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Referenciação e humor em charges políticas MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria Tereza Cattacini Blois

Referenciação e humor em charges políticas

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria Tereza Cattacini Blois

Referenciação e humor em charges políticas

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profª. Dra. Ana Rosa Ferreira Dias.

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

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Banca Examinadora

___________________________________

___________________________________

(4)

A Deus,

A meu marido, Luiz Alberto.

(5)

AGRADECIMENTOS

À querida orientadora, Profª Drª Ana Rosa Ferreira Dias, meu

profundo agradecimento, não só pela indispensável leitura e comentários

construtivos com os quais fui contemplada, mas também pelo reconfortante

apoio a mim despendido.

Meus agradecimentos também às Profª Drª Maria Lúcia da

Cunha Victório de Oliveira Andrade e Profª Drª Vanda Maria da Silva

Elias pela minuciosa leitura e observações que auxiliaram na melhoria

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RESUMO

Objetivamos, neste trabalho, identificar e analisar a referenciação como estratégia na construção do humor em charges jornalísticas. Tais objetivos foram motivados pela observação de charges políticas referentes ao mensalão, nas quais encontramos a recorrência da referenciação na produção da charge, revelando assim, o propósito comunicativo do escritor e orientando o leitor na construção de sentido.

Para atingir nosso propósito, constituímos o corpus do trabalho com onze charges do jornal Folha de S. Paulo, selecionadas de agosto a outubro de 2012, acerca do julgamento que foi tratado pela mídia como o maior caso de corrupção da história política brasileira, e procedemos com a análise baseando-nos nos estudos de referenciação tal como realizados, hoje, no campo dos estudos do texto, em uma perspectiva sócio-cognitiva interacional bem como nos estudos do humor.

Nesta investigação, verificamos que a referenciação constitui o discurso humorístico por meio de diferentes modalidades da linguagem possibilitando a construção do referente na crítica da charge, e influenciando os efeitos de sentidos promovidos pela mídia escrita.

Além disso, observamos o mensalão - que é tema das charges – e constatamos que, na análise realizada, o referente é categorizado e recategorizado na atividade discursiva, no qual é projetada a imagem do político, influenciando, assim, a opinião dos leitores do jornal.

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ABSTRACT

This study aims to identify and analyze referencing as a strategy in building humor in editorial cartoons. The above mentioned objectives were motivated by the observation of political cartoons regarding the mensalão scandal, in which we found the recurrence of referencing in cartoons creation process, thus revealing the writer’s

communicative purpose and guiding the reader in the construction of meaning.

To achieve our purpose, we built up the corpus of this study with eleven cartoons from the newspaper Folha de S. Paulo, selected between August and October 2012, about the judgment treated by the media as the biggest corruption case in the Brazilian political history, and we proceeded the analysis based on the referencing studies as those performed, today, in the field of texts studies in an interactional socio-cognitive perspective as well as on humor studies.

In this investigation, we found out that referencing builds the humorous speech through different modalities of language, allowing the construction of the subject in the cartoon review also influencing the meaning effects promoted by the written media.

Moreover, we have observed the mensalão - which is the main topic of the cartoons - and we have found out through the present analysis that the subject is classified and reclassified in the discursive activity, in which the politician image is projected, thereby influencing the opinion of newspaper readers.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1

1. APRESENTAÇÃO DO CORPUS ... 3

1.1. Angeli ... 5

1.2. Contexto histórico-político: mensalão... 6

1.3. Charge: os escândalos como critério político ... 11

2. HUMOR: UM ESTUDO INTERDISCIPLINAR ... 14

2.1. Abordagem histórica: humor e seus registros históricos ... 15

2.1.1. O riso grego: Aristóteles a Quintiliano ... 15

2.1.2. O riso da Idade Média à Idade Moderna ... 20

2.1.3. A Belle Époque: sua influência urbanística e humorística no Brasil ... 24

2.1.3.1. A Belle Époque ... 24

2.1.3.2. O humor na Belle Époque ... 26

2.1.3.3. O humor no Estado do Rio de Janeiro ... 27

2.1.3.4. O humor no Estado de São Paulo ... 30

2.2. O humor na Sociologia e na Política ... 31

2.3. O humor na Psicanálise ... 34

2.4. O humor na Linguística e no discurso ... 38

3. REFERENCIAÇÃO E INTENCIONALIDADE: PRÁTICAS DISCURSIVAS... 43

3.1. A referenciação e a intencionalidade: atividade discursiva na construção de sentido ... 43

3.2. A anáfora indireta: um mecanismo referencial ... 47

3.3. Intertextualidade e interdiscursividade ... 49

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4. GÊNERO TEXTUAL: CHARGE ... 56

4.1. Gênero textual: processo sociocomunicativo ... 56

4.1.1. Concepções teóricas de gênero textual ... 57

4.1.2. O conceito de gênero textual na perspectiva sócio-discursiva ... 58

4.1.3. O conceito de gênero como ação social em Miller, Bazerman e Marcuschi ... 59

4.2. Gênero charge: definição e característica ... 61

4.3. A charge como crítica jornalística ... 65

4.4. Charge: humor e crítica ... 67

5. ANÁLISE DO CORPUS ... 73

5.1. Algumas conclusões ... 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 88

FONTES ... 90

DICIONÁRIOS ... 90

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INTRODUÇÃO

Neste trabalho, objetivamos investigar o processo de referenciação em charges políticas, por meio de elementos linguístico-cognitivos, para a construção dos efeitos de humor. As bases são as concepções humorísticas e as abordagens sociocognitivas. Além disso, mostraremos as contribuições desses elementos para a compreensão das charges como gênero de ação social.

Os estudos sobre a referenciação, tema relevante dentro da Linguística Textual (doravante LT), abrem muitas perspectivas para o tratamento do texto humorístico, uma vez que, por meio dela, de um lado, o escritor concebe seu objeto de discurso, e de outro, o leitor compreende o texto mediante a construção de sentido feita pelo escritor.

A abordagem de tal conceito se fará numa perspectiva teórica sobre a referenciação, tratados por estudiosos europeus como Mondada & Dubois (2003 [1995]) e brasileiros como Koch (2009[2004], 2010[2005], 2011); Marcuschi (2007,2010[2005]); Cavalcante (2010[2005], 2010, 2012); Marquesi (2007), e analisará a questão em charges políticas, pondo em foco a referenciação como um processo ativo de construção de referentes ou objetos de discurso. Os autores adotam, para isso, formas linguísticas referenciais, que promovem a introdução, a retomada e a transformação do objeto do discurso.

Diante dos desafios encontrados pela maioria dos autores ao longo dos tempos, o de maior destaque foi estar atento às mudanças sociais e políticas que interferem na relação entre as produções textuais e os seus prováveis leitores. Todavia, muito além do que escrever, torna-se relevante para esses autores, saber exatamente para quem escrever, a fim de que suas criações estimulem e compartilhem com seu público leitor. Para isso, os autores viam no humor uma maneira de agradar aos mais variados leitores recorrendo à sátira, à zombaria, aos chistes, às paródias, aos apontamentos falhos, aos costumes, entre outros.

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um riso maldoso, crítico e zombeteiro, pois estamos imersos em uma “sociedade

humorística”, na qual os meios de comunicação difundem modelos descontraídos, personagens cheios de humor e, em que se levar a sério é falta de correção.

A fim de contribuir para essa discussão, propomos, nesta tese, analisar a referenciação em charges políticas, corpus deste trabalho, no período do maior e mais importante julgamento da história do Supremo Tribunal Federal (STF): o mensalão, um esquema ilegal de financiamento organizado pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Esta negociata tinha como objetivo a compra de apoio político para o governo no Congresso e ocorreu logo após a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder em 2003. O mensalão foi denunciado pelo ex-deputado Roberto Jefferson numa entrevista à Folha de S.Paulo, em 2005.

Para a análise, partimos do pressuposto de que os referentes, entendidos como construções sociocognitivo-interacionais, podem ser introduzidos, categorizados e recategorizados por meio dos componentes verbais e visuais. As questões que orientam essa pesquisa são as seguintes: i) Como o processo de referenciação contribui para construção dos referentes em charges políticas, em se tratando de um gênero textual constituído de elementos verbais e não verbais? ii) De que forma processos referenciais contribuem para a construção de efeitos de humor?

Nossa inferência é a de que, no gênero textual charge, a constituição de referentes se dá sociocognitivamente na inter-relação palavra-imagem. Dessa forma, as interações sociais não se efetivam apenas pelo verbal, mas agregam diversas modalidades de linguagem. Além disso, ao serem recategorizados ao longo do texto, os referentes contribuem para uma quebra de expectativa do leitor, produzindo o humor.

Para procedermos às análises dos processos referenciais em charges políticas, recorremos aos estudos sobre gêneros textuais tratados por Bazerman (2004); Miller (2009); Marcuschi (2011), nos quais afirmam que os gêneros textuais representam nossas ações sociais, nossos propósitos comunicativos e nossas intenções num determinado meio social.

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recategorização dos referentes em charges políticas. No capítulo 4, tratamos da concepção de gênero textual como ação social. No capítulo 5, com base nos estudos realizados nos capítulos anteriores, analisamos o processo de referenciação e produção do humor em charges políticas.

1. APRESENTAÇÃO DO CORPUS

O corpus de análise deste trabalho é a charge jornalística cujo tema é a crise do mensalão: esquema de propinas pagas regularmente a congressistas, com dinheiro público desviado, para que votassem a favor do governo. Foi, provavelmente, o fato mais investigado na história política da República Brasileira, por isso ganhou visibilidade na sociedade.

Os escândalos políticos e denúncias de corrupção de pessoas públicas são muito frequentes no Brasil e a ação dos meios de comunicação de massa dão aos fatos mais popularidade e ênfase, ganhando força na opinião pública. Exemplo disso está na denúncia de um esquema de corrupção divulgado pela revista Veja, que ganhou nova dimensão após a entrevista do então deputado Roberto Jefferson ao jornal Folha de S. Paulo, em 6 de junho de 2005. Daí em diante, os principais jornais diários e as revistas semanais de informação passaram a competir por novas denúncias e evidências contra autoridades da República, repetindo a parceria mídia/CPI que, em 1992, levou ao impeachment do presidente Fernando Collor de Mello.

Para a seleção do corpus, acompanhamos as charges das edições da Folha de S. Paulo no período de 02 de agosto a 29 de novembro de 2012. Após o término do julgamento com a condenação dos vinte cinco réus do mensalão, iniciou-se, no segundo semestre de 2013, uma nova fase. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu reexaminar as acusações e condenações contra doze pessoas, denominados embargos infringentes, recurso previsto para os réus que tiveram quatro votos pela absolvição. José Dirceu, Delúbio Soares, João Paulo Cunha, José Genoino, Marcos Valério e outros sete réus terão direito a novo julgamento, o que pode reduzir suas penas, mas não inocentá-los.

Assim, durante o período do julgamento, recortamos os textos que tratavam da temática sob a visão de Angeli, chargista que publica suas produções no jornal desde 1973

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humor político na imprensa ligado com as notícias de destaque durante o julgamento do mensalão.

Na Folha de S. Paulo, no período sob análise, há espaço não só para charges sobre o tema, mas estas são parte do caderno de Opinião. A charge ocupa o centro da parte superior da página A-2, ao lado e/ou acima de editoriais e comentários. Ela é considerada pelo veículo midiático a única expressão opinativa em que predomina o código visual, com cores e humor como recursos importantes, pois cumpre o papel de chamar a atenção do leitor.

A Folha de S. Paulo mantém dois chargistas em seus quadros profissionais, desde 1989 até os dias de hoje, dois chargistas que se revezam na criação das charges diárias. No mesmo ano, o cartunista Glauco (1989-2010) dividiu o espaço da página com Spacca e, em 1994, com Angeli.

O jornal Folha de S. Paulo, que pertence ao Grupo Folha, foi fundado¹ em 1960, resultado da fusão entre os periódicos Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha da Tarde. Nessa época, ele era o segundo maior jornal de circulação do Brasil, segundo dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC). A circulação média diária em 2010 foi de 294.498 exemplares. Ao lado de O Globo, Correio Brasiliense e O Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo é um dos jornais mais influentes do país.

Desde meados do período do regime militar, a Folha de S. Paulo manteve posição crítica diante dos fatos políticos, sociais e econômicos. Foi a primeira a recomendar a publicação do impeachment do chefe do governo, Fernando Collor de Mello, consumado em 1992. Da revelação da fraude na concorrência para a Ferrovia Norte-Sul (1985) até a revelação de Roberto Jefferson do escândalo do mensalão (2005), ela tem estado na vanguarda da fiscalização das autoridades e da revelação de desmandos e abusos.

Em 1986, a Folha de S. Paulo tornou-se o jornal de maior circulação em todo o país, liderança que mantém desde então. Segundo o Datafolha², o perfil do público leitor da Folha impressa tem como produto um relacionamento duradouro e satisfatório. A maioria dos brasileiros avalia que o veículo traz prestígio e é essencial para entrar no mercado. O leitor da Folha nas versões papel e digital está no topo da pirâmide social.

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¹ As informações acerca das características e história do jornal foram retirados do site http://www.wikipedia.org/wik./Folha_de_S_Paulo - acesso em 05/07/2013;

http://www.folha.uol.com.br/folha/conheça - acesso 05/07/2013.

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1.1. ANGELI

Para o desenvolvimento das análises selecionamos charges políticas do cartunista

Angeli, para quem o “humor a favor” não agrada, ou seja, para ele a função do chargista e do cartunista é “criticar, satirizar e levantar discussões, caso contrário, deixe isto para os

publicitários”.

As charges de cunho político do cartunista paulistano retrataram os presidentes da

República Federativa do Brasil e “estilo de governo”, portanto, parlamentares, juízes e

empresários foram personagens importantes de uma coletânea de charges durante o período do maior julgamento da história republicana.

Contrário à opinião de muitos cartunistas, Angeli apresentou uma percepção crítica acerca do governo do Presidente Lula . Fatos evidenciados na galeria de charges veiculadas no jornal Folha de S. Paulo, em que o autor descortina episódios que permeiam o contexto político e econômico do governo. Seu olhar crítico advém de seu posicionamento social, já que foi ex-militante do Partido Comunista e explicitou ter encarado com desconfiança a chegada dos petistas ao poder. Evidencia-se isso na afirmação “sempre me incomodou aquele nariz empinado deles e aquela postura de detentores da honestidade”³.

Arnaldo Angeli Filho, conhecido como Angeli, nasceu em 31 de agosto de 1956. Começou a desenhar aos catorze anos na revista Senhor e em 1973 foi contratado pelo jornal Folha de S. Paulo, no qual continua até hoje. Inspirou-se no cartunista norte- americano Robert Crumb, do qual faz a seguinte afirmação: “eu aprendi lendo Crumb” (Revista Língua Portuguesa, ano 7, nº 83 – setembro de 2012, p.15).

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(15)

Apesar de não ser um bom aluno de Português, preocupava-se com a fala de suas personagens e, principalmente, com a relação texto-imagem.

Antes de tudo, eu fui um péssimo aluno de Português. Na verdade, não concluí nem o antigo primário e o ginásio. Foi tudo muito caótico. Então, sempre tive atenção ao Português na hora de trabalhar algum personagem, até por insegurança. [...]. Não sei como são os outros cartunistas, mas penso tudo junto – o texto e a imagem (grifo nosso). (Revista Língua Portuguesa, set. 2012, p.13)

Assim, referente ao seu estilo, revela um humor agudo, crítico e engajado socialmente como veremos na análise. Angeli, munido de pincéis e senso crítico, traça personagens essenciais ao contexto histórico da política brasileira e seu talento é reconhecido no que diz respeito à faceta literária e ao amadurecimento de sua obra, visto que as personagens do autor apresentam densidade e transitam na literatura. O autor afirma que, mesmo não tendo muita habilidade em escrever, aborda seus pensamentos sob a forma de palavra e desenho, sendo assim sua verdadeira linguagem. (Revista Língua Portuguesa, 2012).

A seguir, apresentamos informações sobre o mensalão, para posteriormente, procedermos à análise das charges produzidas por Angeli.

1.2. CONTEXTO HISTÓRICO – POLÍTICO: MENSALÃO

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Em maio de 2005, a mídia apresentou o retrato acabado de como a corrupção estava arraigada até mesmo nos cantos mais obscuros da máquina pública brasileira. Na época, o Presidente Lula, negou conhecer qualquer prática de mensalão. Os envolvidos receberam acusações de crimes como corrupção ativa, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e peculato. Entre os 38 réus acusados destacam-se: José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil), Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT), José Genoíno (ex-presidente do PT).

O neologismo mensalão é variante da palavra mensalidade, criada como referência à mesada paga a deputados para votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo. Embora o termo já fosse conhecido nos bastidores da política para designar prática ilegal, chegou à imprensa em 6 de junho de 2005 e ganhou reputação nacional após entrevista com o deputado Roberto Jefferson, presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) concedida ao jornal Folha de S. Paulo. Este denunciou pagamentos mensais de 30 mil reais realizados pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares, a alguns deputados da base aliada, com o objetivo de aprovar emendas favoráveis ao governo.

A situação agravou-se quando Jefferson afirmou existir ligação de empresas estatais e privadas no financiamento da compra de votos. Em seguida, os partidos de oposição –

Partido de Frente Liberal (PFL) e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) –

convocaram uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar os Correios e em seguida outra Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para verificar as denúncias de Jefferson sobre a compra de votos entre os parlamentares. Ele confessou movimentação de recursos financeiros não declarados à Justiça Eleitoral (conhecido no

Brasil como “caixa dois”), utilizados para cobrir dívidas de campanhas do PT e dos partidos aliados. Com isso, o deputado do PTB foi expulso do partido.

Além disso, o escândalo tornou-se mais abrangente quando se descobriram as ligações do empresário Marcos Valério com o “caixa dois” da campanha petista. Em entrevista ao Jornal Nacional da Rede Globo, Marcos Valério admitiu ter emprestado dinheiro para as campanhas eleitorais do PT. Delúbio Soares confirmou a versão e, em 20 de julho de 2005, admitiu que fazia “caixa dois”. A imprensa classificou essas ligações de

“Valerioduto”4

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4 Significado do neologismo “Valerioduto”¸ palavra criada para identificar a rede de corrupção comandada

pelo publicitário Marcos Valério.

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Na revista Veja, matéria da capa “O vídeo da corrupção em Brasília”, edição de 18 de abril de 2005, divulgou-se uma fita de vídeo em que Maurício Marinho, ex-diretor do Departamento de Contratação e Administração do Material dos Correios, negociava o pagamento de propina com empresários interessados em participar de uma licitação.

A partir daí, sucederam-se revelações de um grande esquema que envolveria o

financiamento ilegal de campanhas eleitorais como: o chamado “caixa dois”, o repasse de

dinheiro a partidos em troca de apoio a candidatos, o desvio de verbas de empresas públicas e a compra do voto de parlamentares em troca de um pagamento mensal, o mensalão propriamente dito.

Segundo o Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, na denúncia oficial apresentada e acolhida pelo Supremo Tribunal Federal na época, o deputado federal Roberto Jefferson estava acuado e abandonado pelos seus ex-aliados, pois o esquema de corrupção e desvio de dinheiro público estava com enfoque em dirigentes dos Correios. Após a denúncia oficial, o Procurador-Geral da República encaminhou o processo.

Para Ferreira & Marques (Revista Veja, 18 de abril, 2012), todas as denúncias feitas por Jefferson, aprofundam a crise no governo brasileiro e derrubam o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, que depois foi eleito deputado. Com isso, instalou-se uma CPI a fim de apurar as denúncias, cujo relatório final pediu o indiciamento de mais de 100 pessoas e a cassação de dezoito parlamentares. Entre os principais, José Dirceu (PT-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Pedro Corrêa (PP-PE) perderam seus mandados e também seus direitos políticos por oito anos. Outros quatro parlamentares renunciaram para escapar da cassação e os onze restantes foram absolvidos pelos colegas na Câmara de Deputados.

Assim, o então Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, apresentou denúncia ao STF contra trinta e oito pessoas que, segundo ele,

participaram da “organização criminosa” do inquérito 470. As práticas incluíam lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas e corrupção. Na denúncia, o procurador qualificou José Dirceu como o “chefe da quadrilha”. A partir disso, em agosto

de 2007, o ministro Joaquim Barbosa, relator do julgamento¸ aceitou a denúncia contra os trinta e oito mensaleiros, que se tornaram réus no STF. O processo passou pela análise do ministro revisor, Ricardo Lewandowski, depois de quase cinco anos.

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lavagem de dinheiro e apontado como responsável pela engenharia financeira que possibilitou ao PT montar o esquema de corrupção.

Além disso, a acusação do Ministério Público Federal sustentou que o mensalão foi abastecido com 55 milhões de reais tomados por empréstimo por Marcos Valério, injetados nas contas da DNA Propaganda, administrada por ele, junto ao Banco Rural e ao BMG, que se somaram a R$ 74 milhões de reais desviados da Visanet, fundo abastecido com dinheiro público e controlado pelo Banco do Brasil. Segundo Marcos Valério, esse valor é subestimado, pois conta que o caixa real do mensalão era o triplo do descoberto pela polícia e denunciado pelo Ministério Público.

Mais ainda, todo o controle da contabilidade cabia ao tesoureiro do partido, Delúbio Soares, réu no processo, condenado a 8 anos e 11 meses de prisão pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. O papel de Delúbio era, além de ajudar na administração da captação, definir o nome dos políticos que deveriam receber os pagamentos determinados pela cúpula do PT, com o aval do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu.

Em dois de agosto de 2012¸ o STF, Supremo Tribunal Federal, iniciou o julgamento dos trinta e oito nomes denunciados em 2006 pelo Procurador-Geral da República, em crimes como formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta e evasão de divisas.

Os onze ministros do STF, que compunham a corte, receberam todas as denúncias feitas contra cada um dos acusados, o que os fez passar da condição de denunciados a réus no processo criminal, devendo defender-se das acusações que lhes foram amputadas perante a Justiça e, posteriormente, devendo ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

O processo acumulou cerca de 50 mil páginas desde que a denúncia foi apresentada e mais de 600 testemunhas foram ouvidas. Conforme Ferreira, Folha de S. Paulo, edição de 29 de julho de 2012, os advogados dos réus do mensalão montaram uma estratégia de defesa em que atacariam as denúncias apresentadas contra eles pela Procuradoria-Geral da República, como se elas fossem um “castelo de cartas”, procurando desqualificar peças-chave do processo para fazer ruir a narrativa da acusação.

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O julgamento encerrou-se com 25 condenações e 13 absolvições. Um dos réus, Luiz Gushiken, teve a sua absolvição pedida pelo próprio Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, quando do início do referido julgamento. O empresário Marcos Valério foi condenado a 40 anos e quatro meses de prisão; seu sócio, Ramon Hollerbach, a 29 anos e sete meses; o publicitário Cristiano Paz a 25 anos e onze meses; Roberto Jefferson a 7 anos e 14 dias; João Paulo Cunha a 9 anos e 4 meses e José Dirceu foi condenado a 10 anos e 10 meses de prisão, sem que sua participação em episódios criminosos tivesse sido demonstrada com fatos (LEITE, 2013).

Ainda, segundo esse autor, José Dirceu foi considerado pelo Procurador-Geral, o

“chefe da quadrilha”, mas não surgiram fatos objetivos para sustentar essa visão. Além

disso, o principal indício contra José Genoíno, condenado a seis anos e onze meses de prisão, era ter assinado pedidos de falsos empréstimos em nome do partido que presidia.

Para o autor, antes do início do julgamento, os advogados de defesa estavam mais otimistas, pois julgavam ser possível contar com uma bancada de ministros convencidos de que a denúncia não possuía provas consistentes para condenar réus de maior importância política, mas essa visão foi mal calculada, pois contavam com votos que não vieram a seu favor. Um deles era Luiz Fux, o primeiro ministro indicado por Dilma Rousseff para integrar o STF.

Por envolver sócios de bancos, ministros e políticos, o julgamento permitiu que a condenação de personalidades públicas fosse associada a uma vitória inédita sobre a corrupção e, mais importante, a um esforço para mostrar que os ricos e poderosos agora não estão a salvo da justiça.

O julgamento da Ação Penal 470 condenou sócios e executivos do Banco Rural e das agências de publicidade ligados de forma permanente ao esquema financeiro do PT. Leite (2013) aponta que o ministro José Dirceu foi condenado há 10 anos e 10 meses, enquanto que outro, Luiz Gushiken (ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República), sentou-se no banco dos réus antes de ser absolvido Isso nunca havia acontecido (sic).

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Ainda segundo Leite (2013, p. 147), se houvesse responsabilidade política para corrigir as imensas imperfeições e desvios, isso já teria sido feito, “mas sempre que surge essa oportunidade, ela é barrada por falta de interesse político, pois é mais interessante tirar

proveito de uma denúncia do que procurar a origem dos erros”, afirma. A partir disso, o autor afirma que o mais recente projeto eleitoral, elaborado pelo deputado Henrique Fontana, do PT gaúcho, foi sabotado pela oposição no ano passado e previa o financiamento público exclusivo de campanha que proíbe a ação dos corruptos na distribuição de verbas para os partidos. Não há lei capaz de impedir a prática de crimes, mas uma boa legislação pode desestimular as más práticas.

1.3. CHARGE: OS ESCÂNDALOS COMO CRITÉRIO POLÍTICO

Os escândalos políticos midiáticos são eventos que implicam a revelação, por meio de gêneros textuais e da mídia, de atividades previamente ocultadas e moralmente desonrosas, desencadeando uma sequência de ocorrências. Segundo Thompson (2002,

p.23), em nossa sociedade midiática, “o escândalo é um evento central, já que afeta as fontes concretas do poder”, pois o poder, nos regimes democráticos eleitorais, submetidos

à pressão da opinião pública, está ligado à reputação moral. Além disso, hoje, o escândalo torna-se quase onipresente, não por conta de uma pretensa redução da qualidade dos líderes políticos, mas por causa das transformações de sua visibilidade pública (cf.THOMPSON, 2002).

O autor afirma que houve uma expansão da mídia e uma mudança na cultura

jornalística nas décadas de 1960 e 1970, quando uma “renovada ênfase na reportagem investigativa” rompeu as barreiras que impediam a divulgação de determinados segredos de poder. Consequentemente, os delitos financeiros (corrupção e desvio de verbas) e os escândalos de poder envolvendo o abuso de autoridade por parte de funcionários públicos, começaram a ganhar destaque na mídia em geral.

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acontecimentos em notícia. A crise de 2005, primeiramente tratava da corrupção no governo Lula (Correios). A atitude imoral de um funcionário recebendo propina de empresários, logo se transformou num escândalo de maior proporção, ao trazer à tona a denúncia de compra de votos supostamente praticada pelo partido do governo e por figuras importantes ligadas ao presidente Lula. Estava em jogo, portanto, um importante fator de apelo noticioso, a quebra de expectativa ética e moral em relação ao PT e a Lula, e mais ainda, a questão imoral relacionada ao comportamento inadequado de atores políticos, que historicamente tinham sua imagem associada à defesa da ética na política. Com base nas concepções de Thompson (2002), a imprensa recorre, mais do que nunca, à característica moral do evento como um forte critério de noticiabilidade que os atores políticos, por sua vez, souberam vocalizar.

Os escândalos políticos, entre os quais se incluem a corrupção individual e sistemática, constituem uma das principais matérias-primas do jornalismo político moderno, pois são explorados pela mídia por conta do valor da notícia, ou seja, porque simplesmente dá mais audiência e vende mais jornal. Além disso, um dos principais papéis do jornalismo é fiscalizar o sistema político, o governo, partidos e políticos. Assim, por meio de gêneros textuais como a charge, a mídia impressa assume a função de vigiar e denunciar atos e comportamentos abusivos aos interesses dos cidadãos e da sociedade. Os escândalos ganham uma proporção muito grande, conforme a gravidade das acusações que se referem às ações ou aos acontecimentos que implicam transgressões de valores, normas ou códigos morais que, revelados, motivam reações e respostas públicas. Tais transgressões tornam-se matéria prima para os chargistas cujo compromisso é desmascarar por meio de suas produções humorísticas. Na esfera política, em geral, os escândalos estão associados à corrupção e ao suborno político. Além do mensalão que atingiu seriamente o PT e o governo Lula, os casos “Collorgate”, que teve a renúncia do então presidente Fernando Collor, e o suposto “mar de lama” do segundo governo Vargas, cujo final trágico foi seu suicídio, foram os três maiores escândalos políticos da nossa história republicana5

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Segundo Thompson (2002), o escândalo é sempre um caso público, pois implica uma transgressão de valores morais, tornando-o um importante objeto de estudo por diversos motivos, como a quantidade de parlamentares envolvidos, bem como o tempo e o espaço dados pelos veículos de comunicação ao assunto. Nesse espaço, declarações e depoimentos têm um peso equivalente àqueles dos inquéritos policiais, porque se trabalha com a noção de verdade, capaz de construir ou arruinar reputações e imagens. Como leva um tempo considerável para se desenvolver, o escândalo exige um local cuja regularidade garanta não só sua permanência na esfera de visibilidade pública, mas represente durabilidade. Assim, é preciso que o escândalo esteja em destaque pelo maior período possível sem, contudo, que a periodicidade diária canse o leitor. Para isso o gênero charge, com todo o seu aspecto visual e verbal e sua localização estratégica no jornal, busca contribuir, por meio do humor, na permanência do assunto sem causar desinteresse no leitor. Ao traçar uma teoria do escândalo político midiático, Thompson destaca como o uso contemporâneo da mídia transformou a conduta dos líderes políticos e a vida política em geral. Os escândalos políticos são ruins para aqueles homens que almejam o poder, pois perdem a cota de confiabilidade depositada nele e a sua reputação e confiança estão sempre em jogo.

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2. HUMOR: UM ESTUDO INTERDISCIPLINAR

Por que rimos? Há muitas respostas, dependendo da área de conhecimento que o toma por objeto de estudo. O riso tem uma qualidade universal, pois independentemente da cultura todos reagem a ele da mesma forma. Não importa se a língua é completamente diferente, se a pessoa é da Mongólia, se é um aborígine australiano ou se é um índio tupi, o que importa é que o riso é sempre muito parecido, uma reação física a um estímulo mental. Mas que estímulo mental é esse que nos faz reagir fisicamente de uma forma tão característica?

Apesar do humor ser largamente estudado, teorizado e discutido por filósofos e outros, permanece extraordinariamente impossível formular uma definição única, pois, é uma das chaves para a compreensão de culturas, religiões e costumes da sociedade num sentido mais amplo, sendo um elemento vital da condição humana. O homem é o único animal que ri, e através dos tempos a maneira humana de sorrir modifica-se acompanhando os costumes e correntes de pensamento.

O riso pode ter um conceito filosófico, histórico, sociológico e psicológico ao mesmo tempo. Do ponto de vista filosófico, o riso é algo que não se vê facilmente, por ser uma propriedade natural do homem; do histórico, o riso percorre no tempo, desencadeando denominações e evoluindo, desde que o animal risível tem memória; do sociológico, o riso exerce uma função social, revelando que em cada sociedade haveria um espaço para sua expressão e as relações jocosas exprimem uma necessidade de relaxar ante as restrições da vida cotidiana; e por fim, do psicológico, o riso nos causa prazer decorrente da possibilidade de pensar sem as obrigações da educação intelectual.

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2.1. ABORDAGEM HISTÓRICA: HUMOR E SEUS REGISTROS HISTÓRICOS

2.1.1 O RISO GREGO: DE ARISTÓTELES A QUINTILIANO

O riso na Antiguidade manifesta a alegria de viver, a confiança no futuro e o combate contra os poderes da morte. Segundo Minois (2003, p.23), “os mitos gregos dizem

que os deuses riem, e em pouco tempo ri-se com os deuses”, ou seja, não há desvios da

moralidade e da dignidade humana, o riso é a marca da vida divina. Ele é nos mitos gregos, verdadeiramente, alegre e positivo para os deuses, mas nos homens, nunca é alegria pura; a morte sempre está por perto, e essa intuição do nada desencadeia o riso.

Desse modo, consideramos que o riso na civilização grega é sem obstáculos: a violência, a deformidade e a sexualidade desencadeiam crises que não têm nenhuma afeição moral. É o caso desta estranha história de Deméter e de Baudo, um episódio excluído dos estudos clássicos pela preocupação em preservar a dignidade da humanidade. Segundo esse mito, a deusa Deméter, tendo perdido o riso, chega a Elêusis, na casa de Baubo, que lhe oferece o kykeon, mistura de água, farinha e menta. Mas Deméter recusa, e Baubo, para fazê-la rir, emprega outros meios: “Falando assim, ela levantou sua roupa e

mostrou todo o corpo, de forma indecente. Havia a criança, Iaco, que ria sob as saias de Baubo. Ele agitava a mão. Então, a deusa sorriu de coração, e aceitou a taça brilhante de kykeon” (MINOIS, 2003, p.23).

Outro tipo de riso surge nessa época, o riso “sardônico”, ou seja, um riso sarcástico

ou forçado. Isso aparece na Odisséia, de Homero: Ulisses, afastando-se de um projétil

lançado por Ctésipo, “sorri, mas com aquele riso sardônico do homem ferido”6. Esse riso não exprime alegria, mas expressa a ideia de sofrimento pessoal, de ameaça contra o outro, de frieza da maldade e da morte. Segundo Minois, “mitos e lendas da Grécia fazem do riso sardônico uma força que ultrapassa o ser humano” (p.29).

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Assim, percebemos que o riso e a alegria são totalmente alheios um ao outro; mas, o riso e a morte fazem uma boa parceria. Essa parceria leva os gregos a confirmar, com outros exemplos históricos, que, mesmo para os mais sérios, a vida é apenas um caso de zombaria.

Outra manifestação do riso mitológico é o riso da festa, que são situações de riso coletivo e organizado. A sociedade tinha necessidade de organizar essas comemorações festivas para que pudessem estar em contato com o mundo divino por meio do riso. E ele serve para manter a proteção e o critério dos deuses, simulando o retorno à ordem da criação do mundo. O deboche, a agitação, os gritos, as zombarias, o vaivém de brincadeiras grosseiras e as danças constituem os primeiros desmandos de palavra. Além disso, as inversões de papéis sociais eram muito comuns nessas festas: escravos desfrutavam grande liberdade, podiam até fazer-se servir pelos senhores, que eles repreendiam; escravos tornavam-se reis cômicos etc. A desordem é geral, ocasionando os excessos do cotidiano e a ruptura com as atividades sociais. A partir disso, nasce a inversão como uma das características do riso presente nas teorias modernas.

Consequentemente, notamos que a desordem nos papéis da sociedade surge sob a forma do riso. E, o riso e a zombaria aparecem como necessários à manutenção da ordem social. Essas inversões de papéis na sociedade mostram como o homem tem necessidade de despojar-se de sua combatividade natural. Todo esse jogo de ilusões faz surgir a comédia e a tragédia no teatro grego arcaico. Personagens irreais, companheiros de Dionísio7, seres devassos, exibem sua animalidade que se traduz pelo riso e que vem quebrar a solenidade trágica e abalar o sério (MINOIS, 2003).

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7 Dionísio era o deus grego equivalente ao deus Romano Baco, dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da

insânia, mas, sobretudo, da intoxicação que funde o bebedor com a deidade. (PT.wikipedia.org/wiki/Dionísio)

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Desse modo, riso para Aristófanes (Baudin, 1994, apud Minois, 2003), dramaturgo grego, que viveu em Atenas entre 448 e 380 a C., manteve-se fiel ao vínculo com o instinto de agressão. Ou seja, sua comédia é uma forma de insulto contra os homens políticos, como se fosse um ritual de inversão, de vida política às avessas.

Dentro de uma atmosfera política, religiosa e cultural tensa, no fim do século V a.C., Aristófanes é pressionado para que moderasse seu riso, pois gera um certo desconforto e desrespeito às autoridades que representam o povo. Os políticos atenienses não admitiam ser expostos ao ridículo. A democracia não tolera a zombaria, porque não se deve rir do representante do povo. A partir disso, o uso do riso na vida pública passou a ser submetido às regras respeitáveis. Mas, essas regras não eram aceitas pelos filósofos que abordavam o assunto, de forma apaixonada, tomando partido a favor do riso, posto que o mesmo era considerado um método e um estilo de vida. Os filósofos tinham duas concepções fundamentais do ser humano: o cômico e o sério.

Segundo Minois (2003, p.61), “o cômico aplica-se às vaidades e às inquietações do

homem”. O homem se expõe, inutilmente, aos seus vícios e defeitos e tenta, sem cessar,

possuir bens materiais cada vez mais, visando a ter por ter. Isso o leva ao ridículo, tornando-se alvo fácil do riso.

Dentro dessas concepções fundamentais do humano, Sócrates assevera que o objeto do riso é definido como um vício que se opõe diretamente à recomendação do oráculo de Delfos: “conhece-te a ti mesmo”, ou seja, aqueles que se desconhecem são vítimas de ilusão em relação a si mesmo. É cômico, portanto, os fracos que se imaginam fortes, sábios e ricos, enquanto os fortes e os poderosos que se acham mais sábios, mais ricos do que na verdade são, não se tornam objetos do riso. Assim, segundo Minois (2003, p.62), “o riso é a sabedoria, e filosofar é aprender a rir”. A peripécia humana é ridícula, e só se pode rir

dela. O cômico é o resultado da incompetência do homem de se conhecer e conhecer o mundo. Nada merece ser levado a sério, já que é ilusão e aparência. Portanto, o riso torna-se um instrumento de correção das fraquezas do homem e o leva a reencontrar os valores autênticos e reais.

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representação ou imitação de “pessoas inferiores”; contudo, ela não cobre todo o tipo de

defeito: o cômico é uma forma do vergonhoso, pois ele é um certo erro ou sinal de vergonha que não envolve dor ou morte, como é evidente no caso da máscara da comédia: ela é feia e distorcida, mas não envolve dor.

Em suma, o riso aristotélico é um instrumento moral (zombando dos vícios) que desorienta os erros pela ironia e é um atrativo para a vida social pela jocosidade. Na Retórica de Aristóteles, a troca de letras em uma palavra e a troca de palavras em um verso são recursos cômicos do discurso. Esse jogo de palavras perde o efeito do riso quando não são interpretados os seus dois sentidos no mesmo momento em que é dita. Ainda, segundo Aristóteles, outro recurso para o riso é o fator surpresa, ou seja, a palavra modificada pela troca de letra produz um efeito diferente do esperado, gerando, assim, uma surpresa no leitor.

Platão segue as mesmas concepções de Aristóteles quando afirma que o riso não pertence ao mundo divino, mas pertence ao domínio desprezível da espécie humana. É justo zombar dos vícios e defeitos morais, sem piedade, e utilizar da ironia sutil para desvendar as falsas verdades. O riso para Platão advém da dualidade de sentimentos, isto é, é um riso malévolo que combina bem e mal; prazer e inveja. Rimos do ridículo de nossos semelhantes causados pela inveja e o riso é o resultado prazeroso desse sentimento próprio do ser humano. Na política, o riso para Platão é absolutamente proibido, pois os homens sérios e dignos estão isentos de zombarias.

Outro filósofo que se aproxima das concepções de Aristóteles em sua oratória é Cícero que afirma existir dois gêneros do risível. O primeiro consiste no risível sustentado na alegria e no tom de jovialidade ao longo de todo o discurso; e, o segundo, no risível que escapa em rápidas piadas no dito malicioso ou sarcástico. Portanto, novamente, o cômico é alguma imoralidade, alguma deformidade física, e o meio mais poderoso de desencadear o riso.

Desse modo, Cícero se torna favorável ao riso na oratória, pois o enunciador, cujo objetivo é fazer rir, torna-se cativante ao auditório, desperta sua atenção, desvia-a, confunde o adversário, enfraquece-o e intimida-o. Ou seja, atrai sua atenção para o ridículo e para a deformidade moral, provocando o riso por meio do rebaixamento.

Ainda dentro das concepções teóricas de Cícero (1966 apud ALBERTI, 2002.), há

duas espécies cômicas: uma consiste nas “coisas” e a outra nas “palavras”. A primeira

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e o segundo, o cômico das palavras, registra as figuras de estilo, como a metáfora e a antítese, a ambiguidade ou trocadilho, a palavra inesperada que surpreende o interlocutor, a aproximação fonética das palavras com sentido diferentes, o jogo das palavras e as paródias. Portanto, compreendemos que o riso é um meio, um instrumento que serve para persuadir, para atacar, para denunciar, isto é, tudo aquilo que se quer dizer e não se pode dizer é permitido por entre o riso.

Dentro do contexto da retórica, das teorias de Cícero e de Aristóteles, surge Quintiliano, que com eles, interage ao definir sua teoria do riso. Segundo Alberti, o riso de Quintiliano é extraído do homem, de seu próximo ou dos fatos neutros do dia a dia, o qual é revelado ora por meio das ações que provocamos, ora pelas palavras que dizemos. No entanto, aborda a importância das paixões estarem presentes no discurso, a fim de seduzir o interlocutor por meio da comicidade.

Quintiliano (1977 apud ALBERTI, 2002) afirma que o homem é o objeto do riso e estabelece a divisão entre nós mesmos e os outros, ou seja, o riso é extraído do homem por meio de uma distração, de um fingimento, comparado ao predomínio do riso do outro, seja o riso dos amigos que se desconhecem, seja o riso da personagem inferior das comédias, seja ainda o riso do adversário. Portanto, o que nos faz rir é aquilo que foge do discurso sério, das coisas honestas, das qualidades sérias. Isso se torna verossímil quando Cícero afirma que o riso é aquilo que é baixo e torpe, e, para Aristóteles, o que nos faz rir é aquilo que não nos leva ao choro nem ao arrepio e nem à piedade.

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2.1.2. O RISO DA IDADE MÉDIA À IDADE MODERNA

Se, como vimos, para os filósofos e estudiosos da Antiguidade o riso é um traço que distinguia o homem de outros animais (o homem é o único animal que ri), para a teologia medieval o riso é o que distingue o homem de Deus. O fato de que nenhuma passagem bíblica atesta o riso de Cristo reforça a aproximação do riso ao pecado. Assim sendo, sob a ótica medieval, o riso é, portanto, condenável (ALBERTI, 2002).

Minois (2003, p.112) afirma que “o riso aparece na história cristã quando o pecado

original é cometido e, consequentemente, tudo se desequilibra, e o riso aparece”. Portanto,

o risoestá ligado às imperfeições humanas e, ao mesmo tempo, é um consolo para escapar das angústias e das frustrações impostas pela nossa própria essência. É essa falha entre a existência e a essência que provoca o riso, essa defasagem permanente entre o que somos e o que deveríamos ser.

Assim, diante de uma sociedade estática com pouca mobilidade social e cultural, caracterizada por uma economia ruralizada e enfraquecida e por uma supremacia da Igreja Católica, o riso se infiltra por todas as imperfeições humanas. É uma constatação de consolo, de uma conduta de compensação, para escapar ao desespero e à angústia. Dessa forma, por meio da comédia, que foi excluída dos domínios da igreja, o riso torna-se a principal cultura popular da época. A visão cômica, fora dos domínios das autoridades, ganha liderança e liberdade extraordinária, ou seja, é uma vitória sobre o medo. Ela se manifesta em forma de ritos e espetáculos, tais como Carnaval e peças cômicas desenvolvendo um vocabulário familiar e grosseiro.

Embora as pressões sociais e religiosas fossem constantes na época, o riso não perdeu sua essência. Por meio das festas carnavalescas, o povo representa a própria vida, parodiando-a e invertendo-a. Essa vida representada por intermédio do riso corresponde à libertação definitiva em relação às normas, aos valores e às hierarquias. E, por fim, esse riso é ambivalente, ou seja, é alegre, transborda de alegria, mas também é zombeteiro, sarcástico; ele nega e afirma ao mesmo tempo. Tais gêneros visam a denunciar a exploração da simplicidade e da ingenuidade popular. O rei e os grandes são ridicularizados.

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restrições impostas pela sociedade. Na festa carnavalesca, inverte-se, zomba-se de tudo aquilo que é proibido, tornando o riso não individual, mas também coletivo, social e universal.

No século XVI, o riso surge para censurar os vícios e os pecados, pois se acreditava que ridicularizar alguém seria uma forma de corrigi-lo. Nesse sentido todos os comportamentos extravagantes, que feriam os padrões morais, eram vícios potencialmente cômicos. Na verdade tais atitudes refletem a concepção aristotélica segundo a qual qualquer marca constrangedora, desde que não envolva dor, torna as pessoas ridículas.

É, pois, apenas em 1579, com a publicação do Tratado do riso, contendo sua essência, suas causas e seus maravilhosos efeitos, curiosamente pesquisados, refletidos e observados, que Laurent Joubert, médico e conselheiro do rei, analisa cientificamente a filosofia do riso, que ele considera uma paixão, e a avalia como sendo a causa intrínseca do riso. Os comentários de Alberti (2002, p.81) sobre tal obra revelam como o autor buscou aliar uma concepção clássica do riso, o riso como paixão, ao espírito cientificista, típico da Renascença:

Apesar de outros textos da Renascença se ocuparem do assunto, o livro é sem dúvida um dos mais significativos, além de provavelmente o único em francês (e não em latim) no período. O riso interessa a Joubert, e a outros autores da época, do ponto de vista da medicina, o que pressupunha, naquele universo, o conhecimento não só dos órgãos do corpo, mas também das faculdades da alma (ALBERTI, 2002, p.81).

Na realidade, segundo indicação de Alberti (op.cit., p.86), Joubert buscou explicar

o “circuito do riso” como “a matéria risível penetra na alma através dos sentidos da

audição e da visão e é prontamente transportado para o coração, sede das paixões, onde desencadeia um movimento próprio à paixão do riso, que se estende para todo o diafragma,

o peito, a voz, a face, os membros, enfim, para todo o corpo”.

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Carrache (1560-1609), criador de uma escola de arte em Bolonha. Suas obras eram confeccionadas por puro prazer e lazer, transformando-se em verdadeiras obras de arte que provocavam o riso.

Assim, no fim do século XVI e início do século XVII, técnicas humorísticas surgem, além da caricatura, cujos objetivos eram ridicularizar e denegrir as coisas diabólicas e as superstições da igreja. Tais técnicas fazem ressoar o riso de todas as formas: sarcástico, caricatural, irônico, grotesco, de rebaixamento, etc.

O século XVIII, por sua vez, foi o século em que o riso era menos compreendido devido ao grande racionalismo, portanto a presença do riso de zombaria, de escárnio se intensifica tanto no povo como nas elites - o que revela a ascensão de valores sociais e políticos. A partir disso, o riso de zombaria torna-se alvo privilegiado na organização social da época. Os cômicos da geração incidem sobre vícios e defeitos individuais para preservar o corpo social e político. Desse modo, o riso vem trazer a segurança em relação ao medo do outro ou ao medo dos outros por meio da ironia que denuncia as falsas verdades.

No século XIX, a sátira e a caricatura aumentaram as brechas dos governos monárquicos autoritários e participaram nas lutas sociais, políticas e econômicas. A vida política se expande de forma caótica em direção à democracia, fazendo com que o riso ganhe terreno por meio da sátira política. As discussões parlamentares, o início da democracia, a liberdade de expressão criam condições ideias para um debate de opiniões em que a ironia é chamada a desempenhar um papel essencial.

A caricatura atribui de maneira concreta, pelo desenho, um valor degenerado à personagem do adversário. Constrói imagens negativas de uma sociedade sonhada, rebaixando valores desajustados na política, na nobreza e no clero. Nessa época eram comuns as humilhações ao clero, mostrando monges e bispos em posturas obscenas. Já na política, grandes caricaturistas ingleses e franceses despertavam o espírito público contra aqueles que eram inimigos da liberdade e da República.

Segundo Minois (2003, p.471), “a caricatura se expande por toda a Europa, aprimorando-se nos procedimentos litográficos e revelando uma deformação grotesca da

visão do mundo”. Ela põe em evidência aqueles que se desviam das normas, provocando a

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Esses pressupostos teóricos dos séculos XVIII e XIX têm bastante proximidade com algumas formas de pensar o riso recorrente em textos do século XX, seja porque a incongruência cômica pode ter um olhar mais próximo do real que a da congruência séria, seja porque durante a história, o homem ri, sobretudo, do contraste da deformidade quando esse riso é necessário para corrigir os vícios e os defeitos e reajustar o mundo à ordem natural e verdadeira (ALBERTI, 2002).

Segundo a teoria do riso de Schopenhauer (1988 apud ALBERT, 2002), o riso está na incongruência das formas de representação pelas quais o homem apreende o mundo. Todas as manifestações do mundo são da ordem da representação, e não há objeto sem sujeito. Assim, algo só é cômico na medida em que o observador ri dele; não havendo o sujeito não há o cômico. O riso está naquele que ri e não no objeto do riso.

Desse modo, observamos que a passagem do sério para o riso ocorre do aparecimento de uma incongruência inesperada que revela o fracasso da razão em apreender a realidade. A causa desencadeadora desse processo seria uma perda de controle e, consequentemente, a quebra de uma expectativa. Isso acontece, por exemplo, quando somos surpreendidos com alguma impossibilidade lógica que tomamos como natural, ou quando somos tentados por ideias irrelevantes, ou quando são geradas expectativas que conduzem a um impasse, ou quando somos persuadidos a aceitar o que aparentemente é inaceitável.

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2.1.3. A BELLE ÉPOQUE: SUA INFLUÊNCIA URBANÍSTICA E HUMORÍSTICA NO BRASIL

2.1.3.1. A Belle Époque

Vista mais como um estado espiritual do que algo mais preciso e concreto, a Belle Époque é compreendida como um momento de trajetória francesa com início no fim do século XIX, estendendo-se até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Observada como uma época de transformações, avanços e paz presentes no território francês, o cenário cultural e artístico nesse país floresce, e o belo se destaca nos mais amplos estabelecimentos e requintes estruturais e filosóficos da época. Esse período também é marcado por novas descobertas e tecnologias submetidas ao nascimento do Impressionismo e da Art Nouveau. (NEEDELL, 1993)

Com os avanços tecnológicos, vivia-se um tempo de prosperidade, que mudou os hábitos e os modos de viver no mundo ocidental. A imprensa consolidava-se como uma das instituições essenciais da esfera pública e as revistas ilustradas passaram a integrar um conjunto de formas expressivas típicas do mundo burguês, ampliando o circuito da comunicação artística e intelectual para além dos espaços tradicionais, como as academias e os salões.

A partir disso, no início de 1860, o aprimoramento das técnicas de impressão e a crescente aceitação dessas publicações na sociedade, revelaram-se um importante instrumento de propaganda política, especialmente quando os movimentos de contestação à tradição imperial exigiram alternativas externas dos espaços formais da política, ocupadas hegemonicamente pelos conservadores.

No Brasil, a Belle Époque tem início em 1889, com a Proclamação da República, e vai até 1922, quando explode o Movimento Modernista, com a realização da Semana da Arte Moderna. Tal época foi marcada por profundas transformações culturais e sociais decorrentes das mudanças políticas e econômicas que se traduziram em novos modos de pensar e viver o cotidiano.

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Rodrigues Alves (1848-1919), que propõe a reforma do porto que era fundamental para atrair a imigração, o capital estrangeiro e o comércio europeu. O embelezamento e o saneamento da cidade do Rio de Janeiro foram prioridades durante seu mandato.

Assim, Rodrigues Alves nomeia Pereira Passos, engenheiro do Ministério do Império, para a prefeitura, encarregando-o de implementar reformas urbanísticas. Houve enorme influência das grandes obras de Paris nas reformas do Rio. Documentos do engenheiro e publicações da época ressaltam a importância de Georges Eugène

Haussmann, conhecido por Barão Haussmann, “o artista demolidor”, que foi prefeito e

responsável pela reforma de Paris.

Dessa forma, estabelece-se como sinônimo da Belle Époque o afrancesamento do Rio de Janeiro. Além disso, nada melhor para expressar a Belle Époque carioca do que a nova Avenida Central, composta de edifícios públicos, prédios como o do Jornal do Commércio, Teatro Municipal (1909 - Imagem 01 e 02), o Palácio Monroe (1906), a Biblioteca Nacional (1910) e a Escola Nacional de Belas Artes (1908). Atraíam a atenção do público com suas construções de caráter eclético da arquitetura da École des Beaux-Arts. Abaixo, uma foto estampada na primeira página do Jornal do Brasil, de 18 de Julho de 1909, sobre a noite da inauguração do Teatro Municipal e na página seguinte, a imagem do teatro após a inauguração:

Imagem 01

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Imagem 02

Fonte:

Imagem 02 - http://rio-curioso.blogspot.com.br/2009/10/theatro-municipal-inauguracao.html (acesso em 10/10/2012)

2.1.3.2 O Humor na Belle Époque

À luz das transformações culturais tão enfatizadas principalmente na Região Sudeste, precisamente no Estado do Rio de Janeiro, inspirações humorísticas brotavam aos olhos dos escritores nesse momento tão crucial da história brasileira. Podemos supor, dessa forma, que é por meio do humor que a Belle Époque poderia mirar-se aos olhos do público da época para compensar um momento de desvario e de loucura, introduzidos na vida cotidiana nesse período. As pessoas, incertas pela perspectiva do futuro e com a imprecisão quanto à administração política, apesar de haver algumas delas ainda iludidas com a ideia do novo, amparavam-se no humor a fim de que, mesmo temporariamente, tivessem motivos para esquecer os problemas do cotidiano.

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2.1.3.3 O Humor no Estado do Rio de Janeiro

Tentar demarcar no tempo o período exato em que há o surgimento dos primeiros manifestos humorísticos seria um trabalho impreciso baseado em meros levantamentos e questionamentos vagos. Entretanto, ao delimitarmos os Estados que mais foram influenciados pela Belle Époque, teríamos então de explicar como o humor era tratado em São Paulo e no Rio de Janeiro.

No Estado carioca, nomes como Pardal Mallet, Lúcio de Mendonça, Paula Nei, Artur Azevedo e José do Patrocínio, utilizavam-se da “desilusão republicana” para

produzir textos satíricos sob a forma de crônicas, romances e contos publicados primeiramente em rodapés de jornais ou pequenos pasquins semanais, folhetos cômicos do período regencial até o surgimento das primeiras revistas ilustradas, que começaram a proliferar graças ao desenvolvimento da impressão e reprodução (SALIBA, 2002)

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Imagem 03

Fonte: http://www.brasilcultura.com.br/literatura/monteiro-lobato-jeca-tatuzinho - acesso em 27/04/2009.

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Imagem 04

Fonte: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/fonfon/fonfon_anos.htm Gravura: K.Lixto, 13 de abril de 1907. Acesso em 10/10/2012.

Imagem 05

“ Monarquia – Não é por falar mal mas, com franqueza, eu esperava outra coisa. República - Eu também.”

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A imagem 04 retrata a vida social da elite burguesa no contexto da Belle Époque, e a representação das mudanças tecnológicas, como os automóveis, a moda nos bailes, a aviação, etc., que eram materiais para essas revistas. Enquanto, na imagem 05, observamos um contraste entre a República dos sonhos e a real; com isso a imagem cívica da mulher perdeu sua importância e passou a ser debochada junto com a República, por meio dos caricaturistas em seus periódicos.

2.1.3.4 O humor no Estado de São Paulo

De maneira mais ambígua, São Paulo também vivenciou a tensão expressa pela Belle Époque e toda a sua influência urbanística e cultural; entretanto, os traços da inovação europeia foram mais marcantes no Rio de Janeiro. Na construção do humor, não havia necessariamente as preocupações da procura incansável do modelo estereotipado ou da representação brasileira tal como visto pelos escritores cariocas. Ao contrário desses escritores, os paulistas estavam bem mais distantes das instituições de legitimação literária. Foram raros os autores que se utilizaram dos sonetos como forma de expressão humorística e, quando o fizeram, foi para mostrar, por meio da paródia, o inconformismo e o distanciamento em relação às escolas literárias.

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Imagem 06

O tônico do pobre

Emoção do chicote. (A cigarra – 1916)

Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/(acesso em 10/10/2012)

A charge presente na figura 06 (Revista “A Cigarra”, de 1916) é um trocadilho perspicaz com o famoso tônico “Emulsão de Scott”, com o intuito de criticar o elevado preço dos remédios, utilizando-se ironicamente da figura da “melhoria do corpo”, também

tão focado pelo famoso Biotônico Fontoura.

2.2– O HUMOR NA SOCIOLOGIA E NA POLÍTICA

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riso surge da difamação de algo em que alguém ou uma dada situação é alvo de perseguição sarcástica aparentemente inocente. Só é possível utilizar-se do efeito do engraçado como uma espécie de estratégia de rebaixamento se a causa provém da ruptura da realidade da época em que se vive.

Para Bergson (2001), a comicidade está ligada ao homem, ou seja, ao estudarmos o riso, enfocamos uma manifestação própria do ser humano. Desse modo, por ser acoplado ao homem e ao sabermos que ele é um ser social, reconhecemos que o humor está relacionado à sociedade e à cultura de certo grupo. Além de tudo, o riso e o cômico são para Bergson, respectivamente, um desvio negativo que restabelece a ordem da vida e da sociedade.

Ainda de acordo com os fundamentos de Bergson, podemos afirmar que a comicidade não pode ser percebida isoladamente, ela necessita do outro para perceber seu efeito. Assim, afirma, que o riso é sempre o riso de um grupo.

Segundo Pirandello (1908 apud SALIBA, 2002), o cômico nasce de uma percepção do contrário visto como um recurso desfamiliar, em que um dado assunto é passível, sim, de controvérsias e diferentes pontos de vista manifestados num determinado grupo social. Trata-se, pois, da oposição, segundo Possenti (2010) entre o discurso politicamente

“correto” e o “incorreto” em que o primeiro é visto como permitido e, o segundo, como o que deve ser reprimido ou proibido. Dessa forma, constatamos que o efeito de humor advém da criticidade como traço constante, onde o riso seria a correção.

À vista disso, o riso ganha uma função social, pois rimos para restabelecer os elementos vivos que compõem a própria sociedade. Não se trata mais, como nas teorias

clássicas, de descobrir a “essência” do risível, pois, afinal, é na sociedade que se acha a

resposta, e não na natureza humana (SALIBA, 2002).

Para Bergson, a vida e a sociedade exigem de nós uma vigilância constante de nossas ações para que estejamos em incessante adaptação, submetidos a forças complementares de tensão e elasticidade que a vida nos mobiliza.

Portanto, Bergson (2001, p.15) afirma:

A comicidade nasce no momento preciso em que a sociedade e a pessoa, libertas dessa pressão social de conservação, por meio da rigidez do corpo, do espírito e do caráter, caem numa zona neutra em que o homem serve simplesmente de espetáculo ao homem.

Consequentemente, o riso é uma ação social que vem confirmar um comportamento

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uma mecanização da atitude. Tal rigidez, seja de caráter, de espírito ou de corpo é suspeita para a sociedade, porque é sinal de uma conduta que se separa do centro comum em torno do qual a sociedade compartilha do sério.

A partir disso, lembremos-nos da teoria de Bergson: o cômico é “o mecânico aplicado sobre o vivo”. Ela se aplica tanto ao comportamento humano quanto aos

fenômenos naturais que poderiam ser reduzidos ao mecânico. Bergson ilustra isso com a história de uma senhora a quem Cassini convida para observar um eclipse. Como chega

atrasada, ela declara abertamente: “Senhor Cassini, poderia recomeçá-lo para mim”? O automatismo do comportamento é fonte do cômico (abid.,p.33).

O vivo tem valor de fundamento em relação ao mundo, à sociedade e à conduta humana. E como já foi dito, a sociedade e a vida exigem do homem uma constante adaptação, submetido às forças de tensão e elasticidade que a vida coloca em jogo.

Assim, segundo o mesmo autor, quando essas forças faltam ao corpo, surgem as moléstias físicas; quando faltam ao espírito, surgem problemas psíquicos; e, quando elas faltam ao caráter, surge a inadaptação à vida social. A ausência de adaptação e de mudança constitui o mecânico, ou seja, uma espécie de desvio em relação ao que é visto como natural. Essa teoria só ganha sentido na medida em que o riso adquire uma função social.

Gostaríamos ainda de acrescentar que as representações humorísticas provêm de um esforço admirável em desmascarar o real, de captar o “não dito”, de surpreender o engano ilusório dos gestos estáveis e de recolher, enfim, as sobras das temporalidades que a história, no seu constructo racional¸ foi deixando para trás. Isso nos leva a crer que o humor político é altamente dependente do contexto, tornando, assim, o riso uma espécie de zombaria social cuja intenção é humilhar e, ao mesmo tempo, corrigir, sem que haja quaisquer vestígios de pena e piedade.

Como nos recorda Bergson (2001, p.4), “o humor não se manifesta por si só”. O humor é compartilhado por um determinado grupo de pessoas em que um assunto é difamado ou rebaixado mediante algum apontamento falho que justifique a ocorrência de um acontecimento ou de uma pessoa alvo desse apontamento.

Dos fatores destacáveis mais comuns em um dado contexto social, enfocamos os tipos estereotipados historicamente e socialmente. Obviamente, o tema que mais sofre recorrência estereotipada, já há tempos, é a do político corrupto, falso e manipulador.

Referências

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