PLANTAS MEDICINAIS
ANTIDIABÉTICAS
Coordenador:
Lui Antonio Raneiro de Bragança
Mestre em Endcrinlgia pela Universidade Federal d Ri de Janeir (UFRJ). Pressr assistente de Farmaclgia d Departament de Fisilgia da Universi-dade Federal Fluminense (UFF). Fundadr d Labratri de Etnarmaclgia e Prduts Naturais d Institut Bimédic da UFF, nde vem desenvlvend pesquisas sbre plantas medicinais úteis n tratament de denas endcrinas e metablicas. Subchee d Departament de Fisilgia.
Colaboradores:
Marília Martins Guimarães, dutra em Endcrinlgia, é pressra e cr-denadra adjunta d curs de ps-gradua em Endcrinlgia da Universidade Federal d Ri de Janeir.
Fernando Cesar Raneiro de Bragançaé médic sanitarista e pressr assis-tente d Institut de Saúde da Cmunidade d Centr de Cincias Médicas da Universidade Federal Fluminense e mestre em Educa pela UFF. Especialista em Hmepatia pel Institut Hahnemannian d Brasil e em Medicina Scial e Preventiva pela UFF.
Paulo Cesar Ayres Fevereiroé pressr adjunt de Btânica Terrestre. Atual-mente chea Setr de Btânica d Departament de Bilgia Geral d Institut de Bilgia da UFF.
Paulo José Sielé mestre em Biquímica pela Universidade Federal d Ri de Janeir e pressr adjunt de Farmaclgia d Departament de Fisilgia da Universidade Federal Fluminense. Fundadr d Labratri de Etnarmaclgia e Prduts Naturais d Institut Bimédic da UFF.
Endereço para o envio de contribuiçes (relato de casos, eperincias pessoais etc.):
PRoF. LUIz ANToNIo RANzEIRo DE BRAGANçA Institut Bimédic da UFF
(Departament de Fisilgia)
Rua Ernani Mel, 101 - Centr - Niteri - RJ CEP 24210-130 - Fa (021) 620-5966
Luiz Antonio Ranzeiro de Bragança
(Coordenador)
PLANTAS MEDICINAIS
ANTIDIABÉTICAS
uma abordagem multidisciplinar
EDIToRA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Niteri, RJ — 1996
Cpyright © 1996 by Lui Antni Raneir de Bragana
Direits desta edi reservads à EDUFF - Editra da Universidade Federal Fluminense - Rua Miguel de Frias, 9 - ane - sbrelja - Icaraí - CEP 24220-000 - Niteri, RJ - Brasil - Tel.: (021) 620-8080 ramais 200 e 353 - Fa: (021) 620-8080 ramal 356
É pribida a reprdu ttal u parcial desta bra sem autria epressa da Editra. Edi de tet: Ia Quelhas
Prjet grác e editra eletrônica: Jsé Lui Stalleiken Martins Capa: Marci André Baptista de oliveira
Digita: Khátia M. P. Maced, Jussara M. Figueired e Juraciara Ribeir Revis: Sônia Peanha
Supervis gráca: Rsalv Pereira Rsa Crdena editrial: Dami Nasciment Ilustraes da capa (n sentid hrári):
Ft 1 - Pata-de-vaca (Bauhinia orcata): a planta antidiabética pssivelmente mais usada e já estudada n Brasil. Ft 2 - Plantas medicinais epostas venda: n apenas n interir, mas também ns centrs urbans, plantas s ppularmente cnhecidas cm medicinais e cmercialiadas. É grande a prcura. Ft 3 - Melão-de-são-caetano (Mormodica charantia): é apntada cm a planta antidiabética mais usada n mund td. Diverss estuds já ram realiads, especialmente na Índia. Ft 4 - Cajueiro (Anacardium occidentale): a t mstra sinais d risc da etin de algumas espécies de plantas medicinais. É etrativism pela divulga ds seus beneícis sem s cuidads de preserva.
Catalogação-na-onte
P713 Plantas medicinais antidiabétic asi:iuma abrdagem multidiscip linar. Lui Antni Raneir de Bragana, crdenadr. — Niteri : EDUFF, 1996.
300 p. ; 21 cm. Bibligraa : p. 285 ISBN 85-228-0168-1
1. Plantas medicinais. I. Bragana, Lui Antni Raneir, crd. CDD 633.88
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitr
Lui Pedr Antunes Vice-Reitr Fabian da Csta Carvalh
Diretra da EDUFF Eliana da Silva e Sua
Cmiss Editrial Anamaria da Csta Cru
Gilbert Pere Cards Gilda Helena Rcha Batista Herald Silva da Csta MattsIvan Ramalh de Almeida Luia de Maria Rdrigues Reis Maria Guadalupe C. Piragibe da Fnseca
Paul Aeved Beerra Rbert Kant de Lima
SUMÁRIO
Preácio ...7 Apresentação ...9Lui Antni Raneir de Bragana 1 Plantas medicinais: conceitos e beneícios ...15 Lui Antni Raneir de Bragana
2 Consideraçes sobre o histórico dos medicamentos e plantas medicinais ...27 Fernand Cesar Raneir de Bragana
3 Aspectos botânicos ...53 Paul Cesar Ayres Fevereir
4 Diabetes mellitus: diagnóstico
e recursos teraputicos ...69 Lui Antni Raneir de Bragana e
Marília Martins Guimares
5 Aspectos gerais no preparo e controle de qualidade
de plantas e toterápicos hipoglicemiantes ...103 Paul Jsé Siel
6 Estudos etnoarmacológicos com plantasmedicinais e antidiabéticas ...123 Fernand Cesar Raneir de Bragana e
Lui Antni Raneir de Bragana
7 Plantas brasileiras usadas no tratamento
do diabetes ...143 Lui Antni Raneir de Bragana
8 Plantas antidiabéticas no mundo ...181 Lui Antni Raneir de Bragana
9 Estudos armacológicos de plantas antidiabéticas ...215 Lui Antni Raneir de Bragana
10 Fitoquímica e mecanismo de ação das plantas
antidiabéticas ...241 Lui Antni Raneir de Bragana
11 Consideraçes nais ...261 Lui Antni Raneir de Bragana
Sumário de estudos cientícos
com plantas antidiabéticas ...273 Reerncias bibliográcas ...285
LISTA DE ABREVIATURAS
UTILIzADAS
ALAD - Asscia Latin Americana de Diabetes DMID - Diabetes Mellitus Insulindependente DMNID - Diabetes Mellitus N-Insulindepentende GJ - Glicemia de Jejum
EV - Endvensa
HbA 1c - Hemglbina Glicsilada A 1c Ho - Hipglicemiante oral
IP - Intraperitneal
oMS - organia Mundial da Saúde
SC - Subcutânea
STz - Strepttcina
ToTG - Teste oral de Tlerância à Glicse UFF - Universidade Federal Fluminense
PREFÁCIO
Diabetes mellitus é um desa mundial à pesquisa. Durante mui-ts ans as investigaes caíram sbre a célula beta pancreática. Se n tip I ist é uma verdade, tal at n pde ser etraplad para tip II, nde a secre de insulina é nrmal, trnand-se anrmalmente elevada para superar a resistncia periérica, seja em nível de receptr u ps-receptr, na tentativa de sustentar uma nrmglicemia.
Cm avan da bilgia mlecular, cnseguiu-se avanar estes estuds e bservar sb a tica d ps-receptr, que abre uma lu de cnheciments na etipatgenia desta mléstia e, cnse-qentemente, avans na teraputica. os eeits medicamentss em nível ps-receptres reqentemente n s bservads agudamente, já que envlvem uma série de reaes em cadeia, até transcries nucleares em nível de DNA, RNA, dierind de uma secre de insulina, nde blquei de canal de ptássi é suciente para sua secre.
Pr este mtiv, s trabalhs realiads pr pesquisadres na ten-tativa de bter nrmalia da glicse sangínea na rma aguda, cm as plantas medicinais, prvavelmente racassaram e racas-sar sempre que princípi ativ seja em nível ps-receptr. Este trabalh tra uma valisa cntribui cientíca, cm um desa para que tds s que lidam nesta área se engajem na luta para que pssams alcanar uma u mais alternativas teraputicas, utiliand plantas medicinais que tenham as cnrmaes t bem estabelecidas n Capítul 5, nde pressr Paul Jsé Siel, cm uma linguagem simples, elucida s aspects gerais n prepar e cntrle de qualidade de plantas e tterápics hipglicemiantes. Tenh a cnvic de que este bjetiv será alcanad, prque seu autr é um pesquisadr bstinad pels seus ideais e, cn-seqentemente, tds s diabétics ser beneciads, pis eles s, em última análise, s beneciáris nais.
Pr. Hnmar Ferreira de Sua
“O Senhor produziu da terra os medicamentos. O homem sensato não os desprezará.” Eclesiástico 38, 4
APRESENTAÇÃO
Há séculs as plantas vêm send usadas cm nte de medicamen-ts, muits deles ainda btids de ervas. Atrpina, caeína, clchi-cina, digital, salicilats, ópi, vincristina, quinina e biguanidas sã apenas alguns entre tants ármacs incrprads as receituáris médics, mas inúmers utrs, de nte vegetal inexplrada, estã à espera d interesse de quem s pssa revelar (AKERELE, 1992). Até mesm hrmônis (cm esteróides sexuais utiliads em preparações de cntraceptivs rais) e antimalárics para rmas resistentes (cm a artemisinina) pdem ser extraíds de plantas. (KoRoLKoVAS, 1978 ; PEREIRA, 1986 ; SoEJARTo, 1978) A despeit d precnceit de muits cientistas, pv permanece
utiliand-se de plantas medicinais cm a mesma cnança cm que aceita a prescriçã d dutr.
o diabetes mellitus (DM) é uma dença cmum, cuja classicaçã atual inclui, segund a organiaçã Mundial da Saúde, tips cm: insulindependente (DMID), nã-insulindependente (DMNID) e que se asscia cm estads de desnutriçã (LLANoS, 1995). Antes da descberta da insulina, as preparações btidas de plantas eram, praticamente, únic recurs n diabetes além da dieta. Se-gund Pric (1986), primeir princípi ativ cm prpriedade hipglicemiante, descbert pr mei de pesquisas cientícas i a galegina, um derivad da guanidina, extraíd da Galega cinalis. os resultads desta pesquisa mtivaram estuds subseqüentes e a descberta das primeiras biguanidas.
Levantaments bibligráics, realiads em td mund, destacam us de plantas n tratament d diabetes, cm s tra-balhs de Shara (Egit, 1963), Csta (Brasil, 1975-1977), Bever (Árica ocidental, 1980), Mrrisn (Jamaica, 1982), Al-Awadi (Kwait, 1985), Pric (Iugslávia, 1986), Yaniv (Israel, 1987), Ivrra (Espanha, 1989). Na medicina ppular de diverss países sã empregads um grande númer de ervas e/u seus extrats. Entretant, apenas uma minria, submetida à investigaçã arma-clógica padrniada, apresentu resultads reprduíveis, devid às peculiaridades inerentes as estuds de plantas medicinais que serã discutidas neste trabalh.
diabetes n Brasil, destacand-se: abagerú, bardana, cajueir, carambla, carqueja, dente-de-leã, estévia, eucalipt, gravila, jamb, jamblã, jucá, melã-de-sã-caetan, pata-de-vaca,
pedra-hume-caá, quixaba, rmã e sálvia. A lista destes recurss tterápics varia entre s estads, regiões e países, infuenciada pr questões culturais, climáticas etc.
Algumas já mereceram estud cientíc, mas sbre a mairia delas ainda inexistem inrmações quant à armaccinética, rientaçã pslógica adequada, txiclgia e armacdinâmica (mecanism de açã).
Até hje, n Brasil, s médics e a ppulaçã em geral carecem de inrmações bjetivas e seguras sbre s recurss tterápics para diabetes mellitus. Enquant iss, inúmers pacientes persistem n us de chás de plantas para ‘tratar’ a dença, baseand-se na chamada sabedria ppular, aguardand quem as queira e pssa estudar, prtant cnhecê-las cienticamente, separand em de-nitiv mit da realidade quant as seus riscs e beneícis. Algumas teses de mestrad cmprvaram eeit hipglicemiante
de plantas brasileiras em animais de labratóri, a exempl ds trabalhs da dra. Úrsula Grüne, em 1979, cm a pedra-hume-caá (Myrcia multifra, Lam.); d dr. Denir Ngueira, em 1984, cm a rmã (Punica granatum, Lin.) e d dr. Giuseppe Presta, em 1986, cm abageru (Chrisbalanus icacc, Lin.), realiads na UFRJ. Merecem destaque s nmes d Dr. Nun Álvares Pereira (Farmaclgia) e d Dr. Walter Mrs (Fitquímica), que dedicam suas vidas a estud cientíc de plantas medicinais.
Tive a hnra de ingressar n curs de mestrad em Endcrinl-gia, em 1992, mtivad pel desej de prsseguir minha rmaçã cm médic e dcente. Busquei a Universidade Federal d Ri de Janeir pel elevad padrã cientíc e étic que pssui.
N decrrer d mestrad, prssegui cm as atividades de pressr auxiliar de Farmaclgia, ltad n Departament de Fisilgia, d Institut Bimédic da Universidade Federal Fluminense. Cm mnitr dessa disciplina, durante três ans, aprendi a respeitar valr das plantas medicinais que, a lng da história da medicina, rneceram inúmeras drgas até hje empregadas na terapêutica. N Institut Bimédic, ui alun e mnitr d sauds pressr Rched Seba, titular de Farmaclgia, ex-diretr cientíc d Institut Vital Brail, que, dentre muits, dedicu-se a estud das prpriedades medicinais d curare e da reserpina.
Net de diabétics, cnvivi de pert cm drama e as limitações d tratament da dença, em especial cm a triste evluçã da neur e angipatias. Assisti, já acadêmic de Medicina, as relats de us de chás para ‘tratament’ d diabetes mellitus, ignrads pels livrs médics, mas uma realidade n ctidian de milhares de vítimas da dença. Impressina-me, e, de cert md, me causa estranhea a rma cm assunt pde ainda hje ser tratad: cm precnceits, cm se sse puc relevante at de que inúmers pacientes utiliam plantas medicinais há sucessivas gerações. Em verdade, este é um tema merecedr de atenções especiais da Medicina.
Neste cntext é que surgiu meu interesse de, cm alun d curs de mestrad em Endcrinlgia, cnciliar a Farmaclgia e estud das plantas medicinais úteis n tratament d diabetes mellitus. o meu bjetiv i cntribuir cm uma revisã sbre assunt, prvcand estuds mais aprundads. Vlt a expressar este pensament nas cnsiderações nais deste trabalh: desej de que este livr seja um cnvite para que grups de pesquisa c-labrem n esclareciment de diversas questões sbre as plantas antidiabéticas.
Empenh-me em undamentar nsss trabalhs n caminh da ética médica, de cumprir jurament de Hipócrates e seguir as rientações de meu primeir mestre, meu pai, Pr. Waldenir de Bragança (titular de Medicina Scial da UFF), de valriar at médic e a pesquisa cientíca em sua essência ética vinculada à técnica.
Cnsiderams que ba parte ds serviçs de Endcrinlgia e Metablgia, cm s da UFF e da UFRJ, abrigam cndições de excelência para a realiaçã de prunds estuds que cntribuam na deniçã ds limites d us das plantas medicinais (até nde sã placebs u drgas ecaes e seguras, pr exempl) n tratament d diabetes e suas cmplicações.
Seguims, assim, a recmendaçã da organiaçã Mundial da Saúde, que já sensibiliu pesquisadres em td mund e cn-tinua estimuland estuds, n mesm sentid, em suas diversas publicações.
Nvas pesquisas vêm send desenvlvidas n sentid de cnhecer princípi ativ e mecanism de açã hipglicemiante de plantas, bem cm n de cntribuir n tratament das cmplicações d diabetes. (ALAWADI, 1985 ; SoUzA, 1986 ; MARLES, 1994)
Bever (1980) sugere que mesm paciente pde ser tratad cm mais de uma planta, capaes de intervir sinergicamente em die-rentes sítis d metablism da glicse.
Em 1990, i realiad um estud epidemilógic em 9 capitais brasileiras que apntu, na aixa etária de 30-69 ans, maires taxas de diabetes para as cidades mais industrialiadas. A incidência de DMID (insulindependente) em Sã Paul i de 7,6 cass/100 mil habitantes n períd de 1987-1991. (LLANoS, 1995) Pr utr lad, a prevalência d DMNID (nã insulindependente) n Ri de Janeir é de 7, 1%, estudada pel Pr. Jsé Egídi oliveira (Dutr em Endcrinlgia pela UFRJ), em 1992, send semelhante à taxa nacinal, de 7,5%, utiliand-se s critéris da oMS. (oLIVEIRA, 1992)
Cerca de 20 bilhões de dólares anuais sã gasts ns EUA (e cm estimativa ainda mair ns demais países da América), cm tratament (direts) e a carga scial (indirets) desta imprtante causa de incapacidade e mrte prematura. (LLANoS, 1995) Ist bastaria para justicar um mair interesse ds pesquisadres na descberta de alternativas terapêuticas para s diverss tips de apresentaçã d diabetes mellitus.
Pelas raões expstas anterirmente, destacams s seguintes s bjetivs d presente livr:
apresentar as plantas cnsideradas úteis n tratament d
diabetes n Brasil e n mund e as que tiveram cnrmaçã experimental;
erecer uma sinpse de estuds cientícs realiads cm
plantas ‘antidiabéticas’ e s mecanisms de açã já deni-ds;
alertar a ppulaçã e a equipe de saúde quant as riscs
d us indiscriminad de recurss vegetais n diabetes sem acmpanhament médic e a realiaçã de exames cmple-mentares.
buscar mair api das universidades e centrs de pesquisa
d país para estud das plantas brasileiras antidiabéticas. L. A. R. B.
“A medicina moderna tem muito que aprender com o apanhador de ervas.”
1 PLANTAS MEDICINAIS:
CONCEITOS E BENEFÍCIOS
Lui Antni Raneir de Bragana
1 CONCEITOS GERAIS
Entende-se pr planta medicinal qualquer vegetal prdutr de drgas u de substâncias biativas utiliadas, direta u indireta-mente, cm medicament. os cmpsts químics (u grups destes) que cnstituem s princípis biativs das drgas n s mers subprduts d metablism secundári das plantas que s prduem. Na verdade, representam respstas químicas ds seus mecanisms de intera cm ambiente. Segund Pires (1984), metablism secundári das plantas seria cmparável a sistema imunlgic u a cmprtament ds animais. A variedade de substâncias químicas prduidas pelas plantas é eplicada pel at de serem elas rganisms estátics e precisarem, cnseqentemen-te, de utrs agentes. Para a plinia e dispers de sementes prduem atrativs e repelentes para deenderem-se de predadres. Desta rma é que se trnam relevantes as inrmaes sbre nde e quand a planta i btida, uma ve que pdem surgir dierenas marcantes nas cncentraes ds princípis ativs quand nativa de uma regi (aclimatada) u quand cultivada, devid à infun-cia d sl. Ist também crre cm a quest sanal, prque vegetal pderá ser clhid num estági de fra desavrável. (MoDESTo-FILHo, 1989)
“Para cada dena eiste uma planta” (ANDERSoN, 1983). Quant a diabetes mellitus este prvérbi russ encntra respald em um grande númer de plantas que, pr diversas raes, s utiliadas n tratament e pr iss chamadas de antidiabéticas. Na pini d Pressr Abreu Matts (Titular de Farmacgnsia da Universidade d Ceará), a epress plantas medicinais é, de cert md, inadequada, pr abranger em seu cntet s cncei-ts de usuáris ds dierentes níveis culturais. Verdadeiramente medicinais s aquelas que, em cnseqncia da eperimenta cientíca, tiveram cmprvadas suas aes armaclgicas e, prtant, pdem ser usadas diretamente na teraputica u servir
de matéria prima para abrica de medicaments. (MAToS, 1982) Sb critéri da Lei rancesa, s cnsideradas medicinais as “plantas n alimentícias de eeit teraputic cmprvad” e inscritas na sua Farmacpéia. (DADoUN, 1983, p. 86)
Segund Bannerman(1982), muits terms s empregads cm sinônims de medicina tradicinal. Na verdade, um cnjunt de práticas de aten de saúde antigas e vinculadas a distintas cultu-ras que eistiam antes de se aplicar a cincia às questes de saúde. Assim, a epress medicina tradicinal é imprecisa, a eempl de: indígena, n rtda, ppular, marginal e n-cial u mesm de curandeira s denminaes inadequadas, pis n aem a devida distin entre sistemas de aten à saúde cmplets e cmples, tais cm a medicina ayurveda e a medicina chinesa tradicinal, de um lad, e s simples remédis caseirs, de utr. Cmumente, s cnundidas duas cincias distintas: a Fitterapia e a Farmacgnsia. A primeira signica estud e utilia de vegetais cm bjetiv de curar enermidades. Já a Farmacg-nsia destina-se a cnhecer a rigem ds ármacs, nde rein vegetal assume destaque, rente às ntes minerais e animais. (GUAGLIo, 1985) Neste cas, uma planta é pesquisada cm recurs teraputic, para islament de princípi(s) ativ(s) e utura síntese e prdu industrial.
As plantas, isladas u em cmbina, pdem ser empregadas de dierentes maneiras, cm ps e macerads (em geral para us tpic) e inus u decc (para administra ral, ppular-mente cnhecidas cm chás). As pssíveis rmas de prepar e utilia das plantas medicinais ser discutidas adiante.
os estuds etnarmaclgics baseiam-se na cnsulta ppular sbre us das plantas n tratament de enermidades, cm diabetes mellitus, embra muitas ainda aguardem cnrma cientíca para que se recmenda através de sucessivas geraes. Destacam-se s trabalhs n Egit (SHARAF, 1963), Espanha (IVoRRA, 1988), Israel (YANIV, 1987), Jamaica (MoRRISoN, 1982), países da Árica (BEVER, 1989), Índia (ATIQUE, 1985 ; ALAM, 1990), China (ESSMAN, 1984 ; MAToS, 1989), Gua-temala (CÁCERES, 1983), Méic (PÉREz, 1984), Paquist (RAHMAN, 1989) e Inglaterra (BAILEY, 1989).
Um bm númer de plantas nacinais s cmercialiadas devid às suas prpriedades medicinais, sem sequer pssuir mngraa
que permita sua identica adequada. (oLIVEIRA, 1977; PA-NIzzA, 1982) Recentemente, a Secretaria de Vigilância Sanitária d Ministéri da Saúde, “cnsiderand a situa crítica em que se encntra mercad de tterápics n Brasil”, publicu a Prtaria nº 123, de 19/10/94, estabelecend as nrmas para registr de prduts tterápics em td país e padrniand cnceit de prdut tterápic, drga vegetal, dentre utrs. (MINISTÉRIo DA SAÚDE, 1994)
Seguind as recmendaes d Grup de Estuds de Prduts Fitterápics da CRAME (Faculdade de Farmácia da Universidade Federal d Ri Grande d Sul), decret dene alguns terms que d uma vis mais ampla sbre a cmpleidade da tterapia.
Prdut tterápic: é td medicament manuaturad btid eclusivamente de matérias-primas ativas vegetais, cm a na-lidade de interagir cm meis bilgics, a m de diagnsticar, suprimir, reduir u prevenir estads e maniestaes pat-lgicas, cm beneíci para usuári. É caracteriad pel cnheciment da ecácia e ds riscs de seu us, assim cm pela reprdutibilidade e cnstância de sua qualidade; é prdut nal acabad, embalad e rtulad.
Substâncias ativas isladas u misturas btidas pela adi de substâncias ativas isladas n s cnsideradas prduts tterápics.
Prduts que apresentem a adi de substâncias ativas de utras rigens n s cnsiderads prduts tterápics.
Adjuvantes armacutics pdem estar incluíds na prepara. Matéria-prima vegetal: drga vegetal u prepara tterápica, empregada na abrica de tterápics.
Drga vegetal: é tda planta u suas partes, rescas u que aps srer prcess de cleta e cnserva, pssuam prpriedades que pssibilitem seu us cm medicament.
Prepara tterápica: é prdut vegetal triturad, pulveriad, rasurad; etrat, tintura, le essencial, suc e utrs, btid de drgas vegetais, através de peraes de racinament, etra, purica u cncentra, utiliada na bten de prdut tterápic.
Princípi ativ: substância u grup delas, químicamente carac-teriadas, cuj eeit teraputic é cnhecid e respnsável, ttal u parcialmente, pelas aes armaclgicas da planta medicinal.
2 AS OPINIõES DA ORGANIzAÇÃO MUNDIAL DA SAúDE E DO MINISTÉRIO DA SAúDE
o rein vegetal tem servid cm um das ntes mais antigas de drgas e representa um verdadeir tesur destas em ptencial. (SoEJARTo, 1978)
“Desde a aurra ds temps hmem tem se valid de planta e ervas para curar denas e sanar leses”. Sensibiliadas pel valr da tterapia, diversas agncias da organia das Naes Uni-das uniram-se para a prdu de um lme “Medicina herblária: realidade u c ?”, visand cnscientiar públic a respeit desta rica nte de saúde. (AKERELE, 1983)
Segund Farnswrth (1985), perit da oMS, a fra da mairia ds países em desenvlviment permanece em grande parte inepl-rada d pnt de vista de sua utilia prática. A histria mstra que um grande númer de medicaments, preciss, pdem ser etraíds de plantas. o at de serem utiliadas na medicina tra-dicinal já indica, raavelmente, que elas merecem um estud cientíc.
Ns últims ans, s especialistas vm buscand estabelecer lugar das plantas na medicina tradicinal ns sistemas de saúde mderns, nde seria pssível e benéc um enriqueciment recíprc entre as “duas medicinas”. (ALUWIHARE, 1982 ; ANDERSoN, 1983 ; BANNERMAN, 1977 ; DEMEHIN, 1984
; FARNSWoRTH, 1983 ; LEE, 1982)
De 1965 a 1983, Institut Nacinal d Câncer ds EUA eaminu mais de 73 mil plantas em busca de prpriedades antineplásicas. Segund Bannerman, especialista em plantas da oMS, apenas algumas substâncias puderam ser btidas, a eempl ds alca-lides da vinca, as pdlatinas e a clchicina. Prvavelmente um melhr cnheciment sbre a bilgia básica d câncer e um cntat mair cm s que eercem a medicina tradicinal (prévi a estud e cm inrmaes mais detalhadas sbre empreg destas ervas) pderiam ter cntribuíd para um mair rendiment cientíc ds estuds. (BANNERMAN, 1982)
Em sua mairia, s países em desenvlviment situam-se em áreas trpicais u semitrpicais. Em geral sua fra é abundante e a cultura e a histria d pv s ricas n us de plantas que aliviam u tratam denas. Evidentemente, at de uma planta
ser cnsiderada útil para uma dena especíca n justica sua aceita cm mei teraputic válid para td país, arma Farnswrth. (1983)
Muits Ministéris da Saúde, especialmente ns países em desen-vlviment, estimulam a análise cuidadsa de pes e decces, usadas pels chamads curandeirs, para determinar se seus in-gredientes tm pderes curativs que a cincia n percebeu. N cnceit da oMS, us judicis de ervas, ungs fres, ruts e raíes em aten primária à saúde pde representar imprtante cntribui à redu das despesas d mund em desenvlvi-ment cm remédis. (MAHLER, 1977)
Estima-se que eistam cerca de 250 mil a 750 mil espécies de vegetais superires à fra, das quais muitas ainda n ram bjet de uma descri cientíca. Segund Farnswrth (1984), se n é pssível determinar cm eatid quantas destas espé-cies s utiliadas na medicina tradicinal, pde-se estimar uma prpr de cerca de 10%, que seriam 25 mil a 75 mil espécies. Entretant s trabalhs cientícs, até 1984, recnheciam um autntic valr teraputic em cerca de 1% destas espécies (de 250 a 750 plantas). N Departament de Farmaclgia e Farma-cgnsia da Universidade de Illinis, ns EUA, uncina um banc de dads sbre a química e armaclgia ds prduts naturais, NAPRALERT (Natural Prducts Alert), também utiliad pel prgrama especial da oMS de desenvlviment e rma para a pesquisa em reprdu humana.
Muits países, cm: Israel, China, Índia e Arábia Saudita e Brasil pssuem centrs de pesquisa envlvids na busca d islament de princípis ativs de plantas medicinais nativas e estabelecer uma rela cm a indica u empreg teraputic. (ALYAHIA, 1982 ; BETToLo, 1981 ; JINGxI, 1983 ; SILVA, 1982 ; SIMõES, 1979) N Vietnam, 80% ds remédis riginam-se de plantas e cada aldeia cnta cm seu prpri dispensári vegetal. (AMPoFo, 1977) Nas Filipinas, eistem mais de 10 mil espécies de plantas superires, das quais cerca de 1.300 tem sid utiliadas cm medicinais. (BANNERMAN, 1982)
As plantas a serem eaminadas pdem ser esclhidas em cada país cm base na etensa dcumenta cletada pela oMS que cmpilu uma lista de cerca 22 mil plantas medicinais presentes em várias armacpéias e em utrs trabalhs realiads a nível reginal e mundial. (BETToLo, 1981)
As plantas medicinais tm sid tema central de cngresss na-cinais e internana-cinais, cm seminári crrid em Rma, rganiad pel Institut Ítal-Arican de Fitterapia, cm a clabra da oMS e d gvern da Itália, reunind prssinais de inúmers países das áreas de antrplgia, btânica, química, armaclgia, armácia e medicina. (BETToLo, 1981)
Em 1989, crreu n Brasil I Simpsi Brasil-China de Prduts Naturais, cm api ds gverns ds dis países, permitind a identica de plantas cmuns e intercâmbi de eperincias. (MAToS, 1989 ; SIMPóSIo, 1989) A cada dis ans s rea-liads s Cngresss Brasileirs de Plantas Medicinais, cm api da SBPC (Anais d Simpsi), nde é mínima a presena de médics e relats de ensais clínics. os trabalhs reqente-mente s vltads para as áreas de Farmaclgia e Fitquímica. Uma das questes que se tem ressaltad é a necessidade de pr-te das plantas de sua etin quand estas se trnam matéria bruta para ns industriais.
Em 1983 i eita uma cmpara quant a númer de plantas medicinais inscritas nas Farmacpéias de alguns países desen-vlvids. A Frana, que naquela casi imprtava cerca de 87% das plantas cnsumidas, pssuía 190; a Suécia, 180; a URSS, 140; a Itália, 105; a Alemanha, 85 e a Gr-Bretanha, 80 espécies. (DADoUN, 1983)
Um paralel mais ampl entre númer de medicaments, se-gund as ntes (animal, vegetal, etc), inscrits em trs edies da armacpéia americana (USP) e brasileira (FB), mstru uma redu de 994 espécies da primeira edi da FB para apenas 91 na terceira edi. Ns EUA decréscim i de 331, na x edi, para 103 na sua xIx. (KoRoLKoVAS, 1978)
Tabela 1 – Número de medicameNTos, seguNdo suas foNTes, iNscriTos em Três edições da farmacopéia americaNa (usp) e Nas Três edições
da farmacopéia brasileira (fb)
De tdas as receitas aviadas em armácias ds EUA, entre 1965 e 1980, 25 % cntinham princípis ativs ainda etraíds de plantas. A partir destes dads, a oMS acredita que ns países em que pv ainda recrre à medicina tradicinal, muitas, sen a mairia, das plantas usadas cm remédi eercem reais eeits teraputics em ra da eistncia de princípis ativs. (FARNSWoRTH, 1983) N Brasil, Ministéri da Saúde, através da Central de Medica-ments (CEME), elabru um Prgrama de Pesquisas em Plantas Medicinais e patrcinu estuds, em Centrs de Pesquisa n país, sbre a ecácia de algumas de nssas plantas medicinais. (MI-NISTÉRIo DA SAÚDE, 1982, 1986)
Para a oMS, “jg de pderes” n pde impedir a legitimia da medicina tradicinal em dierentes sciedades. Grande parte da atual tecnlgia de pesquisa de prduts naturais está send desenvlvida pelas grandes indústrias armacuticas. Ficarems,
países d terceir mund, brigads a dispender nssas escassas divisas na reimprta de nssas plantas e etrats vegetais? (AKERELE, 1983 ; LozoYA, 1983)
Qualquer que seja a mtiv, n entant, cert é que a medicina tradicinal permanece cm únic recurs teraputic para muits habitantes ds países em desenvlviment. As pessas que eercem a medicina tradicinal e a indígena se baseiam principalmente em plantas e ervas medicinais para a prepara de medicaments.
3 BENEFÍCIOS DO ESTUDO DE PLANTAS
A Histria ds medicaments mstra que um ds beneícis das pesquisas envlvend plantas medicinais é que, em muitas casi-es, ela se inicia para justicar u cmprvar a indica ppular e, n decrrer ds ensais armaclgics, revela prpriedades mais imprtantes. É cas da Catharanthus rseus (pervinca u vinca-rsa), cuj estud de sua atividade hipglicemiante permitiu determinar a leucpeniante e islament de duas imprtantes substâncias, a vincristina e a vinblastina, utiliadas n tratament da leucemia. (FARNSWoRTH, 1983 ; PEREIRA, 1986) os estuds das sumarubáceas, usadas inicialmente cntra disenterias, terminaram pr revelar cmpsts prmissres para a cura da malária, a artemisina. (PEREIRA, 1986)
o estud das plantas de cert permitirá ampliar, cm nvs e imprtantes agentes teraputics, s recurss para tratament de patlgias de alta prevalncia, cm diabetes mellitus, a hipertens arterial sistmica e até mesm a malária em algu-mas regies d planeta. S eempls, as biguanidas, btidas da Galega cinalis; a rsklina, da Cleus rskhlii, cm anti-hipertensiv e a dicrna, islada da Dichra ebriuga, cm antimaláric. (PEREIRA, 1986)
Ist n quer dier que a indústria de síntese deva ser despreada, uma ve que ela prpria utilia plantas cm nte de matéria-prima. Mesm as civiliaes cm tradi de empreg de plantas, cm a chinesa, cntinuará a se valer de prduts de síntese u semi-sintétics, numa pereita cmbina cntra as denas. (BANNERMAN, 1977 ; zIRVI, 1978)
teraputica, a baia ticidade e eeits claterais trnaram as plantas medicinais e suas preparaes amplamente aceitas em tda a China. Assim, as plantas n apenas eercem um papel impr-tante ns servis de saúde pública, cm também erecem uma base segura para a busca de nvas drgas pr mei da mderna pesquisa cientíca.
Num país nde a fra medicinal é t rica cm nss, a pr-du de medicaments a bai cust cnstituiria também grande vantagem ecnômica.
Sua (1986) reprta que dis caminhs vm send seguids na busca de bases cientícas para empreg de ervas medicinais. De um lad, ensai clínic valend-se da clabra daqueles que já se utiliam de plantas medicinais, u que nelas cnam pela cultura ppular, e, de utr lad, s ensais armaclgics pré-clínics cm animais. Segund ele, independente de qual seja caminh, parâmetr cmumente utiliad pels pesquisadres na avalia da ecácia da planta n diabetes mellitus tem sid, quase que invariavelmente, a sua atividade hipglicemiante. Esta mentalidade é incmpatível cm s prgresss sbre a si-patlgia da dena e s nvs recurss sintétics dispníveis para tratament d diabetes mellitus e suas cmplicaes. Alguns prduts vegetais pdem apresentar eeits benécs prvcand um retard na absr intestinal de glicse pela rma de um gel intraluminal. A gma arábica e a glucmannan, carbhidrats n absrvíveis, agem pr este mecanism e reduem as futuaes ps-prandiais da glicemia. (SoUzA, 1986 ; WoLEVER, 1978) Assim send, dentre as nvas estratégias de pesquisa deve-se
acrescentar a busca de cmpsts naturais inibidres da aldse--redutase, imunssupressres etc.
As plantas s, cmprvadamente, nte de antinas e favni-des. Estes últims mnstraram-se, in vitr, ptentes inibidres da aldse redutase n cristalin d rat e d bi. (SoUzA, 1986) Shin et al. (1993) btiveram etrats de 59 plantas amplamente prescritas na Medicina Chinesa e s utiliaram num screening preliminar de seus eeits sbre a aldse redutase d cristalin bvin, cnstatand um ptente eeit inibidr em cerca de 15 plantas e graus variáveis em utras 22.
Eistem princípis ativs imunssupressres derivads de plantas, cm a ciclsprina A, etraída da Tlypcadium infatum, que
vem send pesquisada quant à pssibilidade de blquear a des-trui aut-imune da célula beta u inibir a rejei de transplante de ilhtas. (SoUzA, 1986)
Naturalmente, cust das pesquisas deste prte pdem limitar imensamente a sua realia, mas alguns destes eeits de plan-tas medicinais pdem ser uturamente eplrads pela indústria armacutica.
“A história das plantas medicinais está interligada com a própria história da botânica e da medicina.”
2
CONSIDERAÇõES
SOBRE O HISTÓRICO
DOS MEDICAMENTOS
E PLANTAS MEDICINAIS
Fernand Cesar Raneir de Bragana
1 PLANTAS COMO FONTE DE MEDICAMENTOS
o empreg ds vegetais perde-se n temp, na histria d ser human. Na busca de alívi para suas dres e enermidades, hmem i impelid, através ds séculs, a analisar s enômens da naturea e a buscar slues que ajudassem a minrar seus sriments. Suas eperincias deram lugar a métds empírics que se cristaliaram, cm passar d temp, em dierentes siste-mas de prática médica (MINISTÉRIo DA SAÚDE, 1988).
o cnsum de plantas medicinais teria sid a primeira rma de us de medicament de que se tem ntícia. Muitas descbertas ram eitas pela necessidade de bter nvas ntes de aliments, mas prvavelmente um númer epressiv deveu-se à curisidade humana. os dcuments arquelgics, hje, à dispsi, s re-gistram ats a partir d an 3.000 antes de Crist, e pssibilitam armar que muits pvs, há milnis, tinham cnheciment d pder de grande quantidade de plantas, seja pelas suas qualidades curativas, seja pr permitirem sensaes anrmais. Diversas es-pécies ram recnhecidas cm venensas e algumas passaram a ser utiliadas cm auiliares na caa. (IFCRJ, 1985)
A histria da tterapia, a eempl da histria da cincia, n é, de rma alguma, um prcess gradual de acumula de dads e rmula de terias. A cntrári, mstra claramente uma naturea cíclica, cm estágis e características dinâmicas e espe-cícas. Este prcess é legítim e as mudanas envlvidas pdem ser cmpreendidas e, até mesm, previstas. (GRoF, 1987)
o deus egípci da medicina, Imhtep, teria vivid em trn de 3.000 a.C.. Trabalhu cm escriba, médic, chee ds leitres sagrads, sábi, arquitet, entre utras atividades. os antigs
egípcis, que desenvlveram a arte de embalsamar s cadáveres, eperimentavam muitas plantas, cuj pder curativ descbriam u cnrmavam. Estavam relativamente adiantads, também, na arte de curar e usavam, além das plantas armáticas, muitas utras, cm a papula, a cila, a babsa, le de rícin etc. “Nascia, assim, a tterapia.” (BALBACH, s.d., p. 597)
Admite-se que, na China, a medicina herbária tenha uma histria de quatr mil ans. Cnsiderad pai da medicina chinesa, imperadr Shen Nung teria descbert venens e eeits curativs mais de 300 espécies de plantas e escrit um tratad sbre seu us medicinal, denminad PEN TSAo (livr de ervas) “verdadeira armacpéia que englbava td saber relacinad cm us de plantas cm medicaments” (oCCHIoNI et al., 1979, p. 199). E enômen se repetiu através de inúmers trabalhs realiads pr babilônis, assíris, hebreus, bem cm pr antigas civiliaes gregas e egípcias.
Na medicina, s babilônis eram t adiantads quant s egípcis. N cdig de Hamurabi, encntra-se uma imprtante regulamen-ta sbre eercíci prssinal d médic e a prescri de remédis. A lei previa rigrsa puni para quem eercesse imprpriamente a medicina. (BALBACH, s.d., p. 598)
o at de rei Salm (970 a 931 a.C.), que “ecedeu a tds s reis da Terra tant em riqueas cm em sabedria” (I REIS 10, p. 23), arrecadar tributs d transprte de plantas e cndiments é citad na Bíblia. Entre as plantas cmercialiadas estavam a alace (Lactuca sativa, cuja a tranqiliante e imprtância nutricinal s bem cnhecidas na atualidade), a papoula (Papa-ver smnierum, herbácea, da qual se btém pi, empregad cm analgésic) e a mandrágora (gner de slanáceas que pde cnter atrpina, na épca utiliada em parts e intervenes cirúrgicas cm relaante e hipntic).
os assíris incluíam em seu receituári nada mens d que 250 plantas teraputicas, entre as quais aar, a assa-étida, cardamn, a papula e trem. As tabuinhas sumerianas de argila registram us de ervas curativas. Aleandre cstumava agregar espécies de plantas rientais as seus despjs de guerra. (MINISTÉRIo DA SAÚDE, 1988)
Na Grécia antiga, Hipcrates (460-361 a.C.), cnsiderad pai da Medicina, empregava deenas de espécies tterápicas. Hipcrates
era criticad pela sua ecessiva cnana nas ras curativas da naturea: diia que médic deveria apenas clabrar neste prcess natural. Terast (372-285 a.C.) catalgu cerca de 500 plantas empregadas na teraputica. Plíni, Velh, que viveu n sécul I da nssa era, e cuja enciclpédia cnstava de 37 vlumes, catalgu igualmente s vegetais úteis à Medicina. Prvavelmente, i cm base na teria de Plíni – segund a qual haveria para cada enermidade uma planta especíca – que se desenvlveu a dutrina ds signs. (BALBACH, s.d., p. 598-599) Cm a invas rmana, cnheciment acumulad pels gregs i pulveriad pr td impéri e a medicina alcanu um nv patamar. Um marc desse avan crreu em 91 a.C., quand Asclepíades apresentu a n de mléculas e átms, atribuind cnceit de saúde a seu cnstante equilíbri.
o médic Pedanis Discrides, que serviu n eércit de Ner, destacu-se pr ter escrit Matéria Médica, uma cmpila de dads sbre substâncias curativas prvenientes de centenas de espécies (BANNERMAN, 1982 ; IFCRJ, 1985; SECCo, 1990). Uma utra precisa cntribui i traida pr Pelácius, médic de Ner, que escreveu seus estuds sbre plantas medicinais, in-cluind mais de 600 espécies dierentes e que cnstituiu reerncia, inalterada, pr quine séculs. (PIRES, 1984, p. 62)
N iníci da era crist, destacu-se, também, na Índia, tet Vrikshayurveda, de Parasara. Autr de muits livrs, inclusive sbre plantas medicinais, Arquiagenes (natural de Apamea, Ásia Menr) viveu entre 53 e 117 antes de Crist, e praticu a medicina em Rma, durante reinad de Trajan. o tratament das denas crônicas, escrit pr Arateus da Capadcia (120-200), utr nme imprtante da medicina rmana, acreditava n pder curativ ds aliments e incluía us de ervas e plantas medicinais.
N segund sécul depis de Crist, a histria da Farmaclgia tma ntável relev cm Cláudi Galen (135-201). Nascid em Pérgam, cidade grega prima a mar Egeu, mas residente em Rma, durante suas numersas viagens pela Ásia Menr, Galen clecinu e descreveu muits medicaments e rmulas, cujs métds de prepara deram rigem à ‘armácia galnica’, designa bastante epressiva que cmprva desenvlviment que imprimiu à arte de curar. (VALLE, 1988)
D séc. III, quand cmea a invas bárbara, até an de 476, cm a queda d Impéri Rman, há uma grande retra da
cincia médica e d saber. os centrs urbans s atacads e destruíds. os cavaleirs echam-se em seus castels e mund acadmic perde seu valr.
os médics enrentam descrédit pr n cnseguirem cnter as epidemias recrrentes (peste, clera , varíla, entre utras). A ppula vlta a buscar uma saída n camp d sbrenatural. A astrlgia e s curandeirs retrnam a palc scial, erecend alternativas a cas que se instalava.
os msteirs ram transrmads em depsitáris d cnheci-ment acumulad ns manuscrits e papirs da Antigidade. os mnges eram s únics a terem acess a cnheciment médic e, pr iss, eram a reerncia em cas de necessidade. Surgem as Esclas de Salern e Mntpellier (séc. xIII) e, a partir destas, as universidades, abrind para leig as prtas d cnheciment, até ent reservad as mnges e religiss.
De váris setres vieram cntribuies para a prática médica. A retmada da “espnja spríera” (à base de pi), usada pels rmans, deu um nv impuls à cirurgia, assim cm a técnica de cauteria cm g e sangria, emprestada da medicina árabe. A palavra drga surgiu na Antigidade para designar as matérias vegetais, vindas d oriente, empregadas cm remédis u cn-diments. Sua etimlgia é cntrversa. Enquant dminavam a Península Ibérica (711-1492), s árabes eerceram e ensinaram a medicina. As mercadrias armáticas e medicinais eram as mais prcuradas n cmérci ns países d Mediterrâne e vendidas a pes de ur. (CRISTINI, 1977) Abd-Allah Ibn Al-Baitar, que viveu n sécul xIII e i mair especialista árabe n camp da btânica aplicada à Medicina, viaju pr muits países em busca ds dads de que necessitava para seu trabalh. Prduiu uma bra muit valisa, descrevend mais de 800 plantas. (BALBACH, s.d.) Pr utr lad, vcábul naturea teria, ent, surgid n sécul xIV (adjetivand “natura”, d sécul xIII, que signica ‘natu-rea’) cm sentid de “ser natural”. É interessante ntar que term naturea, mdernamente, inclui ambigidades. Designa que é etern a hmem – mei n qual ele se insere – e, também, alg que lhe é intern, denind uma “dimens” d ser human. (LUz, 1988, p. 19-20)
os histriadres mstram que a prss de armacutic vinha se estabelecend desde a Idade Média. Em 1240, Frederic II
pr-mulga que i a Magna Carta para aqueles prssinais. Essa lei é cnsiderada a primeira reerncia legal eurpéia de um padr armacutic e incluía: 1) separa das atividades armacuticas da prss médica; 2) supervis cial da prática armacutica; 3) briga, sb jurament, de preparar drgas dignas de cn-ana, de acrd cm a arte, em quantidades unirmes. Desde a reurbania da Eurpa e reaqueciment d cmérci, crri-ds a partir d sécul xI, s dispensáris clericais e as armácias privadas ceistiam n abasteciment armacutic. A verdadeira divis scial de unes “crria entre as ntes d saber ppu-lar curandeir de aldeia e s rams cmerciais crescentes que se dividiam em herbristas e bticáris.” (CARNEIRo, 1994, p. 50) Assim, na Idade Média, desenvlve-se tant uma prática d us ppular cm um saber erudit (alquímic) sbre as plantas. Um médic suí, Aurel Felipe Terast Bmbastus de Hhenheim, cnhecid cm Paracels (1493-1541), i pai de uma revlu n cnheciment médic e químic. Recusu a teria humral galnica, deendend que as denas n eram desequilíbris de humres, mas sementes eternas que, a entrarem n crp, prduiam cs lcais de enermidade, que n deveriam ser cmbatids cm sangrias e sim cm uma iatrquímica vegetal e mineral. A destila das substâncias serviria para denir a sua essncia – a “quintessncia” – que enrentaria a dena pr uma rela de sintnia, nde semelhante curaria semelhante (Similia similibus curantur, mais tarde, um ds undaments da hmepatia). Desenvlveu, também, a “teria das assinaturas”: tdas as plantas estariam na Terra para beneciar hmem, e “Criadr” lhes teria clcad um sinal, indicand cm deve-riam ser usadas. Haveria uma analgia entre aspect ísic da planta e seu pder curativ. Uma planta em rma de cra, pr eempl, teria eeits sbre denas cardíacas, uma de cr vermelha seria ba para sangue, as raíes que lembrassem s rgs genitais pderiam ser indicadas para a esterilidade etc. Cm estud mais prund ds vegetais, essa teria naturalmente i superada. N entant, Paracels trnu-se um mit na cincia, uma gura multidisciplinar invadra que ergueu s alicerces para a revlu cientíca ds séculs seguintes e lanu as bases da medicina natural. Diia que trabalh médic deveria ser de estimular a resistncia d rganism, usand-se remédis naturais e prcurand atingir máim de capacidade de cura d prpri dente. Ressaltava a imprtância de se seguir td um ritual na
prepara de ervas a serem utiliadas na teraputica, pis cada prcess acrescentaria um tip de substância cm capacidade de absrver (u n) impureas e cnsiderava undamental que dente mantivesse pensament psitiv para que a cura se prcessasse cmpletamente. (SCHüLER, s.d.)
A cincia ganhu enrme impuls cm utrs nmes célebres, tais cm Rabelais, Garcia da orta, Andrea Mattili, Laguna, Linneu, Antni de Gussien e tants utrs. Samuel Hahnemann, pineir na hmepatia, retirava das plantas e da naturea máim valr teraputic, em utra dimens, através da dse mínima (dinami-a innitesimal).
A histria das plantas medicinais está interligada cm a prpria histria da btânica e da medicina. Até sécul xVI, s tratads de Btânica, ent denminads “herbáris”, cnsideravam as plantas pr suas virtudes medicinais. A ascens d prestígi da tterapia pde ser traduida tant pela dius da publica de herbáris cm pela cria da primeira cátedra de btânica na Escla de Medicina de Pádua, em 1533. Antes diss, as plantas eram tidas cm mers ingredientes utiliads na abrica de remédis denminads simplices, cm s quais se prduiam s cmpsts. S em 1542, i elabrada, na Alemanha, a primeira armacpéia, uma lista de 300 espécies de plantas medicinais prvenientes de tdas as partes d mund. N nal d sécul xVI, já haviam sid rganiads jardins btânics em várias universidades.
N Renasciment (séc. xVI), há a epress de uma épca de ruptura de vis e rgania de mund. É, a mesm temp, um períd de prundas mdicaes de idéias e cstumes, cm-pnd uma série de mments inaugurais imprtantes na cria lsca, cientíca, artística e tecnlgica, que se irradiam para td mund cnhecid.
o mment de abertura crrid na Renascena é prcessad em dis níveis: na cultura ppular e n saber erudit. Em ambs, a eperincia cm s vegetais (cm saber herbári, alquímic e teraputic) é um ei central. Seu auge viria a crrer n sécul xVI, quand a epans csmgráca incluiu uma sede univer-saliante de classica d mund (tainmia), especialmente das nvas terras descbertas que, pela primeira ve, integravam-se num cnheciment de td mund, enm, circunavegad. A imprensa pssibilitu a dius ampliada de inrmaes, através ds livrs sbre btânica, ent cmpreendida cm um ram da
medicina. (CARNEIRo, 1994)
Mesm sem ter limites crnlgics muit preciss, esse renas-ciment armaclgic pde ser situad desde nal d sécul xV, tend atingid uma culminância na primeira metade d sécul xVI. Um mviment dupl, autônm mas relacinad, prvca um ressurgir de prcediments teraputics erudits e ppulares. De um lad, a retmada da btânica, da classica de plantas, cm parte de um prcess tainômic generaliad que reunda as cincias naturais. De utr, a descberta de plantas nvas na América e n oriente, salt n trác cmercial de especiarias, a retmada d pi n cntinente eurpeu, a dissemina de herbristas (ervanáris) e preparadres de ltrs (eliires). Cntra saber ppular, a rea da Igreja seria vilenta, perseguind esses naturalistas renascentes em diverss lugares da América e da prpria Eurpa. (CARNEIRo, 1994)
A btânica mderna teve iníci cm suec Karl vn Linné (1707-1778). Gethe, que i também btânic de renme, cultivava em seu jardim a Ginkg bilba, uma árvre riginária d oriente, que prduia eeits teraputics cnsiderads espetaculares sbre sistema vascular, em especial, a micrcircula. Em 1815, ele se reere à belea dessa árvre rnamental, utiliada pela medici-na hindu cm uma espécie de eliir da lnga vida, num pema dedicad à sua amiga Marianne vn Willemer. (FERRARI, 1987) Na década de 70, d sécul passad, as investigaes de Luis Pasteur (1822-1895) e de utrs cientistas slucinavam apenas parcialmente prblema da rela entre micrbis e denas. Mas a prva cncludente ainda n eistia. Esperava-se a inven- de técnicas e métds capaes de permitir cntrle rigrs ds eperiments, em particular islament e manusei de micrrganisms. Um pressr de Btânica da Universidade de Breslau, Ferdinand Chn (1828-1898), recnheceu, inicialmente, a naturea vegetal das bactérias e estabeleceu, cm rmea, sua identidade cm as plantas. Suas investigaes sistemáticas, cm várias descbertas imprtantes, ram respnsáveis pr traer lu e alguma rdem a cnheciment sbre as bactérias, cnsiderand, pr eempl, a necessidade de classicá-las segund gner e es-pécie (à semelhana ds prcediments btânics). os estuds de Chn já seriam decisivs para estabeleciment da Bacterilgia cm cincia. Juntand-se a ist, n nal de abril de 1876, ele recebe em seu labratri um descnhecid médic que clinicava
n interir d país, desejand apresentar seus achads sbre a his-tria de vida d Bacillus causadr d antra. Sb a égide de Chn, i publicad artig de Rbert Kch (1843-1910), médic d interir que esclareceria muits utrs mistéris. Pela primeira ve era recnhecida, sem cntesta, a rigem micrbiana de uma dena e elucidada sua histria natural. (RoSEN, 1994, p. 243) As cncepes atuais d medicament tm rigem n us de
substâncias químicas n tratament de determinadas enermidades. Neste sentid, marc inicial da quimiterapia está ligad às des-cbertas de Pasteur e Kch. A identica de micrrganisms respnsáveis pr uma série de denas eigiu que a pesquisa te-raputica se cncentrasse na descberta de instruments capaes de cmbater esses agentes etilgics. (ALMEIDA, 1988)
2 A FITOTERAPIA NO BRASIL DO SÉCULO xVI AO xVIII
As primeiras nticaes tlgicas brasileiras s atribuídas a padre Jsé de Anchieta e a utrs jesuítas. Alguns desses manus-crits narravam “pescarias miraculsas” (PIRES, 1984, p. 63) realiadas pels abrígines, que narctiavam s peies cm us de cips que, hje, sabe-se pertencerem as gners Serjania, Derris, Thephrsia entre utrs.
Entre s indígenas que habitavam sl brasileir, havia uma cncep mística da rigem de tdas as denas sem causa e-terna identicável (eriments, raturas, envenenaments etc.). Acreditand em atres sbrenaturais, s pajés assciavam us de plantas a rituais de magia e seus trataments eram, assim, trans-mitids ralmente de uma gera a utra. Cntud, s nativs n cnheciam s meis para enrentar as denas traidas pels prtugueses, respnsáveis pr inúmeras mrtes e pela diima de muitas tribs. D sécul xVI a xVIII, atuavam n Brasil s jesuítas da ordem de Sant Ináci de Lyla, que aprenderam us de plantas medicinais cm s pajés e ram gradativamente substituind estes últims n tratament de denas que acme-tiam s indígenas catequiads (SCHRoEDER, 1988).
o númer de prssinais cialmente habilitads para eercíci da medicina – ‘sics’ – era muit reduid. Pr iss, s jesuítas assumiram a mair parte ds atendiments, inclusive aqueles
dads as clniadres. Ns prédis da Cmpanhia de Jesus havia enermarias e bticas (d greg apthéke, ‘depsit’), de nde se despachavam remédis. Iniciava-se, assim, a assistncia hspitalar n Brasil. Para a mair parte da ppula, e durante muitas décadas, s cuidads erecids pels jesuítas eram s únics dispníveis.
Um prtugus que viveu na Índia é nme que melhr sintetia nv saber herbári. Cm sua bra, editada em Ga em 1563, Clquis ds Simples, das Drgas e Cusas Medicinais da Índia, Garcia da orta prduiu a principal cntribui cientíca de Pr-tugal para a Renascena eurpéia. A Cntra-Rerma e Cncíli de Trent n agem, cm era antes Cncíli de Rheims, que pribira a cler eercíci da Medicina, mas cialiaram uma armacpéia jesuíta e reestabeleceram cntrle clerical sbre esse camp arriscad, pis nele eercia-se um eperimentalism intrínsec diante de cada nv dente, sempre singular. (CAR-NEIRo, 1994)
Fi um mment de ecepcinal relaament que permitiu a Garcia da orta publicar a sua bra. o iníci d períd clnial mdern cnstituiu-se num temp de impact interétnic, quand a Eurpa n havia ainda estabelecid uma psi denida sbre a América e oriente. A Igreja demrará algum temp para pder legislar e atuar em rela a questes cm a eistncia u n da alma ds índis, a legitimidade de suas ervas de cura e cntrle da rela cm saber indígena american u riental hindu, chins e malai. Garcia da orta i um ds dis únics leigs a terem trabalhs publicads em prtugus na Índia, numa casa impressra que lg seria cntrlada erreamente pels jesuítas. Cabe lembrar cuidad da crte prtuguesa em impedir desen-vlviment plític, ecnômic e cultural de suas clônias, de tal rma que, n Brasil, pr eempl, a primeira casa impressra s vei a uncinar, de at, n sécul xIx, cm a transerncia da crte para Ri de Janeir. (CARNEIRo, 1994, p. 61-62)
A medicina praticada n cntinente eurpeu assciava astrlgia e alquimia a antigs cnheciments grec-rmans. os médics seguiam as idéias de Hipcrates e Galen, epressas n cnceit de que as denas decrriam das desarmnias e da crrup ds humres e, pr cnseqncia, td esr da medicina curativa visava a reaer esse desequilíbri e eliminar essa decmpsi. Daí as sangrias e s purgantes serem cnsiderads s dis grandes
remédis a se utiliarem, indistintamente, em tdas as denas. os prcediments eram t temíveis quant as enermidades e, em geral, a sangria era assciada a medicaments etraíds de plantas e minerais (vmitivs, purgativs, sudrícs, diurétics etc.). os receituáris cntinham esta rdena inalterável, que servia para tds s cass: “Depis de sangrar e purgar, cm de direit, aplique...” (RIBEIRo, 1971, p. 141). Uma adlescente cnsiderada “histérica”, eram-na sangrar 200 vees em um an e mei. Calvin (1509-1564) ar-se-ia purgar 161 vees, em 1557. Purgavam-se e sangravam-se também as pessas saudá-veis, preventivamente, “para ajudar a naturea”: duas vees a ms recrria-se a barbeir sangradr u a bticári purgadr. (CARNEIRo, 1994)
A teraputica, n Brasil Clnial, n ugiu desta rienta e andava lnge da ecácia. N raramente i prejudicial devid, principalmente, as mesms undaments aplicads na Eurpa. Médics, cirurgies, jesuítas, meinheirs (curandeirs) – além ds barbeirs sangradres e bticáris – sangravam e purgavam inten-samente. N seu ams Tratad Únic da Cnstitui Pestilencial de Pernambuc, J Ferreira da Rsa deteve-se lngamente sbre s empregs e as vantagens das sangrias, assim cm na crítica as que, “pr ignrância”, desprestigiavam-nas. Smente n m d sécul xVII se tem ntícia de advertncias categriadas cntra us ecessiv dessa teraputica. Em Salvadr, Nun Marques Pereira narru que s prssinais, quand chamads para atender s dentes, lg depis de tmar puls ns dis bras, sem utras indagaes, prescreviam sangrias. Insistiam cm a mesma cnduta nas visitas subseqentes e, se paciente n apresentasse melhra, despediam-se, recrdand:“Teng sangrad, e purgad,
Si n quere quedar buen, Hirás para el sacristan, Que asi l manda Galen.”
(PEREIRA apud RIBEIRo, 1971, p. 143) A virem para Brasil, s pucs “licenciads” u “ísics”
(médics geralmente de baia cndi scial, que estudavam em Cimbra u Salamanca) n cntavam sequer cm as drgas usa-das na Península Ibérica, tend que imprvisar medicamentos da fora nativa. Prém, muits indivídus praticavam ilegalmente a medicina: naturalistas viajantes, aendeirs etc. Quaisquer leigs
que julgassem pssuir nes rudimentares da “arte médica” eram slicitads “a tratar s dentes – eaminavam, diagnsticavam, medicavam e até peravam.” (SCHRoEDER, 1988, p. 10)
o ensin da Medicina, até sécul xVIII, era ministrad princi-palmente em Cimbra, Mntpellier e Edimburg. os “dutres” que chegavam a Brasil haviam deendid recentemente suas “cncluses magnas” (u teses) naquelas esclas. Impunham--se na sciedade clnial entre as persnalidades mais cultas e respeitadas e eram de grande infuncia na rgania scial e plítica, cnstituind um “pder médic” durante sécul passad. (CoSTA, 1983)
os primeirs trabalhs de Btânica Médica ram desenvlvids pr Guilherme Pis e Gerg Maregra, quand aqui chegaram as epedies cientícas de 1637, prmvidas pel gvern hlands de Mauríci de Nassau. (PIRES, 1984)
Desde a renascena armaclgica emergia uma atitude que per-maneceu em autres d sécul xVII, cm Pis: a abertura às nvas drgas indígenas, um eperimentalism relativ diante de um mund nv, nde, embra se devesse manter a reerncia as clássics ciais, devia-se também cnhecer as artes da prpria terra. o invadr era, precisamente, a cragem de recuperar valr da medicina ppular, que na Eurpa era abminada cm arte satânica. Acntece, prtant, “desde a descberta ds nvs munds, uma us d saber btânic-médic, que será cmpst tant da tradi clássica e árabe cm das nvas plantas e sabe-res”. (CARNEIRo, 1994, p. 66)
Na Clônia, havia apenas a instru e rma, em algumas santas casas de misericrdia e hspitais militares, de cirurgies--barbeirs – que passaram a realiar n apenas a cirurgia (pre-dminantemente mutiladra), mas também a eercer a medicina da épca (amputavam, sangravam, aplicavam ventsas e san-guessugas).
3 A ARTE DE CURAR A PARTIR DO SÉCULO xIx Em 1808, cm a vinda d príncipe regente, s inauguradas duas esclas de cirurgia, uma n Ri de Janeir e utra na Bahia, mais tarde transrmadas em academias médic-cirúrgicas, em 1813 e 1815, respectivamente. o títul de “cirurgi-aprvad” era