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A contenda entre o poder central e a sociedade : a reforma administrativa de 1867 no desabrochar do movimento da «Janeirinha»

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Academic year: 2020

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Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Jorge Manuel Dias Fernandes

Outubro de 2012

A Contenda entre o Poder Central e a

Sociedade: a Reforma Administrativa de 1867

no Desabrochar do Movimento da

«Janeirinha»

UMinho|20 12 Jor ge Manuel Dias F ernandes A Contenda entre o P

oder Central e a Sociedade: a R

eforma Adminis trativ a de 1 86 7 no Desabrochar do Mo vimento da «Janeirinha»

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Trabalho realizado sob a orientação do

Professor Doutor José Manuel Lopes Cordeiro

e coorientação do

Professor Doutor António Cândido de Oliveira

Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Jorge Manuel Dias Fernandes

Outubro de 2012

Dissertação de Mestrado

Mestrado em História

A Contenda entre o Poder Central e a

Sociedade: a Reforma Administrativa de 1867

no Desabrochar do Movimento da

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DECLARAÇÃO

Nome: Jorge Manuel Dias Fernandes Endereço eletrónico: Jmdfern@gmail.com Telefone: 253 341107 / 93 765 06 73 Número do Cartão de Cidadão: 13035898

Título da Dissertação: A Contenda entre o Poder Central e a Sociedade: a Reforma

Administrativa de 1867 no Desabrochar do Movimento da «Janeirinha»

Orientador(es): Professor Doutor José Manuel Lopes Cordeiro e coorientação pelo

Professor Doutor António Cândido de Oliveira

Ano de conclusão: 2012

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE

Universidade do Minho, ___/___/______

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iii

“Ninguém é tão ignorante

que não tenha algo a

ensinar. Ninguém é tão

sábio que não tenha algo a

aprender”.

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iv

Agradecimentos

Um estudo deste âmbito exige grande empenho, dedicação, para além de diversos recursos, para que o resultado possa ser do agrado de todos. Nesse sentido deixo aqui expresso a minha gratidão para todos aqueles, que de uma forma ou de outra contribuíram para a materialização desta Dissertação de Mestrado.

A elaboração do presente trabalho não seria possível sem a preciosa colaboração de diversas pessoas, que auxiliaram com críticas, sugestões ou meramente com palavras de incentivo. Mais importante do que falar em nomes é reconhecer o mérito de determinadas pessoas que tornaram possível a conclusão de um projeto que tanto orgulho e motivação desencadeou.

À minha família em particular, aos meus país Abílio e Rosa e irmã Célia, uma grande gratidão pelo apoio e incentivo. Não posso esquecer igualmente o apoio de alguns colegas, que contribuíram com opiniões perspicazes para a elaboração desta dissertação. Agradeço a simpatia e disponibilidade de Nuno Lima, investigador da Universidade Nova de Lisboa, que disponibilizou materiais que auxiliaram neste estudo. Por último, mas não menos importante, o meu enorme agradecimento aos orientadores Professor Doutor José Manuel Lopes Cordeiro e Professor Doutor António Cândido de Oliveira, pelos ensinamentos, acompanhamento, disponibilidade, e paciência.

A todos os referidos, e àqueles que não foram aqui mencionados e que contribuíram para a concretização deste estudo, o meu obrigado.

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v

A Contenda entre o Poder Central e a Sociedade: a Reforma Administrativa de 1867 no Desabrochar do Movimento da «Janeirinha»

Resumo

A reforma da administração local de 1867 foi promulgada a 26 de junho de 1867, entrando imediatamente em vigor. Enquanto a aprovação do novo mapa administrativo materializou-se só a 10 de dezembro de 1867. Todavia, um decreto ditatorial do novo executivo, que substituiu o Governo de «fusão», declarou sem efeito a lei a 14 de janeiro de 1868, devido ao clima de agitação político-social.

Este estudo visa analisar a reforma administrativa de 1867 à luz das alterações que iria desembocar na sociedade, não descurando os motivos que estiveram na base da execução de uma reforma tão impopular num período de crise generalizada na sociedade. A reforma administrativa de Martens Ferrão visava implementar uma nova administração local, no qual sobressaía a reorganização do território, alteração do mapa dos distritos, dos concelhos e das paróquias, e a adaptação da economia à nova realidade económico-financeira. A reforma da administração local de 1867 constituía desse modo uma oportunidade para moldar finalmente a sociedade aos princípios do liberalismo, dada a dificuldade ao longo da primeira metade de Oitocentos. Mais, a urgência resultava reforçada pelo facto de crise generalizada na sociedade e a existência de um elevado défice público.

Procurámos inserir esta reforma impopular como uma das causas da agitação popular vivida durante o ano de 1867, e que culminou numa onda de protestos radicais no primeiro de janeiro de 1868. Essa agitação traduziu-se numa revolta, a «Janeirinha», que proporcionou mudanças no meio político.

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The Dispute between the Central Power and the Society: the Administrative Reform of 1867 on the Blossom of the “Janeirinha”Movement

Abstract

The local government reform of 1867 was promulgated on June 26, 1867, entering into effect immediately. While the approval of the new administrative map materialized only 10 of December of 1867. However, a dictatorial decree of the new executive, who replaced the Government of 'merger', declared null the law to 14 of January of 1868, due to the climate of political and social agitation.

This study analyzes the administrative reform of 1867 through the light of the changes that would impact the society, not forgetting the reasons that led to the implementation of a reform so unpopular in a period of general crisis in society. The administrative reform of Martens Ferrão aimed to implement a new local administration, in which stood the reorganization of territory, changing the map of the districts, the counties and parishes, and the adaptation of the economy to the new economic and financial reality. The local government reform of 1867 in this way constituted an opportunity to finally shape the society to the principles of liberalism, given the difficulty throughout the first half of the nineteenth century. Further, the urgency was reinforced by the generalized crisis in society and the existence of a high public deficit.

We try to insert this unpopular reform as one of the causes of the popular agitation during the year 1867, and which culminated in a wave of radical protests in the first of January of 1868. This agitation led to a revolt, "Janeirinha”, which provided changes in the political environment.

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vii Índice

Introdução ... 9

1. Perspetiva teórica e metodológica da investigação... 13

1.1. Um olhar sobre o campo da História Política ... 13

1.2. Estado da questão ... 17

1.2.1.A historiografia e a administração pública do século XIX ... 18

1.2.2. A historiografia e os movimentos sociais de conflitualidade ... 22

1.2.3.Reflexão historiográfica ... 24

1.3. A metodologia e a documentação histórica ... 27

2. O contexto das reformas administrativas na primeira metade do século XIX.29 2.1. Os primeiros projetos liberais ... 29

2.2. A edificação da administração liberal por Mouzinho da Silveira ... 34

2.3. Descentralização administrativa com Passos Manuel ... 37

2.4. A centralização administrativa com Costa Cabral ... 40

3. O mentor da reforma administrativa de 1867 ... 45

3.1. Sinopse biográfica de Martens Ferrão ... 45

3.2. Atividade e conceção política ... 46

3.3. Notoriedade política ... 49

3.4. A influência do Krausismo na atividade académica e política de Martens Ferrão………...50

4. Um novo ciclo político, económico e social com a Regeneração... 53

4.1. A construção do Estado Moderno ... 53

4.2. O programa de fomento e as dificuldades económicas... 56

5. Perspetiva dos factos políticos, económicos e sociais que antecederam o movimento revolucionário da «Janeirinha» ... 60

5.1. Conjuntura internacional ... 60

5.2. Conjuntura interna ... 61

5.3. Resposta aos problemas económicos e sociais: as leis impopulares ... 64

5.4. A fúria dos comerciantes contra o indesejado imposto geral de consumo ... 66

6. O poder central e a administração pública ... 68

6.1. A estrutura administrativa da segunda metade de Oitocentos ... 68

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6.3. Os motivos que estiveram na origem da execução da reforma administrativa de

1867 ……….72

7. Um novo modelo administrativo ... 74

7.1. Determinações gerais da reforma administrativa de 1867 ... 75

7.2. A formação da paróquia civil ... 80

7.3. A administração dos concelhos... 83

7.4. Os distritos no equilíbrio e transparência na administração pública ... 87

7.5. O litígio, a inspeção e as eleições na administração ... 88

8. Divisão e organização das circunscrições administrativas ... 91

8.1. Novo mapa administrativo do território ... 91

8.2. Organização territorial das paróquias ... 94

8.3. Divisão e organização territorial dos concelhos ... 96

8.4. Mapa final da nova organização do espaço administrativo ... 98

8.5. A contestação à reforma administrativa ... 99

9. O aumento da tensão e o contágio da opinião pública ... 103

9.1. Desassossego da sociedade e as movimentações de protesto ... 103

9.2. A radicalização do movimento de contestação da «Janeirinha»... 106

9.3. Proposta de novas pistas de interpretação da «Janeirinha» ... 108

Conclusão ... 112

Fontes e bibliografia ... 119

Índice de Tabelas Diplomas que modificaram a administração do país até 1868 ... 43

Estrutura administrativa da paróquia na lei de reforma de 1867 ... 83

Competências do administrador do concelho ... 86

Mapa Administrativo referente à reforma administrativa de 1867... 99

Índice de Gráfico Evolução do número de concelhos durante o séc. XIX ... 98

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9 Introdução

Este estudo debruça-se sobre a Reforma Administrativa de 1867 da autoria do ministro do Reino, Martens Ferrão, que fazia parte do denominado ministério de «fusão», de Regeneradores e Históricos. A reforma da administração local de 1867, cujas orientações estão definidas na Lei de Administração Civil, foi promulgada a 26 de junho de 1867, enquanto a aprovação do novo mapa administrativo materializou-se a 10 de dezembro de 1867. Todavia, um decreto do novo executivo declarou sem efeito a lei, a 14 de janeiro de 1868. O novo ministério foi forçado a suspender a Lei de Administração Civil e todos os projetos legislativos impopulares devido aos protestos que prosseguiam desde a “Janeirinha”.

Este estudo procura consubstanciar uma reforma que não tem merecido grande atenção por parte da historiografia portuguesa. Esse desinteresse levou-nos a procurar preencher hiatos existentes sobre a Reforma Administrativa de 1867, e do movimento do primeiro de janeiro de 1868, que tinha culminado numa revolta à escala nacional. Uma das finalidades deste estudo consiste no apuramento das implicações que iriam trazer a reforma à sociedade, e compreender os motivos que estiveram na origem da promulgação de uma reforma administrativa polémica num contexto económico, social e político adverso na sociedade. Por conseguinte o movimento de radicalização popular, a «Janeirinha», traduziu-se num conjunto de movimentações de protesto abrangente, de âmbito económico, político e social e, pelo seu turno, não deve ser posto de parte o impacto que a reforma teve no desencadeamento da revolta.

A promulgação de medidas para responder aos problemas financeiros do país faziam aumentar o descontentamento das populações. Partimos da suposição que os tumultos verificados durante a crise económico-financeira e social foram irredutíveis, sendo estes desencadeados pelo endividamento crescente, aumento de impostos, aumento dos preços dos produtos e pelas reformas impopulares, na administração, na secretaria do ministério dos Negócios Estrangeiros e na política fiscal, com a criação do imposto geral de consumo.

Importa dissecar qual foi de facto a verdadeira intenção de Martens Ferrão com a promulgação da reforma da administração local de 1867. As hipóteses que colocámos no início da investigação são diversas, entre as quais: a urgência desta reforma resultaria do facto de crise na sociedade, e desse modo procurava, a elite política, uma resposta para os problemas económicos, sociais e políticos na sociedade? Pretenderiam poupar

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ao suprimir distritos, municípios e ao anexar paróquias eclesiásticas? Este momento de crise permitiu voltar a refletir a administração local e o respetivo controlo e gestão por parte do poder central? A reforma da administração local de 1867 constituía, portanto, uma oportunidade para moldar a sociedade aos princípios do liberalismo, e assim substituía-se o desatualizado Código Administrativo de Costa Cabral? A instauração de uma nova estrutura administrativa local, uma reorganização do território e do seu modelo deveram-se, sobretudo, à necessidade de adaptar a economia local à nova realidade económica nacional e internacional? Estas problemáticas evidenciadas foram analisadas, e todas elas podem fazer parte dos motivos que levou o Governo a promulgar a reforma que era impopular para a população.

A nossa atenção também se dirigiu à nova divisão e organização das circunscrições administrativas, por se tratar de um ponto polémico da Lei de Administração Civil de 1867. As movimentações e as reclamações escritas contra a reforma administrativa permitem verificar o desencanto que a reforma causou em diversos locais e setores da sociedade. Estas provieram de várias câmaras municipais, de elites e da população que se sentiam prejudicadas com as novas medidas administrativas. No nosso entender é fulcral analisar o descontentamento que foi originado pelo novo mapa administrativo que trazia várias implicações a diversos níveis. No continente o número de distritos iriam ser reduzido de 17 para 11, os concelhos de 352 para 159, e as paróquias eclesiásticas que eram aproximadamente 3.801, seriam anexadas e ficariam a existir 1.026, com a denominação de paróquia civil. Se as anteriores divisões administrativas geraram controvérsia, esta não gerou menos, dada as profundas implicações, não só socioculturais, também económicas e políticas. Desta vez alterava-se a geografia e a estrutura política dos distritos, concelhos e paróquias eclesiásticas, e assim feria-se os sentimentos de pertença das populações e a organização da comunidade iria modificar-se.

Além da deterioração da situação social devido aos problemas económico-financeiros, a nova codificação da administração piorou o cenário e agravou o descontentamento da população face à política seguida pelo Executivo de coligação. A situação espacial do território português era definida por múltiplos concelhos pequenos e paróquias eclesiásticas, não sendo possível manter a situação económica equilibrada, por isso, justificava-se a supressão dos distritos, dos municípios e a anexação das paróquias eclesiásticas? Para fazer face ao endividamento crescente das circunscrições administrativas, possivelmente, o Governo pretendia extinguir para conseguir equilibrar

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as contas. A vontade de equilibrar as contas está expresso na Lei de Administração Civil, no qual ficou estabelecido que as circunscrições locais não podiam ter défices negativos. De modo a equilibrar as contas as circunscrições administrativas podiam aumentar os impostos, vender património, reduzir as despesas e o controlo era feito pelo administrador do concelho na paróquia e do governador do distrito para os concelhos. Por conseguinte, pretendemos analisar o novo mapa administrativo, a administração do município da paróquia, e do distrito, a eleição dos corpos administrativos, dos magistrados e empregados administrativos e, ainda, a inspeção administrativa para compreender melhor o alcance desta reforma e a contestação que originou.

O debate no meio político e no social em torno da reforma administrativa revelou-se controverso e intenso, no entanto, a maioria parlamentar garantiu ao Governo não ceder praticamente às exigências da oposição relativamente aos aspetos mais polémicos da reforma. A reforma foi debatida em torno das vantagens associadas à descentralização administrativa, do corte na despesa e na gestão e racionalização dos recursos humanos, no controlo das chefias da administração local, na modificação do modelo de competências da administração local, e na definição de novas configurações espaciais das paróquias por via da sua agregação. A oposição aproveitava o momento e espreitava o sinal de fraqueza do Governo para mobilizar a opinião pública contra o Executivo. As propostas que mais contestações criavam eram as seguintes: as nomeações dos corpos administrativos locais pelo Governo e a excessiva centralização; a supressão do número de distritos, concelhos e paróquias eclesiásticas; o critério populacional para suprimir os concelhos e as paróquias; a criação da unidade administrativa da paróquia civil; e, finalmente, o governador de distrito podia decidir diferentemente da posição do conselho de distrito. A construção do Estado liberal foi um processo paulatino que se arrastou praticamente por quase toda a segunda metade do século XIX. A Lei de Administração Civil enquadra-se nesse processo da construção de um Estado centralizado, moderno de cariz liberal.

Os políticos liberais tiveram consciência desde muito cedo que a administração pública e o próprio reordenamento administrativo do território tinham que ser alterados. Para eles tornava-se urgente substituir a administração absolutista, por uma administração liberal. Qualquer mudança ou intromissão do Estado no território, que implicasse mudanças nas tradições, usos e costumes sofreu uma forte oposição por parte da sociedade como averiguamos. De modo a compreender como se processaram as mudanças no seio da administração do Estado e local ao longo da primeira metade do

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século XIX, pretendemos analisar as anteriores reformas administrativas que resultaram em Códigos Administrativos. No caso da reforma administrativa de Mouzinho da Silveira também sofreu uma forte oposição e, logo em 1835, foi ensaiada uma nova reforma administrativa do país assente na divisão de distritos, municípios e paróquias, que teve êxito e traduziu-se no primeiro Código Administrativo. Este Código também denominado por Código de Passos Manuel esteve em vigor até à promulgação de um novo Código por Costa Cabral em 1842. Importa compreender como se processaram e quais as alterações na administração do país, de forma a captar um conhecimento alargado sobre a administração local do país.

A contextualização do período da Regeneração revelou-se necessário neste estudo para compreendermos o clima político e social e as circunstâncias da instabilidade político-social no final da década de 1860. Foi possível averiguar que existia uma conjuntura económica ambígua, e esta contribuiu para a contestação adquirir mais expressão contaminando vários setores da sociedade. A subida generalizada dos preços dos alimentos, devido ao mau ano agrícola, fez aumentar também o desemprego e a criminalidade. A guerra entre o Brasil o Paraguai, que afetaram o envio das remessas por parte dos emigrantes para Portugal, deteriorando as contas públicas. Dedicaremos atenção ao mentor da reforma administrativa de 1867, Martens Ferrão, que teve um papel ativo na segunda metade de Oitocentos, no processo legislativo e jurídico. As suas ideias e conhecimentos vão ser postos em evidência na reforma administrativa que projetou para a sociedade.

A Lei de Administração Civil da autoria de Martens Ferrão foi em tempos praticamente desprezada pela historiografia portuguesa, como o seu contributo no desencadeamento dos acontecimentos de protesto do dia 1 de janeiro de 1868. Entretanto, tanto a reforma administrativa como o movimento da «Janeirinha» têm vindo a ser reformulados em estudos recentes. Por conseguinte, o nosso contributo com esta investigação insere-se na tentativa de ajudar a preencher hiatos existentes e contribuir nessa mesma linha, trazendo novas reflexões e dados para adquirirmos mais conhecimentos da reforma administrativa de 1867 e do movimento da «Janeirinha».

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1. Perspetiva teórica e metodológica da investigação

1.1. Um olhar sobre o campo da História Política

No início de qualquer investigação é essencial fazer uma reflexão sobre o campo historiográfico no qual se insere o objeto de estudo em investigação. A apreensão do campo historiográfico permite um leque alargado de contributos, desde a perceção de novas abordagens, métodos e metodologia, a atualização dos estudos explorados e os debates existentes no mundo historiográfico, entre outros contributos não menos importantes. Da nossa parte existe a plena consciência que não é tarefa fácil atingir um resultado de grande fôlego, contudo, pretendemos refletir sobre questões que nos permitam compreender o campo da História Política no presente. Na parte inicial vamos abordar as mudanças e as implicações verificadas na historiografia. Estas estão relacionadas com as mudanças na área da informação, essencialmente com a crescente especialização e crise nos paradigmas, que afetaram o modo de fazer História e fragmentaram o saber. De seguida, abordaremos os debates em torno do campo político ao longo do século passado, concretamente sobre a oposição feita pela Nova História defendida pelos Annales à História Política, de carácter narrativo, e as suas consequências que resultaram dessa oposição Diga-se, porém, que esta perspetiva teve um impacto colossal no modo como se pensa e se faz História atualmente. Por último e, de forma concreta, aludiremos o reaparecimento da «História Política» e a sua reformulação.

A historiografia atualmente é fragmentada e dividida em subespecialidades e tendências, fazendo o historiador especializar-se num determinado domínio: cultural, mentalidades, económico, social, religioso ou político. Podemos definir o mundo da historiografia como um oceano “povoado de inúmeras ilhas, cada qual com a sua flora e a sua fauna particular”1

. Esta crescente hiperespecialização do conhecimento, porém, que não é exclusivo da História. Deve-se ao fenómeno crescente da especialização que torna a circulação da informação rápida, à fragmentação de perspetivas, não se acreditando numa só maneira de ver as coisas. Este fenómeno da hiperespecialização pode ter consequências numa investigação, talvez a mais grave de todas seja a especialização em demasia por parte do historiador num domínio de estudo. Portanto, o

1José de Assunção Barros, Os Campos da História do Século XX, in Ler História, nº 49, Vassouras, Universidade

Severino Sombras, 2005, p 77. O presente artigo é uma adaptação de um livro, no qual aborda as várias modalidades da História. A referência do livro é a seguinte: Idem, O Campo da História: Especialidades e Abordagens, Petrópolis, Vozes, 2004.

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isolamento nesse domínio pode provocar o não relacionamento de factos entre domínios e campos de estudo. Ora, é necessário captar os sons do futuro e conjugar o social com o económico ou político2.

Na historiografia assiste-se a intensos debates, um dos principais trata-se de saber que tipo de ciência é a História. Há umas décadas atrás era quase certo que fosse uma ciência social, com os seus métodos que garantiam rigor na interpretação das

fontes. Contudo, esta visão esteve em crise e continua a persistir, sobretudo, pela razão

de ser o homem a fazer História. As investigações são feitas a partir da experiência pessoal, o que afeta a objetividade da produção do conhecimento. É verdade que a investigação em História obedece a critérios, entre os quais: a crítica de fontes, formulação de hipóteses e certificação dos factos históricos. Todavia, estes podem ser apreendidos, mas a sua forma de os encadear e expor obedece a padrões individuais e até culturais. E as fontes históricas não nos transmitem a realidade em concreto, senão uma parte. Um outro motivo que trás a dúvida da objetividade da História é o facto de muitos historiadores usarem a narrativa para fascinar o leitor, ficando a História reduzida a um género literário3. Georges Duby considera a objetividade do conhecimento histórico um mito, pois encara que toda a História é escrita por um homem e quando esse homem é bom historiador põe na sua escrita muito de si próprio4. Muitas destas incertezas e dúvidas contribuíram para animar o debate na historiografia.

A rápida ascensão dos Annales, a partir de 1920, fez com que a sua posição fosse dominante no mundo académico francês, seguindo o alargamento e a sua influência ao plano internacional. Marc Bloch e Lucien Fébvre e os seus discípulos, nas obras, “expuseram os modelos analíticos e os procedimentos metodológicos e definiram os objetos de interesse historiográfico […]”5

. Os Annales procuraram tornar a História uma ciência social, aproximando-a da Sociologia e da Antropologia. Para surgir essa aproximação eliminaram o que era singular para reter dados homogéneos entre si e comparáveis ao longo do tempo e do espaço, ou seja, “quantificar, medir, comparar, serializar, padronizar, eis a agenda da Nova História”6

. Defenderam, os Annales, o predomínio de uma História mais ligada à sociedade, virada para a longa duração e para

2 Idem, ibidem, p. 80.

3 António Manuel Hespanha, A Emergência da História, in Penélope, nº 5, Lisboa, Edições Cosmos, 1991, p. 18. 4 Georges Duby [et al.], História e Nova História, Viseu, Editorial Teorema, 1986, p. 10.

5 José Manuel Sobral, Marc Bloch: a História e o Historiador, in Penélope, nº 8, Lisboa, Edições Cosmos, 1992, p. 117. 6 Maria de Fátima Bonifácio, Apologia da História Política. Estudos sobre o Século XIX Português, Lisboa, Quetzal

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as grandes massas, apoiada em séries quantitativas. Esta escolha teve como grande consequência o alargamento de temas de estudo. Começaram a debruçar-se sobre a História da vida quotidiana, das classes sociais, crenças coletivas, atitudes perante a morte e a vida, sentimentos, família, a festa, a religião, entre outros temas7. Esta nova forma de ver e de fazer História dos Annales abalou a História narrativa tradicional, que foi considerada por eles apenas um relato dos grandes acontecimentos políticos marcantes. A História Política começou a ser olhada com desconfiança e de forma leviana nos meios académicos. Os historiadores políticos eram considerados “cronistas ingénuos ou antiquários maníacos empenhados em colecionar factos e apurar datas […]”8

.

A abdicação de temas que remetiam para a História Política não foi definitiva, como mostra Jean-Fréderic Schaub9. Este autor estudou as mutações que afetaram a História Política e identificou o aparecimento de temas de História Política nos Annales. Defende que a política acabou por ser objeto de reflexão, e “o Estado deixa de funcionar como uma categoria à priori a partir da qual a política é percebida, para se tornar a um tempo um problema e o produto de uma elaboração social”10

. Os objetos de estudo da História Política passaram a ser analisados e reformulados nas suas configurações sociais.

A Antropologia Cultural, a Antropologia Política e os investigadores com formação em Direito desempenharam um papel determinante na modificação dos instrumentos de investigação necessários à análise da política do passado. A Antropologia Cultural ajudou o historiador político a compreender a relação entre realeza e o sagrado, nos sistemas diversificados de oposições entre aristocracia e condição vulgar, e na atenção que se deve dar aos símbolos no exercício da autoridade. A Antropologia Política chamou à atenção do historiador tanto para as dimensões simbólicas do poder, como para a importância das relações sociais estabelecidas entre os grupos sociais. Os investigadores de Direito abalaram algumas questões, sobretudo, na História das Instituições, na medida em que convidaram os historiadores a

7 Cf. Rui Ramos, A Causa da História do Ponto de Vista Político, in Penélope, nº 5, Lisboa, 1991, p. 28. Este autor

considera que se sempre houve uma História analítica em vez de narrativa, mais ocupada com a cultura e a sociedade do que dos acontecimentos políticos.

8 Maria de Fátima Bonifácio, ob. cit, p. 19.

9Cf. Jean-Frédéric Schaub, A História Política dos Annales E. S. C Mutações e Reformulações, in Penélope, nº 14,

Lisboa, 1994, pp. 151-177.

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trabalharem sobre as doutrinas jurídicas e modos como pensavam os intelectuais, por exemplo na organização da sociedade.

Há quem conteste que a História Política esteve em crise ao longo das décadas que a Nova História estava no auge. Na opinião de alguns, a História Política não foi propriamente abandonada, mas antes redescoberta e redefinida11. Segundo Susan Pedersen, a crise da História Política foi ilusória, e esta até floresceu e tornou-se mais consensual. Entretanto, Geoffrey Elton12 publicou um livro de protesto contra as tendências dos anos de 1960, procurando reafirmar a primazia da História Política e da narrativa, evocando a superficialidade da Sociologia e da História Social.

Em 1979, Lawrence Stone, publicou um artigo intitulado «The Return of Narrative», no qual aborda o retorno deste género, mas não da narrativa clássica. Este artigo baseou-se também num balanço crítico das realizações da Nova História. Na mesma linha de defesa do surgimento de uma nova História Política encontramos Jacques Julliard, no terceiro volume da trilogia «Faire de l`Histoire», o qual aborda a agenda, os métodos e a teoria. Quanto a Réne Rémond13, apenas acrescentou os meios financeiros e o reconhecimento institucional. Este historiador faz a defesa da História Política, ressaltando a sua importância para a compreensão do conjunto social, mas aponta os caminhos da sua renovação. Apresenta uma análise da História Política em França, desde o seu apogeu durante o século XIX, passando pelo desprestígio com a

Escola dos Annales até à recuperação a partir de 1980, e os caminhos da renovação.

Segundo ele passaram pelo contacto com outras disciplinas, sobretudo, com a Ciência Política, a Linguística e a Antropologia. As inovações, segundo Réne Rémond, que refundaram o prestígio, perdido com os Annales, foram as seguintes: a Nova História Política tem ao seu dispor uma massa impressionante de documentos que podem ser tratados estatisticamente; o Estado burocrático proporciona o fascínio pelo fenómeno de massas; e possui a capacidade de combinar o tempo longo ou muito longo.

A nova História Política começou a consolidar-se a partir dos anos de 1980, segundo defende a maioria dos conceituados investigadores que a praticam. Esta “passa

11 Um balanço da passagem da antiga História Política para a nova História Política nos anos de 1970 foi feito por

Jacques Le Goff. Veja-se, Cf. Jacques Le Goff, A Política: Será ainda Ossatura da História?, in O Maravilhoso e o Quotidiano no

Ocidente Medieval (1972), Lisboa, Edições 70, 1995, pp. 221-242.

12 Cf. Geoffrey Elton, The Practice of History, Sidney, University Press, 1967.

13 Cf. Réne Rémond (org.), Por uma História Política, 2ª ed., Rio de Janeiro, FGV Editora, 2003. Auxiliado por 11

historiadores, Réne Rémond apresenta um inventário de estudos recentes de História Política em França, chamando a atenção para as novas abordagens, objetos e as problemáticas.

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a interessar-se também pelo «poder» nas suas outras modalidades (que incluem também os micro poderes presentes na vida quotidiana, o uso político dos sistemas de representações, e assim por diante) ”14. O objeto de estudo desta nova História Política foi ampliado e adquiriu um lado social, passando a interessar-se pela população anónima e com o indivíduo comum. Já não visa a excecionalidade das grandes figuras políticas como outrora, nem se debruça apenas pelos grandes acontecimentos políticos.

A década de 1980 ocasionou mudanças significativas na historiografia e consequentemente no campo da História Política, para as quais muito contribuíram: a revolução da tecnologia de informação; a expansão do ensino superior; o recurso dos historiadores à Antropologia em detrimento da Sociologia; a influência de Michel Foucault, do pós-modernismo; o desenvolvimento da História das Mulheres, do Género, e da História Cultural. A História Social que era confiante e abrangente na primeira metade do século XX já não era a mesma. Já a História Religiosa foi-se modificando paulatinamente, para a qual muito contribuiu o facto de surgir uma nova geração de historiadores que não estavam ligados à Igreja. Enquanto, a História Política, que parecia tão ameaçada, estabeleceu-se e reanimou-se, mediante o alargamento do seu objeto de estudo e da admissão de muitas mudanças.

1.2. Estado da questão

A nossa problemática de investigação incide na temática da conflitualidade entre o poder central e a sociedade, particularmente na reforma administrativa de 1867 da autoria do ministro Martens Ferrão, que proporcionou um clima de contestação e agitação entre o Governo e a população. Este estudo incide preponderantemente nos motivos que estiveram na origem da reforma da administração local e na contestação que originou, confluindo na revolta de 1 de janeiro de 1868. De modo a compreendermos a conflitualidade entre o poder central e a sociedade resultante desta reforma polémica, dedicámos algum tempo à nova divisão e organização das circunscrições administrativas consagrada na reforma administrativa, um dos pontos mais contestados da Lei de Administração Civil. Podemos considerar como objetivo amplo desta investigação a contribuição para o melhor conhecimento da Lei de Administração Civil de 1867, que alberga uma nova divisão e organização das circunscrições administrativas, modificação da estrutura dos corpos e órgãos

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camarários. Um dos argumentos mais usados para criticar esta reforma dizia respeito ao aumento da fiscalização em alguns pontos para solucionar os problemas da administração local, e derrubar as barreiras que impossibilitavam a intromissão do poder central no território. Podemos designar esta lei como um verdadeiro Código Administrativo que pretendia modificar e regulamentar as questões da administração local. Estas alterações atestadas em lei tinham implicações, não só políticas, mas económicas e socioculturais. Ora, esta legislação constitucional procurava uma base da nova ordem política, económica, social e jurídica.

Um estudo desta natureza é aliciante. Mais ainda, sabendo que a reforma administrativa de 1867 foi em tempos praticamente desprezada pela historiografia portuguesa, como o seu contributo no desencadeamento dos acontecimentos de protesto do dia 1 de janeiro de 1868. Durante a fase exploratória ficamos cientes que o nosso objeto de estudo ainda não foi estudado de uma forma abrangente, ou seja, existem poucos estudos que abordam concretamente esta reforma, e os que mencionam dados da reforma pecam pela falta de um contexto político, social e económico. Desse modo não se torna possível averiguar qual foi realmente o verdadeiro impacto da reforma no movimento revolucionário de 1 de janeiro de 1868, e nem são percetíveis as razões de implementar uma medida tão impopular num contexto de crise generalizada.

1.2.1. A historiografia e a administração pública do século XIX

As reformas administrativas até há umas décadas atrás não atraíam os historiadores, ficando a investigação a cabo dos investigadores com formação em Direito. Os investigadores de Direito davam relevo às normas jurídicas e à evolução do sistema administrativo, mas faltando nos estudos muitas vezes uma contextualização histórica. Atualmente este panorama tem vindo a sofrer modificações e os contributos dos historiadores desencadearam uma nova forma de perspetivar as alterações na administração pública, graças à visão do contexto económico, social, político e novas metodologias de trabalho.

Deve-se ter presente que o estudo de uma reforma administrativa e de um movimento de contestação só podem ser totalmente apreendidos num contexto amplo da estrutura política e social da época. Algumas lacunas os historiadores vieram preencher com os seus estudos, pois a História da administração exige um grande esforço, devido à necessidade de compreender o contexto amplo da evolução social, política e apreensão

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da realidade. Atualmente, os investigadores de Direito, continuam a ter um papel de relevo e têm contribuído com diversos estudos para o conhecimento de toda a administração do Estado e das instituições locais na época contemporânea.

Quanto aos historiadores vieram através de uma visão mais alargada mostrar os vários condicionalismos que devem ser postos em evidência quando se investiga, por exemplo, as ideologias e políticas específicas de cada fação partidária. Porém, não basta ao investigador apoiar-se na legislação, pois esta muitas vezes não permite apreender em concreto os resultados da aplicação de determinada lei no contexto da sociedade. Temos que considerar que as reformas na administração e as instituições administrativas são modeladas por normas legais, e estas são elaboradas pelo ser humano cuja ação é determinante. Pode haver distorções e, por isso, o investigador deve estar consciente das dificuldades de implementação do direito na sociedade. O estudo do funcionamento das instituições, das reformas administrativas, da estrutura do poder central ou local, entre outros, passam pelo conhecimento da sociedade, dos valores dominantes, pelas tensões e pelo ideário político.

A historiografia portuguesa que se debruçou sobre aspetos da administração tem dado primazia aos estudos sobre os municípios do Antigo Regime da segunda metade do século XVIII ao início do século XIX, do pombalismo à crise do Antigo Regime. A temática municipal num discurso político pode ser já encontrada nos textos dos reformistas e ilustrados do século XVIII, que pretendiam expor as críticas relacionadas com o papel e o lugar do município no bloqueamento do desenvolvimento. Os reformistas influenciados pelas correntes filosóficas vindas do exterior, consideravam os municípios responsáveis do bloqueamento social, político e económico. No pensamento e discurso iluminista procuravam-se detetar, nas instituições locais, os malefícios e propor novas soluções na administração.

No Antigo Regime, nos inquéritos de Setecentos encontramos diversos textos sobre as fundações e a descrição das terras, que teve a contribuição da Academia Real da História15. Temos o exemplo do grande inquérito paroquial de 1758 o qual correspondeu a um enorme esforço para obter informações histórico-geográficas, nos aspetos políticos, administrativos e sociais, com a finalidade de aumentar o conhecimento do território e dos seus povos. O empenho de conhecer Portugal foi um

15 A Academia estava encarregada da tarefa de escrever a História Antiga e Moderna do Reino de Portugal, a Eclesiástica

e a Civil. A produção Histórica e geográfica da Academia seguiu alguns planos do desenvolvimento da nova História e rutura com a tradição e paradigma historiográfico barroco e por ela também dos novos campos para a descrição do território e sociedades locais.

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esforço da governação monárquica de D. José e do seu ministro Marquês de Pombal, de modo a afirmar o poder absoluto. Na primeira metade do século XIX floresce a História dos municípios e em simultâneo emerge o ideário municipalista.

A História que incide sobre aspetos administrativos dos municípios surgirá em força no século XIX, marcada pela reação contra a centralização desejada pelos liberais. Os liberais tinham como ambição construir uma administração eficiente para controlar e desenvolver o território, derrubando de vez a sociedade do Antigo Regime. Em suma, os pensadores liberais propuseram-se ao estudo do município e à necessidade de revitalizar as instituições na época contemporânea, para averiguarem o modelo de organização mais adequado para a sociedade portuguesa.

Os estudos de Alexandre Herculano16 lançaram as bases da historiografia municipal mas não foi o único a debruçar-se sobre essa temática. Os estudos de Almeida Garrett, Félix Nogueira, Lopes de Mendonça, e Rodrigues de Sampaio, propuseram o modelo mais apropriado para a sociedade adaptando aos tempos modernos, de forma a encontrar o equilíbrio e a harmonia entre a centralização e a descentralização. Herculano procurou aprofundar o conhecimento do papel dos municípios na organização e na vida cívica do povo português, estando em desacordo com os excessos da centralização. Quanto a Almeida Garrett, apresentou em 1854, na Câmara dos Pares, um projeto de reforma administrativa, que reflete os resultados da investigação de Alexandre Herculano. Pelo seu turno, a literatura Oitocentista deu grande destaque ao caciquismo local e ao poder dos notáveis e influentes locais e à classe política. A reforma administrativa descentralizadora de Rodrigues Sampaio, em 1878, proporcionou um desenvolvimento de estudos relativos à História e vida dos municípios, graças ao ideário republicano e socialista que começava a proliferar nos meios urbanos.

Na passagem do século XIX para o século XX surge um surto de estudos, de Alberto Sampaio, Gama Barros, Costa Lobo e investigadores de Direito. Durante o período da I República não existe muito a assinalar no plano historiográfico, continuando a manter-se a ligação ao ideário Oitocentista. Durante o regime ditatorial do Estado Novo abriu-se novos horizontes à investigação sobre o município, sobretudo, nas componentes das origens e da natureza da investigação municipal de ideologia corporativa. A Revolução dos Cravos, no 25 de abril de 1974, permitiu um

16 Entre os diversos estudos dedicados à questão da administração, por exemplo veja-se: Alexandre Herculano,

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extraordinário desenvolvimento de estudos, devido à emergência do poder local no ordenamento político-administrativo revolucionário, que rompeu com o conceito cooperativo vindo do Estado Novo da administração local autárquica.

Dois trabalhos da década de 80 do século XX, de António Manuel Hespanha e Joaquim Romero de Magalhães, representam uma viragem e um marco importante na historiografia administrativa portuguesa. No entanto, são estudos em que os autores se focam no período anterior ao século XIX. António Hespanha não considera que houvesse uma centralização precoce, invocando a prevalência de um modelo corporativo na representação da sociedade no período moderno. Enquanto, Joaquim Romero de Magalhães acentua a autonomia dos corpos locais ao longo da História portuguesa, e contraria a opinião da existência da proliferação de um absolutismo proclamado pela coroa e pelos seus magistrados no terreno, desde finais da Idade Média. Um outro historiador, José Viriato Capela, tem um grande repertório de estudos sobre as temáticas dos municípios no Antigo Regime, defendendo que a autonomia dos municípios era limitada pela ação dos magistrados da coroa, os corregedores e provedores e juízes de fora. Ao longo da Idade Moderna o poder real fez um esforço progressivo na centralização do poder, com maior visibilidade no Antigo Regime.

A proliferação de estudos depois do 25 de Abril permitiu a renovação da historiografia no campo da administração pública, abriram-se outros domínios de investigação: a história das elites, a história económica e financeira (contabilidade municipal) e a história social (configuração social). Os estudos sobre a História municipal continuaram a constituir um dos sectores mais ativos da historiografia nacional, sendo os temas mais estudados, a formação e composição das oligarquias municipais, e as formas de intervenção e tutela da coroa sobre as câmaras e as finanças municipais. Há que enaltecer o papel de algumas Câmaras Municipais no incentivo de estudos e na projeção destes.

Faltam para o século XIX dados e informações precisas sobre a geografia eleitoral municipal, sobre a composição dos corpos administrativos, sobre as relações entre a administração central e a administração local, sobre as reformas administrativas locais ao longo do século XIX, e da evolução da codificação administrativa na formação do Estado moderno. Seria interessante utilizar novas metodologias de trabalho para melhorar a análise dos dados e tornar possível a comparação de diversos dados a nível nacional.

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As duas obras mais abrangentes e direcionadas à temática da administração para o século XIX são: de Marcelo Caetano, «Estudos de História da Administração Pública Portuguesa», e de César de Oliveira, «História dos Municípios e do Poder Local, dos Finais da Idade Média à União Europeia», de 1996. A obra de Marcelo Caetano, ainda hoje, é uma referência para quem quer dedicar-se aos estudos da administração pública. Muito se deve agradecer a Freitas do Amaral por ter reunido os artigos que se encontravam espalhados e de difícil acesso. Marcelo Caetano nos artigos reunidos aborda a evolução da codificação em Portugal, desde o Antigo Regime à luz do direito mas também da política. O segundo coordena uma obra que abarca o período desde a Idade Média até praticamente ao fim do século XX. Esta obra dá uma visão integral da realidade administrativa local e da evolução processada ao longo do período histórico.

Existe uma maior dedicação dos investigadores à temática dos municípios no período do Antigo Regime. Contudo, ultimamente esse panorama tem vindo a ser modificado com uma maior diversidade de estudos e com um alargamento a outros períodos da história.

1.2.2. A historiografia e os movimentos sociais de conflitualidade

Em relação aos movimentos sociais, os historiadores têm-se dedicado a investigar o papel das camadas populares na oposição ao liberalismo na primeira metade do século XIX. Os autores de Oitocentos, Oliveira Martins, Luz Soriano e Alexandre Herculano mostraram nas suas obras o apoio das camadas populares ao miguelismo. Já a historiografia republicana afasta um pouco essa ideia17. Os Integralistas dos anos 20 fizeram uma revisão sistemática da História Política do século XIX, reclamando uma herança conservadora, nacionalista e ultramontana. Pelo seu turno, nos anos 40 e 50 a historiografia universitária ocupou-se com maior incidência com a época medieval e moderna. Entretanto, nos anos 60 do século XX assistiu-se à renovação temática e metodológica dos estudos em História contemporânea, dando-se assim um interesse grande pelo século XIX. Esses estudos tiveram influência do marxismo e da escola dos

Annales.

17

Algumas obras dos autores de Oitocentos: J. P. Oliveira Martins, Portugal Contemporâneo, vol. I, Lisboa, 1881, pp. 75-79; Simão José Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal, 3ª época, Tomo II, Parte II, Lisboa, 1882, pp. 334-345; Alexandre Herculano, Opúsculos, Introdução à 2ª edição de A Voz do Profeta, (edição crítica de Jorge Custódio e José Manuel Garcia), vol. I, 1868, p. 40.

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A História dos movimentos sociais do liberalismo da primeira metade do século XIX, foram objeto de um interesse a partir de 1980. Há a salientar nesse interesse o caráter inovador na problemática e nas hipóteses avançadas pelos autores mas também na natureza dos materiais utilizados. O grande interesse deu-se sobre as invasões francesas, os movimentos populares de 1823, a reação vintista e em 1826/27 a reação absolutista, a revolta de 1846, da Maria da Fonte. Como podemos observar, este interesse por estes movimentos sociais estão relacionados com grandes acontecimentos políticos.

O protesto contra a política fiscal é o menos conhecido da historiografia. Foi unicamente analisado no quadro da grande revolta de 1846, que eclodiu um ano após a publicação pelo Governo de Costa Cabral da Lei de 19 de abril de 1846, no qual foi introduzido o sistema de repartição para a cobrança dos impostos e determinando a realização do cadastro. A contestação ao fisco que se manifestou durante a revolta de 1846 é interpretada como um facto isolado, uma reação súbita e inesperada, que até surpreendeu o próprio Governo. Só o Governo de Costa Cabral ousou empreender uma nova reforma fiscal que sucumbiu a revolta camponesa da Maria da Fonte. Os tumultos de subsistência que são provocados pela subida dos preços dos cereais, são conhecidos pelos historiadores, particularmente no Porto nos meses de abril e maio de 1938. Quanto aos movimentos de índole religiosa, esses também são conhecidos pela historiografia, das perturbações ligadas ao cisma religioso, contestação sediciosa das autoridades religiosas no quadro do cisma, aos tumultos ligados à causa dos cemitérios públicos.

Em suma, existe na maioria dos casos um desconhecimento da maioria dos movimentos de hostilidade ao liberalismo por parte da historiografia. As resistências ao liberalismo não se circunscreveram a uma ou duas regiões. Não sendo possível compreender este fenómeno à luz das especificidades das estruturas socioeconómicas locais ou mesmo particularidades culturais ou religiosas. Não podemos desprezar a grande diversidade de manifestações entre o norte e o sul. Nos estudos existentes é possível averiguar que no Minho as manifestações tiveram um papel mais crucial na vertente religiosa do culto e em manifestações anti senhoriais18. Cada vez mais a resistência era feita ao Estado e não ao liberalismo, por causa da vida social ser mais

18

Vejam-se alguns estudos que incidem na questão da conflitualidade na primeira metade do século XIX: Joyce Rigelhaupt, Camponeses e Estado Liberal. A Revolta da Maria da Fonte, Estudos Contemporâneos, 2/3, 1981; Rui Feijó,

Mobilização Rural e urbana na Maria da Fonte, in O Liberalismo na Península Ibérica na primeira metade do século XIX, Actas

do Colóquio, vol. 2, Lisboa, 1982, pp. 183-193; M. Alexandre Lousada e N. Gonçalo Monteiro, Revoltas Absolutistas e

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densa, haver multiplicidade de formas de acesso à propriedade da terra, uma maior vitalidade religiosa e comunitária na segunda metade do século XIX.

Pelo seu turno, a historiografia não tem mostrado grande interesse aos movimentos sociais a partir da Regeneração até à década de 1880, tornando a nossa tarefa mais difícil quando nos debruçarmos sobre a Revolta da «Janeirinha».

1.2.3. Reflexão historiográfica

Sobre as reformas administrativas e os movimentos sociais existem uma limitação de estudos publicados. Pelo seu turno os que existem são muito similares, e as interpretações são demasiado conjunturais. Na nossa pesquisa duas obras foram importantes, de António Pedro Manique e Luís Nuno Espinha da Silveira. Este último continua a focar-se em temas ligados à administração do território, aliás, foi constituída uma equipa de investigadores que têm contribuído com as suas investigações. Um grande interesse tem sido dado ao Decreto nº 23, de 16 de maio de 1832, de Mouzinho da Silveira, saliente-se os estudos de António Pedro Manique «Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração Pública», de 1989; e de Maria de Fátima Brandão e Rui Graça Feijó com coordenação de Jaime Reis, Maria Mónica Maria Santos, «O Discurso Reformador de Mouzinho da Silveira», de 1979.

A obra de António Pedro Manique debruça-se sobre a génese da primeira reforma administrativa liberal e os problemas da sua aplicação, dando particular relevo ao descontentamento e às resistências locais no reordenamento territorial. Enquanto os outros autores procuraram analisar o discurso político e histórico de Mouzinho da Silveira, e saber qual foi a importância do homem e da sua obra, através das opiniões dos seus conterrâneos, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Oliveira Martins e Luiz Soriano. A obra de Luís Nuno Espinha da Silveira, «Território e Poder. Nas Origens do Estado Contemporâneo em Portugal», de 1997, debruça-se sobre a reformulação do espaço no período liberal, desde a Revolução de 1820 até à reforma administrativa de Costa Cabral. O grande objetivo da obra é produzir cartografia, resolver os problemas de comparabilidade enunciados. Inicialmente o autor aborda a divisão administrativa do Antigo Regime, o modelo inglês, francês e espanhol da administração. De seguida aborda o programa liberal português e a sua redefinição do espaço político-administrativo, dando ênfase ao facto da reorganização do espaço com critérios de racionalidade serem inevitáveis. Existe também um projeto de trabalho sobre a reforma

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administrativa de 1867 disponível na internet, da autoria de Daniel Alves, Nuno Lima, e Pedro Urbano da Universidade Nova de Lisboa, «Estado e Sociedade em Conflito: o Código de Mártens Ferrão de 1867. Uma Reforma Administrativa Efémera». O estudo foca-se, essencialmente, nas questões da conflitualidade com a nova divisão territorial, procurando compreender o que estava em causa com os protestos durante a contestação à reforma administrativa de 1867. Realçam as características do processo legislativo que levou à aprovação da dita lei e ao processo burocrático que resultou no Decreto de 10 de dezembro de 1867, que implicou o mapa final. Ainda, examinaram a onda de protestos, apoiando-se nas representações dirigidas ao poder central pelos municípios e cidadãos. Porém, não esgotam todas as possibilidades de investigação sendo necessário estudar esta reforma de uma forma mais abrangente.

Esta reforma da administração proposta por Martens Ferrão tem passado despercebida praticamente no seio da historiografia, mediante pequenas referências, e muitas vezes contraditórias. Uns desses exemplos encontrámo-lo no estudo de Fernando Catroga, «O Republicanismo em Portugal, da Formação ao 5 de Outubro de 1910», de 1991, da página 12 à 20, quando este se debruça sobre a conjuntura do ano de 1867. Só foi referido os protestos do pequeno comércio do Porto como causa da agitação que viria a desembocar na «Janeirinha». Não destaca a política administrativa do Governo de «fusão», e realça simplesmente que a revolta marcava o início de uma nova fase na História constitucional de Oitocentos. Uma visão diferente dos acontecimentos tem Maria Filomena Mónica no estudo da biografia de Fontes Pereira de Melo, «Fontes Pereira de Melo», de 1999, referindo que a reforma na administração de Martens Ferrão era tão ou mais impopular que a dos impostos.

Nas diversas Histórias de Portugal existentes passam quase despercebidas na maioria delas a agitação da opinião pública originada pela reforma na administração de 1867. Simplesmente é apontado o imposto geral de consumo como causa para a agitação populacional, iniciado nos pequenos e médios comerciantes do Porto, e que culminou na revolta da «Janeirinha». Todavia, a História de Portugal de Damião Peres traça uma pormenorizada descrição da conjuntura de 1865 a 1870, através da exploração da legislação governativa. Um lapso foi cometido por Oliveira Marques na sua Nova História de Portugal, quando aborda a reforma administrativa de 1867. Diz o autor que esta reforma devia entrar em vigor em 1868, mas sabemos que não é verdade. Pois, a Lei de Administração Civil entrou imediatamente em vigor ao ser promulgada a 26 de junho de 1867. Simplesmente o Decreto de 10 de dezembro que apenas aprovou

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as circunscrições administrativas, consumando a redução do número dos distritos e a supressão de mais de uma centena de concelhos e paróquias eclesiásticas entrou em vigor em dezembro. Outro lapso é o facto de considerar que os distritos de Portalegre e da Guarda iriam desaparecer, porém estes não o iriam ser até ao prazo de dois anos se não houvessem modificações. Quanto a António Ravara num artigo sobre a «Janeirinha», no Dicionário Ilustrado da História de Portugal, nem considera a «Janeirinha» uma revolta, pois segundo ele, foi uma pseuda-revolta, não sendo um protesto alargado às diversas classes sociais, ao contrário do que pensa Carlos Guimarães da Cunha ao considerar este movimento heterogéneo.

Existem pelo menos três estudos que dão alguma importância à reforma administrativa de Martens Ferrão, o estudo de Carlos Guimarães da Cunha, Luís Doria e José Manuel Cordeiro. A obra de Carlos Guimarães da Cunha, «A Janeirinha e o Partido Reformista, da Revolução de Janeiro de 1868 ao Pacto da Granja», de 2003, visa o estudo de um dos mais importantes movimentos sociais e políticos ocorridos no Portugal de Oitocentos, a «Janeirinha», bem como do partido político que dela resultou, o Reformista. Foi um profundo descontentamento generalizado que levou à primeira grande rutura do delicado conjunto de equilíbrios implantados com a Regeneração. O autor destaca a conjuntura difícil que atravessou Portugal entre 1867 a 1871, não esquecendo o plano internacional. Considera que a «Janeirinha» continua a ser um movimento mal conhecido, frequentemente associado à contestação dos comerciantes do Porto. Outro dos problemas do estudo do Carlos Guimarães Cunha é o facto de estar muito centrado na descrição dos acontecimentos de Lisboa, não dando suficiente importância ao principal teatro de operações durante o ano de 1867 – o Porto –, nem a alguns dos seus protagonistas na Cidade Invicta, os industriais. No entanto, as manifestações tiveram um carácter complexo, abrangendo um movimento muito heterogéneo e objetivos diferentes.

Na mesma linha corrobora José Lopes Cordeiro, «A Indústria Portuense no Século XIX», de 2006, embora o objetivo do estudo seja o plano industrial, mas centra-se nas dificuldades do crescimento económico entre 1866 e 1879, o défice público, a conjuntura internacional, as dificuldades internas, e as medidas do Governo para fazer face à situação. Neste último ponto refere à impopularidade da reforma administrativa de 1867 e a contestação das medidas. Luís Dória, «Correntes do Radicalismo Oitocentista: o caso dos Penicheiros (1867-1872»,de 2004, a partir de Lisboa, descreve todo o processo da oposição dos Penicheiros ao ministério de «fusão». Segue os

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protagonistas do radicalismo que contestavam a política do Governo, destacando a figura do conde de Peniche. A visão dos acontecimentos centra-se na capital e escapa-lhe a visão da agitação do Porto e do resto do país.

O nosso contributo com esta investigação é limitado, no entanto, insere-se na tentativa de ajudar a ter um maior conhecimento científico acerca da reforma administrativa de 1867 e também do movimento da «Janeirinha», que continuam envolvidos em algum mistério.

1.3. A metodologia e a documentação histórica

A investigação deve ser ajustada à definição clara das problemáticas, à formulação de hipóteses, à construção de dados, à elaboração de explicações e à construção de mecanismos para provar as explicações. As questões teóricas e metodológicas permitem consolidar a investigação. Importa neste momento definirmos a metodologia adotada para validar as nossas hipóteses e consolidar os nossos objetivos. A metodologia que vamos adotar vai passar por efetua uma análise rigorosa à Lei da Administração Civil de 1867, que contém os desígnios estruturais da reforma administrativa de 1867. Assim, a nossa observação incidirá sobre essa legislação, no qual nos permite obter uma visão do alcance do projeto. A nossa análise será elaborada à luz da legislação política tendo sempre no horizonte o quotidiano da sociedade, de modo a ensaiar uma aproximação à realidade política, económica e social da segunda metade do século XIX. Portanto, a nossa investigação vai-se pautar pela análise objetiva documental e por uma crítica fundamentada dos trabalhos dos diversos historiadores que abordam o domínio da administração do Estado e local e do movimento social. No plano da seleção de fontes, decidiu-se valorizar todas as fontes primárias capazes de fornecer molduras sobre as normas que constam na Lei de Administração Civil, sobre as mudanças na administração local como no novo mapa administrativo do território. Estas

fontes normativas permitem prosseguir a investigação com segurança. As lacunas foram

colmatadas com outro tipo de fontes, inclusive, com dados da literatura Oitocentista e da imprensa da época.

No Arquivo Histórico da Assembleia da República e no IAN/Torre do Tombo existem numerosas caixas onde repousam, esquecidas, muitas representações de Distritos, Câmaras Municipais e de comunidades, no qual pedem a não supressão das suas circunscrições administrativas e apresentam os motivos. Através da crítica dessas

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representações podemos averiguar quais os motivos que foram invocados para manutenção dos distritos, dos concelhos e das paróquias eclesiásticas, e quais foram as circunscrições administrativas que mais se insurgiram contra a reforma e, ainda, quem estava envolvido na luta contra o Governo. A legislação contida na Colecção Oficial da

Legislação Portuguesa vai ser bastante útil no desenvolvimento deste estudo, pois,

temos acesso a normas e ao ideário da sociedade liberal. Portanto, esta legislação reflete o projeto ideológico que os políticos queriam implementar na sociedade portuguesa, pois a lei nunca é neutra. E, através da legislação oficial publicada em Diário de Lisboa, podemos ter acesso a todas as reformas promulgadas pelo Governo, e seguir todos os acontecimentos ligados à discussão parlamentar. E através do Diário da Câmara dos

Senhores Deputados podemos examinar a discussão dos projetos políticos, e as opiniões

dos deputados sobre questões essenciais do país. Quanto aos dados estatísticos contidos nos dossiês dos Recenseamento de 1864 e da Lei de Administração Civil de 1867, relativos às circunscrições administrativas e à população, serão essenciais quando tratarmos do novo mapa administrativo saído da reforma administrativa. Por conseguinte, serão úteis quando refletirmos sobre o panorama populacional e a extinção e anexação das circunscrições administrativas. A legislação política, sem dúvida, é uma boa ferramenta para tirar reflexões sobre o ideário pretendido pelos liberais.

A literatura de Oitocentos é uma excelente fonte de informação, porém, este tipo de fonte deve ser criticada e comparada com outro tipo. Os romances, as crónicas, a imprensa idealizam o ideário e a doutrina da época, sendo percetíveis quando os autores abordam temas como a política, a sociedade, a economia ou até a religião. A literatura evidencia duas realidades: o ideário da sociedade, a opinião pública e as críticas das práticas socioculturais e administrativas. Pensadores como Alexandre Herculano, Oliveira Martins, Eça de Queirós refletiram sobre o estado da administração, da política, da economia, etc. Por isso, faz sentido debruçarmos sobre o que diziam estes intelectuais da época para captarmos o cenário do período. Não vamos descartar as Constituições liberais e, para além das Constituições liberais, os Códigos Administrativos da primeira metade de Oitocentos, de Passos Manuel e de Costa Cabral, nem a reforma ampla de Mouzinho da Silveira. Estes Códigos são importantes na perceção da ideologia e do programa político pretendido para a sociedade, desse modo podemos averiguar os projetos dos liberais para a sociedade e a desejada rutura com a ideologia absolutista.

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As fontes que consultei, embora restringindo a sua quantidade, permitem fazer sequências cronológicas no plural. Essas fontes, por outro lado, mostram uma representatividade coletiva e produzem enredos que mostram projetos políticos para a sociedade. Relativamente à produção ou à elaboração das fontes, podemos classificá-las como conscientes. A maioria das fontes que nos servem de apoio são de âmbito político, devido ao facto, de se tratar de um tema que está remetido para a História Política. Porém, estamos conscientes e temos a noção que esta legislação que nos servirá para consolidar o estudo foi redigida por homens que estavam inseridos nesse contexto.

2. O contexto das reformas administrativas na primeira metade do século XIX

2.1. Os primeiros projetos liberais

Desde a Revolução Liberal que se considerava urgente e indispensável modificar a estrutura administrativa do país, incluindo o mapa administrativo territorial. A estrutura organizacional do espaço herdada do Antigo Regime correspondia a uma administração desordenada com diversos poderes senhoriais19.

O sistema político do Antigo Regime e a sua administração representavam o modo como os poderes e a sociedade estavam organizados. Permitia uma partilha do poder entre diversos órgãos, estando no topo a Coroa, assegurava a supremacia mas respeitava a autonomia do clero e da nobreza, promovendo a harmonia. Mas esta configuração foi ameaçada com o pombalismo, devido ao carácter ilimitado do poder régio que proporcionou alterações nos poderes jurisdicionais. Em 1792, a coroa pretendeu uma reorganização do mapa administrativo das comarcas, extinguindo as comarcas de dimensão reduzida. As comarcas deveriam ser de maior dimensão e todas sujeitas à autoridade do corregedor para garantir a igualdade e uniformidade na aplicação da justiça, desse modo, extinguiram-se as comarcas de dimensão reduzida. De imediato surgiram obstáculos na concretização dessas medidas: a falta de conhecimento

19 Para questões da administração do território no Antigo Regime veja-se duas obras: Cf. António Manuel Hespanha,

Poder e Instituições no Antigo Regime, Guia de Estudo, Lisboa, Cosmos, 1992; Cf. Nuno Gonçalo Monteiro, Os Concelhos e as Comunidades, in José Mattoso (dir.); António M. Hespanha (coord.), História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. IV,

Imagem

Tabela 1- Diplomas que modificaram a administração do país até 1868
Tabela 2 - Estrutura administrativa da paróquia na lei de reforma de 1867  Corpo e órgãos administrativo da paróquia
Tabela 3 - Competências do administrador do concelho
Gráfico 1 - Evolução do número de concelhos durante o séc. XIX 178
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Referências

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