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3.1 Os Atores Sociais no Espaço Cotidiano

3.1.4 Loreci de Fátima de Oliveira

Meu nome é Loreci de Fátima de Oliveira. Eu cheguei em novembro de 1981 em Lucas do Rio Verde, eu tinha 26 anos, completei 26 naquele ano. Vim de Ronda Alta, Rio Grande do Sul [Encruzilhada Natalino].

Eu vim com o pessoal dos assentados, na terceira viagem que eles fizeram eu cheguei até Lucas. Nós viemos de ônibus. Em cada viagem de vinda das famílias eram três ônibus lotados. Vieram em etapas, 1° etapa, 2° etapa, 3° etapa e em cada etapa, três ônibus lotados.

Não sei dizer quantas pessoas vinham em cada um dos ônibus, porque cada família, uns tinham mais filhos outros menos, mas eles vinham lotados.

Na época, eu vim para Lucas para adquirir terra, no Rio grande do Sul a gente não tinha terra e nós viemos para isso. Na verdade, nós já viemos com a terra garantida, quando nós saímos já sabíamos que tinha terra garantida, eram 200 hectares para cada família.

Na época ganhávamos só mesmo a terra, mais tarde, quando eles começaram a fazer o loteamento da vila daí eles estavam dando para quem quisesse pegar lotes na vila. No começo era dado, depois começaram a vender. No início a doação era feita pelo INCRA, e depois eu não tenho certeza, mas, até quando começou o primeiro prefeito muitos lotes urbanos da cidade foram doados. Depois disso começou as vendas mesmo.

Eu vim com a minha família, meu marido e três filhos na época. No começo eu morei, não sei se eles ainda chamam por esse mesmo nome, no Setor 5 que fica perto do Campinho Verde. Mas no primeiro momento que nós chegamos aqui ficamos acampados entre a BR-163 e o Rio Verde, do lado da BR-163 e perto do Rio Verde. Eram aqueles acampamentos mesmo, do exército, quando nós chegamos estava tudo prontinho as barracas, umas barraquinhas verdinhas.

Nós ficamos na faixa de uns dois meses e meio por aí, até construírem as nossas então casas, lá no sítio. Só que as casas eram de madeira, pequenas. Os agricultores, os próprios assentados mesmo que construíram, meu marido também. Eles se reuniam em mutirão, um ajudava o outro, e daí eles construíam.

Quando eu cheguei, não foi assim, muita surpresa, porque dois anos antes eu tinha vindo para cá, morar em Terra Nova, que fica há uns trezentos e poucos quilômetros daqui. Então eu já havia morado lá, para mim então, nada era novidade no Mato Grosso, já sabia mais ou menos como era já havia passado por aqui.

A primeira dificuldade foi a educação mesmo, porque eu cheguei aqui com três crianças, uma com idade escolar, e perdeu o primeiro ano. Na época entrava-se na primeira série com sete anos, e ela completou sete anos em fevereiro de 1982 e daí não tinha aula, ficou sem. Foi em 1983 que começou as aulas e daí começou a estudar ela e o irmão junto, e ela com um ano perdido.

Além disso, a dificuldade era a distância que nós ficávamos para vir na vila, para fazer compras, não tinha transporte, era na base de carona, ir para a beira da BR e pedir carona, até para vir ao médico, numa consulta no posto de saúde, tudo era a base de carona, era bem difícil.

por um financiamento que saia no banco para esse fim.

Como eu já havia falado, não foi difícil me adaptar, porque eu já havia morado aqui, então não foi difícil, eu já tinha uma noção de como que era. Nós tínhamos bastante vizinhos também, a convivência era normal, quase igual como se fosse lá no Sul, nós tínhamos a comunidade para ir no domingo rezar um terço, nos reuníamos pra rezar o terço e assim foi iniciando. O nome da comunidade era Setor 5 mesmo, o nome era esse. Porque eram divididos em setores, Setor 1, 2 e 3, 5 e o meu era 5.

Nós ouvíamos o rádio, era só o rádio mesmo. A Rádio Nacional de Brasília era a nossa diversão, de ouvir música, quem pudesse escrever cartinha para lá, mandar recado, mensagem. E com os parentes era através de carta mesmo, carta que ia, carta que vinha. Aqui em Lucas já tinha o posto do Correio, quando nós chegamos já tinha o básico que era posto de saúde, supermercado, posto de correio.

O supermercado era COBAL. Roupas eram só aquelas que vieram do sul, tinha só a COBAL mesmo, com o básico para a alimentação. Não tinha loja que vendia outras coisas, eu não lembro bem, mas se não me engano nós recebemos um kit quando chegamos, de alguma coisa assim, o básico, alguma ferramenta, chaves. Era um kit com materiais para a lavoura, para o trabalho, “enchada”, umas coisas assim. Mas para a cozinha não, de cozinha nós trouxemos a mudança, o governo trouxe, transportou a mudança. Trouxeram a mudança de todo o mundo, inclusive animais também foram trazidos.

Para o atendimento de saúde tinha um postinho, e posto que havia na época nós éramos bem atendidos. Eles atendiam bem, eu não tenho do que reclamar acho que eles atendiam melhor que hoje em dia, nesses postos de saúde que temos aqui. Nós chegávamos, éramos atendidos, não tinha esse negócio de limite de ficha, o pessoal vinha do interior e precisava de atendimento, o médio estava lá atendendo, praticamente 24 horas. Se você chegasse fora de hora, numa emergência podia chamar que o médico vinha atender.

No começo as crianças não tiveram aula. Em 1983, final de 1982, mês de agosto de 1982 em diante, já começaram a se movimentar para que em 1983 iniciasse o ano com aula e foi o que aconteceu. O Klaus Huber foi o nosso diretor e a Beth, acho que a secretária na época, eles eram tipo uma extensão de Diamantino, que nos atendiam aqui, eles começaram a organizar a educação das escolas. Porque na verdade quando nós chegamos aqui as escolas já

estavam começadas, a construção delas. Cada setor tinha sua escola, só que não estavam acabadas, aí eles acabaram naquele ano e no ano seguinte que iniciou as aulas mesmo.

Eles fizeram uma escola, aqui na cidade que nós chamávamos de vila. Eles fizeram aqui a Dom Bosco e no interior tinha, não lembro se eram cinco ou seis escolas. Tinha a escola que eu trabalhava, tinha a do Setor 1, a do Setor 3, do 5, do 6 também tinha uma escola, só que eu nem cheguei a conhecer essa, porque era meio distante. Mas as outras sim, a do Setor 1 era aqui nos Gringos, o Setor 3 era onde virava para descer para o Setor 5. O Setor 4 não existia, aí tinha mais uma escola na União, talvez lá fosse o Setor 4, não me interei disso, de saber...

Então, o trabalho do meu marido era na roça mesmo e o meu a partir de 1983 foi na escola, eu já comecei a atuar como professora, leiga sem formação. Eu já tinha trabalhado lá no Rio Grande, e daí comecei a trabalhar ali, no Setor 5, eu fui a primeira professora no Setor 5. Meu marido trabalhava na lavoura, ele plantava pouco e também trabalhava de peão mesmo, nas lavouras dos outros, na hora do plantio e colheita.

Nos domingos além do terço, que a gente se reunia numa sombra, na casa de uma vizinha para rezar o terço, na parte religiosa, os homens, eles improvisaram uma cancha de bocha e nós mulheres sentávamos na sombra e íamos tomar chimarrão cuidando as crianças brincar, e pronto a diversão era isso. Demorou um pouquinho, mas depois começou até por causa das aulas mesmo, começou a se organizar as igrejinhas, construíram umas igrejinhas de pau-a-pique, de chão. Daí começou nas comunidades a fazer as festinhas e a gente começou a participar.

Apesar de sempre ouvirmos queixas, um reclama de uma coisa, outro de outra coisa, a vida do ser humano é sempre assim reclamando e nunca está contente com nada. Mas às vezes eu sento e converso com a minha ex-cunhada e nós conversamos com alguma conhecida da época, falamos assim “meu Deus nós fazíamos isso e aquilo, fazia aquele outro e era tão bom, as crianças brincando... Nossa a gente era feliz e não sabia!”. Então era uma vida boa, tranqüila, bem tranqüila mesmo.

Não me arrependo de nada, se precisasse reiniciar tenho certeza que eu começaria tudo de novo. Só que eu queria ter assim, uma mente mais aberta que eu tenho hoje, para poder segurar as pontas, porque na verdade, meu marido depois vendeu a terra, e a gente não progrediu como alguns. Apesar de que a maioria foi assim, a maioria foi embora, a maioria vendeu a terra botou fora, os poucos que ficaram progrediram e hoje estão bem, estão super bem. Nós demos bobeira, vendemos fomos embora pro Rio Grande, ficamos um ano e meio lá, e voltamos de novo e ficamos por aqui.

se viver, um custo de vida muito alto. Nós ouvimos falar que nos municípios vizinhos as coisas são bem mais baratas, mais em conta do que aqui, não sei por que aqui são tão caro as coisas, a maior dificuldade que eu acho de Lucas é isso. Para uma pessoa que ganha pouco salário e paga aluguel é bem difícil.

Mas no mais não tem coisa melhor, principalmente na educação, pelo menos os prédios garantem, os prédios são muito lindos, no geral os professores também são bons, a clientela é que é meio difícil de trabalhar, mas os professores são bons.

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