• Nenhum resultado encontrado

7. Um novo modelo administrativo

7.2. A formação da paróquia civil

Para serem percetíveis as alterações na paróquia com a reforma administrativa de 1867 e o descontentamento que originou a sua criação, passamos em síntese alguns contornos da paróquia eclesiástica ao longo do liberalismo. A partir da Revolução Liberal de 1820, os liberais pretenderam modificar a administração central e local do país, para exercer um controlo mais eficiente sobre o território e também racionalizar as divisões administrativas da melhor forma. Tendo presente, os liberais, que a modificação da estrutura administrativa local era essencial para diminuir o poder das elites locais e dos párocos absolutistas, de modo a implementar os novos valores do liberalismo nas comunidades locais.

As paróquias, ao longo da história, tiveram uma forte componente religiosa, por isso a legislação liberal procurou concretizar reformas no mapa e no corpo administrativo das paróquias eclesiásticas tendo hesitado em atribuir-lhes funções administrativas. O Decreto de 26 de novembro de 1830 instituiu as juntas de paróquia e dotou-as de largas atribuições no domínio do culto religioso, mas antes já possuíam funções respeitantes ao registo civil e ao recenseamento eleitoral. Todavia, o Decreto de

151 Diário de Lisboa, 26 de junho de 1867, nº 152, pp. 199-236. 152

81

16 de maio de 1832, de Mouzinho da Silveira, excluiu-a da divisão do território e da organização administrativa, considerando-a apenas uma comunidade de tipo social e religioso. A seguir a lei de 25 de abril de 1835, atribuiu-lhes de novo funções administrativas. Enquanto o Código Administrativo de 1842 voltou a não atribuir-lhe o caráter administrativo153.

As paróquias tinham formas próprias de autogoverno, mais ou menos complexas, relacionadas com o exercício da justiça, com a gestão dos baldios ou com atribuições mais vastas que foram adquiridas ao longo da história. À frente das paróquias estava um pároco, em tantos outros casos auxiliado por outros clérigos. O poder de influência do pároco sobre a população era enorme, porque não só possuía um grau cultural superior à população, mas porque detinha o poder religioso e podia usar os rituais religiosos para influenciar.

O destino das paróquias mostrou-se muito semelhante ao dos concelhos, oscilando de Código para Código uma maior ou menor descentralização. Assim, a qualidade de administrador de paróquia variava entre regedor de caráter civil e o pároco, de carácter eclesiástico. Na reforma administrativa de Martens Ferrão era criada uma nova unidade administrativa, a paróquia civil, obtida por aglutinação das paróquias eclesiásticas existentes. As funções de índole administrativa, o conselho paroquial, iam ser conciliadas com as funções religiosas, como a fábrica da igreja. Martens Ferrão procurava com a reforma administrativa de 1867 tornar a paróquia na unidade base de todo o sistema administrativo, e com maior representatividade popular nos corpos eletivos.

A administração da paróquia ficava da responsabilidade, no Código de Martens Ferrão, de um administrador de paróquia com funções executivas e fiscais, um conselho paroquial e do pároco da paróquia. O conselho paroquial era de eleição popular, de dois em dois anos, e era composto por todos os cidadãos elegíveis. Faziam parte deste conselho um tesoureiro e um escrivão, que eram nomeados e pagos. As funções do conselho paroquial eram realizadas em reuniões de quinze em quinze dias ou se for o caso extraordinariamente, não sendo renumeradas. As competências deste conselho eram as seguintes: administrar os bens da paróquia; a administração dos estabelecimentos de beneficência; a administração dos bens da fábrica da igreja; regular convenientemente os bens e pastos dos moradores das paróquias, enquanto não forem

153 Para ter uma visão global sobre a paróquia na dinâmica da vivência e da administração durante o liberalismo veja-se:

82

amortizados; administrar todos os bens públicos da paróquia; praticar atos que foram autorizados um ano antes às juntas de paróquia; deliberar em assuntos económicos, desde empréstimos à alienação de bens154. No caso dos assuntos que remetessem para questões da especificidade económica eram submetidos à Câmara Municipal, e se houvesse recurso para o conselho de distrito.

Quanto ao pároco, tinha direito de participar no conselho paroquial relativamente aos assuntos de índole religiosa. Se a paróquia civil abrangesse mais de uma paróquia eclesiástica, o assunto teria que ser transmitido às que fossem anexadas. O Governo tinha legalidade, se julgasse conveniente, dissolver o conselho paroquial e proceder à realização de novas eleições. Este aspeto levantou muita agitação, por causa do aumento da centralização e da fiscalização por parte do Governo às localidades.

Ficou estabelecido nesta nova codificação que em cada paróquia civil haveria uma comissão de beneficência, que tinha funções de distribuição de socorros domiciliários a pessoas necessitadas, assim como a crianças. Começava a haver uma atenção especial para as questões sociais que eram agravadas com as crises. Os rendimentos de irmandades e misericórdias seriam tutelados pelo conselho de paróquia. Em caso de necessidade era possível que as paróquias do mesmo ou de diferentes concelhos se associassem para possuir condições de beneficência ou de instrução pública, embora a aprovação dependesse do Governo.

Em relação às questões da fazenda paroquial, o Código de Martens Ferrão, estabelecia que o orçamento paroquial devia ser organizado por anos civis, proposto todos os anos ao conselho paroquial pelo seu presidente e aprovado pelo mesmo conselho. Eram diversos os rendimentos dos bens da paróquia: juros de fundos públicos; as multas impostas; donativos, doações, legados ou esmolas, empréstimos autorizados; alienação de bens paroquiais autorizados; o rendimento proveniente do registo civil e dos cemitérios; os impostos adicionais, ou qualquer outra receita legal. Já as despesas podiam ser com o ensino primário, conservação ou reparo da igreja paroquial, os vencimentos do administrador de paróquia, tesoureiro e escrivão do conselho paroquial, as despesas relacionadas com a cobrança dos rendimentos, os impostos das propriedades, o pagamento de dívidas. Era referido que o orçamento não podia ter défice; para isso não acontecer ficava autorizado o conselho de paróquia a lançar um

154

83

imposto de percentagem adicional aos impostos municipais pagos pela paróquia. Estava o Conselho Paroquial obrigado a prestar contas anualmente à câmara municipal.

O administrador de paróquia era o “chefe administrativo da paróquia”155. A sua escolha era da competência do governo, de entre os membros do conselho paroquial. Esta medida evidenciava a centralização. Este magistrado administrativo tinha as seguintes competências: executar deliberações do conselho de paróquia; presidir ao conselho paroquial, com direito de deliberar em caso de empate; representar na paróquia o administrador do concelho; manter a ordem pública; elaborar o orçamento paroquial; fazer publicar leis e regulamentos; receber e fazer executar as ordens do administrador do concelho; prover nas limpezas de ruas e estradas; auxiliar as autoridades judiciais em casos de crimes; informar o Administrador concelhio, fazendo a ligação com o administrador do concelho; abrir testamentos.

Tabela 2 - Estrutura administrativa da paróquia na lei de reforma de 1867

Corpo e órgãos administrativo da paróquia

Magistrado administrativo Administrador de paróquia

Corpo administrativo Conselho paroquial

Modo de eleição do Administrador de paróquia É da competência do governo. A escolha recaía

num dos membros do Conselho Paroquial

Modo de eleição do Conselho Paroquial É de eleição popular, todos os cidadãos elegíveis

Duração do mandato do Conselho Paroquial Para o Conselho Paroquial o mandato é de dois

anos.