UFPE — MA989 — 2014.1 — PROF. FERNANDO J. O. SOUZA
LISTA DE EXERC´ ICIOS 07 – v. 1.1
Assuntos: Pares ordenados e produtos cartesianos. Alguns tipos b´asicos de rela¸c˜oes bin´arias, inclusive rela¸c˜oes de ordem e fun¸c˜oes.
Orienta¸ c˜ ao: Dar solu¸c˜oes leg´ıveis e completas, explicando todos os pas- sos e detalhes, e indicando as propriedades e os resultados utilizados. Caso a solu¸c˜ao de um item esteja dispon´ıvel, s´o conferi-la ap´os tentar resolvˆe-lo seriamente. Podem ser usados os recursos da l´ogica de predicados com igual- dade e nossa Parte I dos axiomas de ZF (vide Lista 06).
pares ordenados e produtos cartesianos
Defini¸ c˜ ao. Do ponto-de-vista formal, uma no¸c˜ao de par ordenado ´e uma regra que associa, a todos os elementos
1x e y, um par ordenado (x, y) satisfazendo duas propriedades:
i. A propriedade caracter´ıstica
2:
∀x, y, x
′, y
′, ( (x, y) = (x
′, y
′) ⇐⇒ (x = x
′∧ y = y
′) ) ; ii. Dados quaisquer conjuntos X e Y , a classe
X ×Y :=
z ∃x ∈ X : ∃y ∈ Y : z = (x, y) , formada por abstra¸c˜ao e mais comumente denotada por
(x, y) x ∈ X, y ∈ Y , ´e um conjunto (leg´ıtimo) em ZF.
Quest˜ ao 1. (Produtos cartesianos). Nesta quest˜ao, produtos cartesianos ser˜ao considerados do ponto-de-vista formal. Sejam A, B, C e D conjuntos.
1.a. Descrever, por extens˜ao, ∅ × ∅, {∅} × {∅} e ∅ × {∅}. Eles s˜ao iguais ? 1.b. [Halmos, Sec. 6] Provar que: A × B = ∅ ⇐⇒ (A = ∅ ∨ B = ∅);
∅ 6= A × B ⊆ X × Y = ⇒ (A ⊆ X ∧ B ⊆ Y ); e que a condi¸c˜ao ∅ 6= A × B
´e necess´aria para se chegar `a conclus˜ao anterior;
1.c. Demonstrar que (A ∩ B) × (C ∩ D) = (A × C) ∩ (B × D), A × (C ∪ D) = (A × C) ∪ (A × D) e, analogamente, (A ∪ B) × C = (A × C) ∪ (B × C), mas que ´e poss´ıvel termos (A ∪ B) × (C ∪ D) 6= (A × C) ∪ (B × D);
1
Assumindo pureza, “a todos os conjuntos”.
2
Assim, a primeira e a segunda entradas distinguem-se uma da outra.
1.d. Mostrar que A × B e B × A podem ser diferentes (O produto cartesiano n˜ao
´e comutativo !). Obter uma lista de condi¸c˜oes sobre A e B que equivale a A × B = B × A. Demonstrar tal equivalˆencia;
1.e. Mostrar que (A × B) × C e A × (B × C) podem ser diferentes (O produto cartesiano n˜ao ´e associativo !) mesmo se A = B = C !
Obs. Na continua¸c˜ao desta disciplina, obteremos que, apesar de nem ser comutativo nem associativo, o produto cartesiano admite bije¸c˜oes canˆonicas (mais precisamente, “isomorfismos naturais”) entre A × B e B × A, e entre (A × B) × C e A × (B × C).
Existe mais de uma realiza¸c˜ao da teoria formal dos pares ordenados.
Abaixo, damos dois exemplos: a de Wiener (1914) foi a primeira a apa- recer; e a de Kuratowski (1921) ´e usualmente adotada em ZF.
Defini¸ c˜ oes. Dados os conjuntos X e Y , denotamos:
(X, Y )
W= b { {{X}, ∅}, {{Y }} } (par ordenado de Wiener); e (X, Y )
K= b { {X}, {X, Y } } ( par ordenado de Kuratowski ).
Quest˜ ao 2. Sejam A, B, C e D conjuntos.
2.a. Descrever, por extens˜ao, (∅, ∅)
We (∅, ∅)
K. Eles s˜ao iguais ? 2.b. (Longo e exige alguma maturidade). Demonstrar que:
(A, B)
K= (C, D)
K⇐⇒ ((A = C) ∧ (B = D)) ⇐⇒ (A, B)
W= (C, D)
W. Dica: Considerar os casos A = B e A 6= B separadamente;
2.c. (Dif´ıcil). Seja a seguinte classe (produto cartesiano de pares ordenados de Kuratowski) dada por abstra¸c˜ao: K
A,B= b
(a, b)
Ka ∈ A, b ∈ B =
{x|a ∈ A, b ∈ B : x = (a, b)
K}. Construir, a partir de A e B , um conjunto X (em ZF) do qual K
A,B´e subconjunto
3;
2.d. (Dif´ıcil). Seja a seguinte classe (produto cartesiano de pares ordenados de Wiener) dada por abstra¸c˜ao: W
A,B= b
(a, b)
Wa ∈ A, b ∈ B =
{y|a ∈ A, b ∈ B : y = (a, b)
W}. Construir, a partir de A e B , um conjunto Y (em ZF) do qual W
A,B´e subconjunto
4.
3
Disto, temos a boa defini¸c˜ ao de K
A,Bem ZF : dados A e B, existe um ´ unico conjunto extensionalmente igual a {x ∈ X |a ∈ A, b ∈ B : x = (a, b)
K} em ZF.
4
Disto, temos a boa defini¸c˜ ao de W
A,Bem ZF : dados A e B, existe um ´ unico conjunto
extensionalmente igual a {y ∈ Y |a ∈ A, b ∈ B : y = (a, b)
W} em ZF.
rela¸ c˜ oes bin´ arias num conjunto
Defini¸ c˜ oes. Dados os conjuntos X e Y , dizemos que R ´e uma rela¸ c˜ ao de X em Y se, e somente se, R ⊆ X × Y . Em caso afirmativo, denotamos
∀x ∈ X, ∀y ∈ Y, (xRy ⇐⇒ (x, y) ∈ R), e dizemos que: x relaciona-se a y por R; X ´e o dom´ ınio de R (Dom(R) = X); e Y ´e o contradom´ ınio de R (ContraDom(R) = Y ). Denotamos a nega¸c˜ao xRy pelo modo tradicional x6Ry, ou seja: ∀x ∈ X, ∀y ∈ Y, (x6Ry ⇐⇒ ¬(xRy) ⇐⇒ (x, y) ∈ / R).
Dizemos que R ´e uma rela¸ c˜ ao em X se, e somente se, R ´e uma rela¸c˜ao de X em X (ou seja, R ⊆ X × X).
Dos tipos de rela¸c˜ao abaixo, aqueles assinalados com asterisco (*) s˜ao opcionais nesta disciplina e podem ser ignorados numa primeira leitura. No entanto, recomendamos que o(a) leitor(a) tente entendˆe-los e compar´a-los com os demais tipos.
Defini¸ c˜ oes. Dada uma rela¸c˜ao R em X, dizemos que:
− R ´e reflexiva se, e somente se, ∀x ∈ X, xRx, ou seja, (x, x) ∈ R;
− R ´e irreflexiva (ou estrita) se, e somente se, ∀x ∈ X, x6Rx, ou seja, (x, x) ∈ / R;
− (*) R ´e correflexiva se, e somente se, ∀x, y ∈ X, xRy = ⇒ x = y, ou seja, (x, y) ∈ R = ⇒ x = y;
− R ´e sim´ etrica se, e somente se, ∀x, y ∈ X, xRy = ⇒ yRx, ou seja, (x, y) ∈ R = ⇒ (y, x) ∈ R;
− R ´e assim´ etrica se, e somente se, ∀x, y ∈ X, xRy = ⇒ y6Rx, ou seja, (x, y) ∈ R = ⇒ (y, x) ∈ / R;
− R ´e antissim´ etrica se, e somente se, ∀x, y ∈ X, (xRy ∧yRx) ⇒ x = y, ou seja, ( (x, y ) ∈ R ∧ (y, x) ∈ R ) = ⇒ x = y;
− R ´e transitiva se, e somente se, ∀x, y, z ∈ X, (xRy ∧ yRz) = ⇒ xRz, ou seja, ( (x, y ) ∈ R ∧ (y, z) ∈ R ) = ⇒ (x, z) ∈ R;
− (*) R ´e antitransitiva se, e somente se,
∀x, y, z ∈ X, (xRy ∧ yRz) = ⇒ x6Rz, ou seja, ( (x, y ) ∈ R ∧ (y, z ) ∈ R ) = ⇒ (x, z) ∈ / R;
− (∗)R ´e euclidiana (ou euclidiana ` a direita) se, e somente se,
∀x, y, z ∈ X, (xRy ∧ xRz) = ⇒ yRz, ou seja,
( (x, y ) ∈ R ∧ (x, z) ∈ R ) = ⇒ (y, z) ∈ R;
− (*) R ´e euclidiana ` a esquerda se, e somente se,
∀x, y, z ∈ X, (yRx ∧ zRx) = ⇒ yRz, ou seja, ( (y, x) ∈ R ∧ (z, x) ∈ R ) = ⇒ (y, z ) ∈ R;
− (*) R ´e extens´ ıvel (ou serial) se, e somente se, ∀x ∈ X, ∃y ∈ X : xRy, ou seja, cada x em X se relaciona a algum elemento de X por R;
− R ´e tricotˆ omica se, e somente se, ∀x, y ∈ X, uma, e apenas uma, das seguintes situa¸c˜oes ocorre: xRy ou yRx ou x = y; ou seja, (x, y) ∈ R ou x = y ou (y, x) ∈ R. Isto pode ser descrito por meio de conectivos como: ∀x, y ∈ X, ( xRy ∨ ˙ x = y ∨ ˙ yRx) ∧ ¬ ( xRy ∧ x = y ∧ yRx);
− (*) R ´e conexa se, e somente se, ∀x, y ∈ X, ( xRy ∨ x = y ∨ yRx) (ou seja, relaxamos a exclusividade m´ utua na defini¸c˜ao anterior, mas mantemos a exaust˜ao);
− R ´e total (ou linear ou fortemente conexa) se, e somente se,
∀x, y ∈ X, (xRy ∨ yRx), ou seja, ( (x, y) ∈ R ∨ (y, x) ∈ R );
− R ´e bem fundada se, e somente se, para todo subconjunto n˜ao-vazio C de X, existe um elemento m ∈ C tal que nenhum elemento de C ´e relacionado a m por R. Simbolicamente:
∀S ⊆ X : S 6= ∅, ∃m ∈ S : ∀s ∈ S, s6Rm.
Dizemos que tal m ´e um elemento R−minimal de S.
Obs. Alguns autores utilizam o termo intransitiva para designar uma rela-
¸c˜ao que n˜ao ´e transitiva, enquanto outros usam aquele termo como sinˆonimo de antitransitiva. Entenda a diferen¸ca !
Obs. Enfatizemos que, destes 15 tipos, os 9 sem asterisco aparecem bas- tante em matem´atica e devem ser recordados. Mais adiante, estudaremos as seguintes combina¸c˜oes (important´ıssimas):
− (*) Rela¸ c˜ oes de equivalˆ encia: rela¸c˜oes que s˜ao reflexivas, sim´etricas e transitivas, a serem estudadas na continua¸c˜ao desta disciplina;
− Rela¸ c˜ oes de ordem parcial: rela¸c˜oes que s˜ao reflexivas, antissim´e- tricas e transitivas;
− Rela¸ c˜ oes de ordem estrita: rela¸c˜oes que s˜ao irreflexivas e transiti-
vas (o que equivale a serem assim´etricas e transitivas).
Quest˜ ao 3. Alguns exemplos para fixa¸c˜ao dos conceitos acima. Pode ser ´ util ler os enunciados da Quest˜ao 5 (caracteriza¸c˜oes de tipos) antes de resolvˆe-los.
3.a. Verificar que a rela¸c˜ao R = b {(0, 0); (0, 1); (1, 0); (0, 2); (3, 2)} ( P × P no conjunto P = {0, 1, 2, 3} n˜ao ´e de nenhum dos 15 tipos definidos acima ! Dica: Este exemplo enfatiza o papel do quantificador ∀ (“para todo”) na defini¸c˜ao de cada tipo especial de rela¸c˜ao mencionado !
3.b. Verificar o que pode ser dito sobre as seguintes rela¸c˜oes bin´arias na hu- manidade mesmo que de modo aproximado, uma vez que n˜ao fixamos uma modelagem matem´atica para a humanidade: parentesco (“ser parente de”);
“ser irm˜a(o) de”; “ser filho(a) de”; “ser pai ou m˜ae de”; descendˆencia (“ser descendente de”); ancestralidade (“ser ancestral de”); e “ser cˆonjugue de”;
3.c. Verificar o que pode ser dito sobre as seguintes rela¸c˜oes bin´arias entre os competidores ao final de torneio eliminat´orio simples (quem perde uma par- tida ´e eliminado(a)): “foi eliminado por”; e “eliminou”;
3.d. Verificar o que pode ser dito a respeito das seguintes rela¸c˜oes bin´arias em
N:
“ser m´ ultiplo de” (que ´e igual a “ser divis´ıvel por”); “ser divisor de” (simboli- zada por x|y ou por x\y); “n˜ao ser m´ ultiplo de”; “n˜ao ser divisor de” (x 6 |y);
<; ≤; >; e ≥;
3.e. Recordar que, em
Z, ser par significa ser m´ ultiplo de 2, e ser ´ımpar ´e a nega¸c˜ao de ser par. Verificar o que pode ser dito a respeito das seguintes rela¸c˜oes bin´arias em
Z: <, ≤, >, ≥, al´em de
− ∀x, y ∈
Z, xR
1y ⇐⇒ x e y s˜ao pares;
− ∀x, y ∈
Z, xR
2y ⇐⇒ x e y s˜ao ´ımpares;
− ∀x, y ∈
Z, xR
3y ⇐⇒ x ´e par e y ´e ´ımpar;
− ∀x, y ∈
Z, xR
4y ⇐⇒ x ´e ´ımpar e y ´e par;
3.f. Verificar o que pode ser dito a respeito das seguintes rela¸c˜oes bin´arias:
− ∀(a, b), (c, d) ∈
N×
N, (a, b)R
5(c, d) ⇐⇒ a + d = b + c;
− ∀(x, y), (w, z) ∈
Z×
Z, (x, y)R
6(w, z) ⇐⇒ xz = yw;
− ∀(x, y), (w, z) ∈ (
Z\{0}) × (
Z\{0}), (x, y)R
7(w, z) ⇐⇒ xz = yw;
− ∀(x, y), (w, z) ∈ (
N\{0}) × (
N\{0}), (x, y)R
8(w, z) ⇐⇒ xz = yw.
Defini¸ c˜ ao. Dado um conjunto A, a rela¸ c˜ ao vazia ∅ em A ´e o conjunto vazio visto como rela¸c˜ao em A (ou seja, como subconjunto de A × A), ou seja, a rela¸c˜ao vazia em A ´e aquela em que todo elemento de A n˜ao se re- laciona a elemento algum de A. Poder´ıamos escrevˆe-la, por exemplo, como
∅ = {(a, b) ∈ A × A|a = b ∧ a 6= b} (Por quˆe ?)
Obs. Uma rela¸c˜ao ser a rela¸c˜ao vazia num conjunto A n˜ao significa a mesma coisa que o conjunto A ser vazio.
Quest˜ ao 4. Verificar que, no conjunto vazio, a ´ unica rela¸c˜ao ´e a vazia e, devido `a vacuidade do conjunto, tal rela¸c˜ao satisfaz todos os 15 conceitos (tipos) apresentados acima !
Defini¸ c˜ ao. Dado um conjunto A, definimos sua rela¸ c˜ ao-identidade Id
Acomo sendo a rela¸ c˜ ao de igualdade = aplicada aos elementos de A, isto ´e, Id
A:= {(a, b) ∈ A × A|a = b}, tamb´em descrita como {(a, a)|a ∈ A}.
Quest˜ ao 5. Dado um conjunto A n˜ ao-vazio, denotemos, arbitrariamente, por N
Aa rela¸ c˜ ao de diferen¸ ca 6= em A: N
A= {(a, b) ∈ A × A|a 6= b}.
Dica: Em alguns dos itens abaixo, faz diferen¸ca se A ´e unit´ario ou n˜ao.
Ser´a que faz diferen¸ca se o n´ umero de elementos
5de A for, digamos, igual a 2 ou maior que 2 ?
5.a. De quais tipos s˜ao as rela¸c˜oes ∅, Id
A, N
Ae A × A em A ?
5.b. Verificar o que pode ser dito sobre as rela¸c˜oes ⊆, (, ⊇ e ) em P (A);
5.c. Demonstrar que A × A = Id
A⊔ N
A;
5.d. (F´acil; s´o para pr´atica). Seja R uma rela¸c˜ao em A. Demonstrar que:
i. R ´e reflexiva ⇐⇒ Id
A⊆ R ⇐⇒ R ∩ Id
A= Id
A; ii. R ´e correflexiva ⇐⇒ R ⊆ Id
A⇐⇒ R ∩ Id
A= R;
iii. R ´e irreflexiva ⇐⇒ R ⊆ N
A⇐⇒ R ∩ Id
A= ∅;
iv. R ⊔ Id
A´e reflexiva (dita fecho reflexivo de R);
v. Se R ´e reflexiva, ent˜ao R\Id
A´e irreflexiva;
5