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3.1 Os Atores Sociais no Espaço Cotidiano

3.1.5 Pedro Dalastra

Meu nome é Pedro Dalastra, cheguei a Lucas do Rio Verde em 9 de Novembro de 1984, eu tinha 24 anos de idade. Eu morava em Palotina no Paraná e vim para Lucas através da influência de duas empresas na época, a COPACEL e a Sementes Palotina. Essas empresas eram cerealistas particulares, do Paraná e estabeleceram filiais no Mato Grosso e através delas muitas pessoas se influenciaram e vieram de Palotina para Lucas.

Eu vim um pouco por influência dessas empresas, mas o motivo maior foi o preço das terras, no Paraná o hectare tinha um valor mais alto, por exemplo, com o valor de um hectare lá você comprava quinze aqui, então com pouca área no Paraná você poderia fazer uma fazenda no Mato Grosso. E meu pai sempre foi apaixonado pelo Mato Grosso, poderíamos ter sido bem pioneiros em Lucas, porque meu falecido pai comprou terras em Sinop em 1973, da colonizadora com mesmo nome, meu pai sempre foi um defensor do Mato Grosso, tinha o Mato Grosso no coração.

Em 1975 dois irmãos meus vieram fazer a derrubada de mato para preparar a terra em Sinop. Meu irmão Idílio quando chegou de volta ao Paraná criticou as terras de Sinop por causa da mata, porque passou por tantas terras boas de campo, e acabou tendo que ir para uma área de mata pesada. Então já em 1975 meu irmão percebeu que seria mais viável trabalhar no cerrado pela facilidade de abertura da área, como no caso de Lucas que na época tinha cerrado.

Quando eu vim para Lucas eu era solteiro, e vim com meu irmão mais novo o Carlos, ele mora aqui até hoje também. Meu pai veio junto no início, ficou uns trinta dias aqui e depois voltou para o Paraná, ficou morando lá.

Quando chegamos o primeiro lugar que a gente morou foi na fazenda em Itambiquara, no Setor Quatro da linha sete e ficamos morando ali alguns anos. Foi feito tudo, não tinha nada, primeiro fizemos um barraco e depois um barracão com varanda onde a gente morava e na outra parte era onde guardávamos o maquinário, adubo e sementes. No começo, o costume aqui, até pela dificuldade com os gastos, era construir um barracão com uma varanda onde era a moradia, em muitas fazendas era assim, as pessoas moravam quase junto com adubos, sementes, veneno, máquinas, daquele jeito.

Tivemos que abrir o mato, o cerrado, e naquela época já existia a preocupação ambiental, tinha que fazer o projeto ambiental das terras. Só que, na época para tirar uma licença de desmate era muito mais fácil que hoje. Na época em 1985, no lugar do IBAMA havia o IBDF [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal].

Eu fui à Diamantino no escritório do IBDF, mas a terra não estava no meu nome, eu era o procurador da área, no escritório do IBDF uma mulher bateu a guia de desmate de tantos metros cúbicos de lenha e, no mesmo dia, fui ao banco paguei a guia e logo depois já estava com a autorização de desmate na mão. E hoje a para conseguir esta autorização é muito difícil, leva às vezes de dois a três anos. Penso que, por causa da burocracia, existem tantas questões ambientais sem licença.

Hoje em dia que existem mais tecnologias para medir as áreas e demora mais que naquela época. Talvez fosse errado na época, porque você ia lá, mesmo sem a vistoria de um engenheiro responsável, também não seria certo, mas era mais ágil, o próprio produtor era o responsável, sabia o que derrubar. Hoje, em minha opinião, essa questão ambiental tinha que ser menos burocrática, teria que ser certo, com acompanhamento de engenheiro e projeto, mas mais ágil o resultado da liberação ou não por parte do governo.

No início, logo que cheguei, eu sentia falta de telefone, energia elétrica, tudo era difícil, desde a comida, tudo era diferente era novidade. Mas a gente tinha o sonho de ter fazenda, se tornar fazendeiro, tinha a força de vontade de estar ali, não estávamos contra nossa vontade, tínhamos um objetivo então não existia sofrimento.

As principais dificuldades que encontrei, era a comunicação, por exemplo, para ligar para o banco que era em Diamantino, porque aqui na cidade só tinha um posto telefônico, Lucas ainda não era cidade era uma vila. Então às vezes tinha que esperar meio dia para poder telefonar. A dificuldade também além da comunicação era em relação aos financiamentos, os

Na nossa vida cotidiana durante a semana nós trabalhávamos, no começo era o desmate para derrubar o cerrado, amontoar as madeiras. E nos fins de semana íamos pescar, na maioria das vezes tinha jogo de futebol, a gente ia à comunidade que pertencíamos a União, saíamos todo o domingo para conhecer os lugares, tudo era novidade. Íamos para a comunidade de Groslândia, outro domingo para Eldorado, às vezes dali um mês ou dois tinha festa em outra comunidade como em Morocó que pertencia ao município de Sorriso. E a gente tinha entusiasmo porque estávamos sempre conhecendo pessoas novas, era muito bom, querer conhecer os outros e os lugares novos era cheio de novidades.

A gente se adaptou ao clima daqui, porque antes de virmos já sabíamos que teria os períodos certos, onde seis meses eram de chuva e seis meses de seca. Então nós já viemos sabendo que iríamos encontrar esse sistema de clima e foi mais fácil se adaptar por isso. Só que na época da seca eu vi que era mesmo difícil porque no primeiro ano, ficaram uns cento e dez dias sem nada de chuva. Chegaram agosto e setembro e o clima seco era difícil até para respirar e dava doenças respiratórias por causa da baixa umidade do ar, então para mim o período de seca foi mais difícil.

Na época da chuva eu gostava mais porque começavam a brotar as árvores, as plantas, dava um entusiasmo na gente porque a chuva trazia novas vidas. Para as estradas do interior acredito que a chuva não trouxe grandes problemas, porque aqui era um projeto do INCRA e as estradas eram levantadas e cascalhadas. Era uma época que não tinha democracia, mas o Governo Militar fez um trabalho excelente nas estradas da região, quem conheceu no começo as estradas dava para andar a noventa, cem por hora porque as estradas eram boas e continuam boas.

Nós ouvíamos rádio á noite, tinha a Rádio Nacional de Brasília. Lembro que tinha um programa que passava onde os garimpeiros do Pará, por exemplo, do “Garimpo do Cabeça”, mandavam recado para os parentes que moravam a maioria no nordeste, eu ouvia bastante a Nacional de Brasília era mais potente que às outras, o radio funcionava à pilha. Mais tarde, uns dois ou três anos, a gente teve uma televisão de quatorze polegadas, preto-e-branco que funcionava a bateria, com placa solar para ter energia.

Para se comunicar com os parentes, como eu tinha falado antes, era usado o telefone, mas em Lucas era difícil, porque tinha só um telefone público, o usava o pessoal da vila e de

todas as fazendas. O dia que era mais rápido para usar este telefone era no mínimo umas duas horas de espera, mas tinha dias que você tinha que ficar quase o dia inteiro esperando para ter a vez. Quando saíamos para fora, por exemplo, para Sorriso e Diamantino aí não tinha fila, mas para ir para Diamantino tinha que viajar duzentos e poucos quilômetros pra ter acesso mais rápido ao telefone, em Lucas era difícil. Demorava também porque o comércio da vila que era Lucas utilizava o telefone, como por exemplo, o Banco Bradesco demorava uma, duas horas no telefone para passar o movimento do banco, eles usavam muito o telefone.

Para adquirir os recursos básicos na época, já existiam algumas coisas, não todas, mas tinha. Lembro que existiam dois mercados pequenos, o Pato Branco e a Loja Econômica e oficinas para peças, que era bem fraco a maioria das coisas eram compradas em Sorriso, depois de uns dois ou três anos começou a ter mais acessórios para vender. Na época existia ainda o mercado da COBAL, mas poucos anos depois já fechou, porque o mercado da COBAL era um órgão federal que veio mais para atender as necessidades do pessoal do assentamento do INCRA. Ele vendia alimentos subsidiados pelo governo, e não havia todos os itens que existe em um supermercado grande, eram mais os itens básicos de alimentação e outras coisas.

Quando eu vim, lembro que tinha um pequeno hospital de madeira, de tábua bruta, acho que sem forro. Para o atendimento existia um médico o Dr. Antônio. Era meio precário o hospital. Se precisasse de um atendimento maior tinha que ir á Sinop, Sorriso ainda era pequeno, então ia à Sinop.

Eu lembro que já havia escola em Lucas, mas na época eu ainda era solteiro, não tinha filhos, então não sei dizer bem como que era, mas lembro que já existia.

No início o nosso trabalho era mais o desmate mesmo. A gente tinha que derrubar o cerrado, “enlerar”, destocar e preparar a terra para o plantio, gradear, tínhamos que buscar calcário em Nobres, distribuir na terra, incorporar ele. A parte manual do serviço era juntar as raízes, amontoar e queimar. No outro ano já plantamos arroz, que deu bonito e colhemos bem, mesmo sem experiência. Isso nos animou porque deu para pagar as despesas e sobrou um pouco.

O nosso lazer em alguns fins de semana era ir pescar no Rio Verde, e como eu havia comentado antes ir jogar bola, eu não jogava tanto, meu irmão gostava mais de jogar. A gente pertencia à comunidade de União e tinha caminhonete onde levávamos as pessoas e conhecia as outras comunidades, sempre tinha festa ou torneio, nos domingos a gente ia conhecer Groslândia, Morocó, São Cristóvão.

as áreas e foi fechando as comunidades.

A comunidade de União era bem forte, um ano eu fui o presidente, nós fizemos uma festa com oitocentos à mil quilos de carne e hoje essa comunidade não existe mais. Os Gringos também era uma comunidade forte que fechou. Então muitas comunidades fecharam porque ficaram nas fazendas só os funcionários e a maioria das pessoas vieram morar na cidade. Penso que foi também porque as pessoas começaram a ter mais televisão com antena parabólica e acabou aquela novidade de conhecer novos lugares, o pessoal foi se acomodando e acabou fechando muitas comunidades do interior.

Nos primeiros anos que estive aqui, a vida das pessoas acho que era melhor. As pessoas eram mais humildes, eram mais prestativas havia mais tempo para conversar, eram mais humanas. Hoje são bem diferentes, as pessoas são mais preocupadas, se pensa mais no dinheiro, a vida afetiva era bem melhor havia mais ajuda entre os visinhos. Apesar de que hoje também se você precisa dos outros, por exemplo, nessas questões ambientais, quando pega fogo na “resteva” do milho, as pessoas ajudam, mas é obrigado a ajudar, pois se não depois acaba pegando fogo nas terras deles.

Eu não me arrependo de nada que fiz, faria tudo de novo. Mas com a experiência que tenho hoje poderia ter sido tudo melhor, com menos sacrifício. Hoje eu agradeço ao Mato Grosso, se eu tenho algum capital é graças ao Mato Grosso, graças à evolução do progresso daqui. Não se pode falar mal do Mato Grosso e de Lucas do Rio Verde, porque foi uma terra abençoada para os imigrantes que vieram do Sul, de São Paulo de Minas. Acho que a maioria das pessoas se deu bem. Se alguém se deu mal também é preciso reconhecer as dificuldades da parte agrícola, de preços e safra, de variedades que na época não existia essa tecnologia que tem hoje. Muitas pessoas tinham alguma coisa, mas hoje não tem nada. Porém penso que a maioria se deu bem, principalmente nessa região de Lucas, Nova Mutum e Sorriso.

Em outras regiões, mais ao norte como Terra Nova era mais difícil, eu tinha uma funcionário que me contou que a dificuldade era tremenda, por causa de doenças como malária, e o que fazia de dinheiro gastavam tudo em médico. Então penso que Lucas do Rio Verde foi uma região abençoada, não havia doenças como malária, havia sim poucos casos de leishmaniose, que eram casos isolados, mas era muito difícil ter casos de malária e outras doenças. Nesses últimos anos é que ocorreram alguns surtos de malária na cidade.

Em relação há anos atrás a vida das pessoas está bem melhor porque a cidade tem mais recursos. Existem várias clínicas, bons médicos, boas escolas particulares, faculdade, como a Unilassalle que tem um reconhecimento mundial. As escolas estaduais e municipais têm prédios bonitos, boa estrutura, a educação nelas eu não sei como é, se é tão boa, mas se for comparar com a educação que havia antes, acredito que está bem melhor.

Acredito que aqui ainda existam problemas, na área de segurança, por exemplo, na parte ambiental que muita coisa não foi preservada. Mas penso que Lucas hoje é uma cidade boa de se viver.

Sempre digo que a gente aprende a ser filho quando é pai e a ser pai quando é avô. Eu penso que faria tudo novamente, só que com a experiência que tenho agora, talvez tivesse me aventurado menos.

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