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A modernidade de Josef Frank - Um novo estilo humano

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a modernidade de

JOSEF FRANK

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Cor sobre cor, delicado e leve, produz uma atmosfera pura, de serenidade social, que oblitera toda a nova objectividade, estabelecendo um novo estilo humano.

Foi assim que Soma Morgenstern, na revista Die Form, de 1930, caracterizou o projecto de Josef Frank para um salão de chá apresentado na exposição do Österreichischer Werkbund. Aproprio-me agora das suas palavras como subtítulo desta Dissertação de Mestrado.

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André Silva Oliveira

Dissertação de Mestrado orientada pelo

Professor Doutor Carlos Manuel de Castro Cabral Machado

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Resumo

A presente dissertação tem como objectivo o conhecimento crítico do trabalho de um arquitecto do movimento moderno, possibilitando e motivando, uma leitura da história contemporânea da arquitectura. Este arquitecto é Josef Frank (1885-1967). Ao longo da dissertação, a exposição do seu trabalho e ideias mais relevantes abordará os seus motivos conjunturais, bem como as suas precedências num tempo mais longo. Tentará perceber-se fundamentalmente como o arquitecto, correspondendo ás ideias da época, lidou com o problema do edifício residencial; este programa era de acordo com Frank a tarefa

principal da arquitectura e quase toda a sua obra construída e literária se foca neste problema.

No seu ensaio Das Prinzip der Bekleidung (O princípio do revestimento) de 1898, Adolf Loos escreveu que o arquitecto tem a missão de fazer um espaço aconchegante e confortável.1 (...) O artista, o arquitecto, sente primeiro o efeito

que quer alcançar e vê depois, com seu olho espiritual, os espaços que quer criar. Ele sente o efeito que quer criar sobre o espectador (...) este efeito vem dado pelos materiais e pela forma.2 Loos escrevia num momento de grandes mudanças

na cultura arquitectónica, estando o movimento moderno a surgir como força dominante, com doutrinas moralistas e funcionalistas assim como também uma obsessão pelo novo.

As críticas começaram com Loos, quando, em 1900, escreveu o texto Vom armen reichen Manne (Sobre um pobre homem rico), criticando satiricamente a Secession e, de maneira mais abrangente, a ideia de obra totalitária. Frank continuou esta crítica.

Josef Frank nasceu em Viena. Via-se como um representante do movimento moderno mas com o tempo, tornou-se cada vez mais crítico do modo como este se desenvolveu. Iniciou a sua oposição àquilo que ele via como um romantismo tecnológico e o efeito totalizador da corrente modernista; a sua critica focava-se especialmente na Alemanha funcionalista e na Bauhaus, que como a Secession, defendia um desenho que evoluiu para um novo estilo que necessitava

de conformidade entre o edifício, o interior, o mobiliário e os utensílios

1 Adolf Loos, Das Prinzip der Bekleidung, in Adolf Loos. Escritos I, 1897/1909, Madrid: Biblioteca de

Arquitectura El Croquis Editorial, 2004, p.151.

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11 domésticos. Frank defendia que o arquitecto apenas podia e devia desenhar o

espaço, o qual devia receber e enaltecer a vida dos seus habitantes; estes por sua vez seriam livres para decorar e modificar a casa que nunca devia ser vista com uma obra acabada.

O trabalho de Frank parece intimamente ligado com o de Loos. Hermann Czech afirmou que são sem dúvida os pensamentos Loosianos que Frank prossegue, estando na base do seu trabalho.3 Adolf Loos aparecerá na dissertação como

figura num segundo plano. Tentará perceber-se a relação entre este dois arquitectos e até que ponto Frank será o herdeiro intelectual de Loos. O ponto de partida para a arquitectura de Josef Frank eram as coisas

quotidianas, coisas pequenas, pessoais. Ele desafiou aquilo que considerava o aborrecimento do movimento moderno, através da variação e da riqueza que surge quando diferentes aspectos são postos juntos, livres de exigências de conformidade. No final do seu texto Das Haus as Weg und Platz (A Casa como percurso e lugar), de 1931, Frank coloca a arquitectura do movimento moderno no coração do trivial e do quotidiano, numa sequência de simples perguntas: As regras que governam aquilo que tornam um edifício bom, em princípio, não mudam, apenas têm de ser vistas de um novo ponto de vista. Como se entra para o jardim? Qual o aspecto do caminho que nos leva até à entrada? Como se abre a porta de entrada? Qual a forma do hall? Como se consegue ir do hall, através do bengaleiro, para a sala de estar? Qual a relação das portas e janelas com as pessoas sentadas? Não existe limite para o número de questões, similares, que tem que ser respondidas e é destes elementos que consiste a casa. Isto é arquitectura moderna.4

Ele rejeitou qualquer forma de pathos na arquitectura e reconheceu a

necessidade humana pelo kitsch e pelo sentimentalismo na habitação. Frank era atraído pelo acidental, o improvisado e o intuitivo. No seu livro Architektur als Symbol (Arquitectura como símbolo), de 1931 ele escreveu: Quem hoje quer criar algo vivo tem que utilizar tudo aquilo que existe nos nossos dias. Todo o espírito da época, incluindo toda a sua sentimentalidade, os seus exageros e a falta de gosto, que pelo menos estão vivos. (...) É por isso que a nova arte de construir nascerá da falta de bom gosto do nosso tempo, da confusão, da variedade e do sentimentalismo que todas as coisas vivas podem perceber: por fim a arte das pessoas, não a arte para as pessoas.5

3 Hermann Czech, Ein begriffsraster zur aktuellen interpretation Josef Frank, in Josef Frank - Eine

Moderne der Unordnung, Viena: Pustet Anton. 2008, p.78.

4 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.209.

5 Josef Frank, Architektur als Symbol, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag, 2012,

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Abstract

The present dissertation aims to the critical knowledge of an architect, of the modern movement, allowing and encouraging a reading of the history of contemporary architecture. This architect is Josef Frank (1885-1967). Throughout the dissertation, the display of his work and most relevant ideas, we will approach his conjunctural motives, as well as his precedents in a more distant time. We will attempt to perceive fundamentally how the architect, corresponding to the ideas of the period, dealt with the problem of the residencial building; this program was, accordingly to Frank, architecture’s main task and mostly all of his built and literary work revolves around this subject.

In his essay Das Prinzip der Bekleidung (The principle of cladding) of 1898, Adolf Loos wrote that the architect’s general task is to provide warm and livable spaces.6 (...) The artist, the architect, first senses the effect that he intends to

realize and sees the rooms he wants to create in his mind’s eye. (...) These effects are produced by both the material and the form of the space.7 Loos wrote

in a period of great changes in the architectural culture, where the modern movement was emerging as a dominant force, with moralistic and functionalist doctrines as well an obsession towards the new.

The critics started with Loos, when in 1900 wrote the text Vom armen reichen Manne (Poor little rich man), where he satirically criticized the Seceession and, in a more broadly sense, an ideia of total work of art. Frank continued this critic.

Josef Frank was born in Vienna. He saw himself as a representative of the modern movement but in time, he became increasingly critic as how it evolved. He started his opposition to what he saw as a technological romanticism

and the totalizing effect of the modernist mainstream; His criticism focused primarily in functionalist Germany and the Bauhaus, that such as the Secession, advocated a design that evolved into a new style that needed conformity

between the building, the interior, furniture, and the household items. Frank claimed that the architect only could and should design the space, which was to 6 Adolf Loos, Das Prinzip der Bekleidung, in Adolf Loos. Escritos I, 1897/1909, Madrid: Biblioteca de

Arquitectura El Croquis Editorial, 2004, p.151.

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13 receive and enhance the lives of its inhabitants, which, in their turn, would be

free to decorate and modify the house that should never be seen as a completed work.

Josef Frank’s work seems intimately connected to Loos’s. Herman Czech stated that it was, undoubtedly, Loos thoughts that Frank continued in his work and that are on the basis of his ideas.8 Adolf Loos will be mentioned in the

dissertation as a background image. We will try to understand the connection between these two architects and to what extent Frank is Loos’s intellectual heir.

The starting point for Josef Frank’s architecture were the everyday things, little things, personal things. He challenged what he saw as the boredom of the modern movement, through the variation and richness that arises when different aspects are joined, free from the demanding of conformity. In the end of his text Das Haus als Weg und Platz (The house as path and place), of 1931, Frank places modern architecture in the heart of trivial and everyday life, in a sequence of simple questions:

How does one enter a garden? What does the route look like from the gateway? What is the shape of an anteroom? How does one pass the cloakroom from the anteroom to reach the living room? How does the seating area relate to the door and the window? There are many questions like this which need to be answered, and the house consists of these elements. This is modern architecture.9

He rejected any form of pathos in architecture and acknowledged the human necessity for kitsch and sentimentality. Frank was driven by what is accidental, improvise and intuition. In his book Architektur als Symbol (Architecture as symbol), of 1931, he wrote:

Anyone today who wants to make something vital mist include everything that lives today. The entire spirit of the time, along with all its sentimentality and its excesses, along with all its tastelessness, which at least have live. (...) Thus, the new architecture will be borne out of the entire bad taste of our time, its incoherence, its vibracy, its sentimentality, out of all that is alive and felt: at last, the art of the people, not art for the people.10

8 Hermann Czech, Ein begriffsraster zur aktuellen interpretation Josef Frank, in Josef Frank - Eine

Moderne der Unordnung, Viena: Pustet Anton. 2008, p.78.

9 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.209.

10 Josef Frank, Architektur als Symbol, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag, 2012,

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Índice

Resumo Abstract Capítulo 1

1.1. Uma Casa em Viena - Hietzing Capítulo 2

2.1. Was ist modern? Uma voz dissidente 2.2. O propósito original perdido

2.3. A influência da cultura doméstica inglesa e o desenvolvimento do Raumplan

2.4. Um novo estilo humano 2.5. Regras para uma boa casa Capítulo 3

3.1. Um pensamento pós-moderno? Lista da origem e/ou crédito das imagens Referências e fontes bibliográficas

10 12 20 58 70 80 92 108 120 138 140

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1 Josef Frank,

Casa Beer, Viena, 1930. Vista da rua.

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20

Uma casa em Viena – Hietzing

1.1.

O terreno trapezoidal, que inicialmente consistia em três parcelas,11

desenvolve-se em profundidade, entre a calma Wenzgasse e a mais

movimentada Lainzer Straße, com uma suave pendente que desce na direcção Noroeste-Sudeste. O volume rectangular da casa fica junto à Wenzgasse, colocando-se paralelamente a esta. A sua implantação possibilita um amplo jardim nas traseiras, cuja privacidade é garantida pela frente da casa que se estende quase até às extremidades laterais do terreno.

A Wenzgasse é uma daquelas típicas ruas de Villas urbanas onde, atrás de um jardim frontal de cinco metros de profundidade, as casas se espalham sem um carácter uniforme, exibindo aquela forma de romantismo (...) fomentada pelas autoridades e considerada, por alguma razão desconhecida, como sendo tradicional em Viena.12 Josef Frank tentou criar uma casa que se adequasse

à relação de proximidade com as casas vizinhas, sem com isso partilhar os mesmo princípios formais. O seu intuito foi simplificar, tanto quanto possível, tudo aquilo que pudesse parecer surgido do acaso e que, combinado com a aleatoriedade imprevisível das casas vizinhas, teria contribuído para a falta de clareza na aparência da rua. Isto diz respeito principalmente aos elementos da casa como os gradeamentos, as varandas e o telhado, sendo que o ênfase dado e a imaginação, sem limites, gasta nas variações destas características, destrói aquela unidade que tanto gostamos na aparência das cidades antigas, onde a construção e a organização destes elementos era clara. Isto aplica-se principalmente ao telhado, o qual é utilizado, desenhado e revestido das mais variadas formas.13 Para Frank a casa do trabalhador foi

em todas as épocas o pano de fundo na arquitectura de uma cidade e era tanto

11 Tano Bojankin, Das Haus Beer und seine Bewohner, in Josef Frank - Eine Moderne der

Unordnung, Viena: Pustet Anton. 2008, p.105.

12 Josef Frank, Das neuzeitliche Landhaus, in Josef Frank. Schriften - Band 1, Viena: Metroverlag,

2012, p.150. 13 Ibidem. 2 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Planta de Implantação.

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21

melhor quanto mais coerente era.14

A utilização de símbolos,15 como a cobertura plana, nasce destas

considerações urbanas. Ao contrário dos funcionalistas, que adoptaram este sistema construtivo com o falso pretexto16 de ser prático, mais barato,

mais higiénico, mais facilmente construído e mais facilmente consertado,17

Josef Frank via nesta cobertura a única oportunidade de trazer de volta para a cidade a coerência há muito perdida.18 Contudo, também compreendia

que uma coerência excessiva poderia trazer demasiada uniformidade. Criticando toda a arquitectura cuja procura fosse esse efeito, advertia para este problema, explicando que ao invés de ser contrariado, tentando utilizar enfeites ou decoração, devia ser complementado com a diversidade “natural”:

Tudo aquilo que é uniforme tem pathos. A nossa arquitectura, que em grande parte é a procura por uniformidade - numa tentativa de colocar um fim merecido ao caos confuso das formas individuais dos edifícios - é, assim, inevitavelmente patética. Como forma de propaganda isto tem grande

importância, mas de nenhuma maneira se conforma com as intenções originais do movimento moderno em arquitectura. Infelizmente, contudo, causa e efeito são frequentemente confundidos, de tal modo, que tal pathos se tornou um fim em si mesmo. Isto inclui as muitas experiências formais, de natureza

puramente formalista, nas quais se utiliza um máximo de estandardização - ou até mesmo a sua imitação - em situações nas quais não é necessário nem útil. Pathos no quotidiano é insuportável e tudo deve ser feito para remediar este efeito. Quaisquer tentativas para conseguir isso com grupos, cores, telhados e ornamentos, não são necessárias uma vez que tal coisa ocorre naturalmente através de ingredientes adicionados aleatoriamente, como montras, cartazes, iluminação e outras coisas que tornam qualquer rua comercial de tal modo diversa que a fachada de um edifício nada mais pode ser que um calmo fundo para a vida dentro dela. (...) Ou então esta diminuição ocorre através de jardins colocados na frente dos edifícios que, com a sua diversidade sempre em mutação, neutralizam qualquer monotonia.19

14 Josef Frank, Volkswohnhaus und Individualismus, in Josef Frank. Schriften - Band 1, Viena:

Metroverlag, 2012, p.230.

15 Josef Frank, Was ist Modern?, in Josef Frank. Schriften - Band 1, Viena: Metroverlag, 2012,

p.408.

16 Ibidem. 17 Ibidem. 18 Ibidem.

19 Josef Frank, Fassade und Interieur, in Josef Frank. Schriften - Band 1, Viena: Metroverlag, 2012,

(22)

3 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista lateral da fachada da rua.

(23)

23 Nesse sentido, o desenho exterior da Casa Beer, como esta casa em Viena -

Hietzing viria a ser conhecida, é, à excepção da porta de entrada vermelha com moldura de mármore verde,20 bastante sóbrio, com fachadas brancas e sem

qualquer tipo de ornamentação. O jardim frontal, que surge pelo afastamento obrigatório do volume da rua, torna-se parte integral do desenho da fachada principal. Nesse sentido, é de salientar a importância que as duas grandes árvores pré-existentes, cuidadosamente integradas no projecto, desempenham na percepção da casa quando vista da rua.

A mencionada porta de entrada, fica coberta e protegida por um volume que se projecta da fachada. À primeira vista este volume faz lembrar uma casa concluída apenas dois anos antes: a Casa Moller (fig.11). Essa casa, localizada em Viena - Pötzleinsdor (no mesmo distrito e muito próxima de duas das primeiras casas construídas por Josef Frank) foi desenhada por Adolf Loos, em 1928.

Ainda enquanto estudante, Josef Frank mostrava-se muito interessado nas tendências mais recentes na arte e na cultura e durante os seus estudos

frequentou regularmente o famoso Café Museum21 - um dos primeiros projectos

de Loos em Viena, completado em 1899. A localização do café - perto do edifício da Secession, da Academia de Belas Artes, da Associação Musical de Viena e da Ópera - ajudou com que se tornasse no ponto de encontro preferido da avant--garde vienense, entre eles Otto Wagner, Gustave Klimt, Oskar Kokoschka e Egon Schiele. Adolf Loos também aparecia regularmente no café, realizando frequentemente e espontaneamente palestras nas quais falava sobre projecto e construção, expondo as suas próprias ideias e aproveitando para criticar tanto os secessionistas como os historicistas. Carl König, um dos professores de Josef Frank na Technische Hochschule de Viena, começou a preocupar-se de tal modo com a influência que estes discursos estavam a ter nos seus alunos que afixou uma nota na universidade onde os proibia de assistirem às “aulas privadas” de Loos.22 Foi numa destas tardes que Josef Frank conheceu Loos e desde então

admirou o trabalho e as ideias deste seu colega 15 anos mais velho. Frank, provavelmente conhecia a Casa Moller e possivelmente inspirou-se nela quando desenhou o volume saliente da Casa Beer. Vale a pena, por isso, por momentos, comparar as duas casas para melhor entendermos o seu desenho.

A natureza destes dois elementos, tanto o da Casa Beer como o da Casa Moller, parece ser a mesma, porém, quando analisados com maior pormenor entendemos como o desenho de Frank se afasta do de Loos.

20 Wolfgang Born, Ein Haus in Wien-Hietzing, in Innen-Dekoration, Outubro de 1931, p.363. 21 Christopher Long, Josef Frank Life and Work, Chicago: University of Chicago Press, 2002, p.11. 22 Ibidem.

(24)

4 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Planta do piso superior. 5 Planta do piso dos quartos.

6 Planta do piso intermédio. 7 Planta do Rés-do-chão.

(25)

8 Alçado da rua. 9 Alçado das traseiras. 10 Corte transversal pelo salão.

(26)

11 Adolf Loos,

Casa Moller, Viena, 1928. Vista da fachada da rua. 12 Planta do 2º piso.

13 Le Corbusier, Pierre Jeanerret, Casa Planeix, Paris, 1928.

Vista da fachada da rua. 14 Planta do 2º piso.

(27)

27 O volume saliente desenhado por Loos está em consola e parece ter sido

empurrado para fora a partir do interior; Frank, por outro lado, desenha-o apoiado em dois estreitos pilares circulares em ferro, fazendo com que surja mais como uma adição ao volume principal da casa. Estes apoios foram certamente necessários devido às características deste elemento; ao contrário daquilo que acontece na Casa Moller, onde a saliência corresponde à altura de um piso, na Casa Beer o volume adicionado tem a altura de dois pisos e é bastante mais saliente. Nesse sentido, também os espaços no interior destes volumes têm importâncias diferentes em cada uma destas casas. Na casa de Loos o volume recebe apenas um espaço, o qual, apesar de parecer estar “fora”, se situa no centro de toda a organização espacial daquela casa; na Casa Beer o volume contém quatro espaços, com funções distintas, que se afastam do centro da casa, são mais fechados e privados e se abrem tanto para a frente como para os lados. As aberturas laterais não existem na saliência da Casa Moller mas existem numa outra casa, concluída no mesmo ano, cuja composição da fachada se aproxima em muito ao desenho de Adolf Loos - mais ainda que o da Casa Beer. Essa casa, situada em Paris, é conhecida como Maison Planeix e foi desenhada por Le Corbusier e o seu primo Pierre Jeanneret. O seu trabalho foi frequentemente publicado nas mesmas revistas que o trabalho de Josef Frank e tanto ele como Le Corbusier participaram no primeiro congresso dos Congrès Internationaux d’Architecture Moderne (CIAM). É indiscutível que Frank conhecia o trabalho de Le Corbusier. No entanto, é difícil saber se Frank conhecia este edifício ou até mais importante que isso, se se deixaria inspirar formalmente pelo trabalho de um arquitecto cuja visão da arquitectura do movimento moderno era, em bastantes pontos, diferente da dele. Apesar de tudo, não podemos deixar de verificar que o volume saliente da casa de Paris, para além de se abrir para o exterior pelas paredes laterais, também parece apoiado em dois pilares circulares. Na verdade, estes apoios fazem parte do plano recuado do volume principal; talvez o que realmente sugere uma relação entre estas duas obras seja a natureza dos pilares desenhados por Josef Frank, parecendo ser a mesma que a dos pilotis de Le Corbusier. Aqui se acabam quaisquer semelhanças entre os exteriores destas casas, sendo que as diferenças entre elas se tornam ainda mais evidentes nas volumetrias e na composição das suas fachadas.

A organização da fachada Loosiana, tal como a de Le Corbusier,

antropomórfica e inspirada numa monumentalidade clássica,23 é distante da

23 Stanislaus von Moos, Le Corbusier and Adolf Loos, in Raumplan versus Plan Libre, Delft: Delf

(28)

15 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista da fachada das traseiras.

16 Adolf Loos, Casa Moller, Viena, 1928. Vista da fachada das traseiras.

17 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Terraço em pedra, no lado este da casa.

(29)

29 de Frank. Tal como na Maison Planeix, o desenho dos elementos da fachada

principal da Casa Moller obedece às tradicionais regras da simetria. O intuito de Loos de não mostrar no exterior da Casa Moller a riqueza espacial do interior, também não é partilhado por Josef Frank. Na Casa Beer, os elementos da fachada são organizados de forma mais livre, evidenciando, através de pequenas diferenças de nível na abertura das janelas, que o interior não se desenvolve “mecanicamente” - em pisos regulares -, tendo crescido de forma orgânica a partir das necessidades dos seus habitantes. Apesar disso, do lado direito desta fachada, surge, a partir da porta de entrada de serviço (emoldurada com um estreito arco em alvenaria) um sistema de vãos simétricos, que se desenvolve por três pisos, correspondendo aos espaços de serviço. A fachada voltada para o jardim, na parte de trás da casa, recebe as aberturas dos espaços colectivos e quartos. Aqui compreendemos que a volumetria exterior segue todas as características da maioria das casas unifamiliares de Josef Frank: paredes lisas e relativamente fechadas nas fachadas da frente e laterais e uma fachada traseira fragmentada em terraços. Em boa verdade esta tipologia também foi frequentemente utilizada por Adolf Loos e mais uma vez a Casa Moller serve como exemplo. Contudo, na Casa Beer, Frank desenha uma volumetria mais dinâmica e rica do que da casa de Adolf Loos. A massa construída, que vai avançando e recuando, permite que os espaços interiores entrem pelo jardim e o jardim pelo edifício. As proporções e detalhes, em particular os gradeamentos e os caixilhos em ferro e os pilares da plataforma sudoeste, são de grande primor. Como Astrid Gmeiner e Gottfried Pirhofer notam, os pilares desta plataforma, bem como os pilares do volume saliente da fachada principal, tomam a dimensão dos troncos das árvores.24 A volumetria

torna-se elegante e próxima da natureza; as pesadas copas das velhas e altas árvores, que se erguem sobre o plano da relva, compõem a paisagem que ecoa o trabalho artificial do homem. Esta relação entre natureza e edifício foi intensamente explorada:

O arquitecto cria formas distintas das da natureza; nós podemos definir a arquitectura em si como sendo a organização da natureza, nomeadamente através das suas formas; quanto mais distante as formas arquitectónicas estiverem da natureza melhor elas serão; esta é a grande lição da arte clássica. A casa deve adaptar-se à natureza através da sua forma, da mesma maneira que na cidade deve ter em consideração os edifícios envolventes.25

24 Astrid Gmeiner, Gottfried Pirhofer, Der Österreichischen Werkbund, Viena/Salzburgo: Residenz,

1985, p.117; in Meder, Offene Welt: Die Wiener Schule im Einfamilienhausbau 1910-1938 (texto policopiado), Estugarda: [s.n.], 2003. Tese de doutoramento, p.140.

25 Josef Frank, How to Plan a House, in Möbel, Geräte und Theoretisches, Viena: Löcker/HAK, 1981,

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18 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Hall de entrada. 19 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Átrio e bengaleiro.

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31 Deste modo, é igualmente importante como o volume se relaciona com o

jardim, através do esticado terraço pavimentado com tijolo vermelho, nas traseiras da casa; um momento reforçado pelos percursos desenhados, em torno de toda a casa, pelas pedras cravadas no solo. Uma finalidade semelhante desempenha o terraço em pedra, no lado Este da casa, no qual, mais uma vez, duas árvores pré-existentes foram absorvidas pelo desenho de Frank; nesse momento o jardim afunda-se no terreno e torna-se num espaço protegido.

Os planos fechados da fachada dissolvida em terraços são interrompidos pelos grandes vãos das janelas, possibilitando que também dentro da casa exista uma relação com o mundo exterior e com o jardim.

Desde os tempos de universidade que Josef Frank tem um fascínio pela arquitectura Inglesa (certamente influenciado por Adolf Loos), sendo que, como escreve, é a esta que devemos a forma da habitação moderna.26 Tomou

especial interesse pelo movimento inglês das Arts & Crafts e em particular pelo trabalho de Mackay Baillie Scott, que em 1889 escreveu o livro Houses and Gardens (Casas e Jardins). Este livro foi muito influente no trabalho de Josef Frank, de tal modo que quando fundou a sua empresa de mobiliário e decoração, com o seu colega Oskar Wlach, em 1924, decidiu homenagear Baillie Scott, tomando o título deste livro, traduzido para o alemão, como o nome da empresa: Haus und Garten. Muitas das ideias e sugestões de Baillie Scott, descritas no seu livro, foram aplicadas por Frank nos interiores da Casa Beer.

Ao entrar-se na casa, depois de se passar por um pequeno átrio que serve de filtro entre o exterior e o interior, é-se recebido por um generoso hall com um grande espelho circular e um bengaleiro. Como as fotografias contemporâneas da Casa Beer mostram, Frank tentou melhorar a transição entre o fora e o dentro utilizando também neste espaço um pavimento de pedra, trazendo em certa medida para dentro da casa os percursos exteriores. O mundo natural que envolve a casa, escreve ele alguns anos mais tarde, deve fazer a transição, de forma discreta, para dentro da própria casa.27

Quando se passa pela discreta porta no canto esquerdo do hall de entrada, surge um magnífico salão de pé-direito duplo - o coração da casa. Todo este arranjo espacial foi inspirado nas indicações de Baillie Scott, quatro décadas atrás.

26 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.199.

27 Josef Frank, How to Plan a House, in Möbel, Geräte und Theoretisches, Viena: Löcker/HAK, 1981,

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20 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista do salão a partir do ponto de entrada. 21 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista do salão para a sala de música e sala a de jantar.

(33)
(34)

22 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Sala de música. 23 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Sala de chá.

(35)

35 Para ele a casa deve ser desenhada essencialmente para os seus habitantes e

deve formar-se principalmente de um generoso espaço com muita superfície livre e apenas o mobiliário que realmente for necessário. Este espaço ou salão, com a sua lareira ampla e muito espaço, poderá porventura ser desenhado com o dobro da altura de outros compartimento, os quais poderão ser pequenos e baixos.28

Num outro capítulo continua a desenvolver as ideias espaciais deste compartimento acrescentando:

Em alguns casos uma mezzanine para o salão poderá ser utilizada para a música e esta característica tradicional encontrará os requisitos modernos da maneira mais satisfatória. Esta será especialmente apropriada em ocasiões festivas e a posição do músico ajudará a dar uma qualidade misteriosa à música, algo que contribuirá em muito para o seu efeito.29

De imediato, ao entrar-se, capta-se de forma clara e compreensível, toda a incrível organização espacial que a Casa Beer oferece. Para a frente,

desenvolve-se um pequeno mas alto espaço saliente para o jardim que, sendo envidraçado em todos os seus três lados, possibilita uma ampla visão e relação para o exterior. Para a esquerda, timidamente, a escada principal coloca-se perpendicularmente no percurso através de uma calma rotação em ângulo recto, oferecendo a subida. À direita, em torno do pilar circular em alvenaria e voltados para a frente, um confortável espaço à lareira e por cima deste uma mezzanine com a sala de música, tal como Baillie Scott recomenda; esta sala também tinha sido pedida pelos clientes. Julius Beer era director da fábrica de borracha Benson-Gmbh e tanto ele como a sua esposa apreciavam o panorama musical vienense; Margarete frequentou o conservatório de música de Viena e era uma pianista entusiasta. Desse modo, surge como natural o pedido dos cliente - pediram a Josef Frank que desenhasse uma casa onde pudessem entreter os seus convidados e parceiros de negócio realizando soireés musicais.30

Juntamente com a sala de música e na sequência desta está a sala de chá com uma grande janela circular; neste espaço, um dos mais singulares e reservados da casa, encontra-se abrigada a colecção de objectos do leste asiático que os Beer juntaram ao longo dos anos e que Frank naturalmente incorporou no arranjo interior.

Josef Frank opôs-se àquilo que via como o romantismo tecnológico e o efeito totalizador da corrente modernista; a sua crítica focava-se especialmente 28 Josef Frank, How to Plan a House, in Möbel, Geräte und Theoretisches, Viena: Löcker/HAK, 1981

p.10.

29 Ibidem.

30 Ernst Plischke, entrevista com Christopher Long, 17 de Novembro de 1986; in Josef Frank Life and

(36)

24 Josef Frank,

Casa Beer, Viena, 1930. Salão.

(37)

37 na Alemanha funcionalista e na Bauhaus, que defendia um desenho, que

evoluiu para um novo estilo, no qual se tentou alcançar uma conformidade entre o desenho do edifício, do interior, do mobiliário e de todos os utensílios domésticos. Para Frank, o arquitecto apenas podia e devia desenhar o espaço, o qual deveria receber e enaltecer a vida dos seus habitantes, sendo estes livres para decorar e modificar a casa que nunca deveria ser entendida como uma obra acabada.31 O seu descontentamento levou-o à referência do sótão boémio.

É com esta ideia que Josef Frank começa o seu texto Das Haus als Weg und Platz (A casa como percurso e lugar), publicado um ano depois da conclusão da Casa Beer, de forma a explicar as ideias motivadoras do projecto; inicia o texto dizendo:

A habitação moderna teve origem no ateliê boémio nos telhados de mansarda. Este sotão, desaprovado pelas autoridades como um espaço inabitável e pouco higiénico, roubado pela especulação imobiliária à relutante legislação e que é o resultado de coincidências, contém tudo aquilo que procuramos em vão nas habitações adjacentes, completamente planeadas e racionalmente mobiladas: vida, espaços amplos, janelas grandes, muitos cantos, paredes tortas, degraus e diferenças de cota, colunas e vigas - de forma sucinta, toda a variedade que procuramos nas casas novas com o objectivo de fugir ao lúgubre aborrecimento do compartimento recto. (…) A tarefa do arquitecto consiste, então, na

ordenação de todos os elementos deste sotão numa casa.32

O desenvolvimento da noção de habitar de Josef Frank, não só foi motivada pela tentativa de produzir uma sensação de maior liberdade para os seus habitantes, como também pela convicção de que os interiores das casas deveriam refletir e surgir dos padrões da vida quotidiana em constante mutação. Continuando o texto, escreve:

Toda a luta pelo apartamento moderno e a casa moderna tem no seu coração o objectivo de libertar as pessoas dos seus preconceitos burgueses e de lhes fornecer, dentro das possibilidades, o estilo de vida boémio.33

Desse modo, a essência desta casa é a completa revogação das habituais convenções espaciais “tipo caixas”, pois, como explica, as salas rectangulares são as menos apropriadas para se viver nelas; são muito úteis para arrumar mobiliário, mas para mais nada servem.34 Esta revogação não acontece apenas

no sentido horizontal, mas também no sentido vertical.

31 Josef Frank, Die Einrichtung des Wohnzimmers, in Josef Frank. Schriften - Band 1, Viena:

Metroverlag, 2012, p.158.

32 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.198.

33 Ibidem. 34 Ibidem, p.200.

(38)

25 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista da mezzanine para o salão.

26 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista do salão para as escadas.

(39)

39 Quando percorremos o salão desta casa e nos voltamos para a porta pela qual

entramos, damos conta de toda a magnificência deste espaço e compreendemos a referência de Josef Frank. Todos os elementos maravilhosamente organizados, apresentam um espetáculo espacial com muitas relações visuais e diferenças de cota.

No entanto, a ideia de “casa como percurso e lugar” não só surgiu da

organização doméstica inglesa como também da cidade pré-moderna; em épocas passadas, escreve Frank, especialmente em Inglaterra, (…) tais organizações eram tradicionais tanto para a cidade como para as habitações, porém esta tradição, hoje em dia, morreu na sua grande maioria. O percurso bem colocado através da casa requer uma compreensão sensível e o arquitecto não consegue começar sempre de novo, pelo que seria importante recuperar esta tradição.35

Conferindo um novo significado ao conceito de domus minime civitas36 (casa

como cidade em miniatura) de Leon Battista Alberti, Frank concebe uma cidade em miniatura, com vias de circulação e espaços de estar. Uma casa bem organizada, continua, deve ser desenhada como uma cidade, com ruas e becos que inevitavelmente conduzem a espaços afastados do tráfego para que se possa descansar neles.37 Acrescentando, explica ainda que estes percursos, ao

invés de se desenvolverem dentro de uma grelha, deviam seguir movimentos e circulações naturais como acontece nas cidades do passado, pois, uma casa bem organizada é comparável com aquelas velhas e belas cidades nas quais até um estranho imediatamente conhece o caminho e consegue encontrar a Câmara Municipal e o mercado da cidade, sem que tenha de fazer perguntas.38

Frank argumenta que todos os aspectos da planta devem contribuir para esta impressão e citando o exemplo da escada escreve:

Uma escada deve ser colocada de forma a que quando alguém se aproxima dela e a começa a subir, não sente nunca que a tem que descer da mesma forma; (...) Todas as rotações da escada servem para amplificar esta sensação e não para poupar espaço. (...) O caminho mais curto não é o mais confortável e a escada de tiro não é sempre a melhor, na verdade quase nunca o é.39

As ideias de Josef Frank evocam o livro Der Städtebau nach seinem

künstlerischen Grundsätzen (O desenho urbano segundo os seus princípios 35 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.198.

36 Leon Battista Alberti, Da arte edificatoria - Livro Primeiro, trad. do latim Arnaldo Monteiro do

Espírito Santo; introd. Mário Júlio Teixeira Krüger, Lisboa: FCG, 2011

37 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.198.

38 Ibidem. 39 Ibidem, p.200.

(40)

27 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista do salão a partir do primeiro patamar das escadas.

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41 artísticos), do urbanista vienense Camillo Sitte, publicado em 1889. Como

Christopher Long explica, desesperado com os resultados inquietantes da expansão e regulamentos urbanos dos seus próprios dias, Sitte procurou opor--se aos aspectos racionais e técnicos do desenho urbano moderno, propondo uma ética de planeamento baseada na premissa daquilo que é emocionalmente eficaz e pitoresco. Para Sitte, a função da cidade é a de um fórum para os seus cidadãos e deve ser como uma obra de arte. Uma cidade, afirmou citando Aristóteles, tem de ser construída de maneira a tornar os seus cidadãos seguros e felizes.40 Portanto, ele focou a sua atenção nas funções civis das ruas e praças,

enfatizando os seus aspectos sociais e estéticos. Repudiando a grelha urbana uniforme, esforçou-se em recrear, como escreve Carl Schorke, as formas livres da organização do espaço medieval e da antiguidade: ruas e praças irregulares, as quais não surgem da prancha de desenho mas “in natura”.41

Desse modo, da mesma forma que as áreas de estar da Casa Beer convidam a sentar, as escadas atraem-nos para subir. O habitante sente-se relaxado quando se deixa levar pela mão do arquitecto.42 Este guia está lá; secretamente

e discretamente o sentido ordenado do arquitecto dirige os movimentos do habitante. Para Josef Frank era igualmente importante que este caminho fosse demonstrado sem recorrer a meios óbvios, sem decoração semelhante a cartazes, de maneira a que o habitante não tenha nunca a noção de estar a ser guiado.43

Também na escada, aprende com Baillie Scott:

No desenho da escada é melhor que ela esteja à escala do resto da casa. (…) A escada faz realmente parte do esquema de percursos numa casa. (…) É de forma geral desejável que ela seja repartida em lanços de escada mais pequenos e com patamares intermédios. Isto não só melhora o seu aspecto, como também a torna mais fácil de subir e menos perigosa. (…) Muito do efeito artístico numa casa, através de mudanças de nível, surge pela correspondente mudança de ponto de vista que possibilita; e ao descer para um espaço de um ponto mais elevado, do qual se olha para baixo, para o interior, ganha-se uma sensação que difere materialmente do normal e qualquer que seja a qualidade de conforto caseiro que um interior possua, este será muito mais acentuado quando se chega de um ponto de vista mais elevado.44

40 Camillo Sitte, Der Städtebau nach seinem künstlerischen Grundsätzen, Viena: Birkhäuser, 2007, p.2;

in Josef Frank Life and Work, Chicago: University of Chicago Press, 2002, p.117.

41 Carl Schorke, Fin-de-siècle Viena, Nova Iorque: Vintage, 1981, p.63; in Josef Frank Life and Work,

Chicago: University of Chicago Press, 2002, p.117.

42 Wolfgang Born, Ein Haus in Wien-Hietzing, in Innen-Dekoration, Outubro de 1931, p.373. 43 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.198.

44 Mackay Bailie Scott, Houses and Gardens, Londres: George Newnes Limited Southampton St.

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28 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Sala de jantar.

29 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista da sala de estar a partir do ponto de entrada.

(43)

43 Através de diferenças de nível, existe, ao invés de uma organização

cerimonial de compartimentos sucessivos, uma sociabilidade mais aberta e livre.

Do lado sudoeste do salão, a generosa sala de jantar, cujo comprimento é ocupado por um aparador embutido de madeira de acácia amarela, o elemento preponderante é uma única mas grande janela, fazendo com que também neste compartimento o jardim se torne num elemento dominante. No lado oposto do salão, na sala de estar, que se situa num patamar mais elevado, para dar espaço à garagem subjacente, a relação com a paisagem é um pouco mais contida; aqui, da mesma forma que na sala de jantar, uma janela de grandes dimensões permite o contacto com o exterior. No entanto, um amplo terraço coloca-se entre este interior e o jardim, sendo que o

contacto directo com a paisagem é apenas permitido através de uma pequena escada exterior. Este compartimento partilha uma relação visual com a

biblioteca da casa - situada num nível acima - através de um vão; uma lareira surge como elemento organizador, criando um confortável espaço de estar, visualmente atraente, que reforça uma sensação de resguardo. A percepção deste compartimento, tal como dos outros espaços da casa, é determinada pelo branco puro das paredes. Esta opção ocorre por razões simples. Josef Frank acreditava que esta é a única opção que permite a liberdade para introduzir nos espaços qualquer coisa que o habitante goste, sem com isso perturbar a harmonia de cores.45 Na sua opinião, o arquitecto deve apenas

desenhar os espaços, sendo que todo o mobiliário, cujo desenho obedece a regras diferentes daquelas da arquitectura, deve ser escolhido pelo habitante que é livre de introduzir qualquer objecto ao seu gosto. Num texto escrito alguns anos depois da construção da Casa Beer, Frank, explora a relação que o mobiliário deve ter com o espaço no qual se insere, escrevendo:

Deve-se ter cuidado para não destruir a clareza de um espaço, tentando obter efeitos arquitectónicos com móveis. Se o compartimento deve parecer agradável, deve ser claramente perceptível, ou seja, todas as linhas que o definem (no compartimento prismático habitual, este soma 12 linhas), bem como as

superfícies que determina o seu tamanho (piso e tecto) devem ser sempre visíveis na sua totalidade ou então sem nenhuma interrupção significativa. Por esta razão, o mobiliário deve ser suportado por pernas suficientemente elevadas, de modo a permitir que a linha que divide o piso da parede possa ser vista (ou pelo menos percebida) debaixo dele. Uma caixa que repousa na sua base obscurece a linha divisória e a superfície do piso, destruindo o efeito da sala. 45 Josef Frank, Raum und Einrichtung, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag, 2012,

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30 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Sala de estar.

31 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Biblioteca.

32 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista da sala de estar para o salão e a sala de jantar.

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33 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista do salão, da sala de jantar, da mezzanine e do piso dos quartos a partir do primeiro patamar das escadas.

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47

A mesa que repousa directamente sobre o tapete, sem pernas, corta um buraco na sua superfície e torna o ambiente indistinto. Se imaginarmos estender esta mesa até que encontre o tecto, ela tornar-se-á num pilar e assim num elemento arquitectónico que determina a impressão que temos de um espaço. Mobiliário embutido na parede ou no chão, torna um espaço mais pequeno e deixa de ter o carácter de mobiliário, devendo ser tratado como parte do próprio compartimento onde se insere. Por outro lado, uma peça de mobiliário independente, tem que funcionar como um organismo autónomo e a sua forma deve ser tão diferente, quanto possível, da forma do espaço onde se insere.46

Desse modo os sofás coloridos e as cortinas com padrões alegres e vivos, por exemplo, contrastam com o fundo branco, dando um tom pessoal e delicado a este espaço. Esta música visual entoa novamente em todos os pontos da casa, contribuindo para a percepção do espaço arquitetónico.

Nesta casa, inspirada no sotão boémio, surgido do acaso,47 o desenho

foi cuidadosamente e meticulosamente pensado. Por entre as divisões principais da casa estava uma clara demarcação dos espaços funcionais, sociais e privados. A cozinha, a despensa e os quartos dos funcionários, foram confinados a uma secção que se desenvolve em dois pisos na esquina ocidental da casa - a secção da fachada onde é perceptível uma simetria, como explicado no início do texto. Estas áreas ligam-se, por sua vez, com a sala de jantar, a sala de música e os quartos - nos pisos superiores - por uma série de portas discretamente colocadas, garantindo uma interação limitada entre os habitantes da casa e os seus empregados. A divisão entre os domínios sociais e privados fornece outro bom exemplo do desenho meticuloso de Josef Frank. A separação ocorre no patamar da mezzanine. Os espaços que ficam além deste patamar pertencem apenas à família. Convencionalmente surge uma escada de forma abrupta, cuja função é marcar a separação entre os espaços do domínio público, onde os convidados são recebidos e entretidos, e os espaços mais reservados e privados,

utilizados apenas pela família. Contudo, na Casa Beer a escada desenvolve--se continuamente, passeando naturalmente pela casa, pelo que a separação entre estes domínios ocorre nela mesma. Frank conseguiu uma solução subtil: Entra-se no salão voltado de frente para a escada. A escada, que se volta para o salão, apresenta o seu primeiro lance de forma a que uma pessoa a suba. Quando ela começa a subir, vê o primeiro patamar e através de um grande rasgo, olha para o compartimento mais importante da casa, a sala de estar. 46 Josef Frank, Raum und Einrichtung, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.292.

47 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

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34 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Hall do piso dos quartos.

35 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Quarto da filha. 36 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Quarto do filho.

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49

Deste nível, a escada leva directamente para dois compartimentos, a biblioteca e a sala de música, que estão escondidos do salão mas em contacto próximo com este. Neste ponto o nível que abriga as áreas principais chega ao fim. Para enfatizar este efeito a escada serpenteia noutra direcção, conduzindo até ao próximo andar com os quartos de dormir; assim uma divisão clara da casa é conseguida.48

Os quartos de dormir e de vestir dos pais, das crianças e dos hóspedes (num piso acima), mesmo os espaços de serviço que se voltam para a rua, respiram uma atmosfera de leveza e delicadeza.

Neste momento é importante reparar que as portas dos quartos,

contrariamente àquilo que faziam os funcionalistas, não se abrem contra a parede, mas para dentro do espaço, criando um momento de transição e assegurando a privacidade de quem possa estar no quarto, visto que desse modo não se consegue, de imediato, ver todo o compartimento. Mais uma vez se nota a influência de Baillie Scott, o qual sobre este assunto explica que a colocação da porta deve ser feita de forma a que esta proteja o quarto, o quanto possível, ao abrir.49

Nas casas dos anos 20 e início dos anos 30, Adolf Loos também organizou os percursos que ligam os espaços, no entanto, com resultados diferentes. Tal como Josef Frank, Loos partilhava a preocupação com a ligação entre os vários espaços nas suas residências. Num excerto de uma entrevista com Karel Lhota, Loos observou que os espaços dentro do Raumplan, devem estar de tal maneira integrados, que a transição não é apenas imperceptível e natural, como também funcional;50 uma formulação semelhante à de Frank,

quando este diz, como citado anteriormente, que os percursos da casa devem ser feitos sem recorrer a meios óbvios.51 Porém, Loos organiza, repetidamente,

as suas sequências espaciais dentro de volumes cúbicos, assegurando de forma directa e abrupta todas as ligações entre os espaços e separando pouco os espaços de repouso e de movimento. Esta integração de “percursos e lugares” é talvez aquilo que se evidencia de melhor forma na Villa Müller, em Praga, concluída em Fevereiro de 1930, alguns meses antes da Casa Beer. Em ambas as casas, as escadas desenvolvem-se por etapas, ligando espaços em níveis diferentes e proporcionando vistas dramáticas para um 48 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.200.

49 Mackay Bailie Scott, Houses and Gardens, Londres:George Newnes Limited Southampton St.

Strand, 1906, p.61.

50 Karel Lhota, Architekt Adolf Loos, in Architekt n.9, 1933, p.143.

51 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

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50

37 Adolf Loos, Casa Müller, Praga, 1930.

Sala da senhora. 38 Adolf Loos, Casa Müller, Praga, 1930.

Plantas.

39 Adolf Loos, Casa Müller, Praga, 1930.

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51 salão. No entanto, como as plantas da Casa Müller evidenciam, os percursos

entre os espaços foram altamente comprimidos; a transição de um espaço para outro é muitas vezes feita apenas por alguns degraus. Este efeito foi reforçado pela utilização do mármore e revestimentos de madeira ao longo das escadas e corredores, pretendendo reduzir ainda mais estes espaços. Ao utilizar paredes brancas, sem qualquer tipo de ornamentação nas guardas, escadas e noutras superfícies, Josef Frank assegurou uma sensação muito mais forte de abertura e continuidade. O resultado destas escolhas foi um abrandamento da leitura do Raumplan de Adolf Loos. No lugar dos percursos mais rígidos de Loos, Frank utilizou uma progressão espacial muito natural e menos restritiva. Os movimentos dentro da Casa Beer são feitos como que de passeio e os “percursos e lugares” foram organizados de tal maneira que muito percursos nunca são precisamente demarcados, oferecendo variedade de escolha. As diferenças nestes dois esquemas revelam-se ainda mais no desenho dos ambientes interiores. Ao contrário das Casas Moller e Müller de Adolf Loos, que se focam intensamente para dentro de si mesmas,52 quase todos os espaços

comuns e quartos da Casa Beer oferecem, não só acesso directo para o exterior através de terraços, como também fortes relações visuais com a paisagem através de grandes janelas.

Talvez a ideia de Josef Frank de “casa como percurso e lugar”, utilizando percursos para ligar os espaços, estivesse mas próxima da noção de plan libre de Le Corbusier. É importante ressaltar esta semelhança porque, mais uma vez, revela aspectos importantes na abordagem da Casa Beer. Da mesma forma que Frank, Le Corbusier organizou as suas casas dos anos 20 através de percursos, ligando os diferentes espaços e promovendo uma diversa variedade de experiências espaciais e sensoriais. Como Long observa, Le Corbusier, ao falar sobre a Maison La Roche, descreve uma situação semelhante àquela que encontramos ao entrar no salão da Casa Beer:

Entra-se: o espetáculo arquitectónico oferece-se de uma vez só ao olhar. Segue-se um itinerário e as perspectivas desenvolvem-se em grande variedade, desenrolando um jogo de luz nas paredes e criando manchas de sombras. Grandes janelas abrem vistas para o exterior onde a unidade arquitectónica é reafirmada.53

Tal como Josef Frank (e Adolf Loos), uma das influências iniciais de Le Corbusier foi a casa de campo inglesa. Contudo, apesar de Le Corbusier ter adoptado a ideia de espaço interior que se desenvolve de forma aberta, ele 52 Beatriz Colomina, Intimacy and Spectacle: The interiors of Adolf Loos, in AA files n.20, 1990, p.

5-15; in Josef Frank Life and Work, Chicago: University of Chicago Press, 2002, p.151.

53 Le Corbusier Corbusier, Pierre Jeanneret, Ouvre complète - vol 1, Zurique: Edition’s D’Architecture

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40 LeCorbusier, Villa Stein de Monzie, 1928. Corredor na sala de estar. 41 LeCorbusier, Villa Savoye, 1928. Escada e rampas no rés-do-chão.

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53 fê-lo dentro de uma ordem arquitectónica determinada pela monumentalidade

clássica; os seus projectos de habitação partiam da crença de que a

arquitectura pertence ao campo da arte.54 Em contraste, para Frank, a casa

não é nem monumental nem - como os funcionalistas acreditavam - puramente utilitária; ao invés, ela desenrola-se como uma complexa resposta aos padrões da vida quotidiana.

Os habitantes idealizados por Josef Frank também viviam de maneira distinta dos de Le Corbusier. O habitante de Le Corbusier era o moderno morador urbano, cuja casa era uma extensão do mundo. Para ele, como Vincent Scully escreve, a casa é um lugar de acção.

As tensas caixas alongadas de Le Corbusier são contentores de drama, o palco para o desenrolar da vida moderna. Para Frank, por outro lado, a casa é um refúgio, mesmo que ilusório. As suas pesadas paredes de alvenaria são protecções atrás das quais se desenrolava a vida humana fora de cena, em privacidade. Tal como para Adolf Loos, o interior da casa constitui o domínio pessoal, a intimidade preservada do indivíduo e da família. A casa não é, portanto, entendida como uma extensão do mundo moderno, mas como um paraíso, um lugar onde se pode escapar da vida frustrante do mundo contemporâneo. Frank utilizava mobiliário, tapetes, cortinas e outros objectos para atenuar o impacto da arquitectura, para suavizar e domesticar o espaço no seu interior. O efeito agregador destes elementos serve não só para moldar a organização espacial mas também para proporcionar um toque de realismo quotidiano para encobrir a natureza abstrata e inflexível da estrutura arquitectónica subjacente. Estas diferenças também se expressam nas sequências espaciais das casas destes dois arquitectos. Nos desenhos de plan libre mais explorados por Le Corbusier, nas suas casas dos finais dos anos 1920, como a Villa Stein de Monzie ou a Villa Savoye, as passagens principais da casa são compridas e em linha recta, com viragens muito

marcadas e abruptas mudanças de direcção. Os principais percursos raramente proporcionam momentos de paragem ou de contemplação. Pelo contrário, os percursos na Casa Beer sugerem um passeio sem pressas. Eles desenvolvem-se lentamente através dos espaços, permitindo oportunidades para relaxar. Além disso, enquanto que as rampas, escadas e vias de circulação, nestas casas de Le Corbusier, se afastam propositadamente dos espaços habitacionais, na Casa Beer, estes elementos fundem-se com os espaços, havendo pouca separação entre zonas de percursos e de repouso.

54 Vincent Scully, Modern Architecture: The Architecture of Democracy, Nova Iorque: George Braziller,

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42 Josef Frank, Casa Beer, Viena, 1930. Vista da sala de estar a partir da mezzanine.

O desenho da Casa Beer representa um marco importante na obra de Josef Frank. Não é apenas o seu desenvolvimento mais bem conseguido e explorado de Raumplan como também marca o fim do período criativo no qual entrou antes da Segunda Guerra Mundial. Nesta casa Frank conseguiu acrescentar dois aspectos importantes no desenvolvimento das suas ideias de organização espacial no período entre guerras; fundindo as ideias de promenade com o Raumplan, conseguiu criar uma composição espacial dinâmica. Não é apenas a articulação de espaço que se realça na Casa Beer, como também a forma como se experiencia o espaço através do movimento. Determinando cuidadosamente “os percursos e lugares” dentro da grande continuidade espacial, Josef Frank conseguiu tirar partido do mecanismo percentual do homem para promover uma experiência completa do espaço. Mais importante, talvez, o seu objectivo não era apenas estimular os sentidos, mas também criar um ambiente agradável e confortável para habitar. O espaço no interior da casa não é apenas um exercício formal, mas uma forma de realçar os rituais da vida quotidiana.

Esta casa, em Viena-Hietzing, pode ser considerada como uma daquelas obras-primas da arquitectura nas quais, para além da procura por uma solução para um problema específico, se procurou também um compromisso artístico, tendo sido encontrada a sua expressão.55

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55 Quando em 1928 recebeu a encomenda da Casa Beer,56 Josef Frank tinha

já 43 anos. Durante os dois anos seguintes, trabalhou na casa até esta ficar concluída.57 Ao longo dos anos, Frank desenvolveu a sua própria visão da

arquitectura, representando esta casa a sua resposta em forma construída. Como compreendemos, apesar de ter sido estimulado por muitas influências e de ter preservado a sua independência intelectual, os seus edifícios e textos mostram influências inequívocas de Adolf Loos. A este, aliás, Frank reconhece que foi ele quem nos deu os fundamentos culturais da arquitectura moderna; estes, não estão limitados à arquitectura moderna do nosso tempo, sendo de tal maneira abrangentes, que, da mesma maneira que eram válidos noutros tempos, irão reter o seu valor no futuro.58

O momento em que estes dois arquitectos se conheceram pessoalmente, não é conhecido, mas sabe-se que os dois já tinham uma boa relação no Verão de 1908, pois nesse ano, Loos, numa nota escrita à mão, menciona que ele e Frank participaram na conferência do Deutsches Werkbund que se realizou em Munique, referindo-se a Frank como o meu muito estimado colega Dr. Frank. Nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, Josef Frank visitou muitos dos edifícios de Adolf Loos, incluindo o seu edifício no Michaelerplatz e as Casas Steiner, Horner e Scheu, estando também familiarizado com os seus escritos e ideias.59

No próximo capítulo tentar-se-á, a partir da obra arquitectónica e literária de Josef Frank, entender a dimensão e profundidade da sua compreensão arquitectónica, estabelecendo paralelismos com as ideias desenvolvidas por Adolf Loos.

56 Philip Ginther, que trabalhou no escritório de Frank na altura, revelou em 1991 numa entrevista

com Maria Welzig que a casa foi originalmente planeada para outro sitio e que só mais tarde foi transferida para o terreno na Wenzgasse; in Josef Frank - Eine Moderne der Unordnung, Viena: Pustet Anton. 2008, p.135

57 Como a casa foi encomendada à empresa Haus und Garten, o projecto foi publicado como tendo

sido desenhado por Josef Frank e Oskar Wlach. Contudo, Ernst A. Plischke confirmou no dia 25 de Agosto de 1986 numa entrevista com Christopher Long que Frank foi o grande responsável pelo desenho da casa e da sua mobília sendo que Oskar Wlach apenas forneceu alguns detalhes e supervisionou a obra bem como a construção e instalação da mobília; in Josef Frank Life and Work, Chicago: University of Chicago Press, 2001, p.143.

58 Josef Frank, [Adolf Loos zum 60. Geburtstag], in Josef Frank Schriften - Band 1, Viena:

Metroverlag, 2012, p.444.

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58

Uma voz dissidente

2.1.

Was ist modern?

Em Abril de 1900, Adolf Loos publicou o texto Vom armen reichen Manne (Sobre um pobre homem rico), uma sátira à produção arquitectónica austro-húngara das últimas décadas do séc. x1x. Neste texto, Loos conta a história de um próspero homem de negócios que desejando acolher a arte em sua casa chamou um arquitecto que o pudesse fazer. Com efeito, não procurava transformar a sua casa num museu ou numa galeria de arte, mas numa obra de arte per se. Livre de quaisquer restrições de custo e de programa e contando com um verdadeiro exército de artistas e artesãos, o arquitecto empreendeu uma profunda reforma que incluiu a casa, a mobília, os utensílios domésticos e as roupas dos moradores, desenvolvendo um projecto minucioso no qual tudo estava em perfeita harmonia. Depois da reforma o homem rico ficou contentíssimo.

Havia arte onde quer que ele olhasse. Em todas as coisas e em cada uma delas. Pegava em arte quando pegava na maçaneta da porta, sentava-se em arte quando se sentava numa poltrona, apoiava a sua cabeça em arte quando, cansado, a apoiava nas almofadas, o seu pé afundava-se em arte quando caminhava pelos tapetes.60

Contudo, viver no meio de tanta arte era difícil e exigia sacrifícios. Primeiro, o homem rico foi obrigado, com grande pesar, a desfazer-se de todos os seus pertences, mesmo daqueles de que mais gostava, como o relógio e as fotografias. Em seguida, para que a harmonia da casa não ficasse

comprometida, a posição de cada objecto deveria ser rigorosamente mantida, de modo que não era permitido, nem ao homem rico, nem à sua família, qualquer momento de desatenção.

Não obstante, o homem rico ainda estava contente. Certa vez, porém, depois de ter comemorado o seu aniversário e de ter recebido muitos presentes, o homem rico foi duramente repreendido pelo arquitecto:

60 Adolf Loos, Vom armen reichen Manne, in Adolf Loos. Escritos I, 1897/1909, Madrid: Biblioteca

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59

Como lhe ocorre deixar-se presentear alguma coisa? Eu não lhe desenhei tudo? Eu não pensei em tudo? O senhor não precisa de mais nada. O senhor está completo.61

Nesse momento, o homem rico percebeu o trágico destino que o assolava. Na medida em que não podia consentir que lhe dessem coisas novas, também não as poderia comprar e isso significava que, tal como a casa, ele estava condenado a existir apenas como obra de arte, ou seja, completo, acabado e alheio às mudanças do tempo e da história.

Loos escrevia num momento de grandes mudanças na cultura arquitectónica. No final do séc. x1x a atenção desviou-se de Inglaterra e Paris para Viena, onde começou a desenvolver-se um panorama arquitectónico bastante

heterogéneo; Otto Wagner, um dos mais importantes pioneiros da arquitectura moderna, ganhou visibilidade internacional quando, em 1896, publicou o seu livro Moderne Architektur (Arquitectura Moderna), no qual promovia uma renovação da arquitectura contemporânea defendendo que o único ponto de partida para o trabalho artístico era a vida moderna. Um ano depois alguns arquitectos, como Josef Hoffmann, Josef Maria Olbrich e Koloman Moser, visando atacar o historicismo até esse tempo dominante, fundaram a Secession. O edifício expositivo no Karlplatz, projectado por Olbrich, teria, durante algumas décadas, um papel central como montra do desenvolvimento da arte austríaca e das formas industriais. A linguagem formal tornou-se mais firme e requintada, desenvolvendo-se um carácter mais artístico e poético. O diálogo estético e social desenvolveu-se com o convite a arquitectos estrangeiros. O casal escocês, Charles Rennie Mackintosh e Margaret MacDonald, que em 1900 estiveram em Viena, influenciaram bastante a arquitectura e as artes vienenses desse período.62

A alegoria de Loos, apresentada no início deste texto, um dos incontornáveis documentos de combate que ele escreveu nas primeiras décadas do séc. xx, é um claro manifesto contra o movimento da Secession e, de forma mais ampla, contra a obra de arte total. De facto, é impossível não associar a figura tirânica do arquitecto que projectou a reforma da casa do homem rico, aos artistas da Secession, como Olbrich, ou ao belga Henry van de Velde, o qual, em 1895, desenhou as roupas que a sua mulher deveria vestir para estar sempre de acordo com as linhas da casa em que moravam.63 Loos acreditava

61 Adolf Loos, Vom armen reichen Manne, in Adolf Loos. Escritos I, 1897/1909, Madrid: Biblioteca

de Arquitectura El Croquis Editorial, 2004, p.247.

62 Hedvig Hedqvist, Rechteckige Sitze - totalitäre Gedanken, in Josef Frank - Eine Moderne der

Unordnung, Viena: Pustet Anton. 2008, p.11/12.

63 Kenneth Frampton, Historia crítica de la arquitectura moderna, Barcelona: Editorial Gustavo

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60

que a arte se revelava terrivelmente autoritária quando misturada com o mundo doméstico. Isso não quer dizer que condenasse a arte ou o fazer artístico, pelo contrário, ele reconhecia o seu valor e a sua importância, mas repudiava que se intrometesse, tal como na história do homem rico, em todos os domínios da vida humana - entre eles a arquitectura e o mobiliário.

Por esse motivo os arquitectos da Secession eram alvo constante das críticas de Loos. Ainda que ele e os secessionistas tivessem compartilhado a revolta contra os estilos históricos, que no final do séc. x1x tinham escondido a modernidade dos edifícios da Ringstraße de Viena sob fachadas que imitavam os edifícios antigos, os arquitectos da Secession continuavam a empregar ornamentos e enfeites artisticamente concebidos que visavam revestir a utilidade dos objetos e da construção com um estilo que consideravam moderno, porque era novo.64

Seguindo um caminho distinto, Loos procurou simplificar o estilo da arquitectura, eliminando qualquer elemento estranho à sua constituição, como a decoração. Para ele, a modernidade era caracterizada, entre outros aspectos, pela definição clara dos domínios de ação de cada disciplina, no caso, da arte e da arquitectura.

Esta concepção de modernidade, formulada por Loos no texto Vom armen reichen Manne (Sobre um pobre homem rico), foi reafirmada, dez anos mais tarde, no seu ensaio Architektur (Arquitectura), no qual explica que enquanto a obra de arte responde somente ao artista, é revolucionária e nos tira da nossa comodidade, a casa responde a todos, é conservadora e deve oferecer conforto.

Josef Frank partilhava estas opiniões com Adolf Loos; abordou explicitamente estes mesmos assuntos nos seus textos, sendo que também ele era da opinião que a forma e o seu conteúdo pouco têm a ver uma com a outra,65 referindo-se

à separação da arte e da arquitectura, aludindo à separação da arquitectura e do mobiliário. Para ele isto significava a liberdade de desenvolvimento pessoal dos seus habitantes, encontrando-se esta ideia em todo o seu trabalho.

Como Loos, também Frank se via como um representante do movimento moderno e também ele, anos mais tarde, se tornou cada vez mais crítico do modo como a arquitectura de desenvolveu.

O final dos anos vinte e o início dos anos trinta marcaram o período de maior prestígio e influência de Josef Frank. Apesar de ter realizado apenas 64 Kenneth Frampton, Historia crítica de la arquitectura moderna, Barcelona: Editorial Gustavo

Gili, 1981, p.91.

65 Josef Frank, Fassade und Interieur, in Josef Frank. Schriften - Band 1, Viena: Metroverlag, 2012,

Referências

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