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Metodologia aplicada às investigações de acidentes aeronáuticos no Brasil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA FABIANO BOSCO VERÍSSIMO

METODOLOGIA APLICADA ÀS INVESTIGAÇÕES DE ACIDENTES AERONÁUTICOS NO BRASIL

Palhoça 2017

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FABIANO BOSCO VERÍSSIMO

METODOLOGIA APLICADA ÀS INVESTIGAÇÕES DE ACIDENTES AERONÁUTICOS NO BRASIL

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Ciências Aeronáuticas, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para elaboração da monografia.

Orientador: Prof. Marcos Fernando Severo de Oliveira, Esp.

Palhoça 2017

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FABIANO BOSCO VERÍSSIMO

METODOLOGIA APLICADA ÀS INVESTIGAÇÕES DE ACIDENTES AERONÁUTICOS NO BRASIL

Esta monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Ciências Aeronáuticas e aprovada em sua forma final pelo Curso de Ciências Aeronáuticas, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 24 de novembro de 2017.

__________________________________________ Orientador: Prof. Marcos Fernando Severo de Oliveira, Esp.

__________________________________________ Prof. Cleo Marcus Garcia, Msc.

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“Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar.”

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RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo geral o estudo da metodologia atualmente utilizada pelos órgãos públicos para a investigação de acidentes aeronáuticos no âmbito do território brasileiro e os reflexos jurídicos destas investigações. A função do presente trabalho é a apresentação do atual cenário investigativo brasileiro no que concerne aos acidentes aeronáuticos, demonstrando as deficiências contidas no Fator Organizacional utilizado, bem como sugerindo soluções à problemática. Caracteriza-se como uma pesquisa desenvolvida com base em estudos bibliográficos a acervo digital e impresso, análise histórica comparativa com a metodologia e normas aplicadas nas investigações a acidentes, incidentes aeronáuticos e ocorrências em solo ocorridos no exterior, bem como entrevista com três profissionais especializados na aérea. A pesquisa possui caráter qualitativo, isto é, busca avaliar o grau de eficiência da metodologia utilizada nas investigações. Ao finalizar a pesquisa, conclui-se que a metodologia preventiva atualmente aplicada às investigações de acidentes aeronáuticos no Brasil demonstra baixo grau de eficiência dos órgãos públicos na busca pelas causas determinantes do acidente aeronáutico, colocando em risco a segurança do voo. O trabalho desperta o senso crítico dos integrantes da comunidade aeronáutica no que tange ao atual procedimento investigatório brasileiro, possibilitando a discussão acerca do grau de eficiência dos Fatores Organizacionais relacionados.

Palavras-chave: Acidentes Aeronáuticos. Investigação Preventiva. Segurança de Voo. Responsabilidade Criminal.

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ABSTRACT

This research had as general objective the study of the methodology currently used by public agencies for the investigation of aeronautical accidents within the Brazilian territory and the legal reflections of these investigations. The purpose of the present paper is to present the current Brazilian research scenario regarding aeronautical accidents, demonstrating the shortcomings contained in the Organizational Factor used, as well as suggesting solutions to the problem. It is characterized as a research developed based on bibliographical studies the digital and print collection, historical analysis comparative with the methodology and applied standards in the investigations to accidents, aeronautical incidents and occurrences in ground occurred abroad, as well as interview with three professionals specialized in the aerial The research has a qualitative character, that is, it seeks to evaluate the degree of efficiency of the methodology used in the investigations. At the end of the research, it is concluded that the preventive methodology currently applied to aeronautical accident investigations in Brazil demonstrates a low level of efficiency of the public agencies in the search for the determining causes of the aeronautical accident, putting at risk the safety of the flight. The work awakens the critical sense of the members of the aeronautical community regarding the current Brazilian investigative procedure, allowing the discussion about the degree of efficiency of the related Organizational Factors.

Keywords: Aeronautical Accidents. Preventive Research. Flight safety. Criminal Responsibility.

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LISTA DE SIGLAS

CBA Código Brasileiro de Aeronáutica

CENIPA Centro de Investigação e Prevenção de Acidente Aeronáutico CINA Comissão Internacional de Navegação Aérea

SIGIPAER Sistema de Gerenciamento Integrado da Prevenção de Acidente Aeronáutico

SIPAER Serviço de Investigação de Acidente Aeronáutico OACI Organização da Aviação Civil Internacional

HFACS Sistema de Análise e Classificação de Fatores Humanos

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...11

2 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DA AVIAÇÃO CIVIL BRASILEIRA...14

2.1 REGULAMENTAÇÕES NORMATIVAS ACERCA DOS ACIDENTES AERONÁUTICOS NO BRASIL...16

2.1.1 SIPAER...17

2.1.2 Princípios Jurídicos da Investigação Aeronáutica (de acordo com a investigação do SIPAER)...19

2.1.2.1 Princípio da Preservação da Vida Humana...19

2.1.2.2 Princípio da Neutralidade Jurisdicional e Administrativa Disciplinar...19

2.1.2.3 Princípio da independencia da investigação aeronáutica...20

2.1.2.4 Princípio da Proteção ao sigilo da fonte...21

2.1.3 CENIPA...22

2.1.4 Código Brasileiro de Aeronáutica e suas Alterações...22

3 FATORES CONTRIBUINTES...27

3.1 FATORES CONTRIBUINTES – FATORES HUMANOS, TÉCNICOS E OPERACIONAIS ...27

3.2 ATOR-REDE, CYBORG, ACIDENTE NORMAL E O REDUCIONISMO DA CAUSA ...28

4 AS INCOMPATIBILIDADES DA INVESTIGAÇÃO AERONÁUTICA COM O PROCESSO JUDICIAL E A LEI Nº 12.970/14...31

5 INVESTIGAÇÃO A ACIDENTES AERONÁUTICOS NO BRASIL...38

6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...42

6.1DA METODOLOGIA...42

6.2 DA EFICIÊNCIA DA METODOLOGIA PREVENTIVA ...44

6.3 DAS RESTRIÇÕES ÀS INVESTIGAÇÕES TENDENTES À RESPONSABILIZAÇÃO JURÍDICA DOS ENVOLVIDOS...46

7 CONCLUSÃO...49

REFERENCIAS...51

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo o estudo da metodologia atualmente utilizada pelos órgãos públicos para a investigação de acidentes aeronáuticos no âmbito do território brasileiro.

No Brasil as investigações de acidentes e incidentes ocorridos no ambiente aeronáutico ficam a cargo do Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER) e as conclusões destas investigações são elaboradas por meio de um relatório formulado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), órgão subordinado ao Comando da Aeronáutica e ao Ministério da Defesa, tendo como único objetivo a prevenção de acidentes e incidentes aeronáuticos. (ICAO, 2009).

Conforme estabelece o artigo 86-A da Lei 7.565 (BRASIL, 1986), elaborado com fundamento nos princípios dispostos no Anexo 13 da Convenção de Aviação Civil Internacional de Chicago, as investigações de acidentes e incidentes aeronáuticos têm por objetivo exclusivo a prevenção de outros acidentes e incidentes, vale a transcrição:

Art. 86-A - A investigação de acidentes e incidentes aeronáuticos tem por objetivo único a prevenção de outros acidentes e incidentes por meio da identificação dos fatores que tenham contribuído, direta ou indiretamente, para a ocorrência e da emissão de recomendações de segurança operacional.

De acordo com Marcelo Honorato em seu artigo denominado “Os Princípios jurídicos do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos– SIPAER” (2012), os princípios fundamentais que regem o SIPAER promovem a separação de suas atividades das atividades de investigação jurídica, conferindo-lhe isenção na apuração da responsabilidade jurídica, de maneira que a conclusão apontada pelo CENIPA em seu relatório não poderá ser invocada para determinar responsabilização de eventuais culpados, mas apenas servirá para prevenção de novas ocorrências. Vejamos:

O SIPAER, por sua vez, é um sistema que possui duas atribuições administrativas em seu bojo: as atividades de prevenção e as de

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investigação de acidentes aeronáuticos. Embora se constate uma dupla competência administrativa, importante frisar que a atividade de investigação de acidentes, realizada pela Autoridade Aeronáutica, detém uma única e exclusiva finalidade: a prevenção de novos acidentes. (HONORATO, 2012, p. 13).

Conforme bem elucidado pelos coautores Marcia Fajer, Ildeberto Muniz de AlmeidaI e Frida Marina Fischer no artigo publicado na Revista Saúde Pública, “Fatores contribuintes aos acidentes aeronáuticos” (2010, p. 433):

A análise dos acidentes aeronáuticos no Brasil é realizada por um órgão militar, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), que se baseia em legislação internacional da Organização da Aviação Civil Internacional. Essas análises abordam fatores agrupados (materiais, operacionais e humanos) que resultam em visão multicausal dos acidentes. Todavia, esses estudos restringem-se ao sistema homem–máquina e não são investigadas falhas decorrentes de questões organizacionais.

Ademais, os Fatores Operacionais aplicados pelo CENIPA na condução da investigação de um acidente aeronáutico, incidente aeronáutico ou ocorrência em solo, correspondem às linhas de investigação estrategicamente determinadas pelo órgão público na busca pelos fatores que contribuíram para a ocorrência do acidente, objetivando a prevenção de novas ocorrências.

Acerca dos Fatores Operacionais aplicados às investigações conduzidas pelo CENIPA, conforme explicado pelo colunista Anderson Gabino, em artigo publicado na revista eletrônica “Operacional – Defesa e Segurança”:

A investigação do CENIPA é baseada no trinômio “Homem, Meio e Máquina”, o qual se refere aos fatores Humanos, Operacionais e Materiais, respectivamente. O Fator Humano compreende uma análise dos aspectos médico e psicológico, considerando as características fisiológicas, ergonômicas, psicológicas, organizacionais e sociais relativas aos recursos humanos envolvidos no acidente. A investigação do Fator Operacional alcança todas as circunstâncias da operação, manutenção da aeronave e infraestrutura aeronáutica, incluindo o controle do espaço aéreo. A investigação do Fator Material analisa fabricação da aeronave, manuseio de material, projeto e certificação, por exemplo. (GABINO, 2014).

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O trabalho aborda o conflito normativo existente entre as normas do Direito brasileiro e a normativa comparada invocada pelos órgãos de investigação aos acidentes aeronáuticos no Brasil, analisando a evolução histórica das teorias aplicáveis, objetivando, deste modo, despertar o senso crítico dos integrantes da comunidade aeronáutica no que tange ao atual procedimento investigatório brasileiro, a fim de que, no futuro, o Fator Organizacional no Brasil se torne verdadeiramente eficaz.

Pretende-se apontar, através de estudo a obras bibliográficas, análise histórica comparativa com a metodologia e normas aplicadas nas investigações a acidentes e incidentes aeronáuticos ocorridos no exterior, bem como entrevista com três profissionais especializados na área, críticas a essa metodologia preventiva aplicada às investigações de acidentes aeronáuticos, demonstrando o grau de eficiência dos órgãos públicos na busca pelas causas determinantes do acidente aeronáutico, em especial análise dos reflexos causados a toda a comunidade aeronáutica, bem como aos familiares de vítimas de acidentes aéreos no que tange ao atual procedimento investigativo de acidentes adotado pelo Brasil.

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2 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DA AVIAÇÃO CIVIL BRASILEIRA

A aviação civil no Brasil começou a ser regulamentada em meados de 1920, com a criação da Inspetoria Federal de Viação Marítima e Fluvial, a qual continha atribuições tanto referentes à navegação como à indústria aeronáuticas. Já em 22 de abril de 1932, a aviação civil no Brasil, até então emergente, ganhou novo órgão de regulamentação com a criação do Departamento de Aviação Civil, órgão subordinado ao então Ministério de Viação e Obras Públicas, no governo do Presidente Getúlio Vargas. (MALAGUTTI, 2011).

Uma década depois, em 20 de janeiro de 1941, foi criado o Ministério da Aeronáutica, equipado com todo o acervo material e humano das extintas Aviação Naval e Aviação Militar, bem como do Departamento de Aviação Civil. (MALAGUTTI, 2011).

As primeiras concessões para exploração de linhas aéreas no Brasil foram autorizadas, em caráter precário, às empresas estrangeiras Condor Syndikat, em 26 de janeiro de 1927 e para a empresa Aéropostale em 7 de março de 1927. A empresa nacional VARIG obteve autorização governamental para operar em 10 de junho de 1927 e a companhia aérea denominada SINDICATO CONDOR passou a operar em 15 de julho de 1928. (MALAGUTTI, 2011).

Com a introdução de aeronaves mais modernas ao mercado aeronáutico, as pequenas cidades do País perderam espaço, haja vista a precariedade dos aeroportos da época, restando, assim, reduzido consideravelmente o número das cidades servidas por linhas aéreas no Brasil de 1980. (LIASCH FILHO e FRANÇA, 2002).

Nesse passo, diante do problema da infraestrutura dos aeroportos para receber aviões de grande porte, o Ministério da Aeronáutica decidiu criar, em 11 de novembro de 1975, uma nova modalidade de empresa aérea, a empresa regional, com o objetivo de atender as cidades interioranas. Formada por um grupo de cinco empresas regionais, sendo elas: NORDESTE (Estados do NE, parte do MA, ES e grande parte de MG), RIO-SUL (Estados do Sul e RJ, parte do ES, faixa litorânea de São Paulo), TABA (Estados da Amazônia e partes oeste do PA e norte do MT), TAM (MS, partes do MT e SP) e VOTEC

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(Estados de Tocantins e Goiás, DF, partes do PA, MG e MT), as quais atuavam sob um regime de fiscalização estatal e as tarifas cobradas possuíam valor único e fixado pelo Estado. (MALAGUTTI, 2011).

Em 1989, porém, definiu-se a política de flexibilização de tarifária, onde se abandonou o regime de fixação dos preços das passagens aéreas, substituindo-os pelo estabelecimento de uma tabela de variação dos preços em torno de um valor fixado pelo Ministério da Aeronáutica, mudanças estas que resultaram no início da 3ª fase da evolução da política da aviação civil no Brasil. (LIASCH FILHO e FRANÇA, 2002).

Ademais, devemos lembrar que o surgimento e evolução da regulamentação na aviação civil ocorreu basicamente por meio da Aviação Experimental, a qual se massificou no Brasil apenas a partir da década de 1990. (ANAC, 2016).

A construção amadora de aeronaves é uma vertente da aviação experimental, autorizada e regulada pela legislação brasileira, a qual permite a montagem final profissionalizada de conjuntos (kits) amadores ou montagem de projetos próprios que não necessitam de certificação/homologação junto aos órgãos certificadores, constituindo, assim, aeronaves caracterizadas por não serem submetidas a uma longa campanha de testes exaustivos (como ocorre na certificação de aeronaves comerciais, por exemplo), devendo apenas cumprir alguns requisitos como a proibição de sobrevoar sobre áreas densamente povoadas (com a finalidade de expor poucas pessoas ao risco e somente àquelas inerentes ao projeto) e a vedação de transportar pessoas e bens com fins lucrativos. (ANAC, 2016)

No conceito de aeronaves experimentais, foram implantadas categorias de aeronaves, sendo elas a categoria das aeronaves leves esportivas – ALE - e a categoria das aeronaves ultraleves.

Com a evolução da tecnologia, porém, as aeronaves construídas por amadores foram avançando em complexidade sem que houvesse ajustes na regulamentação, isto é, a tecnologia avançou, todavia, o Direito não a acompanhou.

No que tange à ocorrência de acidentes aeronáuticos, somente aeronaves certificadas se sujeitam à investigação realizada pelo CENIPA (Centro de Investigação a Acidentes Aeronáuticos) e é a essa metodologia

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investigativa e aos efeitos de suas conclusões que abordaremos neste trabalho.

2.1 REGULAMENTAÇÕES NORMATIVAS ACERCA DOS ACIDENTES AERONÁUTICOS NO BRASIL

A aviação internacional foi inicialmente regulamentada em 1919 pela Convenção de Paris, a partir da qual se instituiu a Comissão Internacional de Navegação Aérea (CINA).

Em 1929 surgia a Convenção de Varsóvia, sendo o primeiro documento a regulamentar as responsabilidades das empresas transportadoras quanto aos danos pessoais, mortes, perdas e danificações de bagagens e cargas. (BRASIL, 2006).

Posteriormente entre novembro a dezembro de 1944, em Chicago, ocorria o encontro de 54 países para a Convenção Internacional de Aviação Civil, buscando discutir e delinear as bases normativas do transporte aéreo internacional para a padronização técnica e operacional das normas inerentes à aviação civil.

A Convenção de Chicago, promulgada no Brasil pelo Decreto 21.713 de 27/08/1946, atualmente o documento utilizado como referencial, isto é, parâmetro para a legislação brasileira, foi o diploma internacional que instituiu a ICAO (International Civil Aviation Organization) (ou OACI - Organização da Aviação Civil Internacional).

A estrutura organizacional interna da OACI é composta por um Secretariado e três órgãos principais: a Assembleia, o Conselho e a Comissão de Navegação Aérea.

A Assembleia é constituída por todos os Estados-membros, sendo o órgão soberano da OACI, convocada ordinariamente a cada três anos, cabendo-lhe o desempenho das principais funções da Organização: estipular as diretrizes a serem seguidas no triênio seguinte, aprovar o orçamento e revisar os trabalhos técnicos, legais, econômicos e administrativos da Organização, bem como aprovar as emendas aos Anexos da Convenção de Chicago. (ANAC, 2016).

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No Brasil, desde a Constituição de 1937, assim como na de 1946, e por fim a de 1988, a competência legislativa sobre o direito aeronáutico é privativa da União.

Quanto à legislação infraconstitucional, há um conjunto de atos normativos que regulam o Direito Espacial, entre eles o Decreto-Lei nº 2.961, de 20 de janeiro de 1941, que criou o Ministério da Aeronáutica; o Decreto-Lei nº 3.302, de 22 de maio de 1941, que criou a Força Aérea Brasileira (FAB); a Lei nº 11.182, de 2005, que criou a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC); a Lei nº 9.614 de 1998, que versa sobre o “Tiro de Destruição”, além de outras normas de menor hierarquia. (MESQUITA, 2017).

A primeira codificação da legislação relativa à atividade aérea no Brasil, chamada de Código Brasileiro do Ar, foi estabelecido pelo Decreto-Lei nº 483, de 08 de junho de 1938. Posteriormente, o Decreto-Lei nº 32, de 18 de novembro de 1966, substituiu o primeiro Código e permaneceu em vigor até 1986, quando foi então substituído pelo atual Código Brasileiro de Aeronáutica, o qual foi criado pela Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, englobando em seu texto os temas contidos no Tratado de Montreal.

A mais recente e relevante alteração substancial realizada no Código Brasileiro de Aeronáutica ocorreu através da Lei 12.970 de 08 de maio de 2014, para, além de outras providências, dispor sobre as investigações do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos - SIPAER e o acesso aos destroços de aeronave. Dentre outros aspectos, que serão demonstrados ao longo deste trabalho, a referida Lei conferiu prioridade ao SIPAER no acesso aos destroços das aeronaves envolvidas em acidentes ou incidentes aéreos ou em solo, atribuindo ainda a custódia dos destroços, bem como o poder de decisão acerca da decretação do sigilo das investigações e das conclusões auferidas.

2.2 SIPAER

Para estudarmos o SIPAER (Serviço de Investigação de Acidente Aeronáutico) é indispensável uma breve história dos episódios que antecederam sua criação.

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Até meados de abril de 1948 vigorava o inquérito Técnico Sumário para a investigação dos acidentes aeronáuticos o qual era elaborado sob a supervisão do recém criado Ministério da Aeronáutica até que em 5 de abril de 1948 foi criado o Serviço de Investigação, pelo decreto n° 24.749, sendo padronizado um procedimento para a investigação dos acidentes aeronáuticos. Em 1951, com o novo regulamento da então Inspetoria Geral da Aeronáutica, surge a sigla SIPAER, identificando o Serviço de Investigação e Prevenção de e criado, então, o primeiro Programa de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos para a aviação brasileira. (TAVARES, 2015).

Em 11 de outubro de 1965, por meio do decreto n° 57.055, a estrutura do SIPAER é alterada e a sigla passa a indicar a atividade de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, agora com novo regulamento. Assim, a antiga filosofia investigativa é gradualmente substituída em função de novos conhecimentos adquiridos principalmente por influencia de outros países e o Inquérito Técnico Sumário é finalmente substituído pelo Relatório de Investigação de Acidentes Aeronáuticos onde a investigação passa a ser pautada pelos fatores humano, operacional e material. Nasce, também, o Relatório Final, em substituição do Relatório Sumário. (TAVARES, 2015).

O Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos no Brasil – SIPAER - foi criado com o objetivo de investigar e prevenir a ocorrência de acidentes aeronáuticos, tendo como missão declarada a investigação dos acidentes aeronáuticos com a função exclusiva de se prevenir novas ocorrências. Vejamos o que enuncia do Código de Ética do SIPAER:

Todo procedimento judicial ou administrativo para determinar a culpa ou responsabilidade deve ser conduzido de forma independente das investigações do SIPAER. Esta natureza sui generis de investigação, que é conduzida pelo SIPAER, é consequência da aplicação e observância do estabelecido no Anexo 13 à Convenção de Chicago sobre Aviação Civil Internacional, recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro e nas normas de sistema do Comando da Aeronáutica, bem como na Legislação que as precede e autoriza. (BRASIL. Código de Ética do SIPAER, Portaria EMAER 60. 2008.).

O SIPAER, como órgão incumbido de distribuir funções aos demais órgãos, é regulamentado pelo Decreto 87.249 (BRASIL, 1982) e, no que tange

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à investigação de acidentes, possui princípios próprios originários de tratados, leis e legislação complementar, formando um verdadeiro microssistema jurídico principiológico. (HONORATO, 2012, p. 23).

2.2.1 Princípios Jurídicos da Investigação Aeronáutica (de acordo com a investigação do SIPAER)

Conforme demonstrado, o SIPAER é o órgão brasileiro que aplica a metodologia determinada pela OACI no bojo da Convenção de Chicago e seus anexos.

Passaremos ao estudo de cada um dos princípios que fundamentam a metodologia aplicada às investigações de acidente aeronáutico no Brasil.

2.2.2 Princípio da Preservação da Vida Humana

Considerado o mais importante dos princípios que fundamentam a investigação através do SIPAER, postula pela preservação da vida humana por meio da promoção à prevenção de acidentes aeronáuticos. (HONORATO, 2012, p. 451).

Sua relevância é tanta que além de princípio implícito é também norma expressa prevista pelo Código Brasileiro de Aeronáutica na inovação legislativa trazida pela Lei 12.970/2014:

Art. 88-C. A investigação Sipaer [...] em razão de objetivar a preservação de vidas humanas, por intermédio da segurança do transporte aéreo, terá precedência sobre os procedimentos concomitantes ou não das demais investigações no tocante ao acesso e à guarda de itens de interesse da investigação.

É com base neste princípio, de “prevenção da vida” que, conforme transcrição da legislação, a lei conferiu ao órgão militar investigativo (CENIPA) absoluta precedência para conduzir as investigações.

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No processo investigativo judicial o objetivo do Estado, atraves de seu órgão jurisdicionado, é a punição dos agentes responsáveis pelos fatos tipicos. Já para o procedimento administrativo investigativo desempenhado com fundamento na filosofia do SIPAER, o caráter das investigações é essencialmente especulativo, isto é, o procedimento é instalado no intuito úncio de promover segurança às atividades aéreas. (HONORATO, 2012, p. 454).

Definir as investigações aeronáuticas como especulativas significa dizer que as suas conclusões possuem neutralidade jurisdicional, ou seja, veda a utilização das conclusões para fundamentar procedimentos judiciais para responsabilização cível, penal ou administrativa.

Referido principio guarda correspondência com o preceito normativo do artigo 86-A da Lei 12.970/2014:

Art. 86-A. A investigação de acidentes e incidentes aeronáuticos tem por objetivo único a prevenção de outros acidentes e incidentes por meio da identificação dos fatores que tenham contribuído, direta ou indiretamente, para a ocorrência e da emissão de recomendações de segurança operacional.

Destarte, a partir desta premissa, resguardada implicita e explicitamente pela legislação, o procedimento investigativo aeronáutico busca a neutralidade na individualização das causas, sem que gere reflexos juridicos ou disciplinares, não havendo que se falar em litígio entre órgão investigador e sujeito investigado, afastando-se, assim, qualquer responsabilidade dos envolvidos.

2.2.4 Princípio da Independencia da investigação aeronáutica

A neutralidade jurisdicional e a independência nas investigações conduzidas pelo SIPAER dizem respeito a não interferência do órgão no procedimento investigativo de outros órgãos ou sujeitos. Essa não-interferência engloba tanto não obstruir as outras investigações como não as complementar. Neste sentido o artigo 88-C da Lei 12.970/2014:

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Art. 88-B. A investigação Sipaer de um determinado acidente, incidente aeronáutico ou ocorrência de solo deverá desenvolver-se de forma independente de quaisquer outras investigações sobre o mesmo evento, sendo vedada a participação nestas de qualquer pessoa que esteja participando ou tenha participado da primeira. [grifo nosso].

Art. 88-C. A investigação Sipaer não impedirá a instauração nem suprirá a necessidade de outras investigações, incluive para fins de prevenção [...].

Estas previsões legislativas derivaram do item 3.1 do Anexo 13 da Convenção de Chicago, segundo o qual: “O único objetivo da investigação de acidentes ou incidentes será a prevenção de futuros acidentes ou incidentes. Não é propósito desta atividade imputar culpa ou responsabilidade”. (ICAO, 2016, tradução nossa).

Restando claro, deste modo, o grau de independência entre a investigação SIPAER e a investigação jurisdicional, separação esta que resultou na formação de um novo microssistema jurídico de normas voltadas à segurança de voo e as investigações dos acidentes que pouca semelhança guarda com a investigação judicial.

2.2.5 Princípio da Proteção e Sigilo da Fonte, Princípio da Confiança e Princípio da Participação Voluntária.

Estes princípios consagram de um modo geral, a manutenção do sigilo das informações obtidas nas investigações.

O objetivo do princípio da participação voluntária é a busca pela extração do maior número de informações, de forma voluntária por parte dos agentes, e em contraprestação a legislação veda a utilização dessas informações para outros fins que não a prevenção. No texto pátrio este príncipio está normatizado nos parágrafos segundo e terceiro do artigo 88-I da Lei 12.970/2014:

Art. 88-I. [...] [...]

§ 2º A fonte de informação de que trata o inciso III e as análises e conclusões da investigação SIPAER não serão utilizadas para fins de probatórios nos processos judiciais e procedimentos administrativos,

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e somente serão fornecidas mediante requisição judicial, observado o artigo 88-K desta Lei.

§ 3º Toda informação prestada em proveito de investigaçõa SIPAER e de outras atividades afetas ao Sipaer será espontânea e baseada na garantia legal de seu exclusivo uso para fins de prevenção.

Assim, uma das razões de ser do sigilo aplicado às informações obtidas nas investigações SIPAER, que por muitas vezes gera diversos prejuízos aos demais procedimentos investigatívos cabíveis, é, essencialmente, assegurar a confiabilidade dos operadores da aviação (Príncipio da Confiança). (HONORATO, 2016).

2.3 CENIPA

Em 1971, através do Decreto nº 69.565, de 19 de novembro, foi criado o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) como órgão central do SIPAER cujas finalidades primordiais são planejar, gerenciar, controlar e executar as atividades relacionadas com a prevenção e investigação de acidentes aeronáuticos.

O crescimento da atividade aérea no país provocou a necessidade de dinamizar as atividades de segurança de voo e o CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes), organização militar do Comando da Aeronáutica, foi criado para aplicar a filosofia preventiva do SIPAER nas investigações de acidentes aeronáuticos no Brasil.

As atribuições do CENIPA estão previstas no Decreto nº 69.565 de 19 de novembro de 1971. O artigo 3º determina as competências do CENIPA, vejamos:

Art. 3º - Ao CENIPA compete: [...]

7 - a elaboração, a organização, a consolidação, a atualização e a distribuição do manual do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. (BRASIL, 1971).

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A partir de então as investigações envolvendo acidentes aeronáuticos passaram a buscar um único e exclusivo objetivo: a prevenção de novos acidentes, em concordância com as normas internacionais.

2.4 CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTCIA E SUAS ALTERAÇÕES

No Brasil, a regulamentação das relações ocorridas no âmbito do Direito Aeronáutico é composta pelos Tratados, as Convenções e os Atos Internacionais de que o Brasil seja parte, pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, bem como pela legislação complementar. Tais normas tratam das relações jurídicas vinculadas com a navegação aérea, o transporte aéreo doméstico e internacional, a segurança e a aviação civil em geral.

A Constituição Federal (1988) determina em seu artigo 21, inciso XII, letra “c”, que compete à União legislar sobre navegação aérea no Brasil, vejamos:

Art. 21. Compete à União: [...]

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

[...]

c) a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária;

A Lei Federal nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica, e sua estrutura é dividida nos seguintes títulos: Título I – Introdução; Título II - Do Espaço Aéreo e Seu Uso Para Fins Aeronáuticos; Título III - Da Infra-Estrutura Aeronáutica; Título IV - Das aeronaves; Título V - Da Tripulação; Título VI - Dos Serviços Aéreos; Título VII - Do Contrato de Transporte Aéreo; Título VIII - Da Responsabilidade Civil e Título IX - Das Infrações e Providências Administrativas.

Atualmente tramita no Senado Federal o projeto de reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica (BRASIL, 1986). Segundo os especialistas que atuam na reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica, o objetivo é

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atualizar e enquadrar juridicamente a aviação brasileira com as novas demandas, bem como com o restante do ordenamento pátrio, de forma a ampliar os direitos dos usuários e de seus operadores.

Dentre as alterações propostas pela reforma podemos citar o fim de restrições à participação de capital estrangeiro em companhias aéreas brasileiras de transporte de carga e de passageiros, isso, pois, atualmente, com o objetivo de manter a soberania nacional, o capital estrangeiro é limitado em 1/5 nas empresas de aviação brasileiras. Podemos citar também a previsão de desburocratização das atividades aeroportuárias e um novo modelo de tarifas aeroportuárias. Ademais, propõe-se uma maior eficiência nos processos de licenciamento e certificação de aeronaves, a regulamentação do uso de

drones, maior apoio a familiares de vítimas de acidentes aéreos, a vedação da

prática de balonismo com a utilização de balões sem dirigibilidade, punição rigorosa aos passageiros que não respeitem regras de conduta nos aviões, o fim da indenização por cancelamento ou atraso de voos quando provocados por motivos de força maior (como condições climáticas, por exemplo), fixação de limites de indenização por extravio de bagagens, equiparação de benefícios aos serviços de táxi aéreo com aqueles benefícios que já são concedido às linhas aéreas, bem como a construção, utilização e exploração de aeródromos (público e privado). (DINO, 2017).

A princípio, ao analisarmos superficialmente as novas medidas propostas pela Comissão de Reforma, as alterações podem parecer vantajosas. Porém, em uma análise mais profunda, não podemos ignorar o fato de que o Brasil enfrenta diversos obstáculos relacionados à infraestrutura aeroportuária, em especial em aeródromos de uso doméstico (não explorado por aeronaves internacionais), bem como em relação à segurança aérea, temas extremamente relevantes quando o assunto é acidente aeronáutico, incidente ou ocorrência de solo, todavia, pouco mencionado pelo projeto de reforma.

Um dos pontos da reforma, no que diz respeito à exclusão do ressarcimento aos usuários pelo cancelamento ou atraso de voo em decorrência das condições climáticas, beneficia essencialmente as companhias aéreas em detrimento dos usuários, em clara ofensa às demais regras contidas

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no ordenamento brasileiro como as regras contidas no Código de Defesa do Consumidor. Vale destacar que a reforma ao CBA também retoma a discussão acerca da não aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre os usuários e as empresas exploradoras do serviço de transporte aéreo, questionando a existência da relação de consumo e limitando as responsabilidades das empresas diante de eventuais danos sofridos pelos usuários.

Noutro giro, uma das propostas da Reforma, que restou posteriormente vetada pelo presidente da República, dizia respeito ao uso de recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) para financiar equipamentos para aeroclubes e a formação de pilotos e outros profissionais de aviação. No entanto, esse dispositivo para concessão de incentivo público restou vetado, segundo a Presidência da República, por não ter pertinência com o tema original da Medida Provisória.

Analisando o cenário legislativo aeronáutico, em especial a completude ou não do Código Brasileiro de Aeronáutica e as leis que o alteraram, é imprescindível apontar as seguintes considerações: em que pese à demasiada preocupação com a (i) responsabilidade civil no ambiente aeronáutico, nem o atual Código Brasileiro de Aeronáutica e nem o anteprojeto de Reforma tratam da responsabilidade criminal dos aeronautas e exploradores da atividade aeronáutica diante de um acidente, incidente ou mesmo ocorrência de solo com vítimas. Atualmente, como vimos no bojo do presente trabalho, as investigações de acidentes aeronáuticos são realizadas pelo CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) e seu único objetivo é a prevenção de novos acidentes, de maneira que as conclusões contidas em seus relatórios não podem ser utilizadas em eventual responsabilização criminal dos envolvidos (ICAO, 2010, p. 3-1, tradução nossa), configurando, assim, tema que necessita de regulamentação especifica e efetiva.

Ademais, a atual legislação também é vaga quanto à regulamentação da aviação civil regional, conferindo pouca importância às atividades desenvolvidas por aeronaves experimentais, bem como ignorando a alarmante e real situação das empresas clandestinas de táxi aéreo atuantes do

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Brasil. Embora esses temas não tenham sido abordados de forma eficiente pela legislação brasileira, tampouco no projeto tendente a modificar o Código Brasileiro de Aeronáutica, os acidentes envolvendo aeronaves experimentais no Brasil dispararam nos últimos anos, resultado da ausência de regulamentação.

Por mês, pelo menos uma aeronave experimental, categoria que não possui certificação oficial para voar e tampouco se sujeita às investigações do CENIPA, sofre acidente no Brasil. Dados do próprio Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) apontam que houve 135 acidentes entre 2005 e 2014 na categoria. Destes, 56 foram fatais e resultaram em 82 mortes. (TOLEDO, 2017).

Vê-se que o projeto de reforma do Código Brasileiro de Aeronáutica, diante da oportunidade de regulamentar uma realidade trágica no país, parece ter se preocupado mais com questões econômicas e de interesse empresarial em detrimento das reais mazelas enfrentadas por grande parcela da comunidade aeronáutica, seja na modalidade privada ou comercial, bem como os usuários do serviço.

Ademais, no que tange às investigações a acidentes aeronáuticas o Código Brasileiro de Aeronáutica, conforme será detalhadamente estudado, reproduz as normas firmadas pela Convenção de Chicago e define que o seu único objetivo é a prevenção de novos acidentes, porém, tal filosofia preventiva não poderá ser justificativa para a descriminalização dos comprovadamente culpados. Deste modo, a questão da segurança no ambiente aeronáutico ainda deixa muitas lacunas na legislação brasileira e, conforme demonstrado, as reformas ao CBA atingirão substancialmente os usuários do transporte aéreo comercial, diminuindo os direitos dos cidadãos em verdadeira ofensa aos dispositivos consagrados na Constituição Federal da República (1988), transformando a segurança nacional em verdadeira insegurança jurídica.

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3 FATORES CONTRIBUINTES

3.2 FATORES CONTRIBUINTES – FATORES HUMANOS, TÉCNICOS E OPERACIONAIS.

A criação do SIPAER em 1971 marcou a mudança na filosofia das investigações a acidentes aeronáuticos no Brasil. Antes, os acidentes aeronáuticos eram investigados a partir de um inquérito judicial onde se definia culpados e se aplicava punição, nos moldes da investigação criminal atualmente em vigor no ramo do Direito Penal Brasileiro. Todavia, o sistema detectou que a punição aos responsáveis gerava prejuízos aos resultados das investigações e à sua conclusão, ao passo que os envolvidos se sentiam inibidos em contribuir com as investigações temendo a posterior punição.

Após 1966, o inquérito judicial foi substituído pelo relatório de investigação aeronáutica, iniciando-se a nova política de prevenção de acidentes aeronáuticos. Foi nessa época que os integrantes do sistema investigativo concluíram que um acidente aeronáutico constituía-se por diversos fatores contribuintes, formulando a então Teoria Clássica das Hipóteses Comuns. (MELLO, 2004, p. 25).

Foi a partir deste ideal que o método de identificação dos fatores contribuintes passou a buscar qualquer indicador de causa do acidente, ainda que apenas hipoteticamente considerado e ainda que tenha apenas relação indireta com o sinistro. (HONORATO, 2016, p. 488).

As investigações passaram a abordar fatores agrupados em uma visão multicausal dos acidentes (homem-meio-máquina). Todavia, em pouco tempo, observou-se que esses estudos investigativos restringiram-se ao sistema homem–meio-máquina, desprezando as falhas decorrentes de questões organizacionais. (FAJER; ALMEIDA; FISCHER, 2010, p. 2).

Reason (2005) considerou que acidentes são resultantes de combinações, nem sempre previsíveis, de fatores humanos e organizacionais dentro de um sistema complexo.

As conclusões de Reason desmistificaram a Teoria Clássica das Hipóteses Comuns, que, conforme já estudadas, considera fatos, hipóteses e precedentes para a identificação dos possíveis fatores contribuintes e, em algumas situações, são formuladas hipóteses (cognição especulativa)

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justificantes do acidente (BRASIL, Lei 12.970 de 2014), isso, pois, Reason ampliou o rol de situações, a partir de bases concretas, o que deu origem ao modelo chamado Human Factors Analysis and Classification System (HFACS)

O modelo Human Factors Analysis and Classification System

(HFACS) tem sido utilizado para análise de acidentes, pois permite identificar

um grande número de fatores contribuintes para a ocorrência de acidentes. O Sistema de Análise e Classificação de Fatores Humanos (HFACS) foi desenvolvido pelo Dr. Scott Shappell e pelo Dr. Doug Wiegmann e é explicada como uma ampla estrutura de erros humanos. Esse sistema foi originalmente utilizado pela Força Aérea dos Estados Unidos da América para investigar e analisar aspectos de fatores humanos da aviação. A estrutura

HFACS fornece uma ferramenta para auxiliar no processo de investigação e

direcionar treinamento e esforços de prevenção. Os investigadores são capazes de identificar sistematicamente falhas ativas e latentes dentro de uma organização que culminou em um acidente. O objetivo do HFACS não é atribuir culpa, mas sim entender os fatores causais subjacentes que levaram a um acidente. (SKY BRARY, 2016).

Os fatores considerados no modelo HFACS são: influências organizacionais (clima organizacional, processo organizacional, gestão de recursos), supervisão insegura (supervisão inadequada, planejamento inadequado das operações, falha em corrigir problemas conhecidos, violações de fiscalização), condições prévias de atos inseguros (fatores ambientais físicos e tecnológicos), condições do operador (estado mental e fisiológico adversos, limitações físicas e mentais), fatores pessoais (gestão da tripulação a bordo e prontidão pessoal) e atos inseguros (erros de decisão, de habilidade e de percepção, e violações de rotina e excepcionais). Por outro lado, o CENIPA trabalha com os seguintes fatores: fatores humanos, operacionais e materiais.

3.3 ATOR-REDE, CYBORG E ACIDENTE NORMAL E O REDUCIONISMO DA CAUSA

A análise de um acidente aeronáutico exige a criteriosa seleção de suas causas. A Teoria do Ator-rede entende que o homem e a máquina

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completam um só corpo atuante, logo, homem com máquina se torna homem-máquina e homem-máquina com homem corresponde a homem-máquina-homem, não sendo possível separá-los.

Segundo John Law (1992):

...os agentes sociais nunca estão localizados unicamente em corpos mas, ao contrário, um ator é uma rede moldada por relações heterogêneas, ou um efeito produzido por este tipo de rede. O argumento é que pensar, agir, escrever, amar, trabalhar por um salário - todos os atributos que normalmente atribuímos a seres humanos, são gerados em redes que atravessam e se ramificam, ao mesmo tempo, no corpo e além do corpo. Daí o termo ator-rede - um ator é também, e sempre, uma rede. (p. 384)

Em uma rede, cada ator é diferente do que era antes de se associar a outros atores, ou seja, um ator é modificado por suas relações. Portanto, um piloto-sem-avião é diferente de um piloto-com-avião e, da mesma forma, um avião-sem-piloto é diferente de um avião-com-piloto. Essa atitude analítica que obriga a não considerar em separado o piloto (o campo das "falhas humanas") do avião (o campo das "falhas técnicas") ou, melhor ainda, que tem de apreender de um mesmo "golpe" esse "quase sujeito", o "piloto-avião", ou esse "quase objeto", o "avião-piloto", aplica-se a todos os atores da rede. (CARDOSO, 2007).

À luz da teoria ator-rede, deverão ser analisados as relações entre os diversos atores humanos e não-humanos que, combinados, sobrepostos, associados e, principalmente, indissociáveis.

Latour (1999, p. 209-210) explica: “A ação não é uma propriedade de humanos, mas de uma associação de atos”. O fracasso de um voo torna "visíveis" os atores-redes e as relações de uns com os outros.

Para alguns autores, uma nova ordenação social, científica e tecnológica emerge como uma nova condição, a condição "pós-humana", na qual o humano se constitui como um híbrido de organismo e máquina: o cyborg.

O termo cyborg consagrou-se na área acadêmica graças ao artigo de Donna Haraway (1991), The Cyborg Manifesto, até hoje uma das mais influentes contribuições da área. (CARDOSO, 2007).

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O reducionismo da causa considera, portanto, reducionistas as versões segundo as quais as relações materiais determinam as relações humanas ou vice-versa. Supõe, ainda, que o humano e o técnico são inseparáveis e que não há uma diferença fundamental entre pessoas e objetos. (CARDOSO, 2007).

Ademais, há ainda uma corrente de defende a Teoria do Acidente Normal1, segundo a qual, se reconhecermos a complexidade interativa dos sistemas envolvidos nas causas dos acidentes e das condições em que tenha ocorrido, isso nos permitirá uma melhor compreensão sobre acidentes. Sobre o tema:

É possível analisar essas características especiais e, ao fazê-lo, ganhar uma compreensão muito melhor do porquê dos acidentes nesses sistemas, e do porquê eles sempre acontecerão. Se sabemos disso, então ficamos em melhor posição para argumentar que certas tecnologias deveriam ser abandonadas, e que outras, as quais não podemos abandonar porque construímos muito de nossa sociedade em torno delas, deveriam ser modificadas. O risco nunca será eliminado de sistemas de alto risco e, na melhor das hipóteses, não eliminaremos mais do que alguns poucos desses sistemas. No entanto, deveríamos no mínimo parar de culpar as pessoas erradas e os fatores errados, bem como parar de tentar consertar os sistemas de uma maneira que só os torna ainda mais perigosos.

O autor Charles Perrow (1999) entende que as tecnologias de alta complexidade, como as usinas de energia nuclear, as armas nucleares, a produção de DNA recombinante ou navios transportando cargas altamente tóxicas ou mesmo explosivas, por exemplo, têm alto risco potencial para ocorrência de catástrofes. De acordo com o autor, esses sistemas têm o potencial de apresentar interações complexas, ou seja, aquelas em que um componente poderá interagir com outros componentes em sequencia não esperada ou não planejada e, também, não visível ou não imediatamente compreensível, isso explica por que os acidentes, nesses sistemas, são inevitáveis ou "normais". (CARDOSO, 2007).

1 CARDOSO, Vitor Alexandre de Freitas. O estudo sociotécnico da interface “ser

humano-máquina”. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0303-76572007000100008> Acesso em: 08 ago. 2017.

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4 AS INCOMPATIBILIDADES DA INVESTIGAÇÃO AERONÁUTICA COM O PROCESSO JUDICIAL E A LEI Nº 12.970/14.

Em 29 de maio de 1945 o Estado brasileiro firmou a Convenção sobre Aviação Civil Internacional através do Decreto 21.713 de 27 de agosto de 1946, se comprometendo, deste modo, a observar e aplicar a legislação internacional relativa à aviação civil.

No que tange à investigação aos acidentes aeronáuticos, a Convenção de Chicago (1944, Anexo 13) estabelece que as investigações possuem uma única finalidade, qual seja, a prevenção de novos acidentes:

3.1 O único objetivo da investigação de acidentes ou incidentes será a prevenção de futuros acidentes e incidentes.

Não é propósito desta atividade imputar culpa ou responsabilidade.

Neste passo, os países signatários da Convenção de Chicago foram orientados a ajustarem suas leis internas às normas pactuadas, de modo a compatibilizar a legislação de cada Estado-membro com os mandamentos contidos no texto internacional.

Em se tratando das investigações a acidentes aeronáuticos, o Brasil regulamentou o assunto no ano de 2014 compatibilizando a investigação conduzida pelo órgão público SIPAER com os ditames da Convenção internacional por meio da Lei Federal nº: 12.970 (BRASIL, 2014), reproduzindo a metodologia então definida internacionalmente:

Art. 86-A. A investigação de acidentes e incidentes aeronáuticos tem por objetivo único a prevenção de outros acidentes e incidentes, por meio da identificação dos fatores que tenham contribuído, direta ou indiretamente, para a ocorrência e da emissão de recomendações de segurança operacional.

Seguindo os princípios e a filosofia contida na Convenção de Chicago, bem como às orientações estabelecidas pela OACI, órgão responsável, dentre outras funções, por ditar os parâmetros internacionais de segurança de voo, a Lei 12.970/14 fixou o procedimento das investigações trazendo ao ordenamento jurídico brasileiro uma inédita metodologia

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completamente desassociada ao vigente procedimento jurídico (cível ou criminal) e, distinto até mesmo dos procedimentos disciplinar e administrativo internos, criando um verdadeiro microssistema próprio e independente voltado às investigações de acidentes aéreos.

Dentre estas inovações jurídicas trazidas pela Lei 12.970/14 devemos destacar aquelas cuja constitucionalidade é questionável, vejamos:

O artigo 88-B determinou, em consonância com o Princípio da Independência das Investigações Aeronáuticas, que as investigações conduzidas pelo SIPAER, ocorrerão de maneira totalmente desassociada de quaisquer outras investigações, inclusive vedando a participação de quem tenha contribuído nas investigações SIPAER em investigações diversas:

Art. 88-B. A investigação Sipaer de um determinado acidente, incidente aeronáutico ou ocorrência de solo deverá desenvolver-se de forma independente de quaisquer outras investigações sobre o mesmo evento, sendo vedada a participação nestas de qualquer pessoa que esteja participando ou tenha participado da primeira.

Outro dispositivo da Lei 12.970/14 dispõe que as investigações conduzidas pelo SIPAER terão precedência sobre as demais no tocante ao acesso e à guarda de itens de interesse da investigação e assim o faz sob o argumento do Princípio da Preservação da vida humana:

Art. 88-C. A investigação Sipaer não impedirá a instauração nem suprirá a necessidade de outras investigações, inclusive para fins de prevenção, e, em razão de objetivar a preservação de vidas humanas, por intermédio da segurança do transporte aéreo, terá precedência sobre os procedimentos concomitantes ou não das demais investigações no tocante ao acesso e à guarda de itens de interesse da investigação.

Art. 88-G. A investigação Sipaer de acidente com aeronave civil será conduzida pela autoridade de investigação Sipaer, a qual decidirá sobre a composição da comissão de investigação Sipaer, cuja presidência caberá ao profissional habilitado e com credencial Sipaer válida.

§ 2o À comissão de investigação Sipaer, nos limites estabelecidos pela autoridade de investigação Sipaer, ficará assegurado o acesso à aeronave acidentada, a seus destroços e a coisas que por ela eram

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transportadas, bem como a dependências, equipamentos, documentos e quaisquer outros elementos necessários à investigação, onde se encontrarem.

§ 4o Caberá, nos casos urgentes, a busca e apreensão, por meio do órgão de representação judicial da União, aplicando-se a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. [grifo nosso].

§ 5° Em caso de acidente aeronáutico, incidente aeronáutico ou ocorrência de solo com aeronave civil, a autoridade de investigação Sipaer terá prioridade no embarque em aeronaves civis brasileiras empregadas no transporte aéreo público.

Também sob o enfoque de preservação da vida humana, a Lei veda o acesso aos destroços da aeronave acidentada, assegurando às investigações SIPAER a custódia e até mesmo a interdição da aeronave ou de seus destroços:

Art. 88-M. A aeronave civil envolvida em acidente, incidente aeronáutico ou ocorrência de solo poderá ser interditada pela autoridade de investigação Sipaer [...]

Art. 88-N. Exceto para efeito de salvar vidas, preservação da segurança das pessoas ou preservação de evidências, nenhuma aeronave acidentada, seus destroços ou coisas que por ela eram transportadas podem ser vasculhados ou removidos, a não ser com a autorização da autoridade de investigação Sipaer, que deterá a guarda dos itens de interesse para a investigação até a sua liberação nos termos desta Lei.

Tal dispositivo inova o ordenamento jurídico ao passo que prevê hipótese de restrição à atuação do Poder Judiciário quando da ocorrência de um possível fato jurídico passível de responsabilização jurídica (cível ou criminal).

Ademais, a mencionada Lei determina também que as conclusões obtidas pelas investigações SIPAER não poderão fundamentar procedimentos que objetivem a responsabilização dos envolvidos, determinando que sua finalidade exclusiva é a prevenção. Vejamos os seguintes dispositivos:

Art. 88-H. A investigação Sipaer de acidente aeronáutico será concluída com a emissão do relatório final, documento que representa o pronunciamento da autoridade de investigação Sipaer sobre os possíveis fatores contribuintes de determinado acidente aeronáutico e apresenta recomendações unicamente em proveito

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Art. 88-I. São fontes Sipaer:

§ 2o A fonte de informações de que trata o inciso III do caput e as análises e conclusões da investigação Sipaer não serão utilizadas para fins probatórios nos processos judiciais e procedimentos administrativos e somente serão fornecidas mediante requisição judicial, observado o art. 88-K desta Lei.

Em harmonia com o Princípio do sigilo das investigações, o artigo 88-L da Lei em estudo, confere sigilo às investigações conduzidas pelo SIPAER:

Art. 88-L. A autoridade Sipaer, ou a quem esta delegar, poderá decidir sobre a conveniência de divulgar, sem prejuízo à prevenção de acidentes e às previsões legais, informações relativas às investigações Sipaer em andamento e às respectivas fontes Sipaer.

Referida previsão inova o ordenamento jurídico ao, diante da ocorrência de um acidente aeronáutico, impedir os cidadãos, à comunidade aeronáutica e aos órgãos de investigação policial o acesso às informações e suas respectivas fontes.

Por fim, a Lei 12.970/14 dispõe ainda que os demais interessados em acessar os destroços da aeronave ou custodiá-los deverão habilitar prévio requerimento judicial com esta finalidade específica:

Art. 88-R. Os interessados na custódia dos destroços deverão habilitar-se perante a autoridade de investigação Sipaer, do início da investigação Sipaer até 90 (noventa) dias após a sua conclusão, por meio de pedido ao juiz da causa, que julgará sobre seu cabimento e interesse.

Tal dispositivo, juntamente com aqueles que vedam a utilização das investigações e suas conclusões para fundamentarem a responsabilização dos agentes envolvidos com o acidente, talvez o dispositivo de maior importância dentre todos àqueles que compõem o microssistema responsável por regular as investigações no Brasil, colide frontalmente com outros dispositivos legais, em verdadeira inconstitucionalidade material, isso, pois, as condições impostas aos demais interessados nas investigações limita o direito constitucionalmente assegurado na Constituição Federal (BRASIL, 1988) de acesso ao Poder

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Judiciário, bem como a garantia da inafastabilidade da jurisdição, consoante disposto no artigo 5º, inciso XXXV:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Verifica-se que a metodologia investigativa definida pela Convenção de Chicago, posteriormente reproduzida pelo órgão público responsável pelas investigações (SIPAER através do CENIPA) e, finalmente regulamentado internamente no ordenamento jurídico brasileiro, por meio de um microssistema próprio, é incompatível com o texto constitucional promulgado em 1988, o qual garante a todos o acesso à justiça e a inafastabilidade da jurisdição.

Em razão dessa aparente inconstitucionalidade que o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5667), com pedido de liminar, no Supremo Tribunal Federal (STF), em que questiona os dispositivos da Lei 12.970/2014, a qual trata do acesso a informações do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos e sobre sigilo nas investigações de acidentes aéreos no Brasil. Segundo a ADI, ao dispor que as análises e conclusões da investigação do SIPAER não podem ser utilizadas para fins probatórios em processos e procedimentos administrativos e judiciais, e que somente serão fornecidas mediante requisição judicial, o texto do CBA veda claramente o acesso de pessoas e órgãos envolvidos a informações que são de seu legítimo interesse e necessárias ao cumprimento de sua missão constitucional, no caso de órgãos do sistema de justiça, como o Ministério Público e a polícia criminal.

Destarte, nota-se um aparente conflito envolvendo a constitucionalidade da Lei 12.970/2014, a qual, sob a perspectiva processual, os dispositivos estabelecem “entraves ilegítimos” ao princípio do devido processo legal, dificultam o direito de acesso à justiça e à ampla defesa, que inclui a garantia do contraditório (artigo 5º, incisos XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal), ferem a garantia constitucional de inafastabilidade da

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jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV), segundo a qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

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A Convenção de Aviação Civil Internacional de Chicago, a qual o Brasil firmou em 1945, determina em seu Anexo 13, intitulado Investigação de Acidentes Aeronáuticos: “o único objetivo da investigação de um acidente ou incidente será a prevenção de acidentes e incidentes. Não é propósito desta atividade atribuir culpa ou responsabilidade.” (ICAO, 2010, p. 3-1, tradução nossa).

O Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos no Brasil – SIPAER - foi criado em 1951 (BRASIL. Lei 12.970, 2014) com o objetivo de investigar e prevenir a ocorrência de acidentes aeronáuticos, tendo como missão declarada a investigação dos acidentes aeronáuticos com a função exclusiva de se prevenir novas ocorrências. Vejamos o que enuncia do Código de Ética do SIPAER:

Todo procedimento judicial ou administrativo para determinar a culpa ou responsabilidade deve ser conduzido de forma independente das investigações do SIPAER. Esta natureza sui generis de investigação, que é conduzida pelo SIPAER, é consequência da aplicação e observância do estabelecido no Anexo 13 à Convenção de Chicago sobre Aviação Civil Internacional, recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro e nas normas de sistema do Comando da Aeronáutica, bem como na Legislação que as precede e autoriza. (BRASIL. Código de Ética do SIPAER, Portaria EMAER 60. 2008.).

Ao longo do tempo, criou-se o CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes), organização militar do Comando da Aeronáutica, que passou a ser o órgão central responsável pela investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos no Brasil.

Em 2006 foi concebido o novo Sistema de Gerenciamento Integrado da Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIGIPAER) para atender: “a necessidade crescente de trabalhar com o maior número de informações possível e a oportunidade de se empregar toda a modernidade da TI em favor da segurança da atividade aérea.”. (CARDOSO, 2007, p. 80).

Porém, os princípios e fundamentos utilizados pelo SIGIPAER são os mesmo adotados pelo SIPAER e pelo CENIPA, isto é, as investigações são pautadas em teorias e princípios históricos do Direito Aeronáutico, com fortes

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influências estrangeiras e militares, muito embora com aplicação na aviação civil. (CARDOSO, 2007, p. 80).

O SIPAER, como órgão incumbido de distribuir funções aos demais órgãos, é regulamentado pelo Decreto 87.249 (BRASIL, 1982) e, no que tange à investigação de acidentes, possui princípios próprios originários de tratados, leis e legislação complementar, formando um verdadeiro microssistema jurídico principiológico. (HONORATO, 2012, p. 23).

A Lei 12.970 (BRASIL, 2014) sancionada pela então presidente da República Dilma Rouseff, alterou o Código Brasileiro da Aeronáutica (BRASIL, Lei 7.565, 1986) e conferiu prioridade ao SIPAER no acesso aos destroços das aeronaves envolvidas em acidentes ou incidentes aéreos ou em solo, atribuindo ainda a custódia dos destroços, bem como o poder de decisão acerca da decretação do sigilo das investigações e das conclusões auferidas. Vejamos o disposto na Lei 7.565/86

Artigo 88-I. São fontes Sipaer:

I - gravações das comunicações entre os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições; II - gravações das conversas na cabine de pilotagem e suas transcrições; III - dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências; IV - gravações das comunicações entre a aeronave e os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições; V - gravações dos dados de voo e os gráficos e parâmetros deles extraídos ou transcritos ou extraídos e transcritos; VI - dados dos sistemas automáticos e manuais de coleta de dados; e VII - demais registros usados nas atividades Sipaer, incluindo os de investigação.

§ 1o Em proveito da investigação Sipaer, a autoridade de investigação Sipaer terá precedência no acesso e na custódia das fontes citadas no caput.

[...]

Art. 88-L. A autoridade Sipaer, ou a quem esta delegar, poderá decidir sobre a conveniência de divulgar, sem prejuízo à prevenção de acidentes e às previsões legais, informações relativas às investigações Sipaer em andamento e às respectivas fontes Sipaer. (grifo nosso)

Ademais, a referida lei prevê ainda que a aeronave civil envolvida em acidente, incidente ou ocorrência de solo poderá ser interditada pela autoridade de investigação SIPAER: “A aeronave civil envolvida em acidente, incidente aeronáutico ou ocorrência de solo poderá ser interditada pela autoridade de investigação Sipaer.” (BRASIL. Lei 7.565, 1986, art. 88-M).

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Sobre o acesso às aeronaves acidentadas, o artigo 88-N, da mesma legislação, determina que nenhuma aeronave ou seus destroços ou coisas por ela transportadas poderão ser vasculhadas ou removidas sem a autorização da autoridadede de investigação do SIPAER, a qual deterá a guarda dos itens de seu interesse. Por fim, o artigo 88-R, estabelece que eventuais interessados em acessar ou custodiar destroços das aeronaves acidentadas deverão habilitar-se perante a autoridade de investigação do SIPAER, do início da investigação até 90 (noventa) dias após a sua conclusão, por meio de pedido ao juiz, que julgará sobre seu cabimento e interesse.

Nota-se que a legislação brasileira confere ao órgão público incumbido de realizar a investigação do acidente absoluta precedencia para conduzir as investigações sem conferir igual prerrogativa aos demais órgãos de investigação na estrutura da organização do Estado Democrático Brasileiro, ou seja, a autoridade de investigação do SIPAER possui autonomia conferida em lei para, exclusivamente, acessar, custodiar e impedir o acesso às aeronaves, destroços de aeronave e itens que julgar relevantes para a investigação do acidente. Enquanto isso, os agentes da polícia investigativa brasileira, o Ministério Público e as famílias das vítimas de acidentes que quiserem realizar uma investigação paralela deverão habilitar-se perante a autoridade de investigação do SIPAER e submeter o requerimento à justiça.

Destaca-se que diante da negativa do SIPAER em fornecer aos demais órgãos públicos investigativos, bem como a peritos particulares (contratados pelos familiares das vítimas) o acesso à aeronave, aos destroços ou a itens relevantes, resta aos interessados apenas a conclusão contida no relatório final emitido pelo CENIPA.

Em que pese a possibilidade de os agentes interessados obterem acesso ao relatório final elaborado pelo CENIPA, no que tange ao acidente aeronáutico, a problemática maior de todo o Fator Organizacional encontra-se no objetivo único e exclusivo das investigações conduzidas pelo SIPAER: a prevenção de futuras ocorrências, lembrando o disposto na Convenção de Chicago: “o único objetivo da investigação de um acidente ou incidente será a prevenção de acidentes e incidentes. Não é propósito desta atividade atribuir culpa ou responsabilidade.” (ICAO, 2010, p. 3-1, tradução nossa).

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Deste modo, ainda que as conclusões apresentadas pelo relatório final elaborado pelo CENIPA indiquem causas do acidente, tal relatório não poderá ser invocado pelos demais órgãos públicos investigativos ou por investigações particulares para a aplicação da responzabilização administrativa, cível ou criminal.

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6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise da história da aviação brasileira, vista pela ótica das influências normativas estrangeiras, demonstra que o Brasil vivencia um cenário de inovação e adaptação, principalmente no que tange à metodologia aplicada às investigações a acidentes aeronáuticos, vez que regulado pela recém-instituída Lei 12.970 de 2014.

Acerca dos argumentos discorridos no presente trabalho, a polêmica relativa à metodologia das investigações é tema que divide a opinião dos aeronautas e, com base na opinião de três profissionais da aviação, podemos indicar algumas soluções.

Em entrevista com três aeronautas, sendo eles: um aviador militar, um comandante de aviação civil e um controlador de tráfego aéreo, todos com vasta experiência profissional, pudemos discutir, no campo prático, os resultados da pesquisa acadêmica e destacar a ocorrência da problemática abordada neste trabalho, conforme será discorrido.

6.1 DA METODOLOGIA

A respeito da metodologia aplicada às investigações aeronáuticas no Brasil, a qual decorre dos princípios e normas internacionais, essencialmente da Convenção de Chicago (1944) e define como única e exclusiva finalidade a prevenção de novos acidentes, questionados, os entrevistas apresentaram as seguintes opiniões, vejamos:

O entrevistado E1 enfatiza a necessária atuação do órgão militar CENIPA, destacando a necessidade de manutenção de uma investigação preventiva:

E1: _“O CENIPA precisa manter esta filosofia para que os envolvidos no acidente possam repassar as informações sabendo que estas não serão utilizadas para punir os culpados.” [...]

Referências

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