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3.1 Os Atores Sociais no Espaço Cotidiano

3.1.6 Luzia Martins Moreira

Meu nome é Luzia Marins Moreira eu cheguei aqui no dia 13 de maio de 1985 e tinha 42 anos, eu morava em São Gabriel do Oeste, Mato Grosso do Sul. Vim com minha família, meu marido e três filhos.

Viemos porque ganhamos terra do INCRA, não as primeiras terras, mas outras, que uns deputados distribuíram. Eram dez lotes de 200 hectares, eles distribuíram 200 hectares para cada pessoa que quisesse vir, nós tínhamos oficina em São Gabriel. Meu marido e mais uma turma de dez, vieram para Lucas. Quando chegaram era preciso entrar na terra, construir a casa e abrir o mato para poder plantar, não podia deixar sem fazer nada na terra, senão tinha que passar para outro.

Logo que vim para Lucas morei no mesmo lugar que moro hoje, na Rua Espumoso e íamos trabalhar para abrir a fazenda, que ficava no Setor 10. Quando eu cheguei a casa não estava pronta, só tinha a cobertura e em volta as paredes de madeira, mas mesmo inacabada a gente tinha que vir para não ficar sem ninguém aqui, porque meus meninos estavam estudando na cidade e na terra também precisávamos começar a trabalhar.

As grandes dificuldades é que nos primeiros anos não tinha água, tivemos que fazer um poço e não tinha energia, não tinha nada era só poeira. Nas ruas era tudo escuro, a criançada ia à escola com um farolete, estudavam lá em baixo, perto da igreja matriz onde tinha a escola Dom Bosco, os meninos estudavam a noite, não tinha 2° ano e professor durante o dia, e eles precisavam terminar os estudos do ensino médio. A educação havia até o

bateria, por que a outra sem energia não funcionava, e tinha que carregar a bateria da televisão toda semana por que não durava a carga, eram umas baterias quase iguais aquelas de carro e carregava toda a semana, era para os meninos assistir porque eu quase não ficava na cidade. Geladeira também era a gás, lá na fazenda, e a cada quinze dias ia um botijão.

Eu não estranhei o clima daqui, porque tinha o mesmo clima de lá do Mato Grosso do Sul, só estranhei que a gente trabalhava mais, porque eram mais difíceis as coisas, mas tínhamos saúde.

Quando chovia não tinha asfalto, era tudo estrada de terra, as ruas também de terra. Nas fazendas as estradas de terra e os vizinhos das fazendas se visitavam, o visinho mais perto dava três quilômetros e ninguém andava a pé, então quando iam se visitar era de carro. Mas eu gostava daquela época, tinha missa nas casas, tinha visita todo o dia, era divertido.

Quando eu vim morar na cidade eu estranhei tanto morar nessa prisão, os muros da casa eram altos, depois que foram baixando, e na fazenda com aquela liberdade que eu tinha, com fartura, tinha de tudo. Quando vim para a cidade não conhecia ninguém, porque eu não ficava aqui, vinha mesmo era para limpar a casa e voltava pra fazenda.

A gente ouvia as notícias pelo rádio à pilha, a estação de rádio era de Sorriso, de Diamantino, naquela época não tinha estação aqui em Lucas, eu tenho o rádio até hoje.

A comunicação com os parentes era por telefone no PS, era perto da COBAL, lá em baixo. Porque o mercado naquela época era da COBAL, um armazém, se você fosse comprar, por exemplo, um fardo de açúcar você não podia comprar dois, se fosse comprar uma caixa de óleo era uma só por família por mês, e nós como tínhamos duas casas, comprávamos, uma para a casa da cidade e, outra para a fazenda. Eles não podiam vender dois porque era ordem do governo, não se podiam comprar coisas à vontade, era só de fardo para uma casa só, uma família só.

Vinha tudo pelo governo e era tudo difícil, então eles não podiam vender à vontade e os outros ficarem sem. O armazém era de madeira tipo um mercadão, vendia por atacado, só que do governo e ali você comprava as coisas e pagava mais barato. Roubaram duas vezes lá e o governo fechou o mercado.

Lembro também que tinha dois mercados: a Econômica e o Pato Branco, e ferramentas, ração, compravam na loja agropecuária. Havia um hospitalzinho pequeno de

madeira, perto da COBAL. As pessoas eram examinadas, se ficassem doentes iam para este hospital, tinha só um médico o Dr. Antônio, uma enfermeira e uma assistente. Só que a gente nunca precisou, porque olha quantos anos se passaram para depois ser aberto o Hospital Nossa Senhora Aparecida, quantos anos demorou pra construir. Então quem precisava ia para Sorriso porque lá tinha o Hospital Nossa Senhora de Fátima, mais tarde que abriu o Regional em Sorriso.

Meus filhos trabalhavam na cidade, trabalhavam de dia e estudavam à noite. Dois filhos meus trabalhavam junto, o mais velho era gerente de uma veterinária e o outro era assistente. E o mais novo trabalhava em uma loja de autopeças ele começou com uns doze ou treze anos, bem novinho. Foi o primeiro emprego deles. Eles ficavam aqui em casa, na cidade. Eles cozinhavam, lavavam, passavam faziam tudo.

As roupas de escola eles levavam para eu lavar para ficar mais limpinho, levavam para a fazenda onde eu ficava. Eu lavava dezesseis, dezessete calças jeans, cada vez que eles iam. Não tinha luz eu passava as roupas com um ferro elétrico que eu esquentava no fogão à gás. Mas as pessoas nem ligavam, naquela época ninguém reparava em ninguém não, eram todos iguais.

Meu marido trabalhava com trator na lavoura, plantou arroz no primeiro ano, por dois anos plantou arroz depois plantou soja. Dava bem as colheitas, a terra era boa, o problema era a chuva demais. Nós tivemos que abrir a fazenda, era tudo cerrado, meu marido que fez a casa da fazenda e a casa de madeira da cidade também foi ele quem fez, foi buscar madeira em Tapurah.

Eu tinha uma casa bonita lá em São Gabriel, grande, coisa mais linda, tivemos que vender para vir para cá, quando cheguei aqui a mudança não cabia dentro da casa, metade ficou para fora. Eu levei um pouco das coisas lá para o sítio, mas acabou tudo.

O lazer era o rio, uma maravilha. Fazíamos churrasco todo o domingo na beira do rio. Nos sábados meus filhos ajudavam no serviço e no domingo iam para o rio. A gente levava comida e ficava na beira do Rio Cedro, dava 500 metros da sede da fazenda. Reuníamos-nos com alguns amigos da cidade, quando eram cinco horas, cinco e meia da tarde, eles voltavam para a cidade e a gente ficava na fazenda.

Nos finais de semana os meus meninos levavam as roupas pra eu lavar e depois traziam pão, bolo, ovos, frango para eles comerem na cidade. Se às vezes não dava tempo para eles virem no domingo, na segunda-feira cedinho meu marido trazia eles e voltava. Eles chegavam e iam direto para o emprego deles. E eles não reclamavam, tudo era festa, não tinham aquela ambição. Não tinha drogas, roubos, agora é mais difícil para criar os filhos.

boa sim. Não tem vida melhor do que você estando tranqüilo. Não faltava nada, a gente tinha de tudo, não faltava o que comer, só não tinha luxo não tinha o que comprar, dava para guardar dinheiro. Você não gastava com quase nada, tinha o que comer, que vinha da fazenda, leite, ovo, carne, tudo vinha de lá. Agora tem que comprar de tudo.

Não me arrependo de nada do que fiz, faria tudo de novo. Não iria mais para frente, mas se fosse um lugar perto da cidade, não longe, nesses fins de mundo porque hoje está mais difícil.

A vida aqui em Lucas do Rio Verde hoje é boa, tudo o que você quiser comprar tem aqui. Tem médico, educação, luz, água, telefone, você não precisa sair para fora da cidade, nesse ponto melhorou bastante. Violência, drogas isso em todo lugar têm. Eu acho que nós vivemos em um lugar bom.

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