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Um pensamento pós-moderno?3.1.

121 inspiração na arquitectura do passado não era nostalgia. Acima de tudo

tentou procurar respostas para a pergunta de como o homem moderno deveria viver. Essa questão levou-o a procurar soluções na tradição. Muitas das suas conclusões colocaram-no fora da corrente principal do movimento moderno. Com efeito, mesmo nas suas ideias e obras mais modernas, existem repetidas sugestões de que, tal como Adolf Loos, não estava em sintonia com o espírito do movimento moderno. Loos não tinha o objectivo de criar uma cultura utópica paralela, mas de filtrar todos os elementos essenciais da cultura existente. Nesse sentido, tal como Frank depois dele, Loos mostrou-se muito cético em relação a tentativas revolucionárias; criticou a Secession e rejeitou a moral puritana, considerando-a simples conveniência. Verifica-se que durante o desenvolvimento da modernidade em Viena, muito do potencial crítico que tornou possível a Josef Frank contrariar a superficialidade da corrente principal do movimento moderno, já havia sido formulado. A ilusão sobre a igualdade da forma, do conjunto infinito e os princípios do artesanato antigo como sistema fechado ainda são a mesma ilusão, não permitindo entender o quão diversa se tornou a nossa vida e como tudo que existe se deve assimilar a ela.183 Sou da opinião de que se alguém quer sentar o

seu traseiro num quadrado, que a sua alma tem um pensamento totalitário.184

Quem hoje quer criar algo vivo tem que utilizar tudo aquilo que existe nos nossos dias; todo o espírito, incluindo toda a sua sentimentalidade, os seu exageros e falta de gosto que, pelo menos, estão vivos.185

Josef Frank, não partilhava as afirmações radicais dos modernistas do purismo como também não partilhava a sua crença nas virtudes da era da máquina. Durante os últimos anos da sua vida, cada vez mais se afastou das ideias da racionalização e estandardização.

Ao mesmo tempo, Josef Frank foi parte integrante do movimento moderno e no início do seu trabalho foi certamente muito influenciado pelas suas ideias iniciais, contribuindo pessoalmente para o seu triunfo na década de 1920. No entanto, mais significante ainda comprovando os seus limites do movimento moderno e denunciando os seus erros e défices inerentes, Frank fez emergir os problemas da arquitectura deste período. Contudo, o seu objectivo nunca foi subverter o modernismo. O seu objectivo foi criar uma arquitectura moderna livre dos problemas e das exigências estilísticas e ideológicas, 183 Josef Frank, Architeltur als Symbol, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag, 2012,

p.160.

184 Josef Frank, Die Rolle der Architektur, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.312.

185 Josef Frank, Architeltur als Symbol, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag, 2012,

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restabelecendo uma relação genuína com o passado e a cultura.

As suas ideias de Akzidentismus (Acidentismo) não foram uma tentativa de marcar o fim do modernismo mas de encontrar uma forma de o salvar, de o reformular. Com isso ele apontou para duas direcções em simultâneo, para o passado e para a frente, para o futuro.

Nesse sentido, em 1958, escreveu:

Todas as pessoas têm uma certa necessidade por sentimentalidade, para que se possam sentir livres. Esta é lhes retirada quando são obrigados a estabelecer exigências morais, às quais também pertencem exigências estéticas, em todos os objectos. O que precisamos é de variedade. (...) Aquilo que, por isso, proponho não são novas regras mas uma atitude completamente nova perante a arte. Fora com os universalistas, fora com a uniformização da indústria e da arte, fora com todo o complexo de ideias que se tornou popular pelo nome de funcionalismo.

A este novo sistema arquitectónico que deve substituir o existente quero, segundo a moda de hoje, dar um nome que explica a sua tendência. Chamar- -lhe-ei, por agora, Akzidentismus e pretendo com isso dizer que devemos organizar a nossa envolvente de tal forma como se tivesse surgido do acaso.186

Estas ideias desenvolvidas, nove anos antes da sua morte, encontram ecos nos seus textos da primeira metade do séc. xx; em Das Haus als Weg und Platz (A casa como percurso e lugar), por exemplo, havia escrito:

As salas rectangulares são as menos apropriadas para se viver nelas; são muito úteis para arrumar mobiliário, mas para mais nada servem. Acredito que se 186 Josef Frank, Akzidentismus, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag, 2012, p.384. 75 Josef Frank, The

sixth D-House, 1953- 1958. Corte, Plantas e Perspectiva exterior em aguarela. 76 Josef Frank, A D-House, 1953-1958. Plantas e Perspectiva exterior em aguarela.

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desenharmos um polígono aleatoriamente, seja com ângulos rectos ou obtusos, que este, considerado como uma planta, será muito mais apropriado para habitar que um espaço regular ortogonal. No atelier, no telhado de mansarda, que parece sempre confortável e impessoal, o acaso deu uma ajuda.187

Durante o seu exílio na Suécia, tempo durante o qual ficou um extenso período sem se dedicar à arquitectura, Frank, começou a procurar uma nova atitude perante o desenho da arquitectura; numa carta escrita em 1946, disse:

Como sabes, tal tarefa assusta-me: gostaria imenso de começar a construir algo novo, mas não tenho ideias como fazer isso.188

Como encorajamento, a sua amiga Dagmar Grill, propôs-lhe que lhe fosse enviando cartas com projectos experimentais seus. Josef Frank assim o fez, surgindo os projectos que vieram a ser conhecidos como as 13 casas para Dagmar Grill. Os esquiços que elaborou para a sua amiga, marcam a sua tentativa de se reposicionar antes de recomeçar o seu trabalho arquitectónico. O seu objectivo foi encontrar uma nova complexidade em oposição à

monotonia da arquitectura em massa produzida no período pós-guerra. Estas casas, que nunca foram construídas e nunca foram realizadas com tal intenção, marcam possivelmente o culminar do trabalho de Frank como arquitecto.

187 Josef Frank, Das Haus als Weg und Platz, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag,

2012, p.200.

77 Josef Frank, Dagmar Grill House 1, 1947. Alçados e plantas.

78 Josef Frank, Dagmar Grill House 2, 1947. Alçados e plantas.

79 Josef Frank, Dagmar Grill House 3, 1947. Alçados e plantas.

80 Josef Frank, Dagmar Grill House 4, 1947. Alçados e plantas.

81 Josef Frank, Dagmar Grill House 5, 1947. Alçados e plantas.

82 Josef Frank, Dagmar Grill House 6, 1947. Alçados e plantas.

83 Josef Frank, Dagmar Grill House 7, 1947. Alçados e plantas.

84 Josef Frank, Dagmar Grill House 8, 1947. Alçados e plantas.

85 Josef Frank, Dagmar Grill House 10, 1947. Alçados e plantas.

86 Josef Frank, Dagmar Grill House 11, 1947. Alçados e plantas.

87 Josef Frank, Dagmar Grill House 12, 1947. Alçados e plantas.

88 Josef Frank, Dagmar Grill House 13, 1947. Alçados e plantas.

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As 13 cartas, que datam de 22 de Julho até 15 de Agosto de 1947, contém esquiços e descrições de Frank. Nestes desenhos desenvolve ideias que havia experimentado nas suas casas em Falsterbo, como a Casas Wehtje, e nas suas casas em Viena, como a Casa Beer; contudo também desenvolve abordagens e ideias completamente novas. Explora os movimentos pelas casas e

experimenta com as formas das volumetrias Muitos dos projecto introduzem elementos estranhos e completamente desassociados. Em termos da escolha dos materiais estende os limites do modernismo, introduzindo elementos vernaculares, como chaminés em pedra, contra paredes brancas. O ponto de partida para muitos dos projectos são os sistemas de dominó e plan libre de Le Corbusier, contudo fundidos com o Raumplan de Adolf Loos. Estes projectos são a tentativa de redefinir os limites do modernismo, os quais se haviam tornado demasiada restritos. O mais refinado dos 13 projectos - e o projecto que mais agradava a Frank também189 - é a casa 9. Nela abandonou

o desenho ortogonal, criando ao invés uma organização completamente irregular, com paredes curvas e tortas. A utilização livre destas formas diferencia-se da utilização de formas semelhantes por Hugo Häring, pois este utilizava-as como formas estruturais, definidas pelos movimentos do habitante. Häring, aliás, ainda em 1931, havia formulado o seu ponto de vista diferenciado, explicando:

Adolf Loos e Josef Frank permitem a expressão de formas estranhas enquanto estas não condicionam a funcionalidade de um objecto. Este ponto de vista é perigoso porque abre o caminho de volta à decoração dos objectos, permitindo 189 Mikael Bergquist, Olof Michálsen, Accidentism: Josef Frank, Birkhäuser: Basel, 2005, p.13 89 Josef Frank, Dagmar

Grill House 9, 1947. Perspectiva exterior em aguarela.

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que esta decoração se desenvolva independentemente.190

Em Dezembro de 1953, Frank voltou a desenvolveu uma série de quatro

experiências para a sua amiga Dagmar Grill. As quatro casas têm um programa bastante similar: um grande salão e cozinha no rés-do-chão e dois quartos e uma casa de banho no piso superior.

Josef Frank estava deliberadamente à procura de uma nova linguagem de desenho que fosse capaz e articular e expressar a sua convicção de que a arquitectura moderna se deveria relacionar com todos os aspectos da vida humana; não apenas aquilo que era bonito, mas também as suas tensões e contradições.

Utilizando materiais diversos e desenhando os seus projectos experimentais em paisagens pitorescas, torna-se igualmente claro que procurava desenhar o exterior das suas casas influenciado pela arquitectura vernacular e espontânea, tendo em conta as necessidades emocionais do Homem. Todas as grandes obras de arte, escreveu ele, devem encontrar-se na fronteira do kitsch. Se as pessoas estão de tal maneira encantadas com o kitsch, essa, pelo menos, é uma emoção genuína, que não haja ilusões. A obra de arte tem que responder a estas emoções, colocando-as numa forma com significado.191

No seu livro Architektur als Symbol (Arquitectura como símbolo), de 1930, Josef Frank já havia explorado algumas destas ideias:

190 Hugo Häring, bemerkungen zum ästhetischen problem des neuen bauens, in Bauwelt 19, Berlim,

1931, p.24; in Hermann Czech, Ein begriffsraster zur aktuellen interpretation Josef Frank, in Josef Frank

- Eine Moderne der Unordnung, Viena: Pustet Anton. 2008, p.82.

191 Hermann Czech, Ein begriffsraster zur aktuellen interpretation Josef Frank, in Josef Frank - Eine

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É por isso que a nova arte de construir nascerá da falta de bom gosto do nosso tempo, da confusão, da variedade e do sentimentalismo que todas as coisas vivas podem perceber: por fim a arte das pessoas, não a arte para as pessoas.192

Esta formulação insere-se numa dialéctica na qual a arquitectura está ancorada entre o real e o ideal, o pessoal e o colectivo, o passado e o presente. Ele procurou desviar-se da arquitectura como algo autónomo, inserindo-a naquilo que é emocional, quotidiano e diverso. Quando parece que Frank abandonou todas as teorias e deixou tudo ao acaso, na verdade, ele procurou evitar as fantasias e os caprichos dos arquitectos, criando ao contrário uma relação mais verdadeira e correcta entre a arquitectura e a vida real.

Robert Venturi, dez anos mais tarde, em 1966, no seu livro Complexity and Contradiction (Complexidade e Contradição) também abordou o elemento convencional:

Um arquitecto deveria utilizar as convenções e torná-las vivas. Isto quer dizer que ele deveria utilizar as convenções inconvencionalmente.193

Venturi também falava dos elementos absolutamente banais e vulgares e, em 1972, em Learning from Las Vegas (Aprendendo com Las Vegas), juntamente com Denise Scott Brown, escreveu sobre os elementos feios do quotidiano

192 Josef Frank, Architeltur als Symbol, in Josef Frank. Schriften - Band 2, Viena: Metroverlag, 2012,

p.180.

193 Robert Venturi, Complexity and Contradiction in Architecture, Nova Iorque: Museum of Modern

Art, 1966, p.48. 91 Josef Frank, Casa

para Trude Waehner, Provença, 1950-1960. Perspectiva exterior em aguarela.

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como opostos ao heróico.194

A par destas correspondências encontram-se bastantes paralelismos entre Josef Frank e Robert Venturi nas suas atitudes perante a arquitectura histórica e moderna. Ainda antes de Venturi, Frank defendeu que todas as formas, mesmo as da nossa arquitectura moderna desornamentada, contém os seus símbolos, mesmo que, uma e outra vez, nos seja assegurado que eles existem apenas para servir funções.

Muitos destes paralelismos foram confirmados por Denise Scott Brown, num texto que acompanhou a publicação da obra literária de Josef Frank. Nesse sentido escreveu:

Na década de 70 descobrimos que muitas das ideias de Learning from Las Vegas haviam sido desenvolvidas por J. B. Jackson, à sua própria maneira, uma década mais cedo. Em 2012 isto aconteceu novamente com Frank. (...) Os seus pensamentos sobre a desordem refletem os nossos sobre a complexidade e estamos próximos no tema do kitsch. (...) Também discorda com o argumento moderno, de que “a pessoa que utiliza um comboio, um carro ou um avião não pode, no seu caminho de volta, sentar-se numa cadeira Louis x1v, xv ou x1v1, sem que se torne consciente da mentira intrínseca e sem que se pareça ridículo a si mesmo.” Tanto ele como nós concordamos que os arquitectos modernos aceitavam, de facto, formalismos (“sentimentalidade”) clandestinamente e ele goza com “os truques utilizados para dar a volta à muito aclamada “Schachlichkeit”, de maneira a aplicar um estilo querido, seja o estilo moderno ou histórico, para que a necessidade por sentimentalidade seja satisfeita.”195

De facto, ainda antes de Venturi, muitos dos princípios de Josef Frank, que o haviam afastado da corrente principal do movimento moderno, começaram, principalmente a seguir à Segunda Guerra Mundial, a ser explorados por vários arquitectos.

As duas décadas que se seguiram ao período pós-guerra foram uma época tanto de triunfo como de mudança na arquitectura moderna. Esta era testemunhou a construção de muitos dos mais impressionantes edifícios do movimento moderno, como por exemplo, a Casa Farnsworth e o Edifício Seagram, de Mies van der Rohe, de 1950 e 1958, respectivamente e as Unidades de Habitação e os edifícios de Chandigargh, de Le Corbusier, construídos entre 1947 e 1963. Contudo, mesmo que o movimento moderno ainda estivesse a dominar o panorama arquitectónico da altura, também estava, cada vez mais, a ser questionado. O desenho funcionalista e científico, a habitação estandardizada 194 Robert Venturi, Denise Scott Brown, Learning from Las Vegas, Nova Iorque: The MIT Press, 1977,

p.129.

195 Denise Scott Brown, Reclaiming Frank’s Seat at the Table, in Josef Frank. Schriften - Band 1, Viena:

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e a introdução de materiais e sistemas constructivos novos, apesar de se demonstrarem como vantagem técnicas, não garantiam a continuidade dos valores humanos na arquitectura. Este período pós-guerra também testemunhou a construção de muitos edifícios que imitavam as formas do movimento moderno sem que, no entanto, conseguissem alcançar a clareza e serenidade dos seus grandes exemplos.

A contínua discussão de muitos dos princípios do movimento moderno, tornou-se sintomática desta época. Ao contrário daquilo que aconteceu no período pré-guerra, a crítica cultural da nova arquitectura partiu, em grande medida, da sua avant-garde.

Le Corbusier, por exemplo, nas casas que desenhou na Índia, explorou organizações espaciais muito semelhantes àquelas que Frank havia

desenvolvido durante o seu trabalho. Nestas casas, Le Corbusier abandonou a utilização de mobiliário metálico, com o qual Frank era especialmente crítico. Na Casa Sarabhai, de 1955, Le Corbusier apenas utiliza maioritariamente mobiliário de madeira dispondo-o de forma casual por toda a casa; nestes arranjos tenta incluir mobiliário tradicional indiano e muitos outros objectos na tentativa de estabelecer uma relação com a cultura indiana, satisfazendo a necessidade de sentimentalidade dos seus habitantes.

A atitude de Le Corbusier havia sido influenciada pelos avanços conseguidos no seio dos Congrès International d’Architecture Moderne (CIAM), entre 1947 e 1956. Nestes congressos, que Frank havia abandonado ainda em 1929 por discordar por completo com os assuntos debatidos e os seus resultados, começou-se a transcender a esterilidade abstrata do funcionalismo, afirmando a criação de uma envolvente física que satisfizesse as necessidades materiais 92 - 93 Le Corbusier,

Casa Sarabhai, Índia, 1955. Sala de estar. 94 Fernando Távora, Casa de Ofir, Ofir, 1958. Pátio.

133 e emocionais do Homem.196

Estas mudanças dentro da corrente principal do movimento moderno, foram indubitavelmente ao encontro do pensamento de Josef Frank. Nesse sentido, também conseguimos encontrar ecos das suas ideias na produção arquitectónica desse tempo.

Como protagonista português desse período, na dupla posição de jovem arquitecto e participando dos últimos CIAM, Fernando Távora surge como exemplo. A sua casa em Ofir, de 1958, ilustra bem o encontro entre modernidade e tradição que Frank havia defendido.

Através da sua postura crítica, indubitavelmente partilhada por Frank, esta casa de Távora, como Sérgio Fernandez a iria interpretar, é um prenúncio à crítica que mais tarde viria a ser feita à arquitectura internacional.197 No texto

que acompanha a apresentação da casa de Ofir, na revista Arquitectura, há uma constante referência ao composto em oposição à mistura.198 Fernando Távora

reconhece, assim, a multiplicidade de factores aos quais é necessário atender num projecto de arquitectura, uns exteriores ao arquitecto, outros pertencentes à sua formação ou à sua própria personalidade. Destes factos ressalta a família que iria habitar a casa, os seus gostos e possibilidades económicas, o terreno e a sua forma, o saber e erudição do arquitecto. Para Távora a casa não é apenas um edifício e no seu diário, em anotações para o texto sobre a casa de Ofir, para 196 Kenneth Frampton, Historia crítica de la arquitectura moderna, Barcelona: Editorial Gustavo Gili,

1981, p.271.

197 Michael Toussaint, Casa entre Pinheiros, in Casa de férisa em Ofir, Lisboa: Editorial Blau, 1992,

p.11.

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a revista Arquitectura, Fernando Távora, explica que é preciso viver esta casa.199 Este termo viver estabelece-se como um termo importante no

entendimento da habitação por Josef Frank e quando Távora o utiliza, parece referir-se ao mesmo que Frank: a casa não deve servir apenas tarefas funcionais rígidas, como cozinhar, comer e dormir, mas deve conseguir acomodar em si toda a vitalidade que decorre da vida quotidiana dos seus habitantes. A casa deve deixar as pessoas felizes e contribuir, em todos os seus aspectos, para o seu prazer. A casa deve ser confortável e deve atrair- nos; um lugar ao qual se está acostumado e onde decorre a vida quotidiana. O sítio mistura pinhal e casas, o terreno estava ocupado por vários pinheiros e era moldado por uma ligeira ondulação.

A partir do ponto de entrada para o terreno, a Casa de Ofir implanta-se num ângulo de 45º (tal como acontecia dos templos gregos) denunciando, desde logo, as influências da arquitectura clássica. Tal como Josef Frank, também Távora evocava naturalmente o passado. A assunção deste posicionamento explica como pretendeu desenhar a sua arquitectura de modo a garantir um diálogo que afirma as semelhanças e a continuidade ao contrário de cultivar a diferença e a ruptura.200

As aberturas mais largas desta casa, como também acontece recorrentemente 199 Fernando Távora em anotações para o texto sobre a casa de Ofir, para Arquitectura,

registo diarístico em 5 de Maio de 1957; in Nuno Seabra, Ricardo Gil Pereira, Sobre o

“projecto-de-arquitectura” de Fernando Távora, Fernado Távora, a minha casa. org. coord.

Manuel Mendes. Porto: FIAJMS, 2015, p.255.

200 Fernando Távora, Trabalhos de Conservação e Adaptação, in boletim da DGEMN - Pousada de

Santa Marinha, Guimarães, n. 130, Libos, 1985, p.77.

95 Fernando Távora, Casa de Ofir, Ofir, 1958. Planta.

96 Vista exterior a partir do ponto de entrada no terreno.

135 nas casas de Josef Frank, encontram-se viradas para o jardim, sendo que as

restantes fachadas, mais opacas, com aberturas pontuais e mais pequenas, como o nicho da parede da sala, se voltam para os limites do terreno. Tal como no desenho de Josef Frank na Casa Beer, também Távora se

preocupa em fazer a transição discreta do mundo natural que envolve a casa para dentro da própria casa: os percursos exteriores da casa de Ofir são continuados para dentro do hall de entrada.

No interior, certamente influenciado por Alvar Aalto e por um Le Corbusier de Chandigarh, Távora procura utilizar materiais e mobiliário tradicional em madeira, respondendo às necessidades de conforto e sentimentalidade dos seus habitantes; mais uma vez, uma atitude que garante um diálogo que afirma as semelhanças e a continuidade com a cultura tradicional. Nesse mesmo sentido, o pavimento em tijoleira da sala, alguns elementos em pedra e as paredes espessas, rebocadas e pintadas de branco, remetem para o imaginário da arquitectura espontânea. Esta atitude de Fernando Távora parece traduzir os pensamentos que rudimentarmente Josef Frank propôs no seu texto Akzidentismus (Acidentismo): a procura pelo acaso, pela escolha de certos elementos que devem dar a entender que surgiram aleatoriamente e naturalmente. Frank tinha esperança que a arquitectura afectada pelo acaso, pelo acidente, conseguisse refletir uma sensação de vitalidade, de variedade e de um carácter livre ao contrário daquilo que é rígido e restritivo. Tal como nos projectos experimentais de Josef Frank, realizados entre os anos

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