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7. Um novo modelo administrativo

7.3. A administração dos concelhos

O liberalismo trazia uma forte componente municipal, havendo uma declarada necessidade de modificar a estrutura administrativa dos concelhos, os corpos camarários e alterar a divisão e organização territorial administrativa. Portanto, no seio da administração dos concelhos era crucial substituir a velha elite absolutista por elementos liberais, e nestes termos era necessário proceder igualmente a algumas alterações no funcionamento da estrutura e na ligação com o poder central. Por outro lado, a existência de demasiados concelhos pequenos com uma população conservadora, era um entrave à consolidação de uma sociedade moderna, por isso era importante proceder a uma nova estruturação do espaço territorial com critérios de racionalidade. Mas não

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só, o processo de redução do número de concelhos permitia a exigência de um novo tipo de gestão do Estado e a instauração de uma nova forma de autoridade do poder central sobre a autonomia perdida dos concelhos, como permitia o Código Administrativo de Martens Ferrão.

Desde os primeiros tempos do liberalismo assistiu-se ao debate entre os defensores da centralização e os defensores da descentralização. Praticamente durante todo o século XIX houve uma alternância entre centralização e descentralização administrativa, dependente da fação partidária que ocupava o poder. Porém, no essencial, o liberalismo procurou instaurar uma administração local centralista e hierarquizada que visava o controlo efetivo do território nacional e das comunidades locais pelo Estado. Todavia, Portugal soube preservar o perfil essencialmente urbano dos seus concelhos, apesar de nos países como a França, Espanha e outros, se ter optado por constituir uma comuna em cada cidade, vila, aldeia ou comunidade. Pelo seu turno, Portugal preservou os municípios nas zonas com maior área. Mais, Portugal não só reforçou esse perfil, ao reduzir (pelo Decreto de 6 de Novembro de 1836 e, ainda, pelos Decretos de 31 de dezembro de 1853 e de 24 de outubro de 1855) em dois terços o número de municípios então existentes.

Um país pequeno, fragmentado em vários pequenos concelhos com um grande número de paróquias que possuíam uma autonomia que a reforma de Mouzinho da Silveira veio destruir com o objetivo de modernizar o Estado, e com a intenção de controlar as populações e o território. Mas a partir de 1835, com o setembristas, vão adotar uma postura um pouco diferente da de Mouzinho, pois vão conceder amplas liberdades aos concelhos. Mais tarde os cabralistas elaboraram um Código de caráter centralizador, e exerceram um controlo mais efetivo nos concelhos. Entre as diversas mudanças que se compuseram em Portugal, as reformas administrativas desempenharam um papel de relevo na modernização e na proliferação dos princípios liberais pelo território nacional.

A reforma administrativa de 1867 procurou substituir o Código Administrativo de Costa Cabral, que estava em vigor desde 1842. Este Código de Costa Cabral de espírito claramente centralizador, no qual os corpos administrativos estavam sujeitos a uma apertada tutela fez funcionar não só uma centralização administrativa mas também a centralização política.

O que ficou estabelecido na reforma administrativa de Martens Ferrão de 1867 foi, sobretudo, uma solução para os problemas na administração dos concelhos

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resultantes do Código Administrativo de 1842. A administração local cabralista era ineficiente, a sua organização era considerada absurda, além das dificuldades de penetração do Estado na sociedade conservadora, da inexistência de meios financeiros e de recursos humanos. Portanto, Martens Ferrão procurava soluções para estes e outros problemas na administração local.

O governo do concelho, que correspondia a um só círculo eleitoral, competia tanto à câmara municipal como ao administrador de concelho. As câmaras municipais de dois em dois anos eram renovadas e compunham-se por sete vereadores, exceção feita aos concelhos de Lisboa, com treze membros, e ao concelho do Porto com onze membros. As câmaras eram de eleição popular, havia a figura de um presidente e de um vice-presidente, que eram escolhidos pelos vereadores entre si. Faziam também parte da câmara municipal um procurador fiscal, um secretário e um tesoureiro, que eram eleitos dos cidadãos.

Os vereadores tinham uma função de extrema importância na administração do concelho. Passados dois anos procedia-se a um sorteio dos vereadores que deviam ser substituídos, neste caso três, exceção feita a Lisboa e ao Porto. Ora, passados mais dois anos eram substituídos, ou seja, quando completassem quatro anos eram substituídos os restantes vereadores. Mas estes podiam ser reeleitos ao fim dos quatro anos156. As funções dos vereadores não eram renumeradas mas eram obrigatórias. E ficavam delineadas uma série de exceções, como a idade superior a setenta anos, a mudança de residência para outro concelho, dificuldades em assistir às sessões, etc. Nas sessões a maioria dos vereadores tinha que estar presentes para se considerar a sessão legítima, e as deliberações da câmara municipal para serem validadas tinham que ser pela maioria. Em caso de empate ficava adiada a votação para outra sessão. Os vereadores incorriam a diversas penas em caso de falta às sessões.

As funções das câmaras municipais, as mais importantes, careciam de aprovação superior, o que provocava uma reação conflituosa, pois esta era uma medida centralizadora. Portanto, as câmaras municipais possuíam funções deliberativas, como cooperação administrativa, e consultivas. A última decisão em caso de recurso, nas funções deliberativas e consultivas, cabia ao conselho de distrito, ao Governo e às Cortes. O Governo se entendesse podia facilmente dissolver a câmara municipal, e nalguns casos até podia dissolvê-las sem ouvir o Conselho de Estado, como no seguinte

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caso, se não apresentassem contas anualmente e o orçamento. Outro ponto que lançou discórdia foi o facto de terrenos baldios municipais ficarem desamortizados, segundo o que já estava estabelecido em alguns dos casos na lei de 22 de junho de 1866. A alienação podia ser feita através da venda e do emprazamento, cabendo ao Governo um papel interventivo e de decisão neste processo157.

Em relação aos principais responsáveis máximos pelo governo do município, o presidente da câmara municipal e o administrador do concelho, são das suas competências a criação de harmonia tanto no funcionalismo camarário como nas relações com o poder central, mais neste caso o administrador do concelho. Ao primeiro competia-lhe principalmente a gerência da fazenda municipal e a superintendência em matéria de contabilidade. Praticamente tudo que dizia respeito ao âmbito financeiro era da sua responsabilidade, salvo em caso especiais como a lei refere. Quanto ao administrador do concelho é o representante do poder central nos concelhos, ou seja, é o executor das ordens do Governo. É da sua competência uma série de atribuições, ressalve-se as de autoridade política, como a fiscalização que exerce como magistrado público, pode executar leis e regulamentos, nomear e demitir funcionários do concelho e das paróquias e, ainda, tem funções judiciais, sociais e económicas. Este cargo é um verdadeiro fiscalizador e representa o poder governamental nos territórios, deste modo, controla e fiscaliza todo o processo de administração dos concelhos e os corpos e órgãos camarários. Não obstante todas estas competências, têm que obedecer ao administrador do distrito, seu superior hierárquico.

Tabela 3 - Competências do administrador do concelho

Autoridade política

Fazer e executar as leis, regulamentos e providências. Conceder licenças

Controlar e inspecionar os funcionários administrativos, a fazenda pública e a instrução primária

Exercer controlo sobre os estrangeiros que se instalares nos concelhos Conceder licença para uso e porte de armas

Compete assistir às sessões da câmara municipal e promover reuniões extraordinárias sempre que for necessário

Pode constituir num dos concelhos anexados um delegado que pode nomear Nomear para todos os empregos do concelho ou das paróquias, para cujo provimento a

lei não estabelecer e pode demitir

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Autoridade judicial

Dirigir a policia do concelho, dando todas as providencias Auxiliar os funcionários judiciais

Proceder à captura dos criminosos

Autoridade pública

Tarefas de beneficência e de caridade

Controlo das instituições de beneficência ao nível das despesas. Promover e organizar os socorros em caso de calamidade pública Funções

financeiras Deve tomar posse de todos os bens da fazenda pública