mesmo assim não foi capaz de absorver o contingente de trabalhadores existente. Ainda de acordo com os autores supramencionados, a ampliação da informalidade com a transferência dos trabalhadores que outrora realizavam atividades formais para as atividades informais, deu origem a chamada nova informalidade. Esta, por sua vez, de acordo com Costa (2010) tem como características: precariedade das condições de trabalho e vida, negação dos princípios mais elementares de cidadania, além de perpetuar a reprodução da pobreza e das desigualdades sociais. Grande parte dessa nova informalidade é formada por trabalhadores advindos de grupos sociais pauperizados, que se inserem em condições de trabalho bastante precárias. Não se pode, porém, generalizar o papel destes na economia informal, conforme nos diz Costa:

Referências

Documentos relacionados

No caso dos idosos o próprio Ministério da Saúde reforça a ideia quando diz ser imprescindível que os profissionais de saúde da Atenção Básica utilizem

(2008), o cuidado está intimamente ligado ao conforto e este não está apenas ligado ao ambiente externo, mas também ao interior das pessoas envolvidas, seus

Em geral, a técnica funciona da seguinte forma: em um dos lados do arrozal é aberta uma vala com um metro de profundidade e 80 cm de largura, que tem como papel abrigar

a) Troponins: Several studies on troponin I or T of patients with systemic amyloidosis have shown that those proteins are often detectable in cardiac disease and associate

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

Então eu acho também bacana, Evelyn, de você trazer essa rede colaborativa para esse nível de escola de você trocar com seus pares, que não é aquela coisa nas portas, ficar

Vários fatores podem contribuir para a qua- lidade final dos painéis aglomerados, dentre eles, podem ser destacados os inerentes à ma- deira, tais como: espécies, características

Nesse mesmo ano foi nomeado Diretor Geral do Patrimônio do Estado no Ministerio de Economía y Hacienda, e posteriormente foi nomeado, no ano 1998, Secretário Geral do Banco