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Educação escolar brasileira de nível médio: reflexões sobre a insuficiência do paradigma do trabalho

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS – DOUTORADO

EDUCAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA DE NÍVEL MÉDIO:

REFLEXÕES SOBRE A INSUFICIÊNCIA DO PARADIGMA DO

TRABALHO

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Ijuí – RS 2018

1

ALEXANDRE JOSÉ KRUL

EDUCAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA DE NÍVEL MÉDIO:

REFLEXÕES SOBRE A INSUFICIÊNCIA DO PARADIGMA DO

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Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação nas Ciências. Linha de Pesquisa: Teorias Pedagógicas e Dimensões Éticas e Políticas da Educação.

Orientador: Dr. José Pedro Boufleuer

Ijuí – RS 2018

2

Catalogação na Publicação

K94e

Krul, Alexandre José.

Educação escolar brasileira de nível médio: reflexões sobre a insuficiência do paradigma do trabalho / Alexandre José Krul. – Ijuí, 2018.

151 f. : il. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Educação nas Ciências.

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“Orientador: José Pedro Boufleuer”

1. Educação Escolar. 2. Ensino Médio. 3. Trabalho. 4. Diálogo. 5. Habermas. I. Boufleuer, José Pedro. II. Título.

CDU: 373.5(81)

Eunice Passos Flores Schwaste

CRB10/2276

3 4

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AGRADECIMENTOS

À minha esposa Rúbia que sempre apoiou e incentivou meus estudos acadêmicos. Aos meus pais, Paulo (in memoriam) e Idemir, por me motivar nos estudos desde a infância. Ao meu irmão Jaime. Ao casal amigo Maria Cristina e Luiz Mário. Ao orientador professor José Pedro e demais professores que participaram da Banca

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de Defesa Final, e aos professores membros do Curso de Doutorado em Educação nas Ciências. Ao Instituto Federal Farroupilha, por possibilitar afastamentos parciais tendo em vista a minha formação enquanto professor.

5

RESUMO

Esta pesquisa apresenta como tema a insuficiência do paradigma do trabalho quando se expressa como finalidade principal dos processos educativos que são desenvolvidos nas Escolas de Ensino Médio brasileiras. Optamos pela metodologia que implica revisão de literatura, análise documental e exercício teórico- hermenêutico. Os movimentos propositivos expressam o problema envolvendo as principais discussões acerca da formação escolar de orientação para o trabalho, tensionadas sob os vieses técnico profissional e politécnico. Na sequência, delineamos as noções teóricas que se fundamentam em considerações de Jürgen Habermas acerca da sua crítica às utopias em torno do paradigma do trabalho. Indicações que uma nova perspectiva para a formação humana na Escola se encaminham em defesa da importância do diálogo como processo de humanização, sendo que nos amparamos no entendimento de que a linguagem é constitutiva do homem e do mundo humano, e condição para o desenvolvimento do seu caráter social. Persistimos no objetivo de compreender os limites e o virtual reducionismo que os pressupostos do paradigma do trabalho põem para a formação humana em geral, e para a educação escolar de ensino médio em especial. Os argumentos realçam as dinâmicas de uma atualidade que aponta para uma necessidade de construir intersubjetivamente entendimentos que extrapolam as expectativas modernas que se sustentaram em torno do mundo do trabalho. Hoje os sentidos mais autênticos que expressam nossa humanidade podem ser construídos na Escola, considerada como uma esfera pública que reforça o diálogo como capacidade humana de se relacionar e agir comunicativamente.

Palavras – Chave: ​Educação Escolar. Ensino Médio. Trabalho. Diálogo. Habermas.

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ABSTRACT

This research presents as its theme the insufficiency of the paradigm of work when expressed as the main finality of the educational processes that are developed in Brazilian High Schools. We opt for the methodology that implies literature review,

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documental analysis and theoretical-hermeneutical exercise. Propositional movements express the problem involving the main discussions about job-oriented school training, tensioned under the technical, professional and polytechnical biases. In sequence, the theoretical notions grounded on considerations by Jürgen Habermas about his critique to utopias around the paradigm of work are delineated. There are indications that a new perspective on human formation at School develop in defense of the importance of dialog as humanization process, grounded on the understanding that language is constitutive of man and the human world and condition for the development of his social character. We follow with the objective of understanding the limits and the virtual reductionism that the pressuppositions of the paradigm of work puts forth for human formation in general, and for school education, particularly at High School. The arguments highlight the dynamics of a contemporarity that points to a need of intersubjectively building understandings that extrapolate modern expectations, which are supported on the world of work. Today themost authentic senses that express our humanity may be built in the School, considered as a public sphere that reinforces dialog as human capacity for relating and acting communicatively.

Keywords: ​School education. High School. Work. Dialog. Habermas.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8 1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR DE NÍVEL MÉDIO NO BRASIL E SUAS RELAÇÕES COM O TRABALHO ... 15 ​1.1 A

EDUCAÇÃO ESCOLAR DE NÍVEL MÉDIO NO BRASIL EM DEBATE ... 19 ​1.1.1 A

Categoria Trabalho na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira 9.394/96 (LDBEN) ... 22 1.1.2 Um Olhar sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais e suas Indicações quanto aos Objetivos da Educação e do Trabalho ... 25 1.1.3 A Criação dos Institutos Federais e as Relações com o Trabalho ... 29 ​1.2 CRÍTICA ÀS

VINCULAÇÕES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR AO MERCADO DE TRABALHO ... 30 1.3 A PROPOSTA POLITÉCNICA PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR DE ENSINO MÉDIO ... 40

2 HABERMAS: REFLEXÕES ACERCA DA CENTRALIDADE DO TRABALHO ... 49

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2.2 COMPREENSÕES TOTALIZANTES: INSUFICIÊNCIAS DA FILOSOFIA DA HISTÓRIA ... 59 2.3 CRÍTICA DE HABERMAS À SOCIABILIDADE RACIONALIZADA PELO TRABALHO ... 64 2.4

INSUFICIÊNCIAS DA AUTOCONSCIÊNCIA ORIENTADA PELO TRABALHO: O

ENTENDIMENTO DE HABERMAS ... 69 2.5 A DENÚNCIA DE HABERMAS DO ESGOTAMENTO DA UTOPIA DA SOCIEDADE DO TRABALHO ORGANIZADA PELO ESTADO ... 77

3 A INSUFICIÊNCIA DA FUNCIONALIDADE DA EDUCAÇÃO ESCOLAR GUIADA PELA UTOPIA DO TRABALHO ... 94 ​3.1

CRÍTICA À CENTRALIDADE DA CATEGORIA TRABALHO COMO FINALIDADE DA EDUCAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA DE ENSINO MÉDIO À LUZ DO PARADIGMA DA RAZÃO COMUNICATIVA ... 102 ​3.1.1 Educação Escolar

Orientada pela Categoria Trabalho como Formação para Fins

... 102 3.1.2 Limites da Educação Escolar de Nível Médio na Categoria Trabalho Apoiada nos Objetivos Economicistas do Estado ... 110 ​3.2

EDUCAÇÃO ESCOLAR: OPORTUNIDADE DE AÇÕES EMANCIPATÓRIAS .. 125 ​3.2.1

Limites da Educação Escolar Normatizada por uma Racionalidade do Trabalho ... 127 ​3.3

INSUFICIÊNCIA DO CARÁTER FUNCIONALISTA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR DE NÍVEL MÉDIO GUIADA PELO PARADIGMA DO TRABALHO ... 130

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 143 REFERÊNCIAS ... 148

8

INTRODUÇÃO

Nesta tese reflete-se acerca das relações entre a educação e o trabalho, com foco nas propostas do Ensino Médio no Brasil. Ao tematizar as vinculações teóricas e as expressões legais com o paradigma do trabalho ou da produtividade, a pesquisa põe em questão o pretenso alcance emancipatório dos princípios e

desdobramentos práticos resultantes dessa tomada de posição que, praticamente, tem passado incólume no âmbito do debate acadêmico.

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Desenvolvemos este estudo uma vez que nos preocupamos em

compreender quais aspectos educativos estão sendo privilegiados na Escola de nível médio, no Brasil. Savater (2005) já afirmou que a tarefa da educação é a de as gerações anteriores humanizarem as gerações que chegam ao mundo. Rousseau (2004) propôs que a educação, em cada etapa da vida do indivíduo, desde o nascimento até a fase adulta, deve privilegiar certas especificidades. Estes

pensadores são apenas dois dos muitos que se preocuparam com a complexidade da formação humana, tendo se pronunciado explicitamente acerca do papel

socializador dos processos educacionais. Considerando as muitas referências às noções de trabalho e de mundo do trabalho, tanto na legislação como na bibliografia disponível no universo acadêmico, uma espécie de chave de leitura comum parece atravessar o debate educacional acerca da formação em nível médio no Brasil. No entrelaçamento de posições epistemológicas e político-ideológicas pode-se

identificar o pano de fundo comum de uma crença no potencial do trabalho, seja para a construção de um mundo humano confortável, digno e livre, seja para o enfrentamento das patologias ou disfunções que resultam do próprio

desenvolvimento do projeto da modernidade.

As discussões acerca da formação escolar de orientação para o trabalho têm sido tensionadas sob duas perspectivas: a do ensino técnico-profissional e a do ensino politécnico. Configura-se aí um embate entre posições que podemos

identificar, de alguma forma e pelo horizonte para o qual apontam, com as perspectivas neoliberal e socialista. De acordo com a primeira, os sistemas de organização do mercado e do trabalho resolvem-se pela própria lógica do mercado, sugerindo, sem titubeios, uma formação com vistas à qualificação do trabalhador (treinamento profissional). Já na perspectiva socialista, o mundo do trabalho é

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compreendido em sua lógica constitutiva, o que estaria a demandar processos

9 formativos orientados à potencialização do caráter crítico-transformador do

trabalhador. Ao mesmo tempo, tal orientação pressuporia a garantia da liberdade e da dignidade do trabalhador, dimensão a ser alcançada através de uma formação ampliada (politécnica). De comum, podemos dizer que liberais e socialistas “olham o mundo com os óculos do trabalho”, compartilhando, em última instância, de um mesmo paradigma que, como pretendemos argumentar, não consegue cumprir com suas promessas.

Estas duas linhas propositivas apresentam particularidades, mas podem ser analisadas em seus limites ou insuficiências à luz de novas perspectivas teóricas, como a da teoria da ação comunicativa de Habermas. É por essa razão que parte substantiva deste texto é resultado de uma pesquisa bibliográfica referenciada nas obras do filósofo alemão Jürgen Habermas. Habermas (1987) compreende que há um esgotamento das possibilidades emancipatórias apoiadas na utopia do trabalho, sinalizando, em contrapartida, para o potencial crítico inerente aos processos de entendimento no mundo da vida.

Os escritos de Habermas que denunciam o reducionismo das apostas estritas no trabalho como possibilidade de emancipação humana fornecem o arcabouço teórico para a nossa investigação. Temos por objetivo compreender os limites e o virtual reducionismo que os pressupostos do paradigma do trabalho põem para a formação humana em geral, e para a educação escolar de ensino médio em especial. ​Na esteira desse autor buscamos argumentar que a formação em nível médio focada na sua intrínseca relação com o trabalho revela-se problemática e insuficiente. Nossas perspectivas se sustentam, por sua vez, na noção de linguagem

(11)

como constitutiva do mundo humano e condição para a emergência, inclusive, do trabalho e, consequentemente, da própria educação escolar.

Dos caminhos percorridos ao longo da nossa formação docente resgatamos uma afirmação que ouvimos desde crianças: “Você precisa estudar para ser alguém na vida, ter um bom emprego, ganhar um bom salário e ter uma qualidade de vida melhor”. Afirmação esta que leva a perceber o quanto o estudo e o conhecimento visam objetivos vinculados ao trabalho e à produção. Em nossa sociedade o ​dar-se

bem na vida ​significa conquistar um bom ​status ​econômico pelos esforços pessoais

e dedicação ao trabalho (“pagar o pão com o suor do próprio trabalho”). Pressupõe- se que o trabalho dignifica o homem, colocando-se ele como o ​telos ​da própria

10 existência. Conquistar a própria realização, como humano que supre suas

necessidades e como cidadão que gera a renda para consumir no mercado, são perspectivas que se atrelam ao trabalho.

Neste sentido, ao oferecer-se uma leitura da ​realidade ​temos que

compreender que ela é sempre uma ​realidade para nós​: uma construção subjetiva (BRAYNER, 1995). Leituras de mundo centralizadas nos sujeitos estão enredadas em moldes mentalistas. Desta maneira, os entendimentos que produzem

estratégias, e os seus resultados, estão sujeitos aos determinismos desta razão centrada no sujeito.

Para Habermas (1990b), o erro da tradição filosófica mentalista favorece a objetividade racional e descaracteriza o elemento da pluralidade, da instabilidade e da improbabilidade das ações humanas. Qualquer introspecção de uma consciência totalizante, que desconsidera os entendimentos intersubjetivos resultantes dos processos educativos escolares, torna-se despersonalizada e autoritária.

(12)

Por isso, as sistematizações acerca da formação escolar que se sustentam (mesmo que provisoriamente) em entendimentos intersubjetivos sobre o mundo da vida comum são mais sensatas. Desta forma, a centralidade se coloca nos

entendimentos linguísticos e já não nos objetos e nem nos sujeitos. O mundo da vida, jamais compreendido como pronto e passível de ser objetivado e manipulado pelo sujeito, não pode, consequentemente, ser apreendido como algo estático e estanque. É a realidade compartilhada entre sujeitos circunstancializados em um tempo e um espaço que se constitui como pano de fundo de possíveis acordos e entendimentos.

Partindo da perspectiva frontal dos próprios sujeitos que agem tendo em vista a compreensão mútua, o mundo de vida, que é sempre apenas dado- em-conjunto tem de evitar a tematização. Enquanto totalidade que possibilita as identidades e os esboços biográficos de grupos e indivíduos está apenas presente de modo pré-reflexivo (HABERMAS, 1990a, p. 279).

No contexto neoliberal e global, pós-Guerra Fria, o debate acerca da educação patrocinada pelo Estado revela uma crise profunda em relação aos seus objetivos. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional1 (BRASIL,

1996) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e para a Educação

1​Por questões metodológicas usaremos a sigla LDBEN para nos referir à Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – Lei 9394/96.

11 Profissional Técnica de Nível Médio, bem como as críticas que visam readequá-las, têm criado imagens proféticas de uma possível emancipação do

cidadão/trabalhador, mediante um processo de formação orientado para o mercado de trabalho e/ou para o mundo do trabalho.

(13)

Formar o homem para ser cidadão e trabalhador é a proposta recorrentemente reforçada nos documentos oficiais2 ​que tratam da educação escolar

brasileira. Há, no entanto, diferenças marcantes no entendimento de como se devesse dar essa vinculação entre formação e mundo do trabalho. No cenário brasileiro, como já sinalizamos acima, a formação de nível médio é dominada pela educação profissional pelo viés das chamadas propostas neoliberais. No entanto o contraponto é expresso pela proposta que defende a formação para o mundo do trabalho, pelo viés da politecnia, vinculada aos pressupostos teóricos oriundos do ideário socialista.

Sob a influência ora da perspectiva profissionalizante, ora da perspectiva da politecnia, o Ensino Médio no Brasil vem recebendo propostas e críticas à luz de suas relações com o mundo do trabalho. Ora, quando a “denúncia” é feita sob os mesmos pressupostos do “anúncio”, as possibilidades de alguma mudança

qualitativa diminuem drasticamente. O mesmo raciocínio vale para as empreitadas da “crítica” e da “proposição” quando os pressupostos de ambas se situam sob um mesmo modelo de pensamento ou paradigma. É sob essa linha de raciocínio que se pretende reconstruir o debate acerca das relações entre a educação e a categoria trabalho nos termos como foram e vêm sendo propostas e/ou criticadas nas últimas décadas na teorização educacional que, hegemonicamente, instaurou-se no Brasil.

Nossa pretensão é estabelecer uma linha de reflexão que permite situar, de forma crítica e sob um horizonte teórico próprio, toda uma linha de tematizações que marcou o debate acerca das relações entre educação e mundo do trabalho nos últimos 50 ou 60 anos. Assim, nossa reflexão tem como contraponto um debate que inicia com a crítica do tecnicismo pedagógico instaurado pelo governo do regime militar, a partir de meados da década de 1960, com destaque para a crítica da Teoria

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do Capital Humano que está na base das propostas de formação politécnica que surgem em meio aos debates em torno das definições da LDBEN (BRASIL, 1996),

2​Tomamos por referência a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as Diretrizes ​Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio e para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio.

12 nos anos 80; que sustenta as críticas das políticas neoliberais, a partir de meados dos anos 90; e que voltam à tona com as propostas de educação implementadas pelos governos da tradicional esquerda brasileira, e que, em boa medida retomam as propostas ensaiadas por ocasião dos debates sobre a criação da LDBEN (BRASIL, 1996), ainda nos anos 80.

As duas teorias acima citadas, de proposição e de crítica, que num primeiro momento parecem se assentar em perspectivas opostas, se sustentam, conforme nossa hipótese, numa mesma base paradigmática e que chamamos, na esteira de Habermas, de “paradigma do trabalho”. Trata-se de um pensar do humano a partir do que se configura como “reino das necessidades” e que, por isso, toma o trabalho como categoria chave para pensar o humano e a sua formação (HABERMAS, 1987).

Sob a inspiração de Mario Osorio Marques, que entende ser necessário “repensar o próprio pensamento no que tem ele de impensado, nos seus

pressupostos mais esconsos” (MARQUES, 1992, p. 547), pretendemos ver em que sentido o que se anuncia e se denuncia, se critica e se propõe, comunga dos mesmos pressupostos não tematizados ou, então, não suficientemente percebidos nos condicionamentos que os embasam. O contraponto para isso será o pensar da condição humana como constituída pela linguagem, ou seja, o que se configura como paradigma da filosofia da linguagem, em que o humano emerge como ser de

(15)

linguagem.

Propõe-se, de forma alternativa aos documentos oficiais e às críticas a eles, pensar o humano como quem se fez e que se faz pelo desenvolvimento de

processos de interação linguística, a partir dos quais se abrem perspectivas de transformação sua e do seu entorno, dentre as quais se colocam as possibilidades do próprio trabalho. Neste sentido, o trabalho é apenas uma das dimensões da condição humana e social do homem. Considera-se, nessa direção, que os

processos linguísticos permitem ao homem intencionar a realidade, fazer escolhas, tomar decisões, resolver de forma criativa suas necessidades, trabalhando,

inclusive, potencializando-se, assim, como ser distinto em relação às espécies que se movem tão somente sob o imperativo de seus instintos e de suas necessidades.

Sob esse olhar alternativo compreende-se o humano e o mundo por ele constituído como uma construção simbólica viabilizada pelo desenvolvimento de competências comunicativas por parte dos indivíduos. Abre-se, com isso, um novo horizonte para pensar a educação e seus vínculos com as diferentes dimensões do

13 mundo social e cultural, sem, e de maneira alguma, negar que um destes vínculos é o trabalho.

Trata-se, portanto, de estabelecer uma nova chave de leitura, capaz de identificar eventuais limites e reducionismos, do que se tem estabelecido como paradigma do trabalho. Para isto utilizaremos da metodologia que envolve revisão de literatura, análise documenta e exercício teórico-hermenêutico. A perspectiva que nos move é a de que os atuais debates em torno dos rumos da Educação Básica, mormente os do Ensino Técnico Integrado na Rede Federal, articulam de forma indistinta teorias do ideário educacional marxista/socialista e tecnicista, expressando

(16)

modelos de pensamento que, em comum, partilham formas reducionistas de formação humana, como pretendemos mostrar.

Sinalizado o percurso de questões e de argumentos que se pretende desenvolver, organizamos a pesquisa em três capítulos.

No primeiro capítulo apresentamos duas linhas teóricas que se atêm a pensar sobre as relações da Educação Escolar de Nível Médio, no Brasil, e a categoria trabalho: a técnico-profissionalizante e a politécnica. Procuramos compreender como a educação se orienta e se atrela ao trabalho e, deste modo, acaba vinculando e aproximando liberais e socialistas a uma aposta nos ideais do paradigma do trabalho. Explicitamos as tensões em que as críticas dos que

defendem a educação para ​o mundo do trabalho ​são feitas contra aqueles que reforçam educação para ​o mercado de trabalho​. Na sequência expomos como a Educação Escolar de Ensino Médio, no Brasil, de forma legal se orienta pela LDBEN (BRASIL, 1996) e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNs) (BRASIL, 2013), sendo que, particularmente, ressaltamos também o mote da educação profissional a partir da criação da Rede Federal de Educação. Desde estes entendimentos, enfatizamos as distinções entre os conceitos de educar para o mercado de trabalho e para o mundo do trabalho, em que ambos se confundem e expressam uma disputa político-pedagógica sobre a Educação Escolar controlada pelo Estado, que sofre pressões de uma economia mundial vinculada ao modelo de desenvolvimento econômico neoliberal. Por fim, apresentamos a crítica ao modelo de educação profissional feita pelos que defendem a formação do profissional politécnico.

No segundo capítulo seguimos um conjunto de reflexões e análises acerca do paradigma do trabalho desenvolvido por Jürgen Habermas. Habermas (1987)

(17)

14 acredita que vivemos uma época em que se chegou ao fim da utopia moderna, cristalizada no potencial da sociedade do trabalho. Examina, portanto, a utopia marxiana3 ​moderna, que defende a ideia de emancipar o homem pelo trabalho,

acreditando no potencial emancipatório do homem em relação ao consumo, rumo a uma escatologia do trabalho. Habermas, em nosso entender, possibilita reconhecer os limites e as possibilidades de uma releitura do tema do trabalho e que se torna, então, pauta da reflexão filosófica.

No terceiro capítulo discutimos as propostas, e respectivos pressupostos, que articulam o debate entre educação e trabalho no Brasil, sob o pano de fundo, obviamente, da teorização habermasiana. Tematizaremos, assim, as noções críticas quanto a uma educação profissional que tem em vista o desenvolvimento do capital humano (que favorece a educação dos alunos para assumirem postos no mercado de trabalho) e suas novas orientações, sustentadas na teoria da educação

politécnica. Com isso buscaremos sustentar, a partir da leitura de Habermas, a insuficiência da categoria trabalho para uma visão mais ampla e rica no que diz respeito à formação humana em espaços escolares. De forma crítica indicaremos que as orientações de um sistema educacional à centralidade da formação para o trabalho, seja como orientação para o trabalho técnico-profissional ou mesmo para a politecnia, situam a educação como subsistema do capitalismo, vinculada a um mesmo paradigma. A proposta da politecnia, inclusive, não conseguirá ser

efetivamente uma contraproposta, uma vez que, mesmo tornando-se uma orientação predominante, significará uma aposta no potencial revolucionário do trabalho, com o que a educação não se desvencilhará de sua condição de subsistema do mundo do trabalho. ​Enfim, à luz da teoria da ação comunicativa, apresentamos nossos

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argumentos que assinalam a insuficiência da educação escolar de ensino médio que, direcionada pelo Estado, se preocupa com funcionalidade sistêmica da

economia, e por isto enfatiza a importância da formação para o trabalho. Por outro lado, apontamos para as possibilidades sempre abertas que se põem sob a ótica da condição humana que se guia pelo diálogo.

3 ​Referimo-nos à teoria marxiana como aquela propriamente sustentada por Karl Marx. Enquanto que ​o

termo marxismo será usado quando estivermos nos referindo aos autores que fundamentam suas teorias na teoria marxiana, especificamente delimitados entre aqueles que fundamentam também suas teorias educacionais com base na politecnia.

15

1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR DE NÍVEL MÉDIO NO BRASIL E SUAS RELAÇÕES COM O TRABALHO

Neste primeiro capítulo nos detemos em apresentar como está organizada a educação escolar de nível médio no Brasil, e como sua finalidade principal de

educar para o contexto social do trabalho gera um enfrentamento entre aqueles que defendem a proposta de educar para formar mão de obra e a proposta da politecnia.

A relação constituída entre a educação escolar de ensino médio4 ​e o

trabalho é de ordem legal e política no Brasil atual. A problemática do trabalho e seu campo de legislação permitiu um avanço considerável em relação às formas de dominação constitutivas de nossa história que se mantêm desde o Período Colonial. Os marcos fundamentais da institucionalização do Ensino Médio no Brasil, ao longo do século XX, perseguem, principalmente, dois campos de lutas: o dos defensores da democracia, ou seja, os liberais, e o dos defensores da modernização industrial. Acerca deste entendimento, e desta dualidade constitutiva, emerge um terceiro

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campo, o progressista, que reivindica uma maior valorização do trabalhador, e seu direito a uma formação ampliada e crítica, o que se consubstancia como direito à democracia, ou mesmo como luta por transformação social. Em uma sociedade marcada pela desigualdade social, e também pela reconhecida exploração do trabalho, a incorporação do trabalho como uma questão de direito no âmbito da Constituição (BRASIL, 1988), da LDBEN (BRASIL, 1996) e das DCNs (BRASIL 2013) tem um duplo significado: pode significar uma ampliação da noção de trabalho como forma de subordinação à lógica do mercado de trabalho e, por isso, da

funcionalidade da escola de nível médio; como também pode significar um espaço de formação e de ampliação das capacidades compreensivas e explicativas acerca do mundo do trabalho, das relações que nele se estabelecem, de forma a permitir um conhecimento sobre a realidade que permita uma atividade cidadã, eticamente sustentada e fundamentada. Por isso, a crítica endereçada à sociedade moderna como um todo merece ser feita e permite compreender como a ética do trabalho pode subordinar a ética cidadã, ou mesmo engolfar o sentido de esfera pública.

4​Por vezes usaremos os termos ​educação escolar ou ​educação para nos referir à educação escolar ​de

ensino médio no Brasil.

16 A LDBEN (BRASIL, 1996) e as DCNs (BRASIL, 2013) que fundamentam a Educação Escolar de Ensino Médio, bem como os posicionamentos de muitos educadores, desencadeiam compreensões que cruzam teorias e posições político- ideológicas, aparentemente resultando na perda do “fio da meada” de seus

fundamentos teórico-filosóficos, onde o debate político sobre a educação expressa disputas acirradas entre os que se guiam pelo referencial da Teoria do Capital

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Humano e aqueles que defendem a educação politécnica. Neste sentido nossa crítica não procura apagar o debate sobre o mundo do trabalho, bem como dos referencias dialéticos. Consideramos o fato de que os debates filosóficos sobre a educação não se movimentam no mesmo sentido e velocidade do mundo social.

Perante este quadro, o ponto de partida desta investigação é questionar a ênfase dada a uma das finalidades da educação escolar determinada pela LDBEN (BRASIL, 1996), que relaciona o pleno desenvolvimento do cidadão à sua

qualificação para o trabalho ou para o mundo do trabalho. Esta finalidade que é apresentada como que se o mundo do trabalho fosse o mercado de trabalho, pode ser justificada pela necessidade de o sistema capitalista formar trabalhadores para atender às demandas dos setores produtivos. O Estado como legislador da educação determina este ​fim ​para a educação escolar. E a Escola​5​, enquanto

instituição instituída no seio do Estado, precisa atender esta determinação por meio de ações pedagógicas. Consequentemente, a concepção de politecnia expressa a crítica a esta forma de educação.

Considera-se que, especificamente, as graduações acadêmicas de formação de professores também seguem orientações e especificidades de acordo às

legislações próprias. É o Estado que legalmente confere o diploma para os professores. Somente pode ser professor quem é “licenciado” e autorizado pelo Estado. Em um primeiro momento, o controle legal do Estado sobre a educação escolar e o emponderamento que ele confere aos professores, é bem específico e claro: Conferir o grau de licenciado para educar em nome do Estado para os interesses do Estado.

Porém, as determinações legais em um Estado democrático não significam suas aceitações inquestionáveis. Pelo menos um fator de dúvida pode ser

(21)

5​Optamos em escrever "Escola" sempre que nos referirmos a ela como espaço público ​institucionalizado

no Estado Republicano. Isto porque, em nosso entender, a "escola" se refere apenas ao espaço físico. 17 considerado: demonstrar que as vinculações teóricas para a Escola passam por uma crise quanto às orientações para formar o trabalhador. Mas, além disto, sustentamos o argumento de que, a formação escolar que se oriente pela teoria predominante ou pela sua teoria crítica, ambas assentadas no paradigma do trabalho, são apostas insustentáveis para promover a emancipação humana.

A LDBEN (BRASIL, 1996) legisla sobre a educação escolar e,

especificamente, determina que a Escola deva vincular o que ensina ao mundo do trabalho e qualificar para o mercado de trabalho. Considera-se que a Escola

contribui para a formação das identidades de todos que se relacionam diretamente e indiretamente com ela, mas não carrega em sua razão instituidora nenhum tipo de exclusividade ou maior grau de importância em relação a outras possibilidades de o homem se educar. Consequentemente, as determinações do Estado tornam

inviáveis os acordos intersubjetivos sobre as dinâmicas do mundo vivido.

A LDBEN (BRASIL, 1996) afirma no seu primeiro artigo que a educação escolar (educação básica) deve vincular-se ao mundo do trabalho, mas no segundo artigo afirma que sua finalidade é qualificar para o trabalho. A crítica é enfática e questiona a afirmação de que a finalidade de educar para o desenvolvimento pleno perpassa a educação para o mercado de trabalho. Esse olhar crítico fundamenta-se nas teorias de Marx e de marxistas, e se denomina politecnia: em seu conceito carrega o gérmen de que o trabalho é o princípio educativo geral.

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profissional, valoriza a formação do trabalhador, que o possibilite dominar o

conhecimento teórico e o conhecimento prático, superando a distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual. Pois, entende que, ontologicamente, o trabalho nos torna humano. Somos humanos porque produzimos nossa essência humana pelo trabalho, este fator permitiu romper com as determinações naturais (SAVIANI, 2007).

Ao analisar o modelo proposto legalmente e a sua crítica, percebemos que há uma ancoragem das ações educacionais que as enquadram no paradigma moderno (MARQUES, 1993). Subjaz o entendimento moderno de que a natureza está à disposição das vontades do homem, numa relação sujeito-objeto. O

paradigma moderno se expressa pela constante reafirmação do potencial racional humano. O homem age sobre a natureza, cria entendimentos que se tornam parâmetros para o seu mundo de interpretações, entendimentos e ações.

18 A crítica que acerca das controvérsias expressas pela LDBEN (1996) sobre o trabalho estão alicerçadas nos estudos de Karl Marx, que entende que o trabalho humano é fator determinante da sua condição humana e social, e se desdobra entre outros autores que se debruçam sobre o tema da educação e da educação escolar em geral, e outros em específico sobre a educação escolar de ensino médio no Brasil. As transformações políticas e econômicas que ocorreram, principalmente, na Europa a partir do século XII, com a ruptura da predominância Feudal reformularam o conceito de trabalho, e hoje, de modo amplo prevalece a sua relação ao sistema capitalista. O trabalho assalariado (trabalho moderno) está associado aos adjetivos: honrado, justo, virtuoso, digno, libertador, produtivo, etc., e se naturalizou como característica essencial do homem contemporâneo, que é tratado como cidadão de um Estado. Ao pensar a educação escolar em acordo com o predomínio das

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relações capitalistas, que preza por seus próprios conceitos de qualidade e

desenvolvimento, de imediato se preconiza a formação, tendo em vista o mercado de trabalho. Afinal, grande parte dos cidadãos brasileiros tem o entendimento de que o capitalismo se expressa de forma ​naturalizada ​e, consequentemente, concordam que as orientações da educação das novas gerações reforcem a formação para o mercado de trabalho.

Compreendemos que as propostas já expressas que norteiam a educação brasileira, por meio de leis, planos, decretos, pareceres, etc., que deixam abertura às diversas concepções pedagógicas, expressam com clareza determinadas

finalidades, ao modo de receitas teleológicas. Norteiam as ações convictas de que possuem a solução para os problemas, e para resolvê-los propõem objetivos/metas a serem atingidas. Há uma clareza explícita acerca do papel do trabalho para a sociedade, e constantemente afirmam obsessivamente a importância da educação para o trabalho: O objetivo é formar um cidadão que seja trabalhador.

O modelo socioeconômico capitalista neoliberal. via teoria do capital humano, influencia, predominantemente, os próprios fundamentos da educação escolar quando em seu seio nascem e vingam propostas educativas, que reforçam a ideologia de que os cidadãos devem ser educados para o mercado de trabalho, condiciona o ser humano a ser trabalhador, embora em muitos casos o trabalho existe de forma precária ou simplesmente não existe.

Como podemos perceber na breve síntese que escrevemos, as duas

propostas (profissional e politécnica), embora com suas especificidades e nuances, 19 acabam por alicerçar a educação escolar ao trabalho. Em uma sociedade que

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diluem nos três setores produtivos, assim como, a aparente conformidade de não questionarmos a compreensão teórica de que somos resultado do que produzimos, fica difícil não pensarmos o quanto é importante trabalhar. O conformismo com estas ideias as naturaliza, suspendendo questionamentos.

1.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR DE NÍVEL MÉDIO NO BRASIL EM DEBATE

Neste item, procuramos apresentar como que a educação escolar de nível médio está organizada e atrelada ao próprio contexto social, sendo que desse modo alguns debates se constituíram historicamente em torno da própria construção da LDBEN (1996).

O trabalho assalariado de caráter capitalista é, legalmente e juridicamente, valorizado, aceito e organizado na sociedade brasileira. A Constituição vigente, no seu primeiro artigo afirma que os valores sociais do trabalho é um dos seus

fundamentos, e no seu artigo sexto coloca o trabalho como um dos direitos sociais. Como o cidadão tem direito ao trabalho, o Estado determina que a educação escolar contribua para este fim. A educação escolar é vista como um dos fatores

determinantes para forjar as capacidades produtivas do trabalhador.

Os discursos que predominam entre os dirigentes dos setores produtivos reforçam a importância da educação escolar para capacitar a mão de obra. Amplamente, acreditam que a Escola não prepara, suficientemente ou

especificamente, para o mercado de trabalho. Genericamente, afirmam que os concluintes deste nível de ensino possuem pouca noção dos processos básicos que envolvem as práticas favoráveis à empregabilidade. Posicionam-se a favor de que a Escola deveria enfatizar a formação para os contextos produtivos locais e sobre

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noções básicas acerca das relações e processos sociais. Em acordo com os processos produtivos vigentes, defendem aspectos formativos para preparar, de maneira básica, o cidadão para o mercado de trabalho.

Há vários exemplos comparativos que distinguem os níveis básicos do

ensino escolar. Muitos pais de alunos que frequentam a Educação Infantil e o Ensino Fundamental muitas vezes compreendem de forma errada ou distorcem os objetivos destes níveis de ensino, os reconhecendo como estudos “legais”, “bonitos”,

20 “interessantes”, “curiosos”, “prazerosos”, “edificantes”, etc., que contribuem com o cuidado e/ou entretenimento; ou, ainda, como “atividades inocentes” de cunho fantasioso.

Conforme os alunos avançam nos anos escolares, surgem alguns desencantos. Deles é exigido mais responsabilidade, menos infantilidade (mais seriedade), menos perda de tempo, mais produção, mais comprometimento. As potencialidades de questionar, de investigar e de criar, são substituídas pelo “aprender a fazer”. A idade produtiva se aproxima e a formação para o trabalho torna-se o foco principal. Os alunos expressam dúvidas “sobre no que cada um irá trabalhar ao final do ensino médio”. Esta é uma preocupação importante, tendo em vista que a nossa sociedade está alicerçada no trabalho produtivo. Percebe-se que, após os anos escolares (e, em muitos casos ao longo dele) as atividades do dia a dia são entremeadas por rotinas de trabalho. Relaciona-se cidadania ao trabalho. O desempregado, sem salário, sem profissão, se não tem outra fonte de renda, acaba por sentir-se excluído da sociedade.

Ouvimos vários discursos entre os cidadãos brasileiros sobre o porquê da educação escolar ressaltam a importância da preparação para o trabalho, pois ela é

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fundamental para o futuro das novas gerações e para o desenvolvimento do país. Ampliam-se cada vez mais os argumentos em defesa de uma Escola que eduque para o trabalho. Discursos de parlamentares defendem reformulações legislativas que orientem a formação escolar, tendo em vista o mercado de trabalho. As orientações legais do Estado colocam os objetivos da Escola como sendo

centralmente educar para o trabalho, alinhando-se a um projeto de desenvolvimento social também expresso da Constituição Federal. É claro o alinhamento do Estado ao conceito de desenvolvimento proposto pelo capitalismo.

Compreendemos que na ​lógica capitalista​, mesmo aqueles que se

consideram bem preparados para o mercado de trabalho, não possuem garantias de emprego. Todos os cidadãos que são considerados produtivos pelo sistema

capitalista, mesmo que tenham as mais variadas formações profissionais e,

potencialmente, sendo aptos para determinados empregos, necessariamente, não possuem vagas garantidas. O mercado de trabalho beneficia-se da quantidade de mão de obra (qualificada ou não) disponível. Entre aqueles que são considerados aptos para assumir uma vaga no mercado de trabalho, há ampla concorrência e os salários oferecidos são os mais baixos (tolerados juridicamente).

21 No setor industrial, as máquinas automatizadas permitem ser operadas por trabalhadores com formação geral, baseando-se em habilidades e competências amplas. Predomina um mercado de trabalho que, geralmente, não exige

trabalhadores com formação especializada academicamente. Quanto mais simples são as tarefas operacionais, menores são as exigências de especialização, e o mercado de trabalho passa a ser concorrido por profissionais com a formação básica (finalizada com o término do ensino médio). Considerando o interesse produtivo, o

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treinamento operacional é o suficiente para o trabalhador executar suas tarefas, e esse treinamento não acontece na Escola.

Os discursos dos setores produtivos que, na maioria das vezes, expressam descontentamentos em relação à formação escolar exigem qualificação

profissionalizante oferecida em cursos específicos extraescolares. No mito da constante atualização e qualificação, o mercado oferece os mais variados cursos profissionalizantes, sustentando neles novas expectativas: ampliação das

possibilidades do trabalhador se empregar.

A necessidade de receber salário para se sustentar pode gerar possíveis desilusões por parte de trabalhadores que se sentem reféns do sistema capitalista, mas, a necessidade de gerar renda é uma questão de sobrevivência.

A influência do capital, as exigências produtivas e a possibilidade de ampliar o nível de consumo contribuem para a naturalização de discursos que enfatizam a necessidade de trabalhar. São situações que se destacam em um cenário de

globalização neoliberal que se fundamenta no trabalho produtivo. As Leis do Estado garantem, ao mesmo tempo, o direito ao trabalho e toleram formas de exploração. E neste sentido a sociedade capitalista contemporânea fundamenta-se no trabalho produtivo e, consequentemente, exerce influência também sobre a educação escolar. ​Os argumentos em torno das Leis que orientam a educação escolar reforçam, em primeiro lugar, os interesses político-econômicos. O Estado, como fonte de poder é disputado democraticamente. Cada governo que é eleito apresenta suas políticas para a educação escolar, em consonância com a legislação, mas com sua própria roupagem ideológica alinhada às diretrizes partidárias.

A principal linha teórica crítica exercida pela politecnia questiona o sistema educacional escolar de orientação capitalista, argumentando que o trabalho é o

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22 fundamento ontológico do ser humano e da sociedade, porém discorda do trabalho produtivo que, nesta forma abstrata, torna-se alienante e excludente.

Um estado de crise caracteriza-se por conta de dúvidas em torno de apostas sobre os rumos da educação escolar de ensino médio na sociedade brasileira que não se restringe ao nosso entender à questão de educar em acordo com a formação profissional, ou romper com este acordo e reformular a legislação, tendo em vista a formação politécnica.

As leis, emendas, diretrizes, parâmetros, políticas de governo,

marketing​/propaganda, senso comum e projetos político-pedagógicos acabam por

tematizar a educação escolar num caleidoscópio de ideias e conceitos, que refletem de maneiras variadas os efeitos de suas combinações nos processos de educar. Conforme Young (2010), os propósitos fundamentais da educação escolar são enfraquecidos pelos papéis exercidos pelos governos com suas propostas intervencionistas. Percebemos isto quando os cidadãos restringem suas

participações políticas ao voto para opinar sobre quem gostariam que fossem seus representantes políticos. Desta maneira acabam sendo pouco participantes da gestão pública, e especificamente pouco expressivos, ou até mesmo dispensados das discussões legislativas, em específico sobre a educação escolar. Sendo assim, a educação pública e obrigatória é entendida como uma necessidade para o preparo para o mercado de trabalho, e nem sempre atende as necessidades do mundo do trabalho. ​Apresentaremos na sequência do texto, como a LDBEN (1996) e as Diretrizes (2013) apresentam os encaminhamentos acerca da relação entre a educação e o trabalho. Tomaremos a palavra trabalho como uma categoria de análise dos textos da LDBEN (1996) e das Diretrizes (2013) a fim de

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compreendermos como ela é compreendida como finalidade da Educação Escolar.

1.1.1 A Categoria Trabalho na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira 9.394/96 (LDBEN)

O contexto brasileiro em que se deu a reflexão para pensar a LDBEN (BRASIL, 1996) sofria as influências das discussões dos anos de 1980, em que estava em jogo a redemocratização política. As mobilizações de crítica à Ditadura Militar, por sua vez, recebem apoio da perspectiva neoliberal, e se alinham ao

23 Estado Mínimo e aos domínios da economia de mercado em nível global. No período anterior à formulação da LDBEN (1996) houve grande influência do contexto mundial da Guerra Fria que aqueceu os ânimos daqueles que se posicionavam a favor do capitalismo ou do socialismo. A via neoliberal defende uma educação técnica operacional que mira a formação para uma específica profissão (como um treinamento), sendo que genericamente visa ensinar conhecimentos científicos gerais, tendo em vista atender as circunstâncias do mundo globalizado. A via socialista sustentou-se, predominantemente, na proposta da educação politécnica que, dualmente, enfatiza a formação do trabalhador para o mundo do trabalho mirando sua formação política e científica.

A LDBEN (BRASIL, 1996) foi aprovada num clima de tensão, devido ao modo como foi elaborado o seu texto final. O grupo de educadores que se debruçou para pensar a nova Lei da educação escolar brasileira, após o fim da Ditadura Militar (1964-1985) no Brasil, sofreu um duro golpe ao ver que suas propostas debatidas durante seis anos foram escanteadas pela elaboração do texto final de Darcy Ribeiro

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(SAVIANI, 1999).

Finalizada e promulgada, a LDBEN (BRASIL, 1996) sofre críticas, e é

acusada de favorecer o modelo capitalista neoliberal. Sua orientação específica visa à preparação do aluno, tendo em vista a sua futura inserção no mercado de

trabalho. A crítica de viés socialista busca orientar os processos educacionais, a fim de desenvolver o homem de maneira integral e romper com a dualidade teoria- prática, possibilitando aos trabalhadores superar o modelo de trabalho alienante que, em acordo com Marx (1996), é resultado da fragmentação do trabalho.

O Ensino Médio, assim como toda a educação escolar brasileira é balizado pela LDBEN, e a educação se enquadra como um direito e um dever. O Estado possui a obrigação de oferecê-la a seus cidadãos, e estes, têm o direito de exigi-la.

Para melhor entender as orientações definidas pela LDBEN (BRASIL, 1996) e os entrelaçamentos entre educação e trabalho, interpretamos e classificamos os posicionamentos político-ideológicos da palavra “trabalho”.

Ao longo do texto da LDBEN (BRASIL, 1996), constatamos que a palavra

trabalho ​aparece 29 (vinte e nove) vezes. Identificamos que por 16 (dezesseis)

vezes o ​trabalho ​está se referindo ao processo de aprendizagem, tendo em vista a

formação para o trabalho​, ou seja, para o mercado de trabalho.

24 Dividindo a busca de acordo com o detalhamento dos capítulos da Lei, encontramos a palavra ​trabalho ​se referindo a: Educação em Geral no Brasil (quatro vezes), Educação no Ensino Médio (sete vezes), Educação Superior Tecnológica (três vezes) e Educação Especial (duas vezes). No Ensino Superior, a categoria

trabalho ​foi encontrada uma vez e está relacionada ao trabalho de pesquisa e

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Nos artigos da LDBEN (BRASIL, 1996) que tratam, especificamente, do Ensino Médio realçamos algumas determinações que abordam a relação entre educação e trabalho. De acordo com o recorte desta pesquisa, interessa-nos

examinar, num primeiro momento, as determinações expostas na LDBEN (BRASIL, 1996) sobre a educação escolar em geral e a educação proposta no Ensino Médio. Neste caso, a categoria ​trabalho ​foi encontrada 11 (onze) vezes e, em 9 (nove) artigos da lei.

Destacamos dois artigos analisados: O artigo 22 da LDBEN (BRASIL, 1996) afirma que a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando,

assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e, em estudos posteriores (BRASIL, 1996). O artigo 35, em seu inciso II, afirma como uma finalidade “a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posterior” (BRASIL, 1996). Salientamos que a própria ordem das palavras, na construção deste texto, coloca o trabalho como antecedente à cidadania. Entendemos que essa opção, intencionalmente ou não, sugere uma antecedência do trabalho em relação à cidadania. O artigo também estabelece que a

preparação básica para o trabalho e a cidadania ​são pressupostos para que o aluno

continue aprendendo, e que seja capaz de se ocupar ou se aperfeiçoar após a conclusão deste nível. A definição se ​ocupar​, se refere a ter condições básicas de trabalhar. A afirmação ​se aperfeiçoar​, ressalta a possibilidade do aluno formado realizar outros cursos, sendo que estes podem ser voltados ao mesmo nível de ensino ou ao ensino superior.

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tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina”; estabelece que cada disciplina deve desenvolver o

ensino de conhecimentos que unem a teoria e a prática, no que se refere à ciência e 25 à tecnologia, necessários ao entendimento do que é básico em qualquer processo produtivo. ​A LDBEN (BRASIL, 1996) é resultado de um contexto histórico, ou seja, emerge como uma lei adequada para a sociedade contemporânea situada nos entremeios do mundo globalizado e de uma economia que se encaminhava para o neoliberalismo. Por outro lado, os discursos políticos da primeira década do século XXI afinaram-se aos interesses neoliberais, tanto que o governo federal demonstrou preocupações com a situação econômica do Brasil, que embora componha o ​ranking das maiores economias do mundo, é considerado um país em desenvolvimento. Neste cenário, grosso modo, a proposta da educação escolar de nível médio para o Brasil revela-se como território de influência político-econômico.

Porém, as referências que a LDBEN (BRASIL, 1996) faz ao termo “mundo do trabalho” favorecem uma interpretação de que o único mundo do trabalho é aquele que surge das necessidades mercadológicas. A orientação neoliberal,

expressa os interesses da Teoria do Capital Humano, e que seguem as orientações em favor do capitalismo. Porém, salientamos que o debate sobre o mundo do

trabalho, bem como os referencias dialéticos, e dos inúmeros pensadores e pesquisadores, que dele se ocupam, propõem como forma de criar outras perspectivas de mundo o trabalho como princípio educativo.

A sociedade brasileira contemporânea assenta as suas bases políticas e sociais na economia capitalista neoliberal (modelo direcionado à economia de mercado e pela mínima intervenção do Estado); e opta pelo alinhamento de suas

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legislações em torno dos seus processos produtivos. A “lei da oferta e da procura” delineia os acentos legais do Estado em torno de si. Desta forma, o paradigma do trabalho está arraigado no contexto escolar de Ensino Médio.

1.1.2 Um Olhar sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais e suas Indicações quanto aos Objetivos da Educação e do Trabalho

Neste item procuramos entender como a palavra ​trabalho ​é referenciada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio6 ​(BRASIL, 2013), no intuito de

6 ​Usaremos a sigla DCNs ao longo do texto.

26 reforçar a finalidade colocada pela LDBEN (BRASIL, 1996) no tocante à preparação do aluno para o trabalho.

No que se refere ao Ensino Médio, lemos na DCNs um discurso que, de forma insistente e constante, defende a necessidade de formação para a

qualificação do cidadão que será trabalhador. A formação escolar contribui para a orientação dos sujeitos sociais envolvidos nos diversos contextos de vida

dinamizados pela economia capitalista. Nessa circunstância:

[...] a preparação básica para o trabalho e a cidadania, e a prontidão para o exercício da autonomia intelectual são uma conquista paulatina e requerem a atenção de todas as etapas do processo de formação do indivíduo. Nesse sentido, o Ensino Médio, como etapa responsável pela terminalidade do processo formativo da Educação Básica, deve se organizar para proporcionar ao estudante uma formação com base unitária, no sentido de um método de pensar e compreender as determinações da vida social e produtiva; que articule trabalho, ciência, tecnologia e cultura na perspectiva da emancipação humana (BRASIL, 2013, p. 39).

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As determinações da vida social e produtiva são influenciadas pelo sistema econômico capitalista. As DCNs (BRASIL, 2013) relacionam a emancipação humana ao desenvolvimento econômico capitalista, à ampliação da produção e do consumo, o que implica potencializar a racionalidade do trabalho de modo restrito caso

contrapormos a complexidade do mundo vivido. Frente ao contexto de economia global neoliberal, as políticas públicas para o Ensino Médio:

[...] tem ocupado, nos últimos anos, um papel de destaque nas discussões sobre educação brasileira, pois sua estrutura, seus conteúdos, bem como suas condições atuais, estão longe de atender às necessidades dos estudantes, tanto nos aspectos da formação para a cidadania como para o mundo do trabalho (BRASIL, 2013, p. 145).

O potencial econômico brasileiro é prejudicado, pois tem pouco investimento na formação profissional, sendo que os setores da indústria e do comércio são os mais prejudicados. Por isso, a orientação é de que:

[...] para alcançar o pleno desenvolvimento, o Brasil precisa investir fortemente na ampliação de sua capacidade tecnológica e na formação de profissionais de nível médio e superior. Hoje, vários setores industriais e de serviços não se expandem na intensidade e ritmos adequados ao novo papel que o Brasil desempenha no cenário mundial, por se ressentirem da falta desses profissionais (BRASIL, 2013, p. 145).

27 As referências ao termo ​mundo do trabalho ​são usadas como um jargão incansável para reafirmar o quanto a educação escolar básica e, especificamente, a etapa do ensino médio é decisiva para a formação do trabalhador. As DCNs

(BRASIL, 2013) afirmam, constantemente, a relação entre educação e trabalho e justifica que as ações pedagógicas da Escola precisam se afinar, tendo em vista a formação do trabalhador.

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O currículo do Ensino Médio deve organizar-se de modo a assegurar a integração entre os seus sujeitos, o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura, tendo o trabalho como princípio educativo, processualmente conduzido desde a Educação Infantil (BRASIL, 2013, p. 40).

A Constituição Federal afirma que a educação é um direito fundamental de todo cidadão brasileiro, assim como o trabalho. Para ampliar as chances de

empregabilidade há uma necessidade de que se disponha de ações que qualifiquem os potenciais trabalhadores. Essa afirmação ressalta a importância do processo educacional escolar que possa desenvolver estudos e práticas que orientem os alunos para o trabalho.

Desse modo, o sistema escolar reforça a ideia de que o pleno desenvolvimento do cidadão depende em primeiro lugar da sua qualificação

profissional para o mercado de trabalho. A educação escolar é o carro chefe, onde se sustentam variados discursos políticos. É ressaltada a importância dos

investimentos no Ensino Médio para alicerçar a formação científica e tecnológica em outras etapas formativas, permitindo autonomia intelectual, para que o “País dê o grande salto para o futuro” (BRASIL, 2013, p. 145) no desenvolvimento econômico.

Os avanços científicos e tecnológicos, em nível mundial, resultam em um mundo do trabalho que sofre constantes alterações. Implicam repensar a escola que reinventa seus processos com base em contextos diversos. As diretrizes para o ensino médio enfatizam as definições da LDBEN (BRASIL, 1996), ressaltando a preparação básica para o trabalho.

Por um lado, o direito obrigatório de o aluno frequentar a Escola, entre os 4 anos e os 17 anos, apresenta-se como possibilidade, porém, não garantia de promover qualidade de vida social e econômica. A qualidade de vida relaciona-se

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com ampliação da geração de renda, por isso, existe a preocupação em qualificar para o trabalho. Reforça-se a ideia de que uma sociedade de trabalhadores pode

28 alavancar melhor qualidade de vida, alterando a natureza e produzindo formas de suprir as necessidades. Os animais podem reproduzir, mas o fazem somente para si mesmos; o homem reproduz toda a natureza, porém, de modo transformador, o que tanto lhe atesta quando lhe confere liberdade e universalidade. Desta forma, produz conhecimentos que, sistematizados sob o crivo social e por um processo histórico, constitui a ciência (BRASIL, 2013, p. 161).

As DCNs (BRASIL, 2013) afirmam que devido à perspectiva ontológica do trabalho, que considera o homem como transformador da natureza e produtor de sua própria existência, o trabalho é o ponto de partida para a produção de

conhecimentos e culturas, bem como a finalidade das ações educativas que promovam a consciência humana de suas necessidades produtivas.

Decretos, pareceres e resoluções que se seguiram após a aprovação da Lei 9.394/96 destacaram a centralidade do trabalho produtivo capitalista como

orientação para a formação escolar de nível médio. Depois de anos de debate, desde a década de 1980, a inspiração marxista para a educação continua sendo o alicerce para pensar uma educação profissional politécnica de nível médio que expressa um movimento crítico às orientações de uma educação mercadológica, como a que está inserida nessa Lei (BRASIL, 1996).

O período da Ditadura Militar brasileira, em um momento que mundialmente se vivia a tensão político-econômico militarista da Guerra Fria, favoreceu que se explicitasse a crítica marxista contra a Teoria do Capital Humano. Desse modo se explicitaram as ideias e os postulados de uma educação de influência marxiana e marxista, que defende a educação de qualidade para a classe trabalhadora. O

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trabalho como princípio educativo procura, neste sentido, garantir a emancipação do trabalhador em relação ao trabalho alienado (de perspectiva capitalista). Porém, a educação de cunho socialista, no entremeio de uma sociedade capitalista, conserva o monopólio da crítica (muitas vezes) somente com o “final invertido” em relação à formação do trabalhador. Mas mesmo assim a sua perspectiva não pode ser confundida com a do capitalismo, pois a sua finalidade é defender o caráter revolucionário que pretende alterar o perfil formativo do trabalhador, para torná-lo consciente de sua capacidade sócio-política como classe, dando-lhe condições de alavancar uma revolução socialista.

29 As alterações na economia mundial após 1945 (quando terminou a Segunda Guerra Mundial) forçaram uma reorganização também da economia brasileira. Nesse sentido foi necessário um novo olhar para a educação escolar, que se orientou à formação de capital humano. A Escola passou a ser a instituição encarregada de resolver os problemas da baixa formação dos trabalhadores

(principalmente das profissões urbanas). No mínimo, desde 1970, cada vez mais se enfatizou a educação escolar técnica.

Na primeira década do século XXI houve a criação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica que expressa uma nova aposta na formação técnica, que apresentaremos no próximo item, explicitando suas

orientações em relação ao trabalho.

1.1.3 A Criação dos Institutos Federais e as Relações com o Trabalho

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criticar a educação escolar do Nível Médio para a formação do aluno em relação ao trabalho, no contexto pós-LDBEN se acaloram, principalmente, depois da

promulgação da Lei no 11.741, de 16 de julho de 2008 (no tocante à Educação Profissional e Tecnológica), com foco na Educação Profissional Técnica de Nível Médio, que alterou os artigos 37, 39, 41 e 42 da Lei no 9.394) e da Lei no 11.892 (que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica que criou os Institutos Federais).

Após 12 (doze) anos de existência da LDBEN (BRASIL, 1996) foi

sancionada a Lei no 11.741/2008 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio e a Lei no 11.892, de 29 de dezembro de 2008 que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Ambas retomam o posicionamento político ideológico das influências que visam o desenvolvimento econômico permeado por influências liberais, centradas com mais ênfase na formação para o mercado de trabalho, porém, com pinceladas de orientação marxista. ​Percebemos essas influências, por exemplo, na seguinte afirmação:

30 [...] transformações no mundo do trabalho se consolidaram, promovendo uma verdadeira mudança de eixo nas relações entre trabalho e educação. A própria natureza do trabalho está passando por profundas alterações, a partir do momento em que o avanço científico e tecnológico, em especial com a mediação da microeletrônica, abalou profundamente as formas tayloristas e fordistas de organização e gestão do trabalho, com reflexos diretos nas formas de organização da própria Educação Profissional e Tecnológica (BRASIL, 2013, p. 206).

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Profissional Técnica de Nível Médio apresenta ideias mescladas entre propostas da educação neoliberal e da educação politécnica. Percebemos que no tocante às orientações da LDBEN (BRASIL, 1996), sobre as relações da educação escolar de Ensino Médio e as relações com a formação de trabalhadores, o atual contexto é inédito.

A garantia do trabalho como um direito social, proposto pela Constituição Federal, recebe seus delineamentos com as potencializações da formação

educacional para o trabalho. Os moldes não poderiam nos surpreender de maneira diferente dentro de um Estado que se enraíza nas bases modernas, que apostam todas as expectativas em uma sociedade de trabalhadores.

Fischer e Franzoi (2009) afirmam que os limites da educação profissional são postos pela hegemonia atual que se alicerça na experiência histórica do trabalho na sociedade capitalista. O trabalho valorizado neste modelo é o trabalho

assalariado, pois os trabalhadores (aqueles que vivem-do-trabalho) vendem sua força de trabalho.

A fim de diminuir os ranços de uma educação para o mercado de trabalho que aliena o trabalhador, temos o exemplo da Rede Federal de Educação, que propõe o ensino integrado como uma alternativa para não formar o trabalhador tão somente como profissional específico de uma área para atuar no mercado. A proposta que se opõe a esta e ganhou relevância em termos de leis, sagazmente, insere orientações do ensino politécnico, uma formação não apenas técnica, mas também corporal, cultural, tecnológica e científica.

1.2 CRÍTICA ÀS VINCULAÇÕES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR AO MERCADO DE TRABALHO

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Compreendemos que a educação escolar de nível médio, orientada pela ótica da Teoria do Capital Humano, de acordo com o viés neoliberal, expressa inconsistências quanto as suas finalidades em geral e, especificamente, sobre suas promessas de emancipação. Neste sentido, nossa pesquisa procura examinar a crítica contemporânea que expressivamente é feita pela politecnia e que, de modo diferente, sustenta argumentos em defesa do trabalho humano.

A partir do final dos anos de 1970 houve uma alteração e readequação do modelo político-econômico que alinhou a produção à ampliação no atendimento do mercado mundial crescente, caracterizando-se assim, como modelo capitalista neoliberal. Neste sentido, foram feitas apostas em uma educação escolar que desenvolve habilidades e competências para atender a demanda de mão de obra. Ou seja, um modelo de educação toyotista, que se fundamenta em competências cognitivas complexas, como afirma Kuenzer (1989) e Saviani (2005).

Desde 1986, sistematicamente o GT “Educação e Trabalho” da ANPED, estuda e publica investigações na perspectiva de desvincular a educação como formadora específica de mão de obra. Este GT é composto por pesquisadores que fundamentam seus argumentos na educação politécnica e realizam a crítica à educação neoliberal e tecnicista. Dermeval Saviani, Gaudêncio Frigotto, Acácia Kuenzer e Lucília Machado são alguns dos autores que estão na trincheira que defendem a proposta socialista para a educação escolar brasileira.

Embora a proposta do ensino politécnico tenha sido tomada como anteprojeto à LDBEN, esta foi derrotada na aprovação do texto final. A proposta socialista foi vencida e substituída pela proposta neoliberal que, genericamente, contempla alguns termos propostos pelo projeto da politecnia, dentro de um modelo formativo capitalista.

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Saviani (2000) afirma que, entre as ideias de politecnia que orientaram a proposta inicial da construção da LDB, apenas restou na aprovação em 1996 o Inciso IV do artigo 35, o qual afirma que “a finalidade do ensino médio é a

compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos”, e o inciso I do parágrafo primeiro do artigo 36, afirma que um dos objetivos do ensino médio é o “domínio dos princípios científicos e tecnológicos que compreendem a produção moderna” (SAVIANI, 2000, p. 174).

Um grupo de pesquisadores e professores denominados de “progressistas” foi encarregado de se mobilizar a pensar a educação brasileira. Reuniu-se de forças:

32

[...] especialmente no MEC, INEP, CNPq, apoiados por um crescente movimento de organização dos educadores, tanto no plano de aprofundamento de análise teórica, quanto de organização política (CBEs, ANDES, ANPED) esboçam-se avanços significativos da política educacional. Mas, esse período foi curto. Após a metade da década de 1980 o MEC constituiu-se numa espécie de condomínio do PFL. Marcos Maciel, em seguida, Bornhausen e depois Hugo Napoleão (FRIGOTTO, 1991, p. 49).

A educação politécnica tem sua base em estudos realizados na década de 1980 entre professores e pesquisadores que eram tidos como resistentes à Ditadura Militar e críticos do capitalismo. Naquele contexto, os partidários de esquerda,

simpatizantes das ideias socialistas/comunistas opunham-se ao bloco capitalista. Estabeleceu-se na UNICAMP um grupo de estudos sobre Gramsci, a pedido de vários alunos e, a partir daí foram reforçados os estudos de Marx e de autores marxistas. ​Tendo por referência alguns estudos produzidos por este grupo de

pesquisadores (que denominamos de pensadores críticos), apresentamos como que eles percebem as alterações do cenário político e econômico mundial ao longo da

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década de 1990, em que se fortaleceu a economia global neoliberal alinhada à nova ordem econômica influenciadora das decisões que constituíram a legislação do Estado brasileiro sobre a educação escolar. Os pesquisadores deste GT interagem e debatem ao longo das elaborações legislativas para a educação escolar neste

período; e hoje continuam insistindo sobre a necessidade de novos olhares em relação às novas formas de trabalho e as implicações delas sobre o contexto da educação escolar brasileira que se propõem qualificar os cidadãos para o trabalho (BRASIL, 1996).

É consenso entre os pesquisadores desse grupo que o modelo econômico capitalista neoliberal implica um sistema de trabalho produtivo que pode ser

caracterizado como flexível, dinâmico, adaptável e cíclico. As instituições escolares é que conduzem os processos pedagógicos e certificam a formação do aluno. O aluno precisa se adaptar às orientações formativas da Escola, pois ela se encarrega de proporcionar a formação de referência básica para o trabalho em geral que possibilitará a empregabilidade. Embora, paradoxalmente, as responsabilidades sobre a formação sejam transferidas para os próprios sujeitos (alunos). A Escola precisa garantir a formação do aluno para o trabalho, mas o sucesso ou o fracasso

33 em um futuro posto de trabalho que exige certificação escolar recai sobre o próprio aluno. Consequentemente, as instituições escolares que conseguem, por meio de parcerias, indicar e colocar mais recém-formados no mercado de trabalho, são as que mais possuem concorrência em suas vagas. Assim, a própria educação torna-se mercadoria. Situação que, segundo Frigotto (1998), reduz os processos educativos à qualificação, que visa à empregabilidade.

Referências

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