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Imagem e discurso : uma análise do programa Nova África da TV Brasil

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Academic year: 2017

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Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu

em Comunicação

Dissertação de Mestrado

IMAGEM E DISCURSO:

UMA ANÁLISE DO PROGRAMA NOVA ÁFRICA

DA TV BRASIL

Autor: Hamilton Richard Alexandrino Ferreira dos Santos

Orientador: Dr. Roberval José Marinho

Brasília

DF

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HAMILTON RICHARD ALEXANDRINO FERREIRA DOS SANTOS

IMAGEM E DISCURSO:

UMA ANÁLISE DO PROGRAMA NOVA ÁFRICA DA TV BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Comunicação.

Orientador: Dr. Roberval José Marinho

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7,5cm

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

S237i Santos, Hamilton Richard Alexandrino Ferreira dos.

Imagem e discurso: uma análise do programa Nova África da TV Brasil. / Hamilton Richard Alexandrino Ferreira dos Santos – 2014.

167 f.; il.: 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2014. Orientação: Prof. Dr. Roberval José Marinho

1. Comunicação. 2. Televisão pública. 3. Diversidade étnico-racial. 4. Identidade. 5. Geopolítica. 6. África. I. Marinho, Roberval José, orient. II. Título.

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Scanned by CamScanner

intitulada "Imagem c Discurso: Uma Análise do Programa Nova Africa da TV Brasil'", apresentada como requisito parcial para obte ão do grau de Mestre em Comunicação da Universidade Católica de Brasília, em 15 · a osto de 2014, defendida c aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

Marinho

Prof.• Dr/ Florence Maric Dravet Examinadora Interna

Prof-3 Dr.a Cosettc Espíndola c C· ·tro Examinadora Interna

Prof. Dr. Fernando Oliveira Paulino Examinador Externo

Brasília

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Aos meus ancestrais, que guiam e iluminam minha caminhada.

Aos meus mais velhos, avó Maria das Mercês, avô Oswaldo Alexandrino, e à minha mãe Sonia Tereza.

Aos meus filhos Kayodê P. Ferreira dos Santos e Kazembê P. Ferreira dos Santos, minha continuação.

A todos os meus mais novos, que eu seja fonte de luz, sapiência e exemplo.

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Em minha trajetória até aqui, teria muito a agradecer, vários momentos e experiências de vida que me proporcionaram o olhar desenvolvido sobre o mundo em que estamos inseridos. Todos os caminhos percorridos contribuíram para a vitória que aqui se expressa, porém, na impossibilidade de nominar a todos os que participaram direta ou indiretamente para que este momento acontecesse, preciso agradecer àqueles que tiveram diretamente envolvidos no presente projeto:

ao meu orientador, Prof. Dr. Roberval José Marinho – impossível uma parceria com maior química e entendimento pessoal e acadêmico;

à Prof. Dra. Cosette Castro, amiga e entusiasta;

à todo o corpo docente da Pós-Graduação da Universidade Católica de Brasília (UCB), pela acolhida e orientação;

à querida Cíntia Vargas, bem como a todos os companheiros e companheiras da TV Brasil, que desde o primeiro momento ofertaram o suporte necessário para o desenvolvimento do projeto aqui apresentado;

aos colegas discentes, companheiros de labuta, parceiros de debates dúvidas e apoio mútuo; e

aos meus alunos da Graduação, da disciplina “Realidade brasileira e regional”: nossas discussões e trabalhos em sala muito contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho.

Asé!

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A televisão me deixou burro, muito burro demais

Agora todas as coisas que eu penso me parecem iguais.

Titãns O Hip Hop é a CNN negra.

Chuck D, líder do grupo de rap estadunidense Public Enemy. E na hora que a televisão brasileira

Distrai toda gente com a sua novela É que o Zé põe a boca no mundo Ele faz um discurso profundo Ele quer ver o bem da favela.

Leci Brandão. Direto do hospício que chamam de favela Aqui mais um maluco que não acredita em novela

Se a vida é bela, na tela tudo bem

Quem é louco como eu/ veste a camisa de força também

Minha loucura é simples de ser compreendida Me transformaram em canibal preto suicida.

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SANTOS, Hamilton Richard Alexandrino Ferreira dos. Imagem e discurso: uma análise do programa Nova África da TV Brasil. 2014. 162 f. Dissertação (Comunicação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2014.

O presente estudo tem a pretensão de se alinhar aos estudos fundadores, analíticos da história social do negro brasileiro, e de construção de uma possível identidade em comum. Explorar no século XXI o processo de constituição da identidade mediada. Produzir elementos estimuladores para investigação e debate interdisciplinar, e perceber como as culturas ribeirinhas desse grande rio chamado Atlântico estão se identificando e sendo documentadas pelo programa Nova África, da TV Brasil e cotejar a relação ideologia x identidade presente nos vinte e seis capítulos levados ao ar. A partir de arcabouço teórico-metodológico baseado nos estudos culturais, estudo de caso e análise de discurso, o trabalho proposto analisou a segunda temporada do programa Nova África que estreou em 26 de setembro de 2012, exibido no Brasil pela TV Brasil. O programa se propõe a mediar, fazer uma ponte entre o Brasil e o continente africano, berço ancestral de milhares de homens e mulheres contribuintes desse caldeirão cultural que é a hibrida cultura brasileira. Consideramos que este programa é fruto de uma histórica luta do movimento negro brasileiro por mais visibilidade de sua história e, necessidade de conexão atualizada com a terra original de parte significativa de seus ancestrais, o continente africano. Programa esse possível a partir da chegada ao poder de um grupo político constituído, também, por lideranças originárias da base da pirâmide social, o que possibilitou o fortalecimento dos investimentos na TV pública brasileira, através da criação da Empresa Brasil de Comunicação e, com isso, o cumprimento de uma série de demandas políticas atreladas a seus apoiadores. Porém, não consideramos que tenha existido, ainda, uma quebra de paradigmas na forma de estruturação da TV brasileira com o aparecimento da TV Brasil. Assim, o que o que propomos aqui é mesmo uma observação da mídia como objeto de significação e re-significação identitária, com um poder de articulação de mão dupla, uma dialética entre o poder dos meios de comunicação em contraste com as possibilidades de resistência dos indivíduos, não apenas como receptores da mídia e suas mensagens, mas articulando-as em seu universo social.

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SANTOS, Hamilton Richard Alexandrino Ferreira dos. Image and speech: a review of the New Africa program of TV Brasil. 2014. 162 f. Dissertation (Comunication) – Catholic University of Brasilia, Brasília, 2014.

This study purports to align the founders of analytical social history of Brazilian black studies, and possible construction of a common identity. Explore the XXI century the process of constitution-mediated identity. Produce stimulating elements for interdisciplinary research and debate, and realize how riverine cultures of this great river called the Atlantic are being identified and documented by the New Africa, Brazil TV program, collate the relationship ideology x identity in the twenty-six chapters shown . From theoretical and methodological framework based on cultural studies, case study and discourse analysis, the proposed work examined the second season of New Africa program that premiered on September 26, 2012, shown on TV Brazil. The program aims to mediate, make a bridge between Brazil and Africa, ancestral home to thousands of men and women taxpayers of this cultural melting pot that is the hybrid Brazilian culture. We believe that this program is the result of a historical struggle of the Brazilian black movement for more visibility of its history and need to updated connection with the original land of a significant portion of their ancestors, the African continent. This program possible from the coming to power of a political group, also consisting of leaders originating from the base of the social pyramid, which enabled the strengthening of investment in Brazilian public TV through the creation of Brazil Communications Company and thereby the fulfillment of a number of political demands tied to his supporters. But do not think that has also been a shift in paradigm as structuring of Brazilian TV with the emergence of TV Brazil. So, what we propose here is an observation of the same media as an object of meaning and identity redefinition, with a power of two-way articulation, a dialectic between the power of the media in contrast to the possibilities of resistance individuals, not just as recipients of media and messages, but articulating them in their social universe.

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Figuras

Figura 1 – Repórteres da TV Brasil: Dina Adão, Aline Maccari e Márcio Werneck... 26

Figura 2 – Repórter Dina Adão... 71

Figura 3 – Repórter Dina Adão... 72

Figura 4 – Repórter Dina Adão... 73

Figura 5 – Repórter Aline Maccari... 74

Figura 6 – Repórter Aline Maccari... 75

Figura 7 – Repórter Márcio Weneck... 76

Gráficos Gráfico 1 – Corpo diretivo da Empresa Brasil de Comunicação por sexo... 43

Gráfico 2 – Corpo diretivo da Empresa Brasil de Comunicação por cor... 43

Gráfico 3 – Apresentadores da TV Brasil por quantidade/cor... 46

Gráfico 4 – Cor dos entrevistados... 78

Gráfico 5 – Comparativo entre repórteres – quantidade/cor dos entrevistados... 79

Gráfico 6 – Quantidade/cor dos entrevistados – Aline Maccari... 79

Gráfico 7 – Quantidade/cor dos entrevistados – Dina Adão... 80

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ABEPEC - Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais CCCS - Centre for Contemporary Cultural Studies

CF - Constituição Federal

EBC - Empresa Brasil de Comunicação EUA - Estados Unidos da América

FENAJ - Federação Nacional dos Jornalistas

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MC - Ministério das Comunicações

MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior MPOG - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

MRE - Ministério das Relações Exteriores N.A. - Nova África

NEPAD - NovaParceria para o Desenvolvimento Africano NOR - Norma de Jornalismo

ONU - Organização das Nações Unidas PALOPS - Países de Língua Oficial Portuguesa

PNEDH - Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos RBS - RedeBrasil Sul de Comunicação

SBT - Sistema Brasileiro de Televisão

SECOM - Secretaria de Comunicação da Presidência da República

SEDH-PR - Secretária Especial de Direitos Humanos da Presidência da República SEPPIR - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial TVDi - TV Digital Interativa

UA - União Africana

UCB - Universidade Católica de Brasília

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APRESENTAÇÃO ... 12

INTRODUÇÃO ... 17

PROBLEMA DE PESQUISA ... 25

METODOLOGIA ... 29

TEORIA ... 32

CAPÍTULO 01 ... 36

1.1 UM CORPO ESTRANHO... 36

1.2 A EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO E A TV BRASIL ... 39

1.3 DADOS, SIGNOS E SIGNIFICANTES ... 43

1.3.1 Desestruturação da estrutura ... 45

1.4 O CRESCIMENTO DO TEMA: A TV PÚBLICA EM CAMPO ... 48

CAPÍTULO 02 ... 51

2.1 FORJANDO UMA IDENTIDADE NACIONAL ... 51

2.2 O NEGRO E A MÍDIA BRASILEIRA ... 54

2.3 A DESIDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO ... 59

CAPÍTULO 03 ... 64

3.1 NOVA ÁFRICA? ... 64

3.2 GEOPOLÍTICA BRASILEIRA: NO CONTINENTE AFRICANO ... 68

3.3 O PROGRAMA NOVA ÁFRICA ... 72

3.4 IMAGENS DOS APRESENTADORES ... 76

3.5 DADOS DE COR E ETNIA DOS ENTREVISTADOS ... 83

3.5.1 Dados étnicos das entrevistas dos repórteres ... 85

3.6 ANÁLISE DO DISCURSO E IMAGEM DO PROGRAMA NOVA ÁFRICA ... 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 94

REFERÊNCIAS ... 99

APÊNDICES ... 110

APÊNDICE A – Perfil Étnico-Racial dos Apresentadores da TV Brasil ... 111

APÊNDICE B – Cor dos Entrevistados por Episódio ... 112

APÊNDICE C – Dados de Cor e Etnia dos Entrevistados... 119

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APRESENTAÇÃO

Se “as dilacerações da alma” são “puras interiorizações dos conflitos sociais, é

possível esclarecer os outros falando de si mesmo”. (SARTRE apud MEMMI, 1977, p. 4).

O preto é um brinquedo nas mãos do branco; então, para romper este círculo infernal, ele explode. Impossível ir ao cinema sem me encontrar. Espero por mim. No intervalo, antes do filme, espero por mim. Aqueles que estão diante de mim me olham, me espionam, me esperam. (FANON, 2008, p. 126).

A abordagem da história do sujeito negro, africano e afrodescendente na mídia brasileira, a diversidade étnico-racial nas empresas e grupos brasileiros de comunicação, sempre foi motivo de observação e intriga de minha parte. Contar aqui um pouco de minha história pessoal é apresentar aos leitores desse trabalho o meu lugar de fala.

Não me pretendo africanista ou nomenclatura parecida: estas construções ideológico-intelectuais eu deixo para os pesquisadores em seus laboratórios de centros europeus e estadunidenses.

Pretendo-me um afro-brasileiro/afrodescendente/negro/crioulo – como queiram, em busca da constituição identitária de sua comunidade, com análises ancoradas em métodos e teorias acadêmicas. Pretendo contribuir na recontagem da história do meu país a partir de um lugar social identificado com os minorizados, identificado com aqueles que se rebelam e propõem a mudança, acredito na desestruturação da estrutura, e na reconstrução de uma pós-estrutura mais igualitária para todos.

Nascido em 1973, assisti ao programa infantil “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, onde Tia Anastácia, a cozinheira, era a única negra, estava sempre disponível e não me passava aquele ar de maturidade e respeitabilidade que os demais personagens adultos, como, por exemplo, a personagem Dona Benta. Assisti ainda a outros programas: Turma do Balão Mágico, Bozo, Os Trapalhões e Xuxa, e nunca me encontrei. De fato, esperava por um Brasil diverso e unido na tela de minha televisão.

Na minha infância, como toda criança pobre de minha época e, talvez, ainda hoje, passei boa parte de meu tempo livre na frente do aparelho de televisão, girando para esquerda e para a direita os parcos canais VHF existentes, os da chamada TV aberta. Neste tour

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fossem as características físicas, eu não me enxergava representado, porém, não entendia o que aquilo significava, o porquê.

Um dia, porém, por volta dos dez anos de idade fui chamado à realidade: foi quando na festa de um vizinho, de família branca, classe média, o primo do aniversariante me apelidou de Mussum. Instintivamente, desprovido de qualquer reação racialmente articulada, disse que não gostei do apelido e queria saber o por que dele ter me chamado assim, no que o outro menino respondeu: – porque você é preto e feio igual ao Mussum1. Inocentemente, tive dificuldade para rejeitar o apelido e disse que se era pra ter apelido preferia ser chamado de Pelé, pois, no mínimo, ele era bom de bola, tinha boa aparência e não era cachaceiro. O Mussum, ainda que eu não tivesse àquela altura esta formulação, representava o grotesco, conforme o pensamento de Sodré (1988, p. 73), que se segue:

O grotesco (em todos os seus significantes: o feio, o portador da aberração, o deformado, o marginal) é apresentado como signo do excepcional, como um fenômeno desligado da estrutura de nossa sociedade, é visto como o signo do outro. A intenção do comunicador é sempre colocar-se diante de algo que está entre nós, mas que ao mesmo tempo é exótico, logo sensacional.

Este, talvez, tenha sido o meu primeiro contato com uma confrontação preconceituosa de base racial, porém, também foi um estímulo para que uma cabeça sempre com pensamentos em estado de ebulição como a minha, começasse a pensar no por que de não encontrar na televisão gente como a gente da minha família, negros e/ou afrodescendentes, como preferirem (utilizarei ao longo do estudo o termo negro), em situação digna.

Com o passar dos anos, caminhando em frente, lutando para me livrar das amarras psicológicas e sociais concebidas pela sociedade branca e burguesa para cidadãos negros como eu, descobri que muitos iguais, antes de mim, em vários cantos do mundo, também tinham vivido experiência similar à minha e que, assim como eu, lutavam para descortinar os emaranhados históricos que a exclusão e o racismo Ocidental nos envolveram. O filósofo martinicano Frantz Fanon relata esta sua experiência em Pele Negra Máscaras Brancas

(2008, p. 103), quando afirma: “cheguei ao mundo pretendendo descobrir um sentido nas

coisas, minha alma cheia do desejo de estar na origem do mundo, e eis que me descubro

objeto em meio a outros objetos”.

1Mussum é o nome do personagem que o ator, cantor e sambista carioca Antonio Carlos Bernardes Gomes

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Fanon (2008) ainda analisa a consequência para a formação psíquica de um jovem negro ao receber uma forte dose de emoção, ao se descobrir um outsider no mundo em que habita, onde, seus iguais são maioria, porém, conduzidos politicamente por uma minoria euro-descendente, biológica ou ideologicamente, secularmente arraigada ao poder tradicional e, cujos meios de comunicação são monopolizados por seu grupo étnico.

As histórias de Tarzan, dos exploradores de doze anos, de Mickey e todos os jornais ilustrados tendem a um verdadeiro desafogo da agressividade coletiva. São jornais escritos pelos brancos, destinados às crianças brancas. Ora, o drama está justamente aí. Nas Antilhas, e podemos pensar que a situação é análoga a outras colônias, os mesmos periódicos ilustrados são devorados pelos jovens nativos. (FANON, 2008, p. 132).

A falta de reflexão sobre a imagem do brasileiro nos meios de comunicação, na mídia como um todo, é responsável por uma série de efeitos colaterais sociais, e refletem diretamente na construção da autoestima do povo, influencia no rendimento escolar, no convívio social, nos alarmantes índices de violência, na degradação das comunidades carenciadas, cuja, maioria é negra. Sobretudo, serve para a manutenção do status quo de uma elite branca que secularmente vem dominando o poder e tem o controle do futuro da maioria da população brasileira.

Esta elite que também possui o controle financeiro das concessões dos canais de televisão, rádio e jornais no Brasil (MORAIS, 2011) são as mesmas que dominavam o plantio da cana de açúcar no Império e que, quando socorridos pelo governo republicano durante as crises do café, diversificaram seus investimentos financeiros auferidos com a escravidão negra no Brasil. Essa mesma elite que concentrou e concentra toda a geração de renda do país, e vai impedir o acesso à cidadania dos negros recém-libertos (CARVALHO, 2012).

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(apud RIBEIRO; SACRAMENTO; ROXO, 2010, p. 64), “a televisão brasileira, e principalmente a do Rio de Janeiro, se consolida com base na ideia de que o fazer televisão é fazer programas ajustados a rotina de horários de trabalho e de lazer de uma casa.” Neste caso, uma casa branca.

Este não reconhecimento da família negra pelos que iniciaram a televisão no Brasil tem relação com os impeditivos de se conquistar a cidadania pelos ex- escravizados, pois “no

Brasil, aos libertos não foram dadas nem escolas, nem terras, nem empregos. Passada a euforia da libertação, muitos ex-escravos regressaram as fazendas, ou a fazendas vizinhas,

para retomar o trabalho por baixo salário” (CARVALHO, 2012, p. 52).

Reconheço neste processo de negação da identidade e participação do negro na televisão brasileira, uma articulação ideológica político-burguesa de manutenção de poder capitalista, associado a uma esquematização ideológica de manutenção do status quo que marginaliza parcela significativa da população nacional, enfim, é o estado burguês utilizando de seus meios para a manutenção estrutural da pirâmide social constituída desde o século XIX.

Nas sociedades capitalistas liberal-conservadoras do Ocidente, o discurso ideológico domina a tal ponto a determinação de todos os valores que muito frequentemente não temos a mais leve suspeita de que fomos levados a aceitar, sem questionamento, um determinado conjunto de valores ao qual se poderia opor uma posição alternativa bem fundamentada, juntamente com seus comprometimentos mais ou menos implícitos. (MÈSZAROS, 2012, p. 58).

Nesta luta por questionar e problematizar a história da minha gente contada nos meios oficiais, graduei-me em Ciências Sociais e concluí uma Pós-Graduação Lato Sensu em História e Cultura no Brasil. Na especialização, conheci Braudel (2011), que aborda a questão do historiador com seu objeto de estudo e sua tentativa de contar de uma nova maneira e com seus próprios argumentos e observação, a história social ao seu redor ou vivida.

Como a própria vida, a história se nos aparece como um espetáculo fugidio, movediço, feito do entrelaçamento de problemas inextrincavelmente misturados e que pode tomar, alternadamente, sem aspectos diversos e contraditórios. Como abordar e fragmentar essa vida complexa, para poder apreendê-la ou ao menos aprender alguma coisa nela? Numerosas tentativas poderiam nos desencorajar de antemão. (BRAUDEL, 2011, p. 22).

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particularmente vivendo parte desta história de luta por dignidade e visibilidade dos negros na mídia brasileira é que chego neste novo estágio de minha vida acadêmica.

Arredio a compactuar com o senso comum, nesta experiência de elaboração dos programas da TV Brasil vi e ouvi muitas críticas referentes ao descolamento entre o discurso, a política da TV e as práticas cotidianas, até o produto final levado ao ar. Foi com essas percepções e dúvidas concretas que comecei a construir meu objeto de pesquisa acadêmica, chego a esse momento com a perspectiva de fazer uma crítica propositiva e academicamente substanciada.

Porém, parto deste estudo considerando, conforme dados que veremos mais à frente, que o mesmo governo progressista2 que criou a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), onde está alocada a TV Brasil, não rompeu, até o momento, com os paradigmas da comunicação televisiva brasileira, pois desde seu quadro diretor até seus jornalistas e apresentadores não refletem a diversidade brasileira. Com efeito, na estrutura da empresa tem-se o que Hall

(2006, p. 57) conceitua como “a proliferação subalterna da diferença”, ou seja, junto com a

proposta homogeneizante da globalização, teríamos o paradoxo desta globalização contemporânea, onde, culturalmente as coisas podem parecer mais ou menos semelhantes entre si, porém, simultaneamente, perceberemos a manutenção e/ou proliferação das diferenças.

Julguei importante dar este primeiro passo falando de mim como pesquisador e meu envolvimento com o objeto de estudo, pois, assim como Said (1990, p. 21), considero que

“ninguém nunca descobriu um método para separar o erudito das circunstâncias da vida, do

fato do seu envolvimento (consciente ou inconsciente) com uma classe, com um conjunto de

crenças, uma posição social, ou da mera atividade de ser membro da sociedade”.

2 Considero o governo dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff progressista à luz de Binetti

(2008, p. 1013), que concebe a ideia de progresso como um processo de ruptura da estrutura estabelecida e promoção de um crescimento gradual do bem-estar e da felicidade do indivíduo e da humanidade, constituindo um movimento em direção a um objetivo desejável. O que no Brasil traduzo como o acesso da base da pirâmide social a serviços disponibilizados pelo Estado, ao consumo e a visibilidade de parcela da população

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INTRODUÇÃO

Esse estudo pretende se alinhar aos estudos fundadores, analíticos da história social do negro brasileiro e explorar no século XXI o processo de constituição da identidade mediada. Da mesma forma, objetiva produzir elementos estimuladores para investigação e debate interdisciplinar e perceber como as culturas ribeirinhas desse grande rio chamado Atlântico (GILROY, 2001; GUERREIRO, 2010; COSTA E SILVA, 2011), estão se identificando e

sendo documentadas pelo programa Nova África, da TV Brasil. Considerando que “em uma

sociedade articulada com a mídia, a construção da identidade passa pela relação entre as pessoas e os meios de comunicação, em diversos graus de articulação entre eles”

(THOMPSON, 2005 apud MARTINO, 2010, p. 16), a análise do programa será feita a partir do cotejo da relação ideologia x identidade presente nos vinte e seis capítulos levados ao ar.

A partir de arcabouço teórico-metodológico baseado nos estudos culturais, estudo de caso e análise de discurso, o trabalho proposto analisou a segunda temporada do programa Nova África que estreou em 26 de setembro de 2012, exibido no Brasil pela TV Brasil, sempre às sextas-feiras, às 22 horas e na TV Brasil internacional em diversos horários. Ao todo foram exibidos vinte e seis capítulos, cada um com vinte e seis minutos de duração. O programa que estava em sua segunda temporada foi produzido pela produtora Cinevideo, que com sua equipe enviada ao continente africano percorreu trinta países da região, dando preferência aos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOPS).3

O programa se propõe a mediar, fazer uma ponte entre o Brasil e o continente africano, berço ancestral de milhares de homens e mulheres contribuintes desse caldeirão

cultural que é a “híbrida” cultura brasileira (CANCLINI, 2007). Porém, consideramos que

este programa é fruto de uma histórica luta do movimento negro brasileiro por mais visibilidade de sua história e necessidade de conexão atualizada com a terra original de parte significativa de seus ancestrais, o continente africano.

Da mesma forma, avaliamos que o Programa só se tornou realidade a partir da chegada ao poder de um grupo político constituído, também, por lideranças originárias da base da pirâmide social brasileira e de visão progressista. Tal grupo possibilitou o

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fortalecimento dos investimentos na TV pública4 brasileira, através da criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e, com isso, o cumprimento de uma série de demandas políticas atreladas a seus apoiadores, dentre estas, a reconstrução do discurso oficial sobre a colaboração do elemento africano na formação da nação brasileira.

Sinais da referida reconstrução identitária estão em toda parte, desde a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) à adoção de cotas nas universidades públicas federais, recorte racial nos concursos públicos, até uma maior visibilidade para a cultura afrodescendente na TV Brasil (ainda que em proporção inferior à desejada). Enfim, o Governo Federal brasileiro a partir da gestão de Fernando Henrique Cardoso e, com maior ênfase na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, tem proporcionado essa reconstrução do discurso histórico e significativo da presença do africano e afrodescendente na cultura brasileira.

Por fim, consideramos que a existência do programa Nova África na TV Brasil está intrinsecamente ligado a este processo político citado, além de ter relação com a geopolítica5 do Estado brasileiro em relação à África Subsaariana.

Não obstante isso, conforme abordagem feita na apresentação do presente trabalho e será demonstrado a seguir, não consideramos que tenha existido, ainda, uma quebra de paradigmas na forma de estruturação da TV brasileira com o aparecimento da TV Brasil.

O aporte teórico para a análise desse processo encontraremos em Hall (2003), que versa sobre as mudanças identitárias pela qual sociedades e grupos comunitários têm transitado ao longo dos diversos períodos da história social humana, e sobre como nesse período do atual contexto da globalização, essas construções identitárias, tem sido mediadas pelos meios de comunicação e tecnologias que aproximam locais e espaços geográficos anteriormente distantes entre si, como é o caso da televisão, plataforma tecnológica por onde é exibido o sujeito de nossa análise, o programa Nova África.

Coadunando com o cientista jamaicano, Santos (2000) afirma que o processo de globalização produz condições materiais que influenciam a toda a sociedade, são a base da produção econômica, dos transportes e das comunicações, e que por outro lado, produz novas relações sociais entre países, classes e pessoas. Sublinha ainda que impulsionado pelo dinheiro e associado à indústria da informação, o processo de globalização cria a capacidade

4 O conceito de TV pública determina que ela não tenha fins lucrativos e, portanto, seu objetivo é atingir o

público como cidadão, não como consumidor, por meio de programas de interesses diversos e com cunho cultural, informativo e educativo.

5 Conforme Milton Santos (2000), tendo a periferia como centro e contextualizando a globalização econômica

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dos estados nortistas e controladores do capital de influir no imaginário social de cada país, principalmente dos mais pobres, e estes sofrerão grandes modificações sociais, identitárias e geopolíticas.

Cremos, conforme já citado a cima, que nesse emaranhado sócio, político e econômico, está a motivação para a concepção do programa Nova África pela TV Brasil. Queremos dizer, que o que propomos aqui é mesmo uma observação da mídia como objeto de significação e ressignificação identitária, com um poder de articulação de mão dupla, uma dialética entre o poder dos meios de comunicação em contraste com as possibilidades de resistência dos indivíduos, não apenas como receptores da mídia e suas mensagens, mas articulando-as em seu universo social.

É célebre no Brasil o debate sobre a não introdução do negro liberto na nova sociedade do Brasil republicano, a falta de políticas assimilativas e a negação das raízes africanas na cultura brasileira. Skidmore (2012) e Ortiz (2012), entre outros, traçam essa trajetória de construção política da negação, o processo de embranquecimento idealizado pelas elites políticas e intelectuais conservadores da primeira metade do século XX e a luta dos movimentos sociais negros por reconhecimento da colaboração do elemento africano na construção do que conhecemos como cultura brasileira.

Guimarães (2012), ao traçar a trajetória de lutas e debates da intelectualidade negra e progressista na ressignificação da imagem de seu povo na constituição da sociedade brasileira, apontará os meios de comunicação como a principal forma de construção da mentalidade nacional e reprodução da ideologia conservadora – primeiramente o rádio e depois a televisão. Estes reproduzirão a ideologia do embranquecimento como fórmulas para o desenvolvimento da nação e, posteriormente, preconizarão a democracia racial como fórmula nacional para o

bem estar das “raças” que aqui viveriam em harmonia. Porém, a reviravolta política dos anos

1960, também serviria para derrubar as utopias raciais dessa primeira metade do século XX no Brasil.

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Neste sentido, Martino (2010, p. 29-30) destaca:

A identidade de alguém, de um grupo ou mesmo de um povo passam por relações de comunicação estabelecidas interna e externamente, a partir das quais são criados e disseminados as narrativas e discursos que permitem às pessoas se reconhecerem

como parte de alguma coisa, como “iguais” a determinado grupo e “diferente” de

outros.

Não se sabe precisar ao certo como surge a televisão, um dos inventos mais fascinantes do século XX. Fruto de uma série de pesquisas e descobertas, este meio de comunicação eletrônico, criado entre as décadas de 1920 e 1930 e consolidado mundialmente após o fim da Segunda Guerra, implicou diversas mudanças nos modos de socialização, comportamentos e rotinas da sociedade.

São constantes as ilusões de objetividade fabricadas pela televisão. Isto implica numa armadilha para o receptor: certo de defrontar-se com o real, este pode deixar-se influenciar ainda mais pela mensagem, entregando-se sem rédeas aos processos de identificação e projeção. (SODRÉ, 1988, p. 62).

Mesmo ainda não havendo produção em escala industrial de televisores, as transmissões abertas passam a ocorrer a partir da década de 1930, primeiramente na Alemanha, em 1935, e depois na Inglaterra, Estados Unidos da América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). No Brasil, em 1950, houve acesso a um sinal aberto de TV após a inauguração da TV Tupi, pelo magnata AssisChateaubriand. A primeira

transmissão aconteceu no saguão dos “Diários Associados”, de propriedade de Chateaubriand.

Foi necessário ainda que o empresário importasse cerca de duzentos aparelhos de TV para que os programas da emissora fossem assistidos, já que não havia ainda o consumo em larga escala de televisores, porém, a partir deste empreendimento o Brasil entrava no circuito dos países onde existia a comunicação televisionada.

É fato, que a maioria das empresas de comunicação televisivas do mundo ocidental, com exceção dos EUA, se constrói e consolida ao longo dos anos 1940 e 1950, como modelos públicos diretamente dependentes do Estado e de caráter monopolista. Ainda hoje, a imensa maioria dos meios de comunicação está nas mãos dos governos. “Uma análise de 97 países,

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eram propriedade do Estado; 30% era propriedade de empresas familiares”. (ARROYO et al., 2012, p. 19-20)

No Brasil, a história da radiodifusão, desde seus primórdios, foi marcada pela prevalência dos interesses do mercado em detrimento do interesse público: essa característica é percebida nos processos de consolidação do rádio e, mais tarde, de formação da televisão. As TVs públicas no Brasil configuram um campo complexo e instigante. Apesar de ter em

comum uma “aura pública”, são canais com características bem distintas, processos próprios

de construção e consolidação. Apresentam origens, práticas e objetivos distintos. São produzidas em condições políticas, administrativas e técnicas próprias, além de sofrerem diferentes regulamentações. Porém, legalmente, o controle sobre a radiodifusão brasileira é público, e cabe ao Poder Executivo conceder e renovar concessões para esse serviço, como regulamenta o art. 223 da Constituição Federal (CF) de 1988: “compete ao Poder Executivo

conceder e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observando o principio da complementaridade dos sistemas privado,

público e estatal”. (BRASIL, 1988, n. p.)

Na prática, a televisão brasileira nasceu privada e com intenções comerciais, baseada no modelo estadunidense, instrumentalizada para reproduzir o modus vivendi da elite dominante e inferiorizar mentalmente a negros e mestiços.

Com o domínio mercadológico da nova técnica de comunicação e a estruturação privada dos canais televisivos, restou ao governo a possibilidade de estruturação da TV pública. A intenção do governo ao criar as emissoras públicas educativas no Brasil é

claramente pedagógica, “o primeiro público que se pretendia atingir com isso era o dos 15

milhões de jovens e adultos sem escolarização. Em 1971, os telecursos foram legalizados e concediam diplomas”. (OTONDO, 2002, p. 272) Havia uma ideia de massificação da educação através da televisão que permitiria ao governo chegar à população sem acesso ao seu circuito escolar oficial. Porém, esse processo pedagógico era pensando etnocentricamente6, desvinculado das práticas cotidianas do público ao qual se destinava sem levar em consideração as emoções e sensibilidades experimentadas por ele e imprescindíveis ao processo de aprendizagem. Essa prática perpassava a América Latina, conforme aponta Germán Rey (2002, p. 92):

6 Etnocentrismo- A tendência de se referir exclusivamente aos próprios valores e práticas culturais, mesmo que

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De um lado, estavam os projetos de televisões comerciais, que ficavam com as emoções, os relatos dramáticos, o entretenimento; e do outro, a televisão educativa, que começou reproduzindo na tela as metodologias e didáticas empregadas na sala de aula. A esquizofrenia foi rapidamente percebida: a escola e a televisão educativa pertenciam a um exterior longínquo e desvinculado das mudanças que estavam ocorrendo (sociedades mais urbanas, variações de gênero, culturas juvenis em expansão).

Apesar da origem limitada, foi justamente a partir da rede de televisões educativas que os projetos de televisão pública começaram a tomar forma no Brasil. Embora, na prática, as televisões educativas brasileiras tenham extrapolado a esfera unicamente educacional, a estrutura jurídica que as assegura é ainda a mesma de 1967.

Reunidas desde 1998 na Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais (ABEPEC), as TVs educativas estão presentes nas principais capitais do país. Em 2007, representavam um universo composto de 1.885 TVs entre geradoras, afiliadas e retransmissoras. (ABEPEC, 2013) A criação da TV Brasil incorporou em sua formação duas dessas emissoras, as TVs educativas do Rio de Janeiro e do Maranhão, fato que não provocou até este momento alteração significativa na configuração do setor.

Porém, se o modo de pensar a televisão e as práticas a ela associadas mudaram muito nas últimas décadas, mudou também o próprio modo de fazer e ver televisão. Esta mudança tem tido clara influencia dos anos pós-ditadura, onde, a partir da Constituição de 1988, o brasileiro vem reaprendendo a participar politicamente, pleitear suas pautas e interesses. Grupos organizados da sociedade civil se estabeleceram durante esse processo e colocaram na agenda do dia suas demandas, como é o caso do movimento negro organizado, os povos e comunidades tradicionais ( ribeirinhos, pescadores, quilombolas) , entre outros, que refletem a luta por cidadania dos diversos grupos políticos minorizados. A cidadania nasce como fruto de um processo histórico que levou a sociedade Ocidental a construir e se inserir como parte deste conjunto de direitos. Conforme Pinsky (2003, p. 09), “ser cidadão é ter direito à vida, à

liberdade, à propriedade perante a lei, em resumo, ter direitos civis”.

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operários, profissionais liberais, artistas, agricultores, etc. Enfim, um movimento policlassista e multicultural onde são geridas ações de combate ao racismo institucionalizado. Este movimento tem sido porta voz dos descendentes dos povos africanos anteriormente sequestrados para o Brasil.

Historicamente o movimento negro surge como espaço de manutenção e/ou obtenção de uma identidade que mesmo após a conquista jurídica de direitos iguais, continua sendo reprimida. Hall (2003) vai considerar que a constituição de um grupo identitário proporciona a estabilização do sujeito ao mundo cultural criado por seu grupo, consequentemente tornando-os mais unidos e fortalecidos frente ao Estado.

É deste modo que perceberemos o movimento negro contemporâneo que surge como espaço onde cidadãos alijados do processo de inclusão social construíram seu significado de vida e manifestam seu pertencimento a um determinado grupo sociocultural. Ainda na primeira República os brasileiros libertos do jugo escravista iniciaram os movimentos de articulação racial negra brasileira, uma espécie de sequência republicana e libertária dos antigos movimentos abolicionistas do Império e esta movimentação não será indiferente ao processo político mundial em transformação.

A inquietação, que começa a ganhar corpo pelos fins da I Grande Guerra, e os movimentos sociais, que se esboçam a partir da segunda década do século XX, marcam o início da participação do negro e do mulato, como e enquanto tais, na história moderna da cidade. (FERNANDES, 2008, p. 11).

Desde o período pós-abolição e no alvorecer republicano, este movimento tem se caracterizado pela heterogeneidade étnica e também pela imobilidade no alcance de um espaço nos planos políticos, culturais e ideológicos. A alternativa foi afirmar uma identidade negra, frente ao espaço social e geográfico escravocrata republicano, onde para a sobrevivência biológica era imprescindível a visualização da segregação racial como uma chave articuladora e mobilizadora em prol da luta por direitos. Munanga (1994) define esta articulação como tomada de consciência de um seguimento étnico-racial excluído da participação na sociedade para a qual contribuiu economicamente, com o trabalho gratuito como escravo, e também culturalmente, em todos os tempos na história do Brasil.

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mais variadas regiões do país e constitui-se ainda em pleno século XXI uma luta contínua por liberdade igualdade. Estas demandas teoricamente serão incorporadas ao projeto de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e farão parte da expectativa de consolidação de uma TV pública plural e etnicamente diversificada, expectativa esta que se consolida com a criação da TV Brasil, emissora da EBC.

É a partir desta visualização histórica de lutas e conquistas da comunidade negra, do

turn over governamental, do agendamento de questões raciais nesse novo governo, de uma guinada geopolítica voltada para a África e o aumento dos temas raciais na TV que se aguça o senso crítico para a investigação proposta na pergunta problema dessa pesquisa em relação ao programa Nova África.

Para analisar a série de programas a partir do contexto cultural e aproximar o seu texto7, o todo, de uma análise adequada, fez-se aqui o uso de ferramentas intertextuais (HALL, 2006) das Ciências Sociais que perpassou autores de diversas áreas, tais como, comunicação, sociologia, história e filosofia. Entendeu-se que a questão posta para análise não está relacionada ao estruturalismo social, movimentações da base e superestrutura, mas sim, condicionada às relações ideológico-culturais que se infiltram nas laterais dessa estrutura social. E ainda, que a cultura perpassa todas as práticas sociais e constitui a soma do inter-relacionamento da mesma, bem como a questão racial é tratada na TV pública a partir do programa Nova África e compreender o significado e direcionamento de seu discurso numa

perspectiva foucaultiana porque ”por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca

coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e

com o poder”. (FOUCAULT, 2010, p. 10)

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PROBLEMA DE PESQUISA

Sabendo que onde há informação há ideologia, buscamos analisar a construção do

discurso sobre a suposta “Nova África” através da consideração sobre o tratamento dado ao

negro na TV brasileira, a inserção do tema na TV pública e da percepção sobre o perfil dos apresentadores e equipe de produção responsável pela série.

A partir de uma análise historicizante, com cotejamento literário e pesquisa bibliográfica, este estudo se propõe a analisar tal situação e descortinar o lugar de fala da equipe que produz o programa, analisando os objetivos explícitos e implícitos desta constituição identitária das sociedades africanas exibidas para o público brasileiro.

Os primeiros dados sobre a estruturação do programa e seu conjunto simbólico podem ser auferidos ao cotejar informações do programa no portal eletrônico da emissora e ao assistir os episódios disponíveis para consulta.

A TV Brasil se propõe, a “mostrar uma África sem estereótipos e a partir do olhar do

próprio africano”.8 Porém, este olhar trazido ao público brasileiro é construído a partir da

captação feita pelos repórteres Marcio Werneck, brasileiro, paulistano de tez branca, cabelo liso e preto. Aline Maccari, jornalista, e modelo brasiliense, loira, com experiência vivida nas passarelas da moda internacional, conforme breve pesquisa em portais e agências de noticias eletrônicas.9 A terceira repórter e apresentadora do programa é a jornalista Dina Adão, negra, africana de Guiné-Bissau e sem experiências internacionais e/ou no meio televisivo, porém, conforme release oficial da emissora por ocasião do lançamento da nova programação da TV Brasil, destacada como a única apresentadora do programa. O dado sobre a jornalista negra ser a única apresentadora do programa consta nos materiais iniciais de divulgação da nova temporada, porém, ao assistir ao programa encontraremos três repórteres apresentadores, conforme perfil descrito acima. Este dado refletiu nos portais de organizações negras brasileiras, como, por exemplo, o Correio Nagô (REIS, 2012), onde os demais apresentadores não são citados, levando a crer que a jornalista africana seria a principal condutora do programa, levando-nos a crer num olhar afrocêntrico10 na constituição das matérias. Abaixo

8 Ver EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO. TV Brasil. Nova África: um continente, um novo olhar.

Disponível em: <http://tvbrasil.ebc.com.br/novaafrica/sobre>. Acesso em: 21 mar. 2014.

9 Ver MACCARI, Aline.

Blog. Disponível em: <http://www.alinemaccari.blogspot.com.br/>. Acesso em: 19 set. 2013.

10 Um olhar a partir de uma perspectiva local, construído por equipe ou cidadãos locais, falando de sua própria

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reproduzimos algumas imagens dos apresentadores, a título de ilustração da presente abordagem.

Figura 1 – Repórteres da TV Brasil: Dina Adão, Aline Maccari e Márcio Werneck.

Fonte: TV Brasil (2013).

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mesmo a equipe técnica diretiva, que conforme é publicamente sabido é constituído de profissionais brasileiros da produtora Cinevideo, vencedora do pitching11 da TV Brasil realizado em 2011.

Vivenciando o processo de constituição da emissora pública in loco, convivendo com sua estrutura diretiva e percebendo, a partir da prática cotidiana, a reprodução de formas e procedimentos característicos das emissoras comerciais brasileiras, as mesmas que, conforme já abordado a cima, reproduzem o processo de exclusão do negro12 de sua programação, surgiu a questão;

De qual perspectiva identitária a TV Brasil nos apresenta esta suposta “Nova África”?

E como ela é apresentada?

De acordo com a abordagem histórica constitutiva da televisão brasileira que vimos acima, um modelo dependente mercadologicamente, reproduzindo identidades e símbolos culturais do estrangeiro, reproduzindo o texto cultural estadunidense como parâmetro de ideal civilizado, com a histórica dialética político-cultural de negação da africanidade brasileira pelos controladores dos meios; afirmação da identidade e reconhecimento da contribuição do elemento africano na formação da cultura nacional brasileira por parte do movimento social organizado; acreditamos justificar o questionamento sobre o programa Nova África e sua problematização, e consideramos a hipótese inicial, de que a TV Brasil abordaria de maneira tradicional, ao modo da dominação ocidental, as comunidades de países africanos, reforçando os estereótipos negativos, de sociedade atrasada em relação ao mundo ocidental. Porém, com um discurso progressista, discurso de rompimento revolucionário com a consolidada estrutura da televisão brasileira, intentando contemplar a enorme comunidade negra nacional. Isto, a partir de um discurso fragilizado, por que, apoiado nos mesmos textos etnocêntricos historicamente vistos nos meios televisivos (ARAÚJO, 2013), o que refletiria no texto, imagem e discurso, dos apresentadores.

O interesse em pesquisar o programa e o novo modelo de televisão proposto pelo Governo Federal nasceu a partir da abstração sobre os processos de criação da empresa e sobre o novo momento econômico brasileiro e de sua política internacional, iniciada no governo Lula. Esta política dissemina a imagem de um Brasil mais propositivo internacionalmente, próspero e articulador de políticas internacionais para o desenvolvimento

11 Forma de apresentação de projetos para o mercado investidor, onde o apresentador precisa convencer o

investidor da viabilidade de seu projeto.

12 Na programação televisiva brasileira não encontramos os representantes das maiorias minorizadas em relação

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dos países periféricos, levando o país a ter uma participação político-econômica mais significativa no continente africano, ampliando o número de embaixadas no continente, incentivando e injetando capital público-privado nas economias locais e, por isso mesmo, internamente desenvolvendo políticas socioculturais consideradas progressistas, mas que endossem o apoio da população e de sua maioria minorizada historicamente as suas políticas internas e externas.

Assim, percebemos que desde a chegada ao poder do Governo Lula e de seu grupo (Governo Dilma), tem-se promovido uma ressignificação das identidades brasileiras que passa pela revisão do atlântismo brasileiro, quer dizer, valorização das culturas atlânticas, principalmente africanas que contribuíram para a formação da nação brasileira, que durante séculos foi negada ou escamoteada. Porém, causa preocupação o fato desse processo, principalmente no que diz respeito à comunicação, conforme nosso objeto de estudo, não ter provocado o rompimento dos paradigmas existentes no meio, e a gestão da transformação estar sendo operada por mãos brancas e masculinas, com todos os signos a isto inerentes. Consoante o etnólogo Jean Pierre Warnier (2000), identidade, cultura, ideologia, mídia e poder andam juntas e se suportam.

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METODOLOGIA

Definir um caminho metódico corresponde levar em conta diversas escalas de manifestação da realidade, de forma a encontrar as variáveis explicativas fundamentais. Como personagens principais do enredo a estabelecer estarão estas variáveis a nos rodear.

Como metodologia utilizada para realização da pesquisa, trabalhamos com o estudo de caso e análise de discurso. Conforme Fonseca Júnior (2012, p. 303), a análise do discurso

“procura estabelecer ligações as condições de produção do discurso e sua estrutura. Sua

hipótese geral considera que um discurso é determinado pelas suas condições de produção e por um sistema linguístico”. Consideramos discurso o corpo simbólico representado no todo

apresentado durante a comunicação, fala, linguagem e postura, em linha com a posição de Simon Blackburn (1997, p. 105):

Consiste na descrição das normas sociais e linguísticas, podendo ter particular incidência na descrição das condicionantes, sociais e políticas, das formas que os discursos podem tomar, como por exemplo, as pressuposições ocultas relativas à classe social, raça ou sexo a que os ouvintes do discurso pertencem.

O discurso proferido pelo Estado via um programa de televisão, como é o caso do Nova África é, indubitavelmente, uma tentativa de reforçar os laços nacionais e/ou reconstruir

a significação identitária da “comunidade imaginada”. Para Benedict Anderson (2008, p. 27),

“a nação é imaginada como uma comunidade porque, independentemente da desigualdade e da exploração reais que possam prevalecer em cada uma das nações, é sempre concebida como uma agremiação horizontal e profunda”. Esta comunidade imaginada constituirá foco de identificação e pertencimento.

Ao contrário do que se supõe, os discursos da nação não refletem um estado unificado já alcançado. Seu intuito é forjar ou construir uma forma unificada de identificação a partir das muitas diferenças de classe, gênero, região, religião ou localidade, que na verdade atravessam a nação. (HALL, 2006)

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necessidade de legitimar seu discurso e busca construir uma aura de verdade em torno de seu discurso. Em determinado momento ele dirá;

[...] é que se o discurso verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo, se não o desejo e o poder? (FOUCAULT, 2010, p. 20).

As estratégias discursivas de um Lugar de Fala seguem determinadas regras para

serem legitimadas, pois, “ninguém atuará na ordem do discurso se não satisfizer a certas

exigências ou se não for, de inicio, qualificado para fazê-lo”. (FOUCAULT, 2010, p. 37) Foucault (2010) chama de rarefação os procedimentos pelos quais as condições de funcionamento dos discursos impõem aos indivíduos certo número de regras e, assim, não permitem que todo mundo tenha acesso a eles. Segundo aquele autor, os rituais da palavra, os grupos doutrinários, as apropriações sociais e as sociedades do discurso estão ligados e constituem-se em espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam, transitam, nos diferentes tipos de discurso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos. Brandão (1998) baseia-se em Foucault (2010) para afirmar que o discurso é o espaço em que saber e poder se articulam na construção da fala, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente e esse discurso que veicula saber é gerador de poder.

Este aporte metodológico nos propiciou suporte para fazer a análise do discurso do tecido do programa e seu lastro político, a partir de operação de técnicas metodológicas transversais, possíveis no estudo de caso, para um cruzamento de dados e informações qualitativas. Alinhamo-nos à definição de Yin (2001, p. 32) na concepção do estudo de caso:

“[...] o estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é

claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas”. Ainda, conforme

(33)

A escolha dos métodos, estudo de caso e análise do discurso, se deu pelo fato de que seriam os mais adequados para se compreender este fenômeno pouco estudado e objeto de nossa pesquisa. Para tanto, também nos debruçamos sobre literaturas que abordam o tema e subtemas propostos.

A escolha do método também se relacionou com aspectos relativos à experiência prévia do investigador relativamente ao fenômeno investigado, o conhecimento tácito do fenômeno e a intenção de compreendê-lo. Cabe indicar, que o pesquisador trabalhou na TV Brasil entre os anos de 2008 e 2013, foi repórter, apresentador e produtor do programa Paratodos, programa sobre as culturas brasileiras, e colaborador como repórter especial e produtor do programa Caminhos da Reportagem, programa jornalístico documental com temas variados.

(34)

TEORIA

Ao abordar o programa televisivo em questão, a partir da ótica de uma dialética identitária, afirmação e reafirmação de grupos de poder em luta por espaço na realização deste novo período social por que passa o Brasil, trabalhamos com a perspectiva tradicional dos estudos culturais e, cotejamos abordagens transversais.

Escolher os Estudos Culturais para o desenvolvimento teórico do estudo teve por base a perspectiva cultural do processo social analisado, associado às relações ideológicas de poder. Entendendo cultura como um termo polissêmico, aqui pode ser entendido como o modo de vida de um povo, em que se incluem suas atitudes, valores, crenças, artes, ciências, modos de percepção e hábitos de pensamento e ação. Cremos que as características culturais das formas de vida são apreendidas, porém, invariavelmente, são muito abrangentes para serem facilmente detectáveis a partir de seu interior. O que vemos aqui como cultura, pode ser compreendida como identidade e as identidades brasileiras e africanas são frutos de um histórico processo cosmológico de fluxos e refluxos interatlântico, formado nas idas, vindas e negações do comércio marítimo entre África e Brasil e vice-versa (COSTA E SILVA, 2011b). Uma percepção deste processo de construção das nacionalidades transatlânticas baseada na ideologia étnico-racial será desenvolvida por Paul Gilroy, britânico negro, que chamará este

processo de fluxos e refluxos de “culturas viajantes”. (GILROY, 2001)

Compartilhamos a percepção de que nossa identidade cultural foi forjada no modo como se deu o nascimento do país, nas negociações coloniais, no ouvir e não escutar do negociante português do Rio de Janeiro, nos tabuleiros das baianas cariocas, na negociação e conflito entre senhores e homens escravizados, conforme os historiadores João José Reis e

Eduardo Silva. “De fato, como já foi tantas vezes estudado, as culturas negras, isoladas na

diáspora, nos limites da pressão humana, tudo digerem e tudo transformam no objeto novo

que será o Brasil” (2009, p.14). Hall (2006, p. 28) pontua que “a pobreza, o

subdesenvolvimento, a falta de oportunidades, os legados do Império em toda parte, podem

forçar as pessoas a migrar, o que causa o espalhamento, a dispersão”, que produz as culturas

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Para as gentes do Brasil, a África deixou, por várias décadas, de ser uma entidade geográfica precisa e converteu-se no símbolo de uma difusa nostalgia. O folclore assegurou-lhe a vaga e estática sobrevivência que costuma dar as coisas que passaram, que deixaram de ter relevância na vida diária. (SILVA, 2011b, p. 43).

Deste modo, identificamo-nos com a abordagem cultural do tema, e utilizamos abordagem multidisciplinar e intertextual para contextualizá-lo.

Os principais teóricos utilizados são Stuart Hall, que com sua origem afro-jamaicana colonial, e localizado na Londres dos anos 1960, metrópole das colônias africanas e caribenhas em luta por independência, será levado a analisar a diferença entre um britânico da colônia e o da metrópole e as respectivas dessemelhanças surgidas a partir destes conflitos identitários. Isso o levará nos anos 1970 à direção do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) da universidade de Birmingham, na Inglaterra. É considerado um dos pais

dos Estudos Culturais, “um movimento acadêmico-intelectual internacional (SOVIK, 2003, p.

21). Ele dirá que “entre nós, a identidade é irrevogavelmente uma questão histórica. Nossas

sociedades são compostas não de um, mas de muitos povos. Suas origens são únicas, mas

diversas”. (HALL 2003, p. 30)

Nestor Garcia Canclini, argentino radicado no México, acompanhará Hall (2003) sobre o conceito de culturas híbridas, dirá que os latino-americanos são híbridos e discutirá uma possível ruptura entre a tradição e o moderno na formação das identidades (CANCLINI, 1997). Assim, Stuart Hall, Canclini e o brasileiro Renato Ortiz irão fundamentar a discussão sobre cultura e identidade, além de Foucault, Mészáros e Fanon, que nos ajudarão a discutir poder e ideologia.

Além disso, construímos nessa pesquisa o termo que sugerimos para a identificação do indígena (aborígene), do negro brasileiro e do africano contemporâneo que é o de “sujeito

desidentificado”, aquele que no sequestro em África de seus ancestrais é levado a adotar a

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Esta constituição do termo “sujeito desidentificado” para falar do indígena, do negro brasileiro, da diáspora e do africano, foi um insight surgido ao final da análise dos capítulos

constitutivos do seriado “Nova África” ao perceber o tratamento estético dado a apresentadora

Dina Adão, suas roupas e edições de seus vídeos em comparação aos seus companheiros de trabalho e aliando isso a tradicional abordagem dada ao negro e aos africanos nos meios de comunicação audiovisuais, o que não foi diferente no programa analisado. Percebemos a não cidadania dos sujeitos e sua falta de identidade, se são todos africanos, não são nacionais, não são tribais, e não sendo tribais não tem identidade. São sujeitos em processo constante de

“transculturação”, conforme preconiza Hall (2003, p. 31).

Buscamos, ainda, uma visão de autores/pesquisadores do continente africano, que trabalham com a construção do Estado nacional e as relações identitárias, socioculturais, pretendendo assim ampliar a perspectiva de análise, estruturar o trabalho com teóricos culturalistas oriundos dos dois lados do atlântico sul: Mario de Andrade, de Guiné-Bissau e Kwame Anthony Appiah, de Gana, são alguns destes autores.

Cremos na contemplação da pesquisa e dos objetivos do pesquisador na estrutura

teórica dos Estudos Culturais, pois estes, conforme Ortiz (2004, p. 121), “caracterizam-se por

sua dimensão multidisciplinar, a quebra das fronteiras tradicionalmente estabelecidas nos

departamentos e nas universidades”. Com efeito, com graduação em Ciências Sociais,

Pós-Graduação lato sensu em História e Cultura no Brasil e expertise profissional voltada para o desenvolvimento de trabalhos junto aos grupos minorizados dos grandes centros urbanos, cremos na perfeita adequação teórica desse projeto aos Estudos Culturais, haja vista que contempla o estudo de cultura, história e sociedade no Brasil através da televisão. Cremos prestar uma contribuição ao desenvolvimento dos Estudos Culturais ao utilizar a experiência prática e política com o rigor necessário para a construção da analise acadêmica. Johnson

(2010, p. 21) dirá que “este sentimento de uma conexão entre o trabalho intelectual e o

trabalho político tem sido importante para os Estudos Culturais”.

(37)
(38)

CAPÍTULO 01

1.1 UM CORPO ESTRANHO

Há bem pouco tempo, a radiodifusão pública não estava na agenda brasileira. Com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em 2007, o Governo Brasileiro alavancou o debate sobre a necessidade de uma comunicação pública estruturada, ampla e diversificada. Neste sentido, de visibilizar e reestruturar a radiodifusão pública, a TV Brasil ganhou o seu destaque.

Ao pesquisarmos o assunto na imprensa, iremos nos deparar com uma enxurrada de criticas a tal iniciativa. Natural, pois, em um país dominado pelo modelo comercial de comunicação, ainda que, através de concessões públicas, a lógica empresarial a qual este segmento está acostumado, os faz, à primeira vista, enxergar a emissora pública compromissada em promover a identidade nacional como um corpo estranho.

A construção da nova TV pública brasileira passa pela superação de dilemas como a necessidade de modernização da programação, diversidade de seu quadro de funcionários e contemplação das demandas sociais, além da melhoria da sua estética. Mas os críticos da TV pública demandam por uma mudança estrutural da mesma, pois imaginam a nova empresa pública alinhada aos interesses neoliberais ditados pela globalização econômica que marcou a primeira década do século XXI.

Hall (2011) considera que as transformações vivenciadas neste novo século, são de uma ordem diferente daquelas experimentadas na aurora do capitalismo. Para o sociólogo, um tipo diferente de mudança estrutural transformou as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no passado nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós mesmos como sujeitos integrados.

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fragmentação e a uma sensação de uma “crise de identidade” e a TV pública ao procurar

reforçar as identidades nacionais e o hibridismo cultural formador da identidade brasileira, provoca estranhamento e conflito com a agenda pasteurizante global seguida pelas redes comerciais de comunicação.

Ter na radiodifusão pública um corpo estranho não soa estranho para uma população majoritariamente consumidora primeiro, do rádio comercial e depois, da TV comercial. Como aponta Brym (2010), os meios de comunicação de massa são fundamentais para a construção do imaginário social na era industrial e pós-industrial, conectando o mundo e construindo necessidades de consumo, facilitando o acesso aos serviços públicos e proporcionando aumento de capital aos investidores. Santos (2000, p. 24) dirá que o desenvolvimento da história está intimamente relacionado com o desenvolvimento das técnicas, e que, a cada evolução técnica uma nova época da história se torna possível, coaduna que estamos vivendo a era das técnicas da informação, e que esta unicidade das técnicas e aprendizados possíveis devido ao avanço das tecnologias informacionais, e que proporciona a unicidade do tempo, possibilita uma finança universal, a universalização dos mercados, uma espécie de mais-valia globalizada.

No Brasil, seguindo esta lógica do capital, algumas poucas famílias dominam grande parte das concessões da radiodifusão, mais especificamente, dominam 90% do setor. Entre os principais proprietários, destacam-se as famílias: Marinho (Globo), Civita (Abril), Sirotsky (RBS), Saad (Bandeirantes), Abravanel (SBT), Mesquita (O Estado de São Paulo), entre outras, estes promovem través de seus meios o “mundo como fábula” e negam a globalização como perversidade, conforme Santos (2000).

Ainda que na América do Sul o Brasil se diferencie por ter construído uma indústria da comunicação bastante sólida, sendo um país, há décadas exportador de conteúdos, como as novelas da TV Globo, as empresas nacionais citadas estão interconectadas com as grandes redes comerciais estrangeiras, recebendo produtos da indústria cultural e disseminando a agenda estabelecida pelos detentores do capital global para a América Latina. As indústrias culturais interligaram os países através das mensagens e dos programas veiculados. Produtos veiculados pelo rádio, pelo cinema e, depois, pela televisão, se tornaram produtos da cultura popular, configurando imaginários compartilhados entre os países (MARTEL, 2012; TOTA, 2012).

Imagem

Figura 1 – Repórteres da TV Brasil: Dina Adão, Aline Maccari e Márcio Werneck.
Gráfico 2 – Corpo diretivo da Empresa Brasil de Comunicação por cor.
Gráfico 3 – Apresentadores da TV Brasil por quantidade/cor.
Tabela 1 – População cativa distribuída por Estado (em %).
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