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A história do cotidiano de Lucas do Rio Verde do início de sua colonização à sua emancipação

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DCS – DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

A HISTÓRIA DO COTIDIANO DE LUCAS DO RIO VERDE DO INÍCIO

DE SUA COLONIZAÇÃO À SUA EMANCIPAÇÃO

FERNANDA CELINA NICOLI DA SILVA

IJUÍ (RS) 2010

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A HISTÓRIA DO COTIDIANO DE LUCAS DO RIO VERDE DO INÍCIO

DE SUA COLONIZAÇÃO À SUA EMANCIPAÇÃO

Trabalho de conclusão de curso, apresentado á banca examinadora da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial para o grau de Licenciatura em História

Orientador: Prof. Dr. Ivo Canabarro

IJUÍ (RS) 2010

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RESUMO

O presente trabalho procura compreender de que forma as pessoas viveram sua vida cotidiana, quais eram as condições de vida, e as principais dificuldades presentes no cotidiano em Lucas do Rio Verde no início de sua colonização, na década de 1970, até sua emancipação política no ano de 1988. A pesquisa buscou também mostrar como ocorreu a ocupação no estado do Mato Grosso e, em seguida, mais especificamente no município de Lucas do Rio Verde. A partir da análise de como se deu a colonização desses espaços é aprofundada a pesquisa na História do Cotidiano das pessoas, que foi realizada através de entrevistas, utilizando o método de Historia Oral.

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ABSTRACT

This study seeks to understand how people lived their daily lives, what were the living conditions, and the main difficulties in the daily life of Lucas do Rio Verde at the beginning of their colonization in the 1970s, until his emancipation policy in 1988. The survey also sought to show how the occupation occurred in Mato Grosso and then more specifically in the municipality of Lucas do Rio Verde. From the analysis of how was the colonization of these spaces is thorough research in the history of everyday life, which was conducted through interviews, using the method of Oral History.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Tratados que dividiam as possessões portuguesas e espanholas. ... 9

Imagem 2: Mapa hidrográfico do Oeste Brasileiro ... 10

Imagem 3: Acampamento para os assentados. ... 16

Imagem 4: Distribuição dos assentamentos ao longo da BR-163. ... 17

Imagem 5: Chegada dos colonos de Ronda Alta à Lucas do Rio Verde. ... 18

Imagem 6: Organização da estrutura para os assentados. ... 19

Imagem 7: Quebra do cerrado. ... 20

Imagem 8: Estação da chuva em Lucas do Rio Verde. ... 21

Imagem 9: Vista Aérea de Lucas do Rio Verde. ... 22

Imagem 10: Avenida Rio Grande do Sul. ... 23

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1 CENÁRIO ... 8

1.1 Cenário Inicial da Colonização de Mato Grosso ... 8

1.2 Cenário da Ocupação Recente de Mato Grosso ... 12

2 PALCO ... 15

2.1 A Colonização Inicial de Lucas do Rio Verde: o Palco do Acontecer da Vida Cotidiana ... 15

3 ATORES ... 25

3.1 Os Atores Sociais no Espaço Cotidiano ... 25

3.1.1 Aldemar Antônio Cosma... 26

3.1.2 Mário Agostinho Dall’Alba ... 30

3.1.3 Isidoro Vivaldino Pivetta e Dilla Pivetta ... 34

3.1.4 Loreci de Fátima de Oliveira... 37

3.1.5 Pedro Dalastra ... 41

3.1.6 Luzia Martins Moreira ... 46

3.2 Análise da Vida Cotidiana dos Atores Sociais ... 49

CONCLUSÃO ... 57

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INTRODUÇÃO

Nesse trabalho procurou-se pesquisar como as pessoas viveram o seu cotidiano no início da colonização do hoje município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. O período abordado neste estudo data do início de sua colonização, no começo na década de 1970, até sua emancipação política que ocorreu no ano de 1988.

O trabalho foi dividido em três capítulos, onde no primeiro capítulo denominado “O

Cenário”, foi realizada uma pesquisa bibliográfica buscando compreender como se deu o

processo de ocupação do Oeste brasileiro, mais precisamente do estado do Mato Grosso. O estudo buscou contextualizar, na história do Brasil, de que forma ocorreu a ocupação dessa região no decorrer do tempo, começando com a chegada dos bandeirantes e descrevendo o processo histórico da ocupação do estado do Mato Grosso, até o período que havia o objetivo de aprofundar a pesquisa, que foi delimitado no período das décadas de 1970 e 1980.

No segundo capítulo chamado “O Palco” buscou-se também através de pesquisa bibliográfica, compreender como se deu, mais especificamente, a ocupação do município de Lucas do Rio Verde. Neste capítulo está descrito quais foram as frentes de colonização responsáveis pela ocupação desse espaço, no início de sua colonização.

Nesse segundo capítulo, logo, foram analisados quais os grupos que realizaram esses descolamentos populacionais, que foram entendidas como três frentes: frentes de colonização individuais, frentes incentivadas pelo Governo Federal e grupos influenciados pela cooperativa. Procurou-se perceber, portanto, como ocorreu a ocupação deste espaço através do deslocamento de pessoas que vieram de outras regiões.

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disponibilizaram a responder questões relacionadas à como era a sua vida cotidiana. Essas pessoas fizeram parte das frentes de colonização acima mencionadas e viveram em Lucas do Rio Verde no período delimitado para o estudo.

Nesse capítulo primeiramente está descrito de forma mais detalhada como foram realizadas essas entrevistas. Em uma segunda parte estão os depoimentos dos colaboradores que cederam suas entrevistas. Ainda no último capítulo se encontra, por fim, uma análise sobre o conteúdo das entrevistas, destacando pontos importantes para compor a História do

Cotidiano de Lucas do Rio Verde do início de sua colonização à sua emancipação.

Os dados recolhidos para o último capítulo foram: os motivos que levaram as pessoas a virem para Lucas do Rio Verde no período, quais foram as dificuldades que eles encontraram no local, como foi conviver com o isolamento, e a adversidade com o meio. Também estão presentes questões como o trabalho, o lazer e o descanso, como era a comunicação o acesso às informações e as notícias, a forma que era realizado o atendimento de saúde e a educação para as crianças. Buscou-se saber como que os entrevistados viam as condições de vida naquele período e também a maneira eles percebem as atuais condições de vida hoje no município de Lucas do Rio Verde.

Por fim é apresentada a conclusão da pesquisa monográfica e são apresentados os resultados deste estudo. É também descrito na conclusão a importância dessa pesquisa para o desenvolvimento historiográfico.

1 História Oral Temática é um ramo da História Oral, no qual são realizadas entrevistas de forma mais direcionada, onde o questionário se torna peça fundamental, e freqüentemente articula diálogos com outros documentos. E como parte de um assunto específico, previamente estabelecido, ela busca entrevistar algum evento definido. (MEIHY, 2002)

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1 CENÁRIO

1.1 Cenário Inicial da Colonização de Mato Grosso

Para compreendermos de uma forma mais ampla como se deu a colonização do Oeste brasileiro e, mais especificamente do estado do Mato Grosso é preciso voltar um pouco mais na história, desde o tempo das Grandes Navegações2 das potências européias.

A partir do século XV as potências marítimas européias saem de seu continente em busca do que para eles seria a conquista de Novos Mundos. Duas das principais na época: Espanha e Portugal conquistam novas porções de terra e subjugam as populações ali existentes. O choque de interesses que surgem entre essas duas potências mais tarde se torna evidente, surgindo a necessidade de delimitar quais terras pertenciam a quem.

Dessa necessidade é criado o Tratado de Tordesilhas em 1494, uma linha imaginária que dividia as terras a serem exploradas. Esse tratado mais tarde, com a colonização do Brasil pelos portugueses delimitava uma linha que, onde hoje é o Oeste brasileiro, pertencia à Coroa Espanhola. Podemos observar as delimitações do Tratado de Tordesilhas e demais Tratados que delimitavam as fronteiras da possessão portuguesa na Imagem 1.

2 Durante os séculos XV e XVI, os europeus, principalmente portugueses e espanhóis, lançaram-se nos oceanos Pacífico, Índico e Atlântico com dois objetivos principais: descobrir uma nova rota marítima para as Índias e encontrar novas terras. Este período ficou conhecido como a Era das Grandes Navegações e Descobrimentos Marítimos. (http://www.suapesquisa.com/grandesnavegacoes/ Acesso em 20/12/2010)

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Imagem 1: Tratados que dividiam as possessões portuguesas e espanholas. Fonte: SIQUEIRA et. al. 1990.

O Brasil, portanto, inicialmente foi colonizado mais próximo à faixa litorânea. Somente a partir do século XVII, com o interesse dos portugueses pelo ouro e pedras preciosas, através dos bandeirantes, mais populações se adentram em regiões como Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

É importante destacar que essas terras já eram habitadas, que havia inúmeros grupos de povos nativos que há tempos ali residiam e possuíam uma organização social diferente e, por muitos, incompreendida. Contudo, ainda existia o interesse dos bandeirantes em capturar para escravizar os povos nativos, o que acabou gerando um choque mortal entre essas culturas.

Porém para os portugueses as bandeiras continuariam, pois além da ambição pelos metais preciosos, para eles era importante ocupar politicamente o espaço à Oeste delimitando novas fronteiras e fazendo surgir, com a garimpagem, novos povoados. De acordo com Carvalho (2001), desses povoados, por exemplo, surge em 1719, com a descoberta de ouro no local, o povoado de Senhor Bom Jesus do Cuyabá, dentre outros que vão surgindo a partir deste século XVIII.

Um fator interessante a se observar é a importância da utilização dos rios para a vida das pessoas nessas regiões inóspitas. Os rios inicialmente, além de meio de transporte,

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ofereciam em vários momentos o alimento e ainda em suas proximidades se encontravam as riquezas minerais almejadas por seus exploradores.

É através dos rios que vai se dando gradualmente a ocupação de algumas regiões do Mato Grosso. Por exemplo, pelo vale do rio Guaporé onde é fundado o Arraial de Pouso Alegre (mais tarde Vila Bela da Santíssima Trindade), ou mais ao norte seguindo os rios com a descoberta de jazidas diamantíferas na região de Diamantino, dentre outros. Abaixo um mapa da configuração física dos principais rios e povoados na Imagem 2.

Imagem 2: Mapa hidrográfico do Oeste Brasileiro Fonte: SIQUEIRA et. al. 1990.

Mato Grosso a partir da segunda metade do século XVIII passa por um período de penúria econômica. Carvalho (2001) afirma que nesse período ocorre uma diminuição da produção mineral do Oeste, pois eram utilizados para a extração meios rudimentares, com altos custos além das longas distâncias das lavras de Mato Grosso. Esses fatores faziam com que fosse mais lucrativo, naquele momento, investir nas lavras de Minas Gerais.

Esse autor afirma ainda que o período de transição entre a economia minerária para a economia agropecuária em Mato Grosso é de crise. Nesse meio tempo vai surgir um comércio de víveres, de tecidos e de ferramentas e, além disso, a criação de gado, exploração de

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erva-garimpagem, faz com que ocorram altos e baixos em seus números populacionais. E em muitos momentos sua economia entrou em crise, por não possuir outras alternativas imediatas de subsistência.

Um dos motivos decisivos é o papel da agricultura, tornando-se “responsável pela transformação de uma população nômade em sedentária, e foi o fator preponderante para a origem sólida de muitos núcleos populacionais” (Ferreira, 1995, p.09). Com isso, nota-se que o declínio da atividade garimpeira e a prática da agricultura da cana-de-açúcar, mudam a configuração dos povoamentos em certas regiões do Mato Grosso, como Chapada dos Guimarães, cercanias de Cuiabá, dentre outras.

Os autores Ferreira (1995) e Carvalho (2001) vão afirmar da importância estratégica do Mato Grosso para conter um possível avanço espanhol nas terras já ocupadas pelos portugueses. De acordo com Carvalho (2001) em 1748 Mato Grosso passa a ter a designação de Capitania e sua capital administrativa Vila Bela da Santíssima Trindade, é estrategicamente escolhida por sua localização próxima à fronteira. É no período a partir de meados do século XVIII que se intensificam a construção de fortes e a implantação e crescimento de povoados nas áreas fronteiriças como em 1778 é o caso de Vila Maria do Paraguai (Cáceres) e Albuquerque (Corumbá).

Segundo Ferreira (1995) é entre os anos de 1772 à 1789 que se delimita de fato a linha divisória demarcando os domínios portugueses. É também nesse período que se dá uma interiorização do povoamento no Mato Grosso, através da aberturas de estradas e navegação introduzindo não só a mineração, mas também a agricultura.

É relevante destacar que na primeira metade do século XIX ocorreu uma importante modificação em Mato Grosso, com a descentralização política da capital Vila Bela da Santíssima Trindade para Cuiabá que, se torna definitiva a partir de 1835.

Siqueira et. al. (1990), afirma que o Brasil faz vários acordos comerciais com a Inglaterra, onde a partir do século XIX Mato Grosso se integra de forma mais participativa do capitalismo internacional. O estado passa a receber uma maior atenção do governo nesse período, pois possuía reservas auríferas e uma posição estratégica resguardando as fronteiras brasileiras.

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As autoras afirmam também a importância da abertura da navegação pelo Rio Paraguai para a economia de Mato Grosso. Essa integração o conectou à rotas de comércio do Brasil e do exterior, onde “o comércio se fortaleceu, aumentando as expectativas da população ribeirinha e favorecendo o surgimento de núcleos relativamente prósperos em várias zonas” (Siqueira et. al. 1990, p.111).

Faz-se necessário ainda comentar a importância da criação das Linhas Telegráficas no final do século XIX. A idéia era a de integrar Mato Grosso e o restante do interior do Brasil com o mundo através das comunicações.

A figura de Cândido Mariano da Silva Rondon se destacou nesse processo onde segundo Siqueira et. al. (1990), ele assumiu o papel de grande ideólogo desse movimento, onde buscava a integração de grupos indígenas e sertanejos ao restante da população.

1.2 Cenário da Ocupação Recente de Mato Grosso

Na década de 40, o governo de Getúlio Vargas inicia um processo que visava colonizar as áreas onde para o governo, eram despovoadas. Dentre essas áreas estava o Estado de Mato Grosso, compreendido na época como potencial natural para a produção de matérias-primas em um país que cada vez mais se industrializava.

O projeto foi denominado “A Marcha para o Oeste”, que adentrou o interior do país visando colonizar áreas a fim de integrá-las ao restante do sistema produtivo do Brasil. Porém o processo de crescimento infra-estrutural segundo Carvalho (2001) se deteve mais a regiões ao sul do Estado que hoje compreende o Mato Grosso do Sul, também o Distrito Federal e Goiás.

Siqueira et. al. (1990), descreve que eram trazidos para colonizar a região principalmente pessoas do sul do Brasil. Esses agricultores com o tempo foram contraindo dívidas e acabaram vendendo suas terras ocasionando uma concentração das mesmas em mãos de poucos. Dessas terras concentradas, gerou um processo de especulação e se tornou um lucrativo negócio a venda de terras no Mato Grosso.

A partir da década de 1960, com o Governo Militar se intensificam os problemas sociais no país. Da necessidade de amenizar esses conflitos o Governo cria planos de incentivo para a colonização de locais entendidos como desabitados e, dessa vez, esses projetos vão se estender também às regiões mais ao norte, abrangendo inclusive regiões da Amazônia.

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agricultura.

É importante aqui também, abrir um parêntese para a afirmação de que as terras, como no caso de Mato Grosso, estavam despovoadas, ou ainda que não possuíam donos. Segundo Siqueira et. al. (1990), nesse período houve inúmeros confrontos entre novos proprietários e posseiros e ainda com os indígenas, que há muito tempo habitavam essas terras.

Não só os posseiros foram expulsos das terras mas também os índios [...] os interesses do capital foram superiores aos interesses dos grupos indígenas que, fixados por todo o território mato-grossense, viram suas terras serem invadidas pelo capital: construção de estradas, desvios de cursos de rios, abertura e derrubada de matas, etc. Uma vez desmantelada sua tribo, restava-lhes trabalharem como assalariados, junto às empresas construtoras, ou então, vagar pelas estradas em estado de extrema miséria, buscando alguma cidade para se afavelar. (SIQUEIRA et. al. 1990).

Porém o governo continuou sua investida na criação de programas que visavam incentivar a colonização. Já no final da década de 1960, de acordo com Carvalho (2001), foram criados órgãos com a finalidade de planejar e coordenar os trabalhos de colonização, como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM e a Superintendência do Desenvolvimento da Região Centro Oeste - SUDECO.

Esse mesmo autor afirma que, dessa forma, também foram fortalecidos a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA e o Instituto Nacional de Reforma Agrária – INCRA além de carteiras de crédito do Banco do Brasil.

Segundo Siqueira (2002) na década de 1970 é criado pelo governo federal o Plano de Integração Nacional - PIN com o objetivo de ocupar o território compreendido como a Amazônia Legal. O Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste – PRODOESTE e o II PIN - continuam o processo de integração amazônica. Com esses programas, várias rodovias foram construídas, como são o caso da BR-163 dentre outras. Essas rodovias são muito importantes para a integração, pois ligam o Estado de Mato Grosso com as principais capitais do país.

Outros programas também foram criados com o objetivo de estimular o desenvolvimento em regiões específicas, como é o caso do Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia - POLAMAZÔNIA, o Programa de desenvolvimento dos

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cerrados - POLOCENTRO, o Programa de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil POLONOROESTE dentre outros. Segundo Siqueira (2002, p.234) “esses programas eram coordenados por organismos federais e contavam com recursos estrangeiros, especialmente do Banco Mundial”.

Percebe-se, que houve uma grande intervenção por parte do Governo Federal à fim de povoar e integrar a economia capitalista essas regiões mais afastadas e menos povoadas. Os deslocamentos populacionais incentivados pelo governo visavam também diminuir os conflitos que ocorriam nas regiões mais populosas do país. Esses conflitos poderiam se agravar gerando transformações sociais mais profundas como, por exemplo, uma reforma agrária eminente, que não interessavam àquele grupo que estava no poder.

O Governo Federal, dessa forma, incentiva a migração criando programas de assentamento e também possibilita que empresas de colonização realizem esse trabalho. A colonização de regiões como o Mato Grosso, portanto, permitiram a viabilização de alternativas para grupos populacionais que encontravam, em sua terra de origem, dificuldades de subsistência.

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2 PALCO

2.1 A Colonização Inicial de Lucas do Rio Verde: o Palco do Acontecer da Vida Cotidiana

O processo de colonização de Mato Grosso incentivado pelo Governo Federal, como vimos no capítulo anterior, visava ocupar socialmente esse espaço e integrá-lo ao restante da economia do país.

A região que hoje compreende o município de Lucas do Rio Verde também participou desse processo.

O 9° Batalhão de Engenharia e Construção – 9º BEC foi designado pelo Governo para a abertura e construção da BR 163. De acordo com Silva (2002), em 1971 o 9º BEC instala-se em Cuiabá e inicia seus trabalhos na construção infra-estrutural da rodovia, que seria responsável por ser o eixo de ligação do norte do país. Sendo assim, a abertura da BR-163 marca profundamente a ocupação do espaço mais ao norte do território mato-grossense.

Abaixo podemos observar Imagem 3 do acampamento do 9° BEC, em Lucas do Rio Verde. Vemos as barracas do Batalhão, elas receberam os primeiros colonos. Em um plano de fundo nota-se a vegetação densa, que mais tarde passa por processo de derrubada.

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Imagem 3: Acampamento para os assentados.

Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.

Ao longo da BR 163, a partir da década de 1970, são estabelecidos projetos de assentamento através de parceria do Governo Federal e iniciativa privada, os Projetos de Assentamento Conjunto – PAC, que com essa parceria visavam diminuir os custos. Esses projetos segundo Castro et. al. (1994), tinham como órgão colonizador oficial o Instituto Nacional de Reforma Agrária – INCRA e a iniciativa privada através das cooperativas.

Abaixo na Imagem 4, podemos observar como se deu a distribuição dos assentamentos ao longo da rodovia.

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Imagem 4: Distribuição dos assentamentos ao longo da BR-163. Fonte: CASTRO et. al., 1994.

Os números ainda segundo essa fonte, afirmam que a área do Projeto de Lucas do Rio Verde era de 215.000 ha., onde 65.000 ha. estavam ocupados por posseiros que, mais tarde, têm suas terras legalizadas. Para assentar os colonos restaram 150.000 ha.

É importante destacar que esses assentados eram agricultores provenientes do acampamento de Encruzilhada Natalino do município de Ronda Alta no Rio Grande do Sul3. De acordo com Casto et. al. (1994), buscando desmobilizar esse movimento, o Governo Federal distribuiu essas famílias em vários assentamentos, um deles o de Lucas do Rio Verde, que recebe esses colonizadores em 1981.

Observamos na Imagem 5 os colonos provenientes de Ronda Alta no momento de sua chegada ao acampamento, atrás estão estacionados os ônibus que os transportaram. Podemos perceber que, naquele momento, dois homens aguardam em um lugar mais elevado para falarem com o grupo. No plano de fundo observamos que já existe uma estrutura no local.

3 Encruzilhada Natalino foi um movimento social camponês de luta pelo acesso à terra do início da década de 1980, que cada vez mais se fortalecia e apresentava uma ameaça à ordem latifundiária defendida pelo Governo Militar.

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Imagem 5: Chegada dos colonos de Ronda Alta à Lucas do Rio Verde. Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.

A Imagem 6 nos mostra essa estrutura, onde um grupo de homens conversa, pelos gestos explicativos eram os que estavam coordenando o processo de assentamento. Podemos notar mais ao fundo que as barracas para os colonos se encontram atrás do terreno. Essas fotografias ilustram a chegada dos colonos, quais as condições de vida e o ambiente que eles encontraram nesse período inicial.

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Imagem 6: Organização da estrutura para os assentados. Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.

Outra frente de ocupação se deu através da cooperativa COOPERLUCAS, que em parceria com o INCRA, também desenvolveu trabalhos de colonização em Lucas do Rio Verde.

[...] a COOPERLUCAS, uma cooperativa formada por empresários rurais do interior de São Paulo, estava negociando a área junto ao INCRA para realizar um projeto de assentamento conjunto, projeto que fazia parte da política de colonização do então presidente do INCRA, Paulo Yokota. (CASTRO et. al., 1994, p.99)

Afirma esse mesmo autor que os associados da cooperativa provenientes dos Estados de São Paulo e Paraná eram pequenos e médios proprietários de terra, motivo pelo qual os deixaram em uma situação melhor, já que chegaram ao projeto com mais condições financeiras. Diferentemente, os sem terra de Ronda Alta, estavam desprovidos de capital e dependiam dos incentivos estatais.

Essa dependência e ainda o fracasso de produção das primeiras colheitas, falta de recursos e conseqüentes endividamentos, fazem com que, a maioria dos assentados desista de suas terras. De acordo com Castro (1994) o Projeto de Lucas do Rio Verde obteve um grande índice de concentração de lotes.

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Abaixo as Imagens 7 e 8, nos mostram as dificuldades encontradas na adaptação e transformação do meio. A Imagem 7 mostra a quebra do cerrado, entendida naquela época como necessária para a chegada do desenvolvimento, onde o espaço aberto poderia ser usufruído. Percebe-se o uso de máquinas pesadas para a derrubada visto que a mata era um pouco densa, nesse período não havia ainda a conscientização para um desenvolvimento sustentável em relação ao meio ambiente.

Imagem 7: Quebra do cerrado.

Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.

Na Imagem 8 notamos a situação das estradas no período das chuvas. E percebemos a dificuldade para o tráfego nas mesmas. O mesmo uso de veículos mais pesados se fazia necessário para locomover-se na via. Percebe-se que nem todos os colonizadores tinham acesso a esse tipo de veículos e percebemos que, mesmo para quem os possuía a dificuldade era considerável.

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Imagem 8: Estação da chuva em Lucas do Rio Verde. Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.

Podemos afirmar, portanto, que a intervenção do INCRA e cooperativa seria uma colonização oficial incentivada pelo Governo Federal. Mas vale lembrar que este espaço foi colonizado também por outras frentes onde se incluem também os posseiros que se instalam no local primeiramente e, principalmente no período de traçado e abertura da rodovia BR 163. E algumas pessoas que mais tarde adquiriram lotes por conta própria.

Então percebemos que são várias as levas de colonizadores que participam da ocupação desse espaço, alguns grupos de pessoas influenciados pela colonização oficial e outras forças individuais, em busca de alternativas.

Desenvolve-se também, ao longo desses anos, o espaço urbano do município. O seu núcleo urbano foi fundado em 5 de agosto de 1982. Um fator relevante, de acordo com Casto et. al. (1994), foi a venda indiscriminada de lotes rurais foi realizada pelo INCRA, após a retirada dos assentados. A mesma questão de doação indiscriminada se deu também sobre os lotes urbanos que foram comercializados pelo pessoal do INCRA.

Nesse período o núcleo urbano de Lucas do Rio Verde era ainda bastante pequeno, sem muita infra-estrutura. As pessoas que viveram esse período encontraram bastantes dificuldades de permanecer no local.

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As dificuldades eram muito grandes, principalmente no que diz respeito às distâncias do município de Diamantino, o qual o município de Lucas do Rio Verde pertencia antes de sua emancipação política. Todas as transações financeiras, aquisição de materiais, tanto de consumo quanto uso de máquina administrativa, principalmente saúde, educação e demais necessidades, foram muito difíceis. (PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE LUCAS DO RIO VERDE, p.60, 2007)

Abaixo podemos observar algumas imagens que ilustram essa fase. A Imagem 9 é uma vista aérea de Lucas do Rio Verde, logo no início da formação de seu espaço urbano, podemos notar com essa fotografia que as condições de vida eram precárias, dado que, não havia muita infra-estrutura.

Imagem 9: Vista Aérea de Lucas do Rio Verde.

Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.

A Imagem 10 complementa essa idéia da falta de infra-estrutura mostrando a Avenida Rio Grande do Sul no ano de 1984, hoje uma das principais das avenidas da cidade.

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Imagem 10: Avenida Rio Grande do Sul.

Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.

A Imagem 11 nos mostra que a setor urbano desenvolveu-se um pouco mais, a partir de meados da década de 1980. Já é possível perceber na fotografia de 1986 a cidade com mais construções e uma infra-estrutura um pouco mais adiantada. Porém ainda carente de recursos.

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Imagem 11: Vista aérea de Lucas do Rio Verde em 1986. Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.

Como podemos observar as condições de vida eram bastante dificultadas. Vale lembrar que no ano de 1988 o distrito de Lucas do Rio Verde torna-se município, se desmembrado do município de Diamantino.

Foram muitos os obstáculos encontrados durante esse período do início da colonização até a emancipação. No próximo capítulo será apresentado como era a vida cotidiana nesse tempo. As principais superações e dificuldades encontradas por esses grupos de pessoas que, viveram os primeiros momentos da ocupação do espaço de Lucas do Rio Verde.

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3 ATORES

3.1 Os Atores Sociais no Espaço Cotidiano

Neste capítulo buscou-se através do Método de entrevistas da História Oral, entender como foi a vida cotidiana das pessoas nos primeiros anos da colonização de Lucas do Rio Verde até o ano de sua Emancipação Política. Lucas do Rio Verde se tornou município em 4 de julho de 1988, através da Lei Estadual n° 5.318, tendo seu território desmembrado do município de Diamantino.

Utilizando a História Oral foram realizadas entrevistas com um grupo de pessoas que foram entrevistadas sobre sua vida cotidiana no determinado período. Para conseguir tornar nosso foco mais específico na história cotidiana, os colaboradores que cederam as entrevistas, foram questionados sobre as seguintes perguntas:

• Qual é o seu nome?

• Quando você veio para Lucas do Rio Verde?

• Quantos anos você tinha?

• De que lugar e, como você veio?

• Porque veio para Lucas do Rio Verde?

• Você veio com a sua família?

• Em que lugar você morou primeiramente em Lucas do Rio Verde?

• Quando logo que chegou, como viveu os primeiros momentos?

• Para você, quais foram as principais dificuldades encontradas nos primeiros anos que viveu em Lucas do Rio Verde?

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• Como foi conviver em um novo local, se adaptou ao clima, e como era o isolamento?

• Como se dava o acesso à informação, às notícias, a comunicação com os parentes que moravam longe?

• Como faziam para adquirir os recursos básicos, como alimentação, roupas, remédios, utensílios, ferramentas etc.?

• Como era o acesso ao atendimento de saúde?

• E como era situação da educação para as crianças?

• Como era o trabalho?

• O que vocês faziam no tempo de descanso, como era o lazer?

• Como você avalia a vida das pessoas nos primeiros anos da colonização de Lucas do Rio Verde?

• Faria tudo outra vez, ou se arrepende de algo?

• Como você considera a situação de vida hoje em Lucas do Rio Verde?

Esse processo de perguntas e respostas foi gravado em fita cassete e depois realizado o processo de transcriação, onde o resultado dessas entrevistas foi transformado em texto, escrito em primeira pessoa. Dessa forma é dado destaque à figura dos colaboradores, pois o trabalho tem como objetivo resgatar sua história e a história de sua comunidade.

Abaixo podemos observar a narrativa de alguns sujeitos que viveram os primeiros anos na colonização de Lucas do Rio Verde, nos relatando a partir de sua memória, como foi sua vida cotidiana neste período.

3.1.1 Aldemar Antônio Cosma

Meu nome é Aldemar Antônio Cosma. Em vim para Lucas do Rio Verde em 1980, mas eu já estava na região porque vim para Sorriso em 1975. Eu tinha terra em Sorriso em 1975, e em 1977 nasceu minha filha e eu não pude vir para cá, e em 1977 vendi a terra para meu sogro. Então em 1978 eu comprei a terra aqui. Fiquei mais quatro meses em Sorriso e depois vim morar para Lucas em 1980. Eu tinha trinta e três anos na época.

Eu morava antes em Pato Branco no Paraná. Nós viemos com a nossa mudança, nós de ônibus e a mudança atrás, de caminhão. Eu vim para Lucas para trabalhar, meu sogro comprou mil e quinhentos hectares de terra, eu dei a terra em Sorriso e ele me deu trezentos hectares, depois o INCRA me tomou a terra e eu fique com o lugar que moro hoje, centro e

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Lucas, nós tínhamos uma padaria onde fazíamos pão pra vender para o pessoal do INCRA. O lugar era perto e um pouco antes de chegar ao Café da Hora, que era um boteco de um homem chamado Adolfo Correa, fazia uns seis meses que ele tinha chegado aqui.

Logo que chegamos nós moramos seis meses em baixo de uma barraca de lona, depois fizemos um barraco, que era do meu sogro, onde moramos por dois anos. Mais tarde, depois desses dois anos, construí a casa de madeira no lugar que moro hoje, e fui buscar a madeira em Carmem, porque não tinha serraria em Lucas. A cobertura da casa veio de São Miguel do Oeste, porque também não havia materiais de construção aqui. Então a padaria ficou para meu cunhado e nós viemos morar na casa nova. Eu parei de trabalhar com o pão e fui trabalhar na lavoura.

Não tinha dificuldades, o problema é que a gente tinha dinheiro, só não tinha o que comprar, não havia armazém, não havia nada. Para comprar coisas a gente tinha que ir para Diamantino e quando dava tempo. Para ir a Sorriso às vezes levava três dias. Para ir para Diamantino levava um dia, um dia e meio, e tinha que arrumar carona, se não ficavam dois dias lá.

Arrumar carona era difícil e existia o transporte da Maringá, mas quando havia atoleiro não dava para saber que hora o ônibus vinha porque atrasava. As caronas também às vezes atolavam, a gente tinha que dar um jeito de empurrar até que vinha para casa. Mas nós vivíamos bem, íamos pescar e caçar se não tinha comida, tudo era bom para nós.

Nós fizemos um poço para ter água, e minha esposa também lavava roupa para o pessoal do INCRA, eles não tinham ninguém ali, não sabiam lavar roupa. Porque quando o pessoal do INCRA veio para cá, moraram em um acampamento, que ficava onde hoje é o Bairro Pioneiro. Eles vieram para fazer o assentamento. A gente não sabia que eles iam fazer e depois que eles chegaram, nós não podíamos mais mexer com as terras, queriam nos mandar embora, tomar nossa terra.

Na época nós éramos uns oitenta e cinco posseiros aqui dentro da área, que hoje é o município. O pessoal do INCRA queria que nós abandonássemos as terras, mas não tínhamos para onde ir então ficamos, porque a gente tinha comprado, e eles queriam as terras para depois fazer os loteamentos, ou vender.

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Eu acho muito bom morar aqui, porque sempre gostei do clima, desde quando eu cheguei não estranhei, sempre gostei. Minha esposa ficou uns dois anos pensando, dizia que queria voltar, mas depois acostumou e não quis mais ir embora. Nós tínhamos amizades com umas famílias, eu achava melhor do que hoje.

Aqui não tinha televisão, porque nem luz não tinha, era tudo no lampião. O rádio só pegava uma estação de Brasília, nem de Cuiabá não pegava, era um rádio à pilha. Nós não ficávamos sabendo de informações e notícias nenhuma, não tinha televisão, nada. A gente mandava carta, porque nem telefone não existia. Ia para Sorriso e de lá mandava carta para o Sul. E para depositar dinheiro tinha que ir até Rosário Oeste, tinha como depositar em Diamantino, mas era melhor ir à Rosário para não ter que entrar mais uns trintas quilômetros. Para se comunicar com os parentes então mandávamos carta, telegrama, o antigo telegrama ainda.

Para conseguir remédios a gente ia à Cuiabá, porque não existia farmácia aqui. Minha menina precisou de atendimento então a gente a levou até Mineiros. Ficamos dois anos tratando dela em Mineiros e fazia corrida de carro para levar ela. Depois que chegou o INCRA, um carro deles e com um médico, levou minha esposa e a menina, eles ficaram quinze dias lá. Daí que nós arrumamos um médico, porque não tinha médico.

Comida nós íamos comprar em Diamantino, havia a cooperativa lá, a COOPERVALE existia lá ainda quando nós viemos. Nós tínhamos trazido foice e machado. Senão, comprava em Diamantino, ou Sorriso que tinha pouca coisa. Eu mandei vim os vidros da minha casa, porque eu fiquei três anos sem vidro, sabe da onde que mandei vim os vidros? Eles vieram de Jundiaí, São Paulo. De um homem que estava trabalhando numa fazenda, montando um barracão, ele me trouxe os vidros, um médico de lá. Não tinha vidro aqui, não tinha nada.

Atendimento de saúde não existia aqui e ninguém ficou doente. Saúde era só em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre. Em Cuiabá naquela época tinha médico a Santa Casa, mas não tinha aparelho nem nada. Não existia posto de saúde aquela época, nada de público, você tinha que pagar, não existia nada.

Uma vez eu fui com o Antonio Fraga Lira de trator á Diamantino. O Gemelli furou um pneu aqui na frente, e foi até no Lago Azul empurrando para arrumar, era difícil.

Não existia escola para as crianças. Quando entrou o INCRA fizeram uma escolinha ali. Aqui não tinha escola naquela época, os dois primeiros anos que nós viemos não existia nada, em Lucas não havia nada. Havia só o batalhão que estava cuidando da estrada, não tinha ninguém. Em Sorriso tinha oito casas quando nós fomos para lá. Sinop tinha uma padaria do Xingu e o Banco do Brasil que se instalou quando eu vim em 1980. Não tinha nada em Sinop.

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ramo. As casas eram todas de madeira, lembro que tinha umas vinte e duas casas, daí que o INCRA veio se instalar. Essas casas era todas de moradia, para os funcionários do INCRA.

Minha esposa cuidava da padaria e o nego, meu filho, levava numa cesta os pães lá perto do Rio Verde, onde pessoal do INCRA morava, ele levava á pé. Tinha um cara de São Lourenço do Oeste, que ia para Sorriso e sempre passava aqui, ele tinha uma [caminhonete] 15- 19 era um conhecido meu de lá, ele trazia a farinha para fazer o pão.

No tempo de descanso a gente pescava, só pescava, porque não havia aonde ir, festa não tinha, não tinha nada. A primeira festa que nós fomos quando nós estávamos aqui, foi na primeira igrejinha de madeira lá no Lago Azul. Estava o Vendrúsculo, o De d’Ávila, o Topanotti, o Picolli, estávamos todos ali e fizemos a igrejinha. Quando o INCRA veio, nós fizemos a igrejinha lá. Foi lá no Lago Azul que foi construída a primeira igrejinha do São Cristóvão. O lugar chamava-se Piovinha antigamente, depois se chamou Lago Azul e São Cristóvão.

Na Piovinha, perto de onde mora o Geraldo Bôscoli, tem uns coqueiros e uma capelinha de madeira, de pedra, ali era um bar onde era a parada dos ônibus da Maringá, onde eles comiam, era um chapéu de palha. E até hoje tem a capelinha, não derrubaram.

Era bom viver naquela época aqui, não era muito ruim. Nós íamos pescar quando não tinha nada para fazer, ia caçar. Os atoleiros eram bravos, para vim de Sorriso até aqui você levava meio dia para chegar, na época da seca. Eu devo ter algumas fotografias...

Na época da seca não tinha atoleiro, era “cabeça de Figueiredo”, eles tratavam desse nome, porque foi na época que o presidente Figueiredo entrou. As terras com o cascalho ficavam aquelas cabeças, era uma atrás da outra, o caminhão não andava. Eram pedras, torrão de terra, criava as cabeças e ficavam na estrada, o Figueiredo não arrumava as estradas, então ficou o nome de “cabeça de Figueiredo”.

Eu não me arrependo de nada, voltaria naquela época, ninguém incomodava. Eram três ou quatro famílias, todos se davam bem, hoje eu não conheço nem a piazada dos vizinhos que têm aí.

A situação de vida hoje em Lucas é boa para quem tem vontade de trabalhar. Hoje aqui tem de tudo, telefone, mercado. Naquela época não existia nada. Eu comprava laranja em saco, dos caminhoneiros quando paravam ali no Café da Hora que iam para Sinop e para o

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garimpo e mandava o nego ir vender lá em baixo, a gente tinha que fazer dinheiro, vai fazer da onde. Para o pessoal do INCRA, eu vendia pão, laranja.

Então quando eu cheguei aqui, tinha só o 9º BEC, e a casa de uns pistoleiros, não havia nenhuma casa. Tinha a casa do Tessele que veio morar depois. Não tinha nada em Lucas. Nós íamos pescar na lagoa, atravessando a cidade a pé, passava uma picada passando, uma ponte, onde hoje é a Avenida Tenente Portela, e lá em cima tinha uma estrada de seringueira, que ia até o Rio Piranha pescar, ficava sábado e domingo e vinha embora a pé. Eles tiravam seringa e decerto entrava os caminhões para puxar, tinha umas madeiras grossas e usavam essa picada para entrar.

Eu vi os assentados chegarem, não tinha nem estrada aqui, para ir para Tapurah era só cerrado. Tinha só o Leo Pasquali que morava, a gente entrava lá dentro e ia pela estrada “baiana”. Não tinha estrada era só cerrado, aqui na frente de casa era só cerrado. Colocavam fogo e ficavam seis meses com fumaça. Antigamente não existia ninguém, ninguém cuidava, as terras eram devolutas.

Existiam só os posseiros, nós compramos a terra de um cara de Vitória da Conquista, o Robson, ele tinha quarenta mil hectares. E existiam também pistoleiros que cuidavam da posse da terra, mas isso terminou depois quando o INCRA chegou.

3.1.2 Mário Agostinho Dall’Alba

Nós viemos para Lucas do Rio Verde em 1978. Eu tinha uns 13 ou 14 anos, éramos de Palotina no Paraná. Nós viemos de caminhão com a mudança, eu vim com meu pai de caminhão, alguns de meus irmãos vieram antes.

Decidimos vir pela questão econômica, porque aqui oferecia oportunidade de um futuro melhor, nós éramos uma família de sete pessoas, então se você quisesse usufruir algum bem no futuro era preciso ir para um lugar que oferecesse progresso. Aqui era um lugar onde se falava muito na época, de prosperidade para o futuro, as terras eram baratas, porque eram posses que logo se tornaram documentadas, pois o governo incentivava a ocupação do Centro-Oeste, e meu pai viu uma oportunidade de uma vida melhor para a família.

Nós ouvíamos falar das terras do Mato Grosso no geral, o Gemelli, que morava aqui, ele até já faleceu, ofereceu terras para o meu pai e ele veio ver, gostou e acabou comprando. Pertenciam ao Robson Duarte um homem que tinha uma grande quantidade de terra aqui, ele era do Espírito Santo.

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fronteira de desbravamento, mas por outro lado a gente pensava que o Mato Grosso era o fim do mundo, imagina um lugar que era basicamente uma selva. Em um primeiro momento eu gostei só que com o tempo a gente ficava isolado e tudo era muito difícil, não tinha quase ninguém perto, a família toda longe a comunicação também era complicadíssimo. Então teve os dois lados, teve o lado interessante da descoberta da novidade, mas também teve o lado das dificuldades, do sofrimento, e parecia que nunca mais íamos sair desse buraco. Era complicado, mas mudou muito.

As dificuldades eram as distâncias das coisas, a falta de pessoas, de convivência, nós éramos acostumados no meio de tanta gente. Os recursos para chegar, desde a alimentação, o acesso a tudo, era muito difícil. Nós tínhamos sorte de ter o gado, que nós passávamos com leite e às vezes polenta, porque era difícil, nem sempre se tinha por exemplo, uma caça, e as vezes ainda passava semanas e meses chovendo, chovia muito mais, era complicado.

Então para sair dali não era fácil, pelas estradas, até a comunicação com os vizinhos e com os outros lugares. Para você comprar, tinha que ser em Sinop ou Diamantino, era difícil. Para ir de carro era muito ruim, se levava em algumas vezes meio dia para sair daqui de Lucas à Sorriso, havia atoleiro, desvio, tinha de tudo, algumas pontes também não eram seguras porque eram de madeira, as estradas ruins demais e os caminhões não podiam andar. E nós geralmente íamos de carona porque na época não tínhamos carro pequeno, tínhamos trator e um caminhãozinho, depois que nós compramos novamente um carro pequeno.

Nosso dia-a-dia era basicamente a lavoura, levantávamos de manhã cedo, seis sete horas e íamos para a lavoura, limpava o terreno para o plantio e meio dia o almoço e depois voltávamos para o trabalho até de tardezinha, até o sol se pôr. Nós dormíamos cedo porque não tinha muita coisa para fazer à noite, tinha só a luz do lampião, daqueles à gás.

E havia coisas interessantes, que lembro até hoje, não existia, por exemplo, muitos pernilongos, a mata absorvia muito isso, mas havia o “porvinha” e aquelas “mosquinhas” pretas, as “mosquinhas” atacavam mais durante o dia no sol quente, quando você ia trabalhar e se tivesse algum machucado elas atacavam, era triste. No tempo da chuva as “porvinhas” acabam com a gente, minha mãe até ficava com febre por causa disso. E na lavoura nós íamos trabalhar baseados do horário do sol e era sofrido, mas por outro lado tinha mais tranqüilidade.

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No começo era difícil o calor que era bastante, mas para a adaptação não foi muito difícil, porque nós já éramos acostumados a trabalhar. O que mais nós sofremos foi em relação ao acesso ás coisas, aos recursos que era muito complicado, mas nós também nos divertimos bastante, porque íamos visitar o pessoal, compartilhávamos muita coisa, era bom de se visitar naquela época. E por outro lado nós aprendemos, nos habituamos, lógico que ainda existiam algumas coisas, por exemplo, os sanitários que eram fora de casa de madeira, haviam muitos bichos, e nós ficávamos receosos, mas é claro tivemos que nos adaptar a isso também.

Para chegar uma carta às vezes demorava um mês, porque vinha por intermédio de visitas, do pessoal que vinha para cá, então era complicado. Para mandar carta tinha que entregar para um vizinho que iria viajar ou ir à Sinop ou Diamantino. Na época havia rádio, se eventualmente nós fossemos para alguma fazenda que tivesse, mas geralmente os comunicados eram através de pessoas mais conhecidas, onde mandávamos os recados.

Para conseguir recursos era em Diamantino e em Sinop, Sorriso ainda estava começando como Lucas. Então uma vez por mês pedíamos para alguém, dávamos uma lista do que precisava e alguém trazia, ou então íamos, mas era demorado geralmente nos virávamos com o que tinha aqui. Então não havia nada para se conservar, os alimentos tinham que ser menos perecíveis, e caçávamos e pescávamos ali perto. E também havia o gado que a gente tinha, para ter leite. Era difícil também o plantio de alimentos naquela época, porque a terra era muito ácida, era complicado produzir no começo. O que havia mais eram frutas, tipo manga, que os vizinhos tinham.

O atendimento de saúde era muito complicado, com o tempo se instalou um médio dos órgãos federais, nós éramos atendidos ali mais tarde, e depois também tinha a farmácia do Tião, que era uma pessoa experiente. Se não, teria que ir para fora para ser atendido, era difícil.

Quando eu cheguei não tinha escola. Eu fui estudar em Sorriso, meu pai montou um comércio lá e eu fui estudar em Sorriso. Fui só eu, meus irmãos não foram. Depois, acho que mais uns três anos é que veio a escola, foi criada a Escola Dom Bosco lá em baixo, e eu estudei lá, fiz a 8ª série na Escola Dom Bosco, mas era bem complicado também nessa escola porque era a luz à motor e quando faltava luz tinha que usar o lampião, eu estudava à noite. E também por causa das chuvas, não era fácil de chegar na escola, o acesso era complicado, faltava em alguns momentos profissionais para dar aula, então no começo foi bem difícil.

O nosso trabalho era na roça, plantar soja, mas no começo foi só arroz, depois foi soja e um pouco de milho, mas era a roça basicamente. Depois plantamos também para o sustento

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abrimos mais até próximo a beira do Rio Verde.

Nós “calcariamos” e fizemos tudo o que tinha que ser feito na terra para poder plantar. Plantamos no começo o arroz, duas safras ele dava depois não dava mais porque dava muita peste. Naquela época não tinha muita tecnologia para o desenvolvimento da soja, agora já é bem mais tranqüilo, até por causa da condição do solo e da acidez que melhorou bastante com o tempo. Então no começo plantamos arroz pra depois plantar soja e milho, depois nós perdemos essa terra para a cidade e ficamos sem nada, o que é a cidade era nosso, só agora que abriram em outras terras outros bairros, como do outro lado da BR, que não era nosso. Então a parte de baixo da BR, desde onde entra na cidade até a beira do Rio Verde eram nossas terras.

O nosso lazer era jogar baralho, sair visitar uma família, ou era caçar e pescar era basicamente isso, ou uma família que vinha visitar a gente também...

A vida nos primeiros anos era muito difícil, de muito trabalho, foi um pessoal “esquecido”, porque naquela época o Brasil já passava por uma imensa crise e não tinha estabilidade de nada. Então o governo incentivava a abertura, mas ao mesmo tempo o pessoal tinha que se virar por conta, e as pessoas já não tinham muitos recursos, os recursos eram escassos e os meios de comunicação e de acesso a tudo isso era difícil, eu digo que era muito difícil. Por outro lado tinha a tranqüilidade, tinha uma relação com o meio ambiente, éramos mais ligados ao meio ambiente, era menos stress também.

Eu não me arrependo do que fiz, mas é natural, você sempre tem alguma coisa que você faria de outra forma, ou seguido outros caminhos, mas não tenho arrependimentos, penso que foi uma grande experiência, e valeu a pena, eu faria tudo de novo. Lógico que você não seria ignorante de permanecer nas coisas que não deram certo...

Lucas hoje nem se compara com antigamente está bem melhor, até porque a estabilidade do país ajudou que isso acontecesse. Eu vejo que Lucas é uma boa cidade, sempre gostei, até porque a gente sempre morou, praticamente fundamos a cidade digamos assim, mas eu percebo que há uma violência na cidade que foi de alguma forma criada, não digo que intencionalmente, mas pelas propostas econômicas que se viabilizaram através dos políticos, que eu penso que poderia ser diferente. Acho que se visou muito a questão

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econômica e não se deu prioridade à questão humana e social, isso fez com que a cidade ganhasse áreas de violência desnecessárias.

Tem muita coisa boa é uma cidade muito boa, mas pode ser ainda bem melhor. Porém em termos de violência e marginalização social exagerou. Mas em relação à antes é sem comparação, até porque no geral o Brasil melhorou, as pessoas têm acessibilidades muito mais rápidas, mesmo na Amazônia que é um lugar mais complexo hoje está bem melhor. Aqui no Centro Oeste já virou uma questão de preferência do povo brasileiro, pois há uma opção muito grande de desenvolvimento para o povo, o que antes era somente o litoral agora os recursos já chegaram aqui, se você ver o desenvolvimento e o crescimento até de numero da população nos últimos censos o Centro Oeste vem ganhando muito status, nesse sentido está bem melhor.

Nossa cidade hoje é um orgulho, sempre gostamos de viver em Lucas do Rio Verde, o que eu tenho a mencionar é que muita gente poderia ajudar bem mais a cidade, mas acaba pensando somente na questão econômica, infelizmente o ser humano é muito ganancioso e por causa de dinheiro acaba fazendo muitas coisas erradas que poderia evitar.

A questão do migrante, às vezes tem muita gente que se diz, mas que chegou bem depois, e nós que somos de fato, somos esquecidos. Não é nenhuma mágoa, mas acho que é uma questão de valorização do próprio meio em que você vive, que não valoriza a história que se fez, com certeza não vai valorizar nem o que vai ser feito, só vai ser momentâneo e isso é ruim para qualquer país, para qualquer povo. Você tem que fazer com que as coisas sejam percebidas, para que as pessoas passem a respeitar o lugar, vê que tem uma história, um fundamento, que a vida vale a pena. Se não você acaba achando que tudo é simplesmente para explorar e acabou e não é assim, nós somos muito mais que isso, se não valeria a pena.

3.1.3 Isidoro Vivaldino Pivetta e Dilla Pivetta

Isidoro

Nós viemos em 1981. Quando eu cheguei haviam duas casas, mas não eram boas. Uma à esquerda, depois que chega à ponte do Rio [Verde], ali tinha uma família que veio do sul e à direita tinha três ou quatro estabelecimentos do Exército, porque eram eles que cuidavam da estrada, que faziam a estrada, patrolavam.

Eu vim do Sul, vim de Caiçara, Rio Grande do Sul. No tempo que eu saí, já era município, mas pertencia à Frederico Westphalen. De Frederico Westphalen para ir à Caiçara eram doze quilômetros. Aí foi o seguinte... eu havia vendido minhas coisas lá, mas com

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na outra semana, na segunda-feira.

Nós viemos para conhecer aqui, mas quando nós chegamos no Posto do Gil, havia uma porteira e os militares do Exército deixavam passar quando dava. Quando nos chegamos ali estava fechado, paramos e fomos conversar com eles, nos disseram que dava para ir, que as pessoas estavam passando, mas era difícil, se a gente quisesse ir podia ir, mas não íamos chegar. Eles falaram que iam colocar as máquinas para trabalhar na estrada em fim de maio de 1981, disseram que se a gente passasse no fim de junho estaria toda pronta a estrada. Mas mesmo assim decidimos experimentar ir, se não desse certo a gente voltava.

Então eles abriram o portão e nós viemos. Mas antes de chegar ali no Posto São João, antes de chegar naquela curva, não passamos mais, porque atolava. Tinha um jipe atrás, eles nos disseram “se vocês não passarem nós voltamos e te puxamos”, e eles foram na frente, eram uns cinqüenta metros de barro para passar. Eles já tinham uma corda dentro do carro e disseram que podiam ajudar se atolasse. Ainda, para frente tinha mais dois atoleiros para passar. Nós não aceitamos, não dava para ir de carro, decidimos voltar... Acabamos não conhecendo aqui, naquela época. Fui levar meu primo para casa e depois voltamos embora pro Sul.

Eu voltei em junho e estava tudo pronto, a estrada. E quando nós viemos olhar, só paramos ali no rio, onde era o Café da Hora, porque ainda não tinha ponte ali, e eu parei para ver, eles colocaram umas árvores, madeiras, que estavam firmes, e a gente passava por cima. Foi o único lugar que eu parei, porque o resto estava tudo certo, eles tinham arrumado tudo, a estrada estava pronta.

Nos primeiros meses nós moramos num acampamento que nós tínhamos, eles fizeram uma casinha, porque eu já tinha aqui um sobrinho, um neto e um irmão que já haviam comprado terra, e eles estavam Sorriso porque não tinha outro lugar para ir, aqui não tinha nada, e em Sorriso tinha umas trinta casas só. Eles haviam comprado terra há uns cem quilômetros para dentro e era só mato, não tinham nem picada, mas em poucos meses estava pronta a estrada para ir à terra. Então eles venderam e ficaram comigo aqui...

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Dilla

Nós conhecemos primeiro, Primavera do Leste e Paranatinga, mas em comparação com aqui era caro comprar terra lá. Aquela estrada até Sorriso era difícil para passar. Se passasse com o carro podia entrar água dentro...

Os homens começaram a trabalhar e depois de dois anos nós viemos de mudança. Em 1983 nós viemos de mudança, mas em 1981 eles começaram a trabalhar, nesse tempo nós fazíamos duas viagens por ano, vinha e voltava. Até fazerem um barracão para podermos morar...

As dificuldades eram que, para comprar um quilo de carne tinha que ir á Sorriso, chegava em casa às dez da noite e tinha que fritar a carne para não estragar. Pegávamos o ônibus de madrugada, comprávamos uns quilos de carne para os peões, porque não dava para ficar sem carne, e tinha que ir comprar em Sorriso. Farinha pra fazer pão era em Sorriso, arrumar o trator, comprar parafuso ia para Primavera, comprávamos óleo em Primavera, às vezes a gente ia com uns latões no carro para buscar um pouco de óleo para o trator não parar de trabalhar. As estradas não eram boas, podia até atolar na poeira...

Nós gostamos do clima daqui, nós viemos porque meu marido tinha um problema de saúde e o médico recomendou de nós virmos morar em um lugar mais quente, para melhorar a circulação do sangue dele, por causa do derrame...

Para ir ao banco era em Diamantino, para telefonar e mandar carta pelo Correio também tinha que ir à Diamantino. Quando veio um PS em Sorriso foi uma beleza, porque passamos a fazer esse serviço por Sorriso. Por exemplo, para ir á Diamantino levava três dias para ir e voltar, porque os empréstimos no banco não ficavam prontos no mesmo dia, as estradas também não eram boas, o asfalto custou anos para chegar.

Para ir ao mercado era em Sorriso. A Lúcia Casonatto começou a vender batatinhas, repolho, abriu um mercadinho, isso foi uma beleza. Muitos anos depois um senhor começou a vender em um caminhão e nós íamos comprar carne nas sextas-feiras, mas muito depois...

Isidoro

Maquinário para comprar era só em Cuiabá, aqui não havia nada...

Dilla

Para arrumar um pneu de trator era em Primavera, antiga Primaverinha...

Para atendimento de saúde havia o SESP, era um posto bom, porque já estavam aqui os parceleiros, quando nós viemos de mudança. Então já havia sido montado um posto de

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O trabalho era sofrido, na lavoura, com os funcionários, tinha que ter peão. Nós tínhamos que lavar roupa, fazer comida para os funcionários porque não tinha quem fizesse, não havia nada. Nós tínhamos água de poço, depois mais tarde compramos um motorzinho para ter luz de noite. Geladeira custou vir, porque tinha que vim de Cuiabá, e não tinha transporte, eram daquelas geladeiras que funcionavam á gás. Não era fácil...

Nós morávamos na fazenda, logo onde termina a cidade, na Fazenda Palmeira é bem pertinho. O padre vinha rezar a missa uma vez por mês nas fazendas, uma vez era no Valdemar [Aldemar Antônio Cosma], outra vez no Gemelli, nos outros, cada vez era em uma fazenda. Depois começou aqui em baixo na cidade, quando veio o Padre Lauro. Algumas pessoas gostavam jogar baralho para passar o tempo, os vizinhos se visitavam no domingo...

A vida era boa, nós saíamos, deixávamos as portas abertas, não tinha perigo nenhum. Íamos às casas dos vizinhos e quando a gente saía de casa nem fechava as postas do barracão, porque não entrava ninguém era tranqüilo, não tinha perigo nenhum. Era bom de morar aqui...

Isidoro

Aqui sempre foi bom de morar. Agora depois que abriu a fábrica, as coisas mudaram, mas antes era bom...

Dilla

Antigamente era bom, nós nem estranhamos quando viemos naquela época, acostumamos de morar aqui, era muito bom...

3.1.4 Loreci de Fátima de Oliveira

Meu nome é Loreci de Fátima de Oliveira. Eu cheguei em novembro de 1981 em Lucas do Rio Verde, eu tinha 26 anos, completei 26 naquele ano. Vim de Ronda Alta, Rio Grande do Sul [Encruzilhada Natalino].

Eu vim com o pessoal dos assentados, na terceira viagem que eles fizeram eu cheguei até Lucas. Nós viemos de ônibus. Em cada viagem de vinda das famílias eram três ônibus lotados. Vieram em etapas, 1° etapa, 2° etapa, 3° etapa e em cada etapa, três ônibus lotados.

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Não sei dizer quantas pessoas vinham em cada um dos ônibus, porque cada família, uns tinham mais filhos outros menos, mas eles vinham lotados.

Na época, eu vim para Lucas para adquirir terra, no Rio grande do Sul a gente não tinha terra e nós viemos para isso. Na verdade, nós já viemos com a terra garantida, quando nós saímos já sabíamos que tinha terra garantida, eram 200 hectares para cada família.

Na época ganhávamos só mesmo a terra, mais tarde, quando eles começaram a fazer o loteamento da vila daí eles estavam dando para quem quisesse pegar lotes na vila. No começo era dado, depois começaram a vender. No início a doação era feita pelo INCRA, e depois eu não tenho certeza, mas, até quando começou o primeiro prefeito muitos lotes urbanos da cidade foram doados. Depois disso começou as vendas mesmo.

Eu vim com a minha família, meu marido e três filhos na época. No começo eu morei, não sei se eles ainda chamam por esse mesmo nome, no Setor 5 que fica perto do Campinho Verde. Mas no primeiro momento que nós chegamos aqui ficamos acampados entre a BR-163 e o Rio Verde, do lado da BR-163 e perto do Rio Verde. Eram aqueles acampamentos mesmo, do exército, quando nós chegamos estava tudo prontinho as barracas, umas barraquinhas verdinhas.

Nós ficamos na faixa de uns dois meses e meio por aí, até construírem as nossas então casas, lá no sítio. Só que as casas eram de madeira, pequenas. Os agricultores, os próprios assentados mesmo que construíram, meu marido também. Eles se reuniam em mutirão, um ajudava o outro, e daí eles construíam.

Quando eu cheguei, não foi assim, muita surpresa, porque dois anos antes eu tinha vindo para cá, morar em Terra Nova, que fica há uns trezentos e poucos quilômetros daqui. Então eu já havia morado lá, para mim então, nada era novidade no Mato Grosso, já sabia mais ou menos como era já havia passado por aqui.

A primeira dificuldade foi a educação mesmo, porque eu cheguei aqui com três crianças, uma com idade escolar, e perdeu o primeiro ano. Na época entrava-se na primeira série com sete anos, e ela completou sete anos em fevereiro de 1982 e daí não tinha aula, ficou sem. Foi em 1983 que começou as aulas e daí começou a estudar ela e o irmão junto, e ela com um ano perdido.

Além disso, a dificuldade era a distância que nós ficávamos para vir na vila, para fazer compras, não tinha transporte, era na base de carona, ir para a beira da BR e pedir carona, até para vir ao médico, numa consulta no posto de saúde, tudo era a base de carona, era bem difícil.

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por um financiamento que saia no banco para esse fim.

Como eu já havia falado, não foi difícil me adaptar, porque eu já havia morado aqui, então não foi difícil, eu já tinha uma noção de como que era. Nós tínhamos bastante vizinhos também, a convivência era normal, quase igual como se fosse lá no Sul, nós tínhamos a comunidade para ir no domingo rezar um terço, nos reuníamos pra rezar o terço e assim foi iniciando. O nome da comunidade era Setor 5 mesmo, o nome era esse. Porque eram divididos em setores, Setor 1, 2 e 3, 5 e o meu era 5.

Nós ouvíamos o rádio, era só o rádio mesmo. A Rádio Nacional de Brasília era a nossa diversão, de ouvir música, quem pudesse escrever cartinha para lá, mandar recado, mensagem. E com os parentes era através de carta mesmo, carta que ia, carta que vinha. Aqui em Lucas já tinha o posto do Correio, quando nós chegamos já tinha o básico que era posto de saúde, supermercado, posto de correio.

O supermercado era COBAL. Roupas eram só aquelas que vieram do sul, tinha só a COBAL mesmo, com o básico para a alimentação. Não tinha loja que vendia outras coisas, eu não lembro bem, mas se não me engano nós recebemos um kit quando chegamos, de alguma coisa assim, o básico, alguma ferramenta, chaves. Era um kit com materiais para a lavoura, para o trabalho, “enchada”, umas coisas assim. Mas para a cozinha não, de cozinha nós trouxemos a mudança, o governo trouxe, transportou a mudança. Trouxeram a mudança de todo o mundo, inclusive animais também foram trazidos.

Para o atendimento de saúde tinha um postinho, e posto que havia na época nós éramos bem atendidos. Eles atendiam bem, eu não tenho do que reclamar acho que eles atendiam melhor que hoje em dia, nesses postos de saúde que temos aqui. Nós chegávamos, éramos atendidos, não tinha esse negócio de limite de ficha, o pessoal vinha do interior e precisava de atendimento, o médio estava lá atendendo, praticamente 24 horas. Se você chegasse fora de hora, numa emergência podia chamar que o médico vinha atender.

No começo as crianças não tiveram aula. Em 1983, final de 1982, mês de agosto de 1982 em diante, já começaram a se movimentar para que em 1983 iniciasse o ano com aula e foi o que aconteceu. O Klaus Huber foi o nosso diretor e a Beth, acho que a secretária na época, eles eram tipo uma extensão de Diamantino, que nos atendiam aqui, eles começaram a organizar a educação das escolas. Porque na verdade quando nós chegamos aqui as escolas já

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estavam começadas, a construção delas. Cada setor tinha sua escola, só que não estavam acabadas, aí eles acabaram naquele ano e no ano seguinte que iniciou as aulas mesmo.

Eles fizeram uma escola, aqui na cidade que nós chamávamos de vila. Eles fizeram aqui a Dom Bosco e no interior tinha, não lembro se eram cinco ou seis escolas. Tinha a escola que eu trabalhava, tinha a do Setor 1, a do Setor 3, do 5, do 6 também tinha uma escola, só que eu nem cheguei a conhecer essa, porque era meio distante. Mas as outras sim, a do Setor 1 era aqui nos Gringos, o Setor 3 era onde virava para descer para o Setor 5. O Setor 4 não existia, aí tinha mais uma escola na União, talvez lá fosse o Setor 4, não me interei disso, de saber...

Então, o trabalho do meu marido era na roça mesmo e o meu a partir de 1983 foi na escola, eu já comecei a atuar como professora, leiga sem formação. Eu já tinha trabalhado lá no Rio Grande, e daí comecei a trabalhar ali, no Setor 5, eu fui a primeira professora no Setor 5. Meu marido trabalhava na lavoura, ele plantava pouco e também trabalhava de peão mesmo, nas lavouras dos outros, na hora do plantio e colheita.

Nos domingos além do terço, que a gente se reunia numa sombra, na casa de uma vizinha para rezar o terço, na parte religiosa, os homens, eles improvisaram uma cancha de bocha e nós mulheres sentávamos na sombra e íamos tomar chimarrão cuidando as crianças brincar, e pronto a diversão era isso. Demorou um pouquinho, mas depois começou até por causa das aulas mesmo, começou a se organizar as igrejinhas, construíram umas igrejinhas de pau-a-pique, de chão. Daí começou nas comunidades a fazer as festinhas e a gente começou a participar.

Apesar de sempre ouvirmos queixas, um reclama de uma coisa, outro de outra coisa, a vida do ser humano é sempre assim reclamando e nunca está contente com nada. Mas às vezes eu sento e converso com a minha ex-cunhada e nós conversamos com alguma conhecida da época, falamos assim “meu Deus nós fazíamos isso e aquilo, fazia aquele outro e era tão bom, as crianças brincando... Nossa a gente era feliz e não sabia!”. Então era uma vida boa, tranqüila, bem tranqüila mesmo.

Não me arrependo de nada, se precisasse reiniciar tenho certeza que eu começaria tudo de novo. Só que eu queria ter assim, uma mente mais aberta que eu tenho hoje, para poder segurar as pontas, porque na verdade, meu marido depois vendeu a terra, e a gente não progrediu como alguns. Apesar de que a maioria foi assim, a maioria foi embora, a maioria vendeu a terra botou fora, os poucos que ficaram progrediram e hoje estão bem, estão super bem. Nós demos bobeira, vendemos fomos embora pro Rio Grande, ficamos um ano e meio lá, e voltamos de novo e ficamos por aqui.

Referências

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