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A Cerca Fernandina como matriz de evolução da "nova cidade" de Lisboa

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Academic year: 2021

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A CERCA FERNANDINA COMO MATRIZ DE EVOLUÇÃO DA

‘NOVA CIDADE’ DE LISBOA

Revitalização do Convento da Encarnação com a criação de

um ‘Pólo Cultural’

Projecto Final de Mestrado

Para obtenção de grau de Mestre em Arquitectura

João Paulo Felizardo Roque do Vale

(Licenciado em Estudos Arquitectónicos)

Orientadores:

Professor Doutor António Leite Professor Doutor Paulo Pereira

Júri:

Presidente: Professor Doutor Ricardo Silva Pinto Vogal: Professor Doutor Carlos Ferreira

Documento Definitivo

(2)

II

AUTOR

João Paulo Felizardo Roque do Vale

IMAGEM DE CAPA

Proposta de reabilitação do Convento da Encarnação Fonte: Autor

TÍTULO DO PROJECTO FINAL DE MESTRADO

A Cerca Fernandina como matriz de evolução da ‘Nova Cidade’ de Lisboa

TEMA

A Cerca Fernandina

SUBTEMA

A Cerca Fernandina como matriz de evolução da ‘Nova Cidade’ de Lisboa

LOCAL E DATA DE IMPRESSÃO

(3)
(4)
(5)

V

I.

RESUMO

O presente trabalho incide sobre os valores históricos do centro de Lisboa relacionados com a Cerca Fernandina1 e a

sua memória, ainda eventualmente presente. Tal servirá como base de compreensão e reflexão sobre o desenvolvimento e organização da Cidade de Lisboa, em especial na zona da Colina de Sant’Ana. Tornar-se-á, igualmente, a principal ferramenta de projecto, sendo que, nesta componente, a procura pelo enaltecimento destes valores é constante. São objecto de estudo o panorama alargado da Cidade medieval cercada pela Cerca Fernandina e, a uma escala de maior detalhe, o lugar a intervir: o Convento da Encarnação. Neste último, procurar-se-á entender as relações pretéritas ou ainda existentes com a Cerca e como este facto foi matricial ao crescimento da cidade. Será com base nestas premissas que a componente projectual deste trabalho será desenvolvida. A estas, acresce o estudo sobre o programa a construir, compreendendo concretamente uma escola de música e auditório.

No que ao projecto diz respeito, são levadas a cabo estratégias de reabilitação, reconstrução e construção nova. Os critérios para a escolha da aplicação de cada uma destas estratégias será resultante do estudo do Convento de um ponto de vista histórico e, simultaneamente, programático e funcional, bem como material, naturalmente considerando o estado actual da construção.

1 A cerca Fernandina herda o seu nome do rei que ordenou a sua construcção, D.Fernando, no século XIV. Exercia funções defensivas aumentando assim os limites da cidade protegida até então pela a antiga Cerca Moura.

(6)

VI

Assim sendo, é nosso propósito revitalizar uma estrutura outrora relevante no contexto da cidade, contextualizando-a com o que a contemporaneidade pode exigir. Além disto, procura-se igualmente enquadrar o projecto numa acção mais lata de revitalização da colina em que se insere contribuindo, deste modo, para um processo geral de reabilitação da cidade de Lisboa num contexto estratégico que procura promover a oferta cultural para os seus habitantes e/ou visitantes.

Palavras Chave

Cerca Fernandina de Lisboa, Convento da Encarnação, Lisboa, Reabilitação Arquitectónica, Património.

(7)

VII

II.

ABSTRACT

In this paper we addressed the historical values of the Lisbon city center in relation with the city walls, known in this place as part of the “Cerca Fernandina2”, eventually still present

as a built or imbedded memory. That will be the ground basis for the comprehension and reflection on the organization and development of the city, specially in what concerns the area of the Sant’Ana Hill. It will become, as well, the main tool used as inspiration for the project’s development, since there is a constant search for the enhancing of this values throughout all its components. The subject-matter is the wide panorama of the walled city and, in a more detailed scale, the place of the material intervention, Encarnação’s Convent. Taking this in consideration, reviewing and revisiting Encarnação’s Convent and its peculiarities, having in mind its (still) remaining relations with the wall and how it takes part in the development and growth of the city, it will be our main concern for the premises that stand as the project idea and fulfillment. These will be joined by the study on the program to be built as an addition to the Convent’s bulk: a music school and auditorium.

The project itself will make use of strategies of rehabilitation, reconstruction and new construction within the contemporary criteria. The choice of one of these methods will be the result of the study of the incumbent area - the Convent - having in consideration an historical point of view, as well as an organizational and functional one. The actual status of the constructive materials will, quite evidently, take a big part in this choice.

2 The ‘Cerca Fernandina’ inherits its name after the king that ordered its construction in the XIV century improving Lisbon’s city defensive capacity until then protected by the previous ‘Cerca Moura’.

(8)

VIII

This intervention’s purpose is to bring back to life a city structure that has been once relevant in the context of the city, now attached to new economic values in which this void will be repurposed, taking part of what the present day by day may demand. Besides all, it intends to become relevant for a general process of bringing back life to the Hill contributing to a major process of rehabilitation of a part of the city of Lisbon, so promoting the cultural offer to its inhabitants and or visitors.

Keywords

D. Fernando’s city wall, Encarnação’s Convent, Lisboa, Architecture Rehabilitation, Heritage.

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IX

III. ÍNDICE GERAL

I. Resumo……….……

II. Abstract………....

III. Índice geral………...

IV. Índice de imagens………...

1. Introdução

………

1.1.Objectivos………... 1.2. Questões de trabalho……….. 1.3. Metodologia ………..

2. A Cerca Fernandina

2.1. Lisboa, uma cidade milenar

2.1.1. O lugar de Lisboa……….. 2.1.2. As várias cidades – palimpsesto da história………. 2.1.3. As várias Cercas……….……... 2.2 Lisboa, a cidade matricial da Cerca Fernandina 2.2.1. O traçado da Cerca e os seus elementos

morfotipológicos…………... 2.2.2. A Cerca como elemento organizador da Cidade………... 2.3 A nova Cidade

2.3.1. A cerca, um limite a transgredir ……... 2.3.2. A Cidade contemporânea e a memória da Cerca………...

V

VII

IX

XI

3 5 7 8 13 15 17 18 21 23 26

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X

3. O Convento da Encarnação

3.1. Os Conventos em Portugal ………..……… 3.1.1. Os Conventos e a Cidade……... 3.1.2. Os Conventos femininos...……….... 3.2. O convento da Encarnação………...

4. Casos de estudo

4.1. Museu de Arte de Moritzburg, Halle………... 4.2. Mosteiro Novy-Dur, Republica Checa……… 4.3. Escola de Música de Louviers, França………

5. Projecto

5.1. O Lugar

5.1.1. A colina de Sant’Ana……… 5.1.2. A Cerca………. 5.2 . Construção e oportunidades de Programa………... 5.3. Conceptualidade do Projecto……… 5.4. Concepção e materialização………. 5.5. Quantificação………

6. Considerações finais

………..………...

7. Bibliografia

………...

8. Anexos

…..……… 33 35 37 39 53 59 63 69 73 74 79 81 84 89 93 99

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XI

IV. ÍNDICE DE IMAGENS

Fig. 1 Imagem representativa de como seria Lisboa. ... 13 Fig. 2 Desenho de Lisboa, p. Braunio. Fonte:

http://purl.pt/22208/2/ ... 14 Fig. 3 Representação do que seria Olissipo Fonte:

http://umgrandehotel.blogspot.pt/2014/07/olissipo-romano.html ... 15 Fig. 4Representação do que seria Olissipo Fonte:

http://umgrandehotel.blogspot.pt/2014/07/olissipo-romano.html ... 15 Fig. 5 Lisboa em 1630 por J. N.Tinoco Fonte:Biblioteca

Nacional de Portugal ... 16 Fig. 6. Cerca Moura de Lisboa

Fonte:http://lisboadesdesempre.com/ainda-ha-muralha-medieval-em-lisboa/ ... 17 Fig. 7. Lisboa e as suas cercas Fotomontagem sobre o desenho de Braunio ... 17 Fig. 8.Traçado das cercas sobre o traçado de Lisboa por A. H. de Oliveira Marques / Iria Gonçalves / Amélia Aguiar Andrade Fonte:, Atlas de Cidades Medievais Portuguesas, Lisboa, INIC, 1990, pp. 58-59) ... 18 Fig. 9 Fotografia da torre do jogo da Pela Fonte:

http://lisboadesdesempre.com/ainda-ha-muralha-medieval-em-lisboa/ ... 19 Fig. 10. Gravura ilustrando o Arco de Jesus Fonte:

https://aviagemdosargonautas.net/2014/10/05/dia-de-lisboa-arco-de-jesus-ao-campo-das-cebolas-roque-gameiro/ ... 19 Fig. 11. O traçado da Cerca Fernandina. Fonte:

http://lisboadesdesempre.com/ainda-ha-muralha-medieval-em-lisboa/ ... 20 Fig. 12. Fotografia do Arco do Marquês de Alegrete, anos 1940 Fonte:

https://www.flickr.com/photos/38564929@N02/3547120280 23 Fig. 13.Arco do Marquês do Alegrete em 1946. Fotografia de Ed. Portugal. ... 24 Fig. 14Representação da Placa Comemorativa das Escadinhas da Saúde ... 26

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XII

Fig. 15.Fotografia do Praça do Martim Moniz. A memória da Cerca. ... 26 Fig. 16. A sobreposição das malhas de Lisboa Fonte: Cadernos MUrb ... 27 Fig. 17. Sobreposição de traçados, Rua de S. Sebastião da Pedreira e o viaduto que suporta a Av. Fontes Pereira de Melo. Fonte: http://lisboadeantigamente.blogspot.pt/2016/08/rua-de-s-sebastiao-da-pedreira-viaduto.html ... 28 Fig. 18. Desenho de A. Vieira da Silva (Fragmento da planta de LISBOA actual (1936), sobreposta à LISBOA anterior ao Terramoto de 1755 a vermelho.) Fonte: Volume I "AS

MURALHAS DA RIBEIRA DE LISBOA-1940) ... 29 Fig. 19.Fotografia do Convento do Carmo Fonte:

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/49/Couvent _des_Carmes_%289297333990%29.jpg ... 35 Fig. 20. Desenho de Vieira da Silva. Fonte:

http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2016/09/ ... 35 Fig. 21. Hospital de S. José, antigo Colégio de Santo Antão o Novo

Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Hospital_de_S%C3%A3o_J os%C3%A9 ... 36 Fig. 22. Coro Alto da igreja de Sta. Clara e os seus elementos decorativos/funcionais

Fonte:http://2.bp.blogspot.com/_UhStqy6BrPQ/R3d2Hz9pbaI/ AAAAAAAAA18/k_KzBJXOLLE/s1600-h/coro2 ... 40 Fig. 23. Ilustração com o Convento da Encarnação como fundo. Data desconhecida Fonte:

http://lisboahojeeontem.blogspot.pt/2013/06/convento-da-encarnacao.html ... 41 Fig. 24. Entrada do Convento Da Encarnação.

Fonte:http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patri monio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70062 ... 42 Fig. 25. Ilustração do Convento da Encarnação visto do

Rossio.Por Jacinto Luis Fonte:

http://www.artnet.com/artists/jacinto-lu%C3%ADs/vista-de-

lisboa-com-convento-da-encarna%C3%A7%C3%A3o-e-PJyZYOgI9lHqVRDbxDg9pA2 ... 43 Fig. 26. Fotografia do interior da igreja do Convento da

Encarnação.

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XIII Fig. 27. Vista do Convento da Encarnação para Lisboa.

Fotografia do Autor. ... 44 Fig. 28. O Rossio e o Convento da Encarnação. Fotografia do Autor ... 44 Fig. 29. Planta do convento da Encarnação piso 0 Fonte: Autor ... 45 Fig. 30. Planta do convento da Encarnação piso 1 Fonte:Autor ... 46 Fig. 31. . Planta do convento da Encarnação piso 2 Fonte: Autor ... 46 Fig. 32.. Planta do convento da Encarnação piso3 Fonte: Autor ... 47 Fig. 33. Planta (seg. Patrícia Fidalgo, Maria Luísa Urries, Tiagop Caferra): trabalhos da cadeira de projecto sobre S. Bento de Castris; 4º ano, 2014/2015) ... 48 Fig. 34. Planta (seg. Patrícia Fidalgo, Maria Luísa Urries, Tiagop Caferra): trabalhos da cadeira de projecto sobre S. Bento de Castris; 4º ano, 2014/2015) ... 49 Fig. 35. Moritzburg, Halle. Planta sem represenação da

totalidade das extensões (Fuensanto Nieto e Enrique Sobejano) ... 53 Fig. 36. Museu de Arte, Moritzburg, Halle. Distribuição

funcional na parte original reabilitada (Fuensanto Nieto e Enrique Sobejano) ... 55 Fig. 37.Museu de Arte, Moritzburg, Halle. (Fuensanto Nieto e Enrique Sobejano)1 ... 56 Fig. 38. Museu de Arte, Moritzburg, Halle. (Fuensanto Nieto e Enrique Sobejano)2 ... 56 Fig. 39.Museu de Arte, Moritzburg, Halle. (Fuensanto Nieto e Enrique Sobejano)3 ... 57 Fig. 40. Museu de Arte, Moritzburg, Halle. (Fuensanto Nieto e Enrique Sobejano)4 ... 57 Fig. 41. Museu de Arte, Moritzburg, Halle. (Fuensanto Nieto e Enrique Sobejano)5 ... 58 Fig. 42. John Pawson, Mosteiro de Nossa Senhora de Novy Dvur na República Checa. ... 59 Fig. 43. John Pawson, Mosteiro de Nossa Senhora de Novy Dvur na República Checa. Visra da igreja a partir do claustro novo ... 60

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XIV

Fig. 44. John Pawson, Mosteiro de Nossa Senhora de Novy Dvur na República Checa.Igreja ... 60 Fig. 45. John Pawson, Mosteiro de Nossa Senhora de Novy Dvur na República Checa.Igreja ... 61 Fig. 46. Fotografia da escola de musica de Louviers, vista exterior Fonte:

http://www.opus5.fr/filter/PROJETS/LOUVIERS-Ecole-de-Musique. ... 63 Fig. 47. Fotografia da escola de musica de Louviers, vista do claustro. Fonte:

http://www.opus5.fr/filter/PROJETS/LOUVIERS-Ecole-de-Musique ... 64 Fig. 48. (à esquerda) Fotografia da sala de orquestra1 - Bancos fechados Fonte:

http://www.opus5.fr/filter/PROJETS/LOUVIERS-Ecole-de-Musique ... 65 Fig. 49. (à direita) Fotografia da sala de orquestra1 – Bancos abertos ... 65 Fig. 50. Planta do piso superior da escoa de musica de Louviers Fonte: http://www.opus5.fr/filter/PROJETS/LOUVIERS-Ecole-de-Musique ... 66 Fig. 51. A cerca no Convento da Encarnação. Por Vieira da Silva. ... 71 Fig. 52. O convento da Encarnação, a cerca e a Colina de Sant'Ana Fonte: Autor... 72 Fig. 53. Axonometria explicativa do programa geral. A azul, o auditório; a laranja, a escola de musica; a verde o centro

cultural; a rosa a igreja. Fonte: Autor ... 75 Fig. 54. Axonometria explicativa do programa geral. A azul, o auditório; a laranja, a escola de musica; a verde o centro

cultural; a rosa a igreja. ... 75 Fig. 55. Diagrama de Usos da proposta Fonte: Autor ... 78 Fig. 56. Esquema dos espaços a demolir (a rosa). Fonte:Autor 81 Fig. 57. Esquema representativo da construcção nova (a rosa). Fonte: Autor ... 82

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1

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3

1. Introdução

“Uma cidade é mais obra do tempo do que do Arquitecto.” 3

Considera-se ser impossível desligar a arquitectura do conceito de tempo. Tempo… Conceito fascinante que se torna inquietante aquando da procura da sua mais intrínseca definição. Como podemos ver o tempo? Se não o vemos, olhemos então para os resultados da sua passagem. O que fica do tempo que passa? A História.

Se, em retrospectiva, olhamos para a cidade como obra do (e no) tempo, teremos de projectar na (e para) a cidade tendo em conta o Tempo, o mesmo é dizer: projectar com a História. As cidades são sempre palimpsestos e alguns edifícios podem também ser descritos como tal.

É a partir desta lógica que o trabalho de reflexão e investigação encontra a razão da sua temática.

Todos os elementos históricos se tornam então relevantes para o entendimento do crescimento e evolução da cidade, desde os políticos, sociais e técnicos até aos de carácter urbanístico, cultural e artístico. Dado que seria impraticável estudar todos estes elementos em toda a Cidade elege-se, por tema de análise um que seja de interesse especifico para a elaboração do projecto de arquitectura incidente no Convento da Encarnação.

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4

Assim, achou-se pertinente procurar entender o papel da Cerca Fernandina de Lisboa no crescimento da cidade. Espera-se, desta forma, chegar ao entendimento dos contextos temporais do Convento da Encarnação e do seu lugar que, aliás estabelece pela sua localização e não só, uma relação inquestionável com a cerca.

Mais ainda, e mantendo a ideia de palimpsesto como ferramenta justificativa e explicativa da intervenção, o próprio convento torna-se ele mesmo uma base de estudo nunca esquecendo a sua relação com a cerca.

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1.1 Objectivos

O presente trabalho final de mestrado tem por objectivo contribuir para a revitalização da colina de Sant’Ana, tendo por base o conceito de resignificação da cerca Fernandina de Lisboa. Incidirá, em termos projectuais, apenas num edifício que procura sintetizar e servir de exemplo a estas ideias.

Hoje mesmo, apenas as vulgares tarefas quotidianas e transitórias ou as obrigatoriedades remanescentes da existência de pequeno comércio e habitação ou de hospitais ainda em actividade, motivam o atravessamento ou vivência da colina. Tal justifica-se pela densa estrutura do construído, que dificulta o acesso rodoviário, associada à topografia do terreno, que dificulta, desta feita, o acesso pedonal. Mas além disso, e acima de tudo, percebe-se a ausência de uma motivação no quadro da orgânica do edificado, carente de uma estrutura, ou várias estruturas, qualificadas capazes de suscitar a afluência de pessoas através de pólos de atracção diversificados.

Considerando a tendência dos centros das cidades em se tornarem locais momentâneos de visita, mais do que lugares de permanência, revela-se importante a reprogramação do centro histórico de Lisboa, equipando-o com as ferramentas necessárias para tal

. Assumindo a topografia sinuosa do terreno e tirando partido da mesma, procura-se associar a colina de Sant’Ana a um local de visita cujo valor transcenda o seu estrito valor actual. Para tal, e como justificação do valor que se entende atribuir ao local, procura-se enaltecer a componente histórica da zona no contexto da cidade medieval, considerando os limites da Cerca Fernandina. Este novo/velho valor será, além disso, conciliado com os novos programas que têm por objectivo manter uma relação com a carga histórica do local.

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Entendeu-se como pertinente para uma intervenção projectual, dado o seu estado actual, a sua carga histórica e a forte relação com o tema base, o Convento da Encarnação. Escolheu-se um programa tripartido. Espera-se, deste modo, contribuir para uma maior dinâmica da zona. Propõe-se, assim, uma Escola de Música – equipamento inexistente no contexto da colina e no tecido sócio-cultural da zona - que poderá convidar a uma vivência regular, completada por um Auditório, suscitando uma utilização excepcional e em horários mais amplos, potenciada por um centro de conferências/workshops.

Além do que é posto em prática na componente de projecto deste trabalho, o ponto de partida passa pela premissa de que é possível incrementar o valor da colina tendo como agente dessa eventual alteração a criação de um pólo cultural. Tem-se por objectivo tornar possível a criação de uma zona que será lida como um todo, assentando esta leitura na temática escolhida

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1.2 Questões de trabalho

● Que programas/equipamentos ou valências de uso fazem falta na colina de Sant’Ana para torná-la mais convidativa?

● Como tornar a colina de Sant’Ana mais acessível e facilitar o acesso à zona do actual Convento da Encarnação?

● Como intervir no Convento tendo em conta a larga herança patrimonial em questão e a história do mesmo?

● Como enaltecer a relação com Cerca?

● Qual a leitura conceptual do pré-existente de modo a adequar a intervenção e harmonizar o novo com o antigo?

● Como construir o novo, a que escala e de que forma pode ser feita a ligação com o antigo?

● Quais as componentes do Convento alvo de reabilitação e quais a demolir?

● Que materiais são passiveis de ser utilizados?

● Que soluções se podem usar para fazer uma boa contextualização histórica?

● Como lidar com o grande desnível entre a cota do Convento e a Rua das Portas de Santo Antão?

● Como poderão ser melhorados os acessos e garantidos os canais para cargas e descargas relacionados com a componente de restauração e de auditório?

● Como poderá ser tratada a parte do Convento a manter?

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1.3 Metodologia

Para a elaboração do trabalho final de mestrado a metodologia adoptada centra-se no exercício de projecto tomando como ferramenta basilar a análise histórica.

Começou-se pela escolha do local a intervir. Para este ponto mostrou-se importante procurar um local que fosse à partida passível de sofrer uma intervenção. Uma vez escolhido, e com o natural desenvolvimento dos processos de análise e projecto, tornou-se evidente a relevância da temática da Cerca enquanto elemento transversal a todos os elementos do trabalho escrito e prático. Justifica-se, assim, a necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre o mesmo. A busca de uma relação e significação projectual tornou-se incontornável, contribuindo simultaneamente para a consolidação da temática atribuída. Tornou-se então relevante a análise do local a intervir, tanto a Colina como o Convento, interligando-os com o tema.

No que ao programa diz respeito, procurou-se enaltecer ou, pelo menos, manter esta ligação com a história do local através do uso de funções que conferissem uma maior dinâmica à zona.

Surgiram então hipóteses para a materialização do conceito e do programa que teriam de responder igualmente às questões mais triviais sem nunca esquecer as premissas base. Nestas hipóteses considerou-se:

i) Reaproveitar as componentes do Convento mais consolidadas e formais e repensar os espaços menos consolidados e mais confusos de forma a tornar a leitura mais clara;

ii) Utilizar os desníveis do terreno não construído para fazer construção nova de pouco impacto na colina, mantendo desta forma a leitura actual e possibilitando a manutenção de espaços verdes fazendo uso do espaço;

iii) Criar um diálogo claro e contrastante entre o novo e o antigo de forma a enaltecer o antigo e a oferecer as possibilidades contemporâneas do novo construído;

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9

iv) Criar um elemento novo para servir as funções de auditório.

v) Adaptar os compartimentos pré-existentes, repartindo-as de forma lógica por zonas, - zona de Escola, Centro Cultural e Auditório, bem como a já existente e não reprogramada Igreja. No fundo, grande parte das soluções do projecto têm sempre por objectivo conferir valor à história procurando dar respostas pragmáticas às necessidades que se tornem evidentes. Como tal, estas soluções, pouco se podem desviar do respeito e consideração pela zona e, em especial, pelo edifício principal a ser reabilitado, não querendo, independentemente se for adoptada uma estratégia de contraste ou de maior semelhança, desrespeitá-lo ou descontextualizá-lo.

Durante o processo recorreu-se à análise comparativa, bem como à analogia face a diversos casos de estudo, sendo que alguns justificariam uma investigação mais aprofundada.

Por fim tecer-se-ão as conclusões finais sobre a proposta e a sua adaptação à temática bem como a elaboração do material necessário à compreensão da proposta.

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2. A Cerca Fernandina

2.1 Lisboa, uma cidade milenar

2.1.1 O lugar de Lisboa

O lugar de Lisboa vê as suas características favoráveis ao estabelecimento de uma povoação, cidade ou polis, enfatizadas e realçadas com as sucessivas apostas dos diferentes povos. Apesar de manter a génese das características que levaram à formação da povoação a que mais tarde se veio a chamar de Lisboa, é preciso referir que no momento da sua formação, a configuração geográfica de Lisboa era diferente da situação actual.

Aquilo a que hoje chamamos Colina do Castelo era então uma península rodeada por água. Duas ribeiras desciam, uma a norte pelo actual vale da Av. da Liberdade e outra a nascente pela actual Av. Almirante Reis. Juntavam-se na agora praça do Rossio a partir de onde se formava um grande esteiro que ia desaguar no Tejo. Esta situação geográfica permitia optimizar as estruturas defensivas e garantir o acesso às embarcações até à zona a que hoje chamamos de Martim Moniz. Aqui, e na costa poente da colina, onde hoje se situa, sensivelmente, a Rua da Prata, onde existia uma plataforma e um cais, senão mesmo um fórum secundário, estamos perante lugares nos quais se prossupõe uma intensa actividade comercial, artesanal e proto-industrial quer através da salga de peixe quer nas olarias. Tornava-se assim o lugar ideal para o estabelecimento de um núcleo urbano tendo em conta que se verificavam, bem como ainda se identificam, a presença dos “3

elementos principais” em qualidade, plenos de relações

dinâmicas entre si: a terra, a água e o ar.

Fig. 1 Imagem representativa de como seria Lisboa. Autor desconhecido. Fonte http://planeta- reboque.blogspot.pt/2004/10/papeis-dispersos-lisboa-romana.html

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14

A terra, no hinterland saloio imediatamente a norte da colina e nas várzeas e veigas setentrionais, possuía uma boa capacidade para garantir a produção de bens alimentares, bem como a extracção de matérias-primas de boa qualidade. É graças a esse elemento que se torna possível a edificação cidade. Encontra-se uma riqueza geológica desde o basalto ao calcário – especialmente este, de dois tipos, o calcário branco trazido dos arredores, e o calcário amarelo dos bancos dolomíticos na própria colina -, o que confere a Lisboa e a grande parte dos seus monumentos a sua imagem. Além disto, é graças aos seus relevos e depressões que se conseguem boas posições para os elementos de defesa da cidade e ao mesmo tempo os locais ideais para momentos de congregação, suscitando estes o desenvolvimento do comércio.

“Cidade que encontra no rio a razão de ser e de existir”4

.

A água e o contexto fluvial-marinho, imprescindível elemento à formação da cidade, fomenta a boa acessibilidade e realça a sua importância como via de tráfego. Garante Lisboa como cidade das navegações e justifica a decisão dos romanos em assumi-la como cidade/civitas e como um porto. Anos mais tarde será este o elemento preponderante na elevação da cidade a uma centralidade com reflexos em todo o território. Quanto às nascentes de água doce, estas eram abundantes e foram-no até ao século XVI, começando a declinar desde então.

“Os bons ares são necessários ao sucesso da cidade.” 5

“Grandes vantagens oferecem os ventos que sopram do lado do mar.” 6

O 3º elemento, o ar, é o ponto que culmina o conjunto que faz de Lisboa um local único e propicio à formação de um núcleo urbano. Nele encontra-se qualidade e garantem-se os ventos que sopram, essencialmente, mas não só, do lado do mar.

4 Tostões, Ana in SALGADO (2006), pg.20. 5 Aristóteles in GASPAR (1994), pg. 14 6 Hipócrates in GASPAR (1994), pg. 14

Fig. 2 Desenho de Lisboa, p. Braunio.

Fonte: http://purl.pt/22208/2/

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2.1.2 As várias cidades – Palimpsesto da história

O Urbanismo propriamente dito surge em Lisboa/Olissipo com os Romanos que terão aproveitado um dos núcleos castrejos que ocupava o cimo da actual colina do castelo e que descia a partir daí até ao pequeno esteiro. Estes davam continuidade a ocupações que foram moldando o povoamento, e conferiam-lhe consistência e disciplina, repetindo a vocação grega ou uma matriz fenícia.

Tomando por base este núcleo, organiza-se um espaço rural e peri-urbano de Olissipo que adquiriria em breve a dignidade de município romano. Fazia-se relevante a actividade piscatória e portuária que se via valorizada pelas infraestruturas que se encontravam ao longo da colina até ao esteiro. Podíamos encontrar, como se percebeu já, na zona rente ao rio e nas suas praias mais ou menos extensas, a zona ribeirinha e a zona comercial e industrial, enquanto que na encosta se desenvolvia a cidade social e administrativa. O centro de então, o fórum principal, dá agora lugar à Sé e ao terreiro fronteiro à igreja de Sto. António. No alto, dominando a cidade, ergue-se o

oppidum, antepassado do actual Castelo. Era também na zona

de encosta virada a Sul que se podiam encontrar os espaços mais nobres, as termas, os templos, o senado, residências de classe superior para quem tinha estatuto de cidadão romano. Relativamente à rede viária tornam-se relevantes as linhas de saída para a envolvente tanto a norte como a nascente e a poente. São estas as vias que se assumem como linhas de crescimento da cidade.

Está então delineado o traçado que vai demarcar o território demográfica e culturalmente até à actualidade por mais de 2000 anos. Mais tarde ganhará o nome de Lisboa “Terra Saloia”.

No período de ocupação político-militar de elites germânicas esta urbanidade declina mas, mais tarde, com os muçulmanos, vê-se reforçada, valorizando as potencialidades do sítio. Reconstroem uma cidade fortificada, aproveitando trechos da muralha romana (a Cerca Velha, como ainda hoje se chama), e implantam a cidade tendo por base um loteamento e uma divisão de parcelário distinto, mas com morfologias em parte assentes no passado clássico, ou noutros casos, em zona de arrabalde obedecendo a princípios de aparente “organicismo” segundo os cânones do planeamento islâmico –ou

Fig. 3 Representação do que seria Olissipo

Fonte:

http://umgrandehotel.blogspot.pt/2014/ 07/olissipo-romano.html

Fig. 4Representação do que seria Olissipo

Fonte:

http://umgrandehotel.blogspot.pt/2014/ 07/olissipo-romano.html

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“mediterrânico”, para sermos mais precisos. Ao mesmo tempo acentua-se a relação entre cidade e envolvente territorial.

Com a Reconquista Cristã é traçado um outro rumo para Lisboa, de cidade e pólo portuário de unidades territoriais que tinham os centros de comando no interior (Mérida, com os Romanos; Córdoba ou Badajoz, com os Muçulmanos). É nítida e óbvia a valorização que os Romanos, Fenícios e Muçulmanos fizeram do sitio e localização, mas no contexto económico e territorial dos espaços que estas civilizações organizaram não deixou de ser, em conjunto com o restante litoral da Península Ibérica, uma periferia. No entanto Lisboa via-se agora como parte de um território autónomo política e economicamente. Estão criadas as condições para que Lisboa deixe de ser, pelas palavras de Jorge Gaspar, “(…) um finisterra e passe a ser uma

charneira.” Acumulava agora as funções de sede de um reino.

Desde a primeira dinastia reinante que Lisboa se distingue tornando-se um pólo de atracção de estrangeiros – artesãos, mercadores, navegadores e militares. Estes, em conjunto com as instituições religiosas e a ocupação que fizeram das colinas envolventes da Cidade, fica definida a paisagem de tal modo que ainda hoje perdura. Acentua-se a ligação das duas margens do rio e procura-se tomar sob protecção a população camponesa islâmica e integrar-se a população cristã em terra saloia ou na sua envolvente, com acções de fomento agrícola e povoamento através de “vilas novas” das quais ainda restam, entre outras, Vila Franca de Xira, Lourinhã, Vila Verde dos Francos.

Com D. Afonso III e a conquista do Algarve, Portugal via estabelecido o seu território. Lisboa assume a capitalidade do reino e cresce agora nas suas três dimensões: urbana, peri-urbana e rural. As colinas mais próximas são pontilhadas por igrejas e conventos. O esteiro da baixa vai-se aterrando para que o arrabalde evolua para um típico foris-burgus Cristão e Judeu e tardo-medieval burguês. Nos vales mais propícios, como na zona de Chelas, densifica-se a produção hortícola.

Fig. 5 Lisboa em 1630 por J. N.Tinoco Fonte:Biblioteca Nacional de Portugal

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2.1.3 As várias cercas

Afirmando a cidade fortificada erguida pelos Muçulmanos, Achbounah, mãe de Lisboa, procede-se, como vimos, à (re)construção de uma muralha envolvente - a Cerca Velha de Lisboa. A construção é iniciada no séc. V/VI. Ocupa o monte do Castelo. Deixa de fora dos seus muros a zona baixa em praia, junto ao rio, e ao esteiro: mas protege-a, por isso mesmo. Os seus limites descem do núcleo fortificado do alcácer até à praia onde abre portas. É ainda persistente o arco das Portas do Mar que deixa a nascente e a poente espaços para arrabaldes. Um destes dará lugar à “baixa”, de funções comerciais e artesanais como forma de articulação entre o porto e o lado mais rural. O outro, Alfama, vai afirmar-se mais intensamente ligado às actividades marítimo-fluviais. Deixa ainda a norte a Mouraria. Todos estes arrabaldes extramuros que se mantém durante o período medieval acompanham o crescimento constante das zonas urbanizadas. Para este crescimento têm papel determinante as novas ordens religiosas. Este extravasar dos limites cercados é bem perceptível em 11477.

Nos fins do 3º quartel do séc. XIV, com o contínuo crescimento da cidade, reconhece-se a inutilidade da cerca de muralhas “moura” no papel de defesa, já que se assevera insuficiente para a protecção da extensão de bairros habitados e comerciais que se haviam formado ultrapassando em muito os limites murados da cidade. Tornando-se esta obsolescência mais clara após o assalto, roubo e incêndios que o exército do rei D. Henrique de Castela infligiu à cidade em 1373, é mandada construir por D. Fernando uma nova cinta de muralhas, a Cerca Fernandina. É desenhada e construída no respeito pelos princípios do urbanismo medieval e tira partido da cerca que já existia. Não esquece a componente de valorização da colina e acentua o valor defensivo - e até simbólico - do castelo. Envolvem-se as linhas de colinas cristianizadas - Graça, Sant’Ana São Roque/Trindade, São Francisco - e são deixados no interior espaços livres e multifuncionais com evidente valor estratégico. Compreende-se a importância da cerca para a cidade quando em 1384 a defendeu, e aos seus habitantes, do exército castelhano.

7 Data do Cerco de Lisboa no contexto da Reconquista cristã da Península Ibérica.

Fig. 6. Cerca Moura de Lisboa

Fonte:http://lisboadesdesempre.com/ainda -ha-muralha-medieval-em-lisboa/

Fig. 7. Lisboa e as suas cercas Fotomontagem sobre o desenho de Braunio

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2.2. Lisboa, a cidade matricial da Cerca

Fernandina

2.2.1. O traçado da Cerca Fernandina e os seus

elementos morfotipológicos

O traçado da cerca surge como forma de encerrar os núcleos de habitação e comércio que foram sendo construídos fora dos limites da anterior muralha de Lisboa. A partir daí descia ao vale da Mouraria, que atravessava no sítio actual do Martim Moniz, subia a encosta do monte de Sant’Ana, descia até ao vale de Valverde, sensivelmente até ao ponto em que a avenida que atravessava na praça de D. João da Câmara. Daqui partia para o actual largo de S. Roque de onde descia até ao rio, passando pelo actual largo do Chiado. Fechava a embocadura do vale da baixa na linha marginal até se inserir, por continuidade, nas muralhas da Cerca Moura.

Com uma extensão total de 5,35km de perímetro a cerca envolvia a cidade de Lisboa numa área de 103,60 hm2. Seriam estas as dimensões da cidade nova que superavam em 6,6 vezes as dimensões da antiga cidade muralhada.

Não se pode dizer que o traçado da cerca tenha sido magistral na sua competência poliorcética e de defesa da cidade. Em alguns pontos da sua extensão, nomeadamente nos montes de S. Roque e de Sant’Ana deixava espaço a altos e grandes campos à sua frente que tornavam possível o uso de armas de arremesso. Em caso de ataque seriam estes os pontos fragilizados por serem os que seriam facilmente batidos pelas armas de arremesso então usadas.

Ao longo dos seus 5km, a altura dos muros era ligeiramente variável, mas rondava em média os 8 metros de altura. Tanto quanto é possível saber os muros eram construídos inteiramente de alvenaria, sendo que em certos troços a muralha seria composta por 2 muros paralelos cuja espessura rondaria os 0,5 metros com um miolo preenchido com taipa calcada. A bitola ou distância entre muros, parece ter sido fixada em 8 ou 10 palmos - 1,75m ou 2,2m - sendo este valor variável Fig. 8.Traçado das cercas sobre o traçado

de Lisboa por A. H. de Oliveira Marques / Iria Gonçalves / Amélia Aguiar Andrade Fonte:, Atlas de Cidades Medievais Portuguesas, Lisboa, INIC, 1990, pp. 58-59)

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19 consoante a maior ou menor vulnerabilidade que se atribuía ao local. Quando não tinham estes dois muros, seriam inteiramente maciças.

A parte superior da muralha era na sua totalidade percorrível em contínuo. A esta passagem dava-se o nome de serventia, passagem, andaimo ou adarve. A muralha acompanhava as inflexões do terreno: deste modo, o adarve, quando a inclinação era grande, tinha uma disposição em forma de escadaria. Era guarnecido pelo lado exterior por ameias. O acesso era feito através de escadas de pedra encostadas ou pegadas aos muros ou perpendiculares. Era utilizado pelas rondas realizadas pelos guardas que mantinham a vigia da barbacã. Esta era uma zona de largura variável tendo em média 5,5 varas (6 metros) que prevenia os ataques à cerca e a utilização de armas de arremesso. Acompanhava a cerca do seu lado exterior, contígua às muralhas, em grande parte da sua extensão e era limitada por um muro baixo ou paliçada.

No flanqueamento dos muros e com funções maioritariamente defensivas implantaram-se várias torres. Regra geral encontravam-se nos vértices salientes da cerca ou em pontos onde pudessem servir de atalaias. Estas tinham dimensões na sua secção que rondavam os 8x8m e uma altura que. por vezes. ultrapassava em muito a altura dos muros contíguos podendo atingir, por vezes, os 15 metros de altura. Ao longo de toda a extensão da cerca podiam-se contar cerca de 77 torres. As maiores eram geralmente maciças; as outras, ocas, tinham as suas coberturas interiores em forma de abóbada. Os terraços ou eirados eram guarnecidos de ameias tal como as muralhas e as maiores tinham junto a elas a escada de acesso aos seus eirados, que servia também a quadrela ou quadrelas contíguas.

Os cubelos, torres mais pequenas, tinham apenas 3 paramentos à vista. Ficavam, desta forma, pegados às muralhas cujas alturas, regra geral, não excediam. De construção regularmente maciça, os cubelos tinham uma secção horizontal que rondava em média os 5x5m mantendo-se à mesma altura que as quadrelas.8

A entrada na cidade, o atravessamento da cerca, era feito através das portas ou postigos. As serventias mais importantes – e, portanto, mais fortificadas e protegidas - eram as Portas. Algumas destas eram constituídas por uma quadra, ou recinto rectângular murado, com um ou dois vãos de portas nos

8 Ver SILVA, A. Vieira da, (1987) pg. 23-24.

Fig. 9 Fotografia da torre do jogo da Pela Fonte:

http://lisboadesdesempre.com/ainda-ha-muralha-medieval-em-lisboa/

Fig. 10. Gravura ilustrando o Arco de Jesus Fonte:

https://aviagemdosargonautas.net/2014/10/ 05/dia-de-lisboa-arco-de-jesus-ao-campo-das-cebolas-roque-gameiro/

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20

seus muros dianteiro e posterior. O vão da frente era guarnecido por duas torres defensivas laterais. Contavam-se entre as portas deste tipo as portas da Mouraria, de Sto. Antão, de Sta. Catarina e talvez a da Cruz. Outras portas abriam-se contíguas ou ao lado a uma torre das muralhas. O seu número rondava as 38. O controlo que era feito variou ao longo dos anos sendo que, por exemplo em 1384, por ocasião do cerco a Lisboa, apenas 12 das portas eram deixadas abertas durante o dia e das outras tinham alguns oficiais a chave. Estas eram utilizadas pelos batéis que chegavam e saíam às mais diversas horas com trigo e outros mantimentos. As outras chaves eram levadas todas os dias até ao Paço onde o governador da praça forte e, algumas vezes, o próprio D. João, mestre de Avis, as detinha durante a noite.

Nos inícios do séc. XVI terá sido aperfeiçoado, por sua vez, o serviço que controlava as entradas de mercadorias na cidade, segundo um sistema alfandegário. Seriam então cobrados os direitos de entrada e saída idênticos aos extintos portos fiscais. Assim eram limitados os locais onde se dava a entrada de mercadorias na cidade a 4 portas, a saber, a porta de Sto. Antão - a mais utilizada a norte, passando por ela, diariamente, uma média de 1500 cavalgaduras -, a porta de S. Vicente, a porta da Cruz e a porta de Sta. Catarina.

Mais simples e de dimensão mais comedida, eram os postigos onde se podia também atravessar a cerca e entrar na cidade através de simples vãos nos muros, com portas de madeira junto a uma ou entre duas torres ou cubelos. O nome atribuído às portas e postigos era geralmente dado pela veneração religiosa do templo cristão mais próximo.

Fig. 11. O traçado da Cerca Fernandina.

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2.2.2. A cerca como elemento organizador da cidade

“As muralhas têm sido consideradas, recorrentemente, como um dos elementos que melhor definem a cidade medieval. Este facto fica a dever- se, em larga medida, à sua presença constante num elevado número de núcleos urbanos que surgem na Idade Média. Dessa realidade dão testemunho as fontes escritas e as representações iconográficas medievais, mas, também, os vestígios sobreviventes que integram ainda as cidades atuais. A presença de cercas defensivas nas cidades, por vezes até aos nossos dias, constitui uma marca indiscutível da sua importância, não só como estrutura defensiva, mas, também, como elemento condicionador da própria forma urbana. A sua longa persistência teve consequências importantes na estrutura e no desenvolvimento dos aglomerados, sendo atualmente um dos elementos que melhor define o limite dos centros históricos das cidades.”9

Como já tivemos oportunidade de entender, a cidade é uma evolução, um reflexo do tempo e a marca que ele deixa. Há até aqui elementos cuja importância e saliência se destacam no papel do desenvolvimento da cidade. Caso disto são as primeiras construções Romanas, uma vez que além de sediarem e darem a localização defintiva ao centro da cidade actual, dão origem a um traçado que, embora em porção reduzida, ainda hoje persiste.

Mais ainda se verifica que a expansão deste núcleo inicial nos momentos subsequentes da Alta Idade Média, domínio islâmico e mais ainda, durante a Baixa Idade Média em função do crescimento demográfico, se deu pela frente de rio e se estendeu depois pelas suas margens, nas duas direcções, para poente e nascente, mas também, pontualmente, para norte do castelo ,embora que com um estatuto de arrabalde “guetizado” (a Mouraria) e, mais acima um aglomerado dos seus arredores campestres, um burdj (ou aldeia fotificada) que corresponde hoje, sensivelmente, à Penha de França.

9

In. Evolução da Paisagem Urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos, Maria do Carmo Ribeiro, Arnaldo Sousa Melo p.183.

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A cerca Fernandina foi um dos elementos que contribuiu para a organização da cidade e fê-lo de duas formas. Por um lado, nas zonas ainda por construir, serviu de base para justificar ou condicionar - palavra mais apropriada -, o desenho de algum novo traçado urbano concebido no seguimento ou alinhamento de ruas com as portas da cerca, bem como definindo o desenho do edificado que lhe era contíguo. Por outro lado, constituiu uma forma de consolidação do traçado previamente desenvolvido, o qual ganhou assim maior consistência.

Esta consistência gerada pela Cerca neste âmbito surge de duas formas e sempre como resultado da ideia de “limite”. A primeira e mais óbvia constatação a ser feita é de que a cerca funcionava como barreira imposta à cidade que, até certo ponto, condicionava a construção fora dela. A muralha delimitava um espaço físico, político, social, cultural e ideológico, sendo, simultaneamente, símbolo de identidade para os que nela residiam, em contraposição aos forasteiros, e garante da pertença a uma comunidade. As funções desempenhadas pelas muralhas encontravam -se complementadas pelas portas e torres que as integravam que, para além do papel militar, valorizam a imagem colectiva da cidade

.

Podemos considerar por isso, que definiu no mapa os sítios a construir deixando o extramuros livre onde virá muito depois a expandir-se.

Tendo em conta a forma, técnica e conhecimento para a construção do edificado e do desenho urbano ficamos com um traçado denso, pontuado por edifícios de baixa altura e ruas estreitas e tortuosas em geral. Confina em si, com alguma margem, os limites do que será agora conhecido como o “centro histórico” da cidade.

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2.3. A nova cidade

2.3.1. A Cerca, um limite a transgredir

Nos finais do século XV já a Cerca Fernandina se revelava obsoleta. Não por acaso a expansão extra-muros, mas agora com o intuito de construir cidade consolidada, inicia-se com as sucessivas reformas das muralhas na frente ribeirinha, mas também nas encostas a poente. Vila Nova de Andrade e Vila Nova da Oliveira, e todo o sistema urbanístico daí decorrente e que irá dar origem ao Bairro Alto e à descida para o rio, resultam das iniciativas de D. Manuel, com Regimentos urbanísticos precisos, magistralmente estudados por Hélder Carita 10. O mesmo se pode dizer de toda a frente ribeirinha “de

serviço”, sobretudo quando transcende a Cerca e se estende para poente e nascente, motivada pelo inaudito aumento do tráfego marítimo e fluvial que é consequência dos chamados Descobrimentos e da explosão demográfica da cidade. Não nos deteremos nestes pontos, uma vez que ambos têm sido sistematizados por vários investigadores, salientando aqui a tese de Carlos Caetano que exaure o tema praticamente até meados do século XVI11

Fig. 12. Fotografia do Arco do Marquês de Alegrete, anos 1940 Fonte: https://www.flickr.com/photos/38564929@N02/3547120280

10 - Ver CARITA, Hélder, (1999) Lisboa Quinhentista, Lisboa: Horizonte 11 - Ver CAETANO, Carlos (2000), A Ribeira de Lisboa no tempo dos descobrimentos, Lisboa: Pandora

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O processo continuou, porém. Na segunda metade do século XVII começam a sentir-se os efeitos asfixiantes da cerca. Com o desenvolvimento dos transportes particulares as mulas e cavalos começam a ser substituídos por carroças e por coches levados por vezes por 6 ou até 8 mulas. Estes surgem no séc. XVI durante o reinado de D.Sebastião, mas é com a generalização do seu uso durante o sec. XVII que a cidade começa a sentir necessidade de se adaptar e submete-se então a diversas alterações de vários níveis, quer políticos, quer organizacionais ou estruturais. A cidade não estava preparada para receber este novo modelo de transporte quer pelo fluxo quer pelas suas dimensões. Em função da topografia de Lisboa que se desenhava segundo um traçado tortuoso e emaranhadíssimo, é fácil imaginar como seria difícil o trânsito citadino por essa época. Duma consulta ao rei, de 1676, surge a seguinte afirmação: “As ruas pela estreiteza da sua antiga

fundação, não têm já capacidade para o concurso de gente, coches, liteiras e seges, cujo uso, introduzido pelo tempo, é necessário hoje para o uso da nobreza.”12. É este problema que

dará origem às medidas que vão levar cada vez mais ao esquecimento dos limites físicos da cerca e à necessidade de ultrapassar constrangimentos fundiários.

A primeira rua a ser alargada foi a rua dos Ourives da Prata, rua que existiu antes do terramoto de 1755 e que fazia a importante ligação mais curta entre S. Vicente de Fora e a parte baixa da cidade. Dá, pela sua proximidade, o nome à futura Rua da Prata. Durante as obras foram demolidas 26 casas. Mas depois de concluída ficou capaz de satisfazer as exigências do transito ficando a medir na sua parte mais estreita 9,24m. Vários foram os casos idênticos que se seguiram procedendo-se também à demolição de casas não só para o alargamento de ruas como também para a criação de praças que acabavam por servir para receber coches e liteiras. Além destes incidentes generalizados pela cidade abriram-se duas novas artérias na capital, a Rua Nova de S. Boaventura e a Rua Nova do Almada que vinham facilitar a comunicação entre a cidade alta e o labirinto de ruas e vielas que ocupavam a área posteriormente denominada Baixa. Destas, a largura rondava os 6,60m e 7,70m, o que era considerável, comparando com as ruas de Paris que não excediam os 5/8 metros.

12 Ver Elementos III In. BRANCO, F. C., 2006, p.58

Fig. 13.Arco do Marquês do Alegrete em 1946. Fotografia de Ed. Portugal.

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25 Apesar de grande parte dos problemas conseguirem ser ultrapassados pelas medidas acima descritas havia ainda o problema ocasional derivado das proporções diminutas das portas e postigos da cerca da cidade, quer as da cerca Moura como as da muralha Fernandina. Estes momentos eram como gargalos terríveis para o transito e provocavam com frequência atrasos e estagnamentos. De forma a corrigir este problema foram feitas obras de alargamento a dez portas e postigos e vários foram completamente destruídos. A primeira em 1619, foi a obra na Porta da Ribeira que, ao ser demolida arrastou consigo 17,5 metros da muralha... Seguiu-se o Postigo de Santa Ana em 1672 e o Postigo da Trindade em 1682, a pedido dos frades trinos que alegavam que o postigo como um local de passagem era “muito apertado e estreito faz muito ruim

passagem aos coches e liteiras”.

Entre postigos e portas muitos foram demolidos ou alargados nos seguintes anos dando origem frequentemente a arcos. Além destes trabalhos deu-se também a singular abertura de um novo postigo, o de S. Vicente. A aglomeração de trânsito junto às portas era crescente. A porta de Santo Antão era cruzada diariamente por 1500 cavalgaduras, a de S. Vicente por 1000, a da Cruz por 900 e a da Esperança por 1200.13 Tendo em

conta estes factores não é difícil imaginar que estas medidas seriam inteiramente compreensíveis e indispensáveis. Estavam então dados os primeiros passos que facilitavam e tornavam evidente e indispensável a transgressão dos limites da Cidade para um crescimento saudável da de Lisboa.

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26

2.3.2. A cidade contemporânea e

a memória da cerca

“Na cidade, parte da importância que atribuímos à sua forma é a de transportar consigo a memória de si mesma, ou seja, a memória do locus da cidade. A memória revela- se importante por ser a faculdade que nos permite criar laços afectivos, seja com um ser ou com um sitio, e em relação à cidade permite que os seus habitantes e visitantes criem laços e se identifiquem com o espaço, que o reconheçam e que o apropriem como seu na partilha quotidiana que fazem do mesmo.”14

No que diz respeito ao desenho dos limites da cerca, é ainda possível encontrar nos dias de hoje, vestígios físicos da muralha. Aqui e ali resistem torres, apesar do fraco estado de conservação e arcos que foram abertos no lugar das portas. Destes chegam até nós o arco das Portas de Penabuquel e Santo André bem como o arco da Porta da Mouraria e o Arco da Ribeira. Além destas provas físicas há também elementos históricos que remontam aos tempos da Cerca; a estes junta-se também a toponímia das ruas. São disto exemplo a Rua das Portas de Sto. Antão e a placa de pedra gravada com uma inscrição comemorativa da sua construção que foi colocada no local das Portas da Mouraria e que, no momento da sua transformação em arco em 1674, foi recolocada. Hoje encontra-se perto do local onde pertencia, local esencontra-se que dá agora e após a demolição do muro, lugar às Escadinhas da Saúde. A estes juntam-se alguns elementos físicos mais recentes que resignificam a cerca e outros que pela sua sensibilidade mantêm viva a memória da mesma. Tal acontece na actual praça do Martim Moniz onde um elemento escultórico reconstrói simbolicamente a porta que existia aproximadamente nesse local e um pequeno troço da muralha que se vai dissipando até se transformar numa linha no chão. Ao alcance do mesmo campo de visão, um recente projecto de arquitectura, mantém viva esta memória deixando um vazio no lugar de passagem da muralha e permitindo a vista desimpedida, tanto quanto possível, da Torre de Sant’Ana.

14 PROENÇA, Sérgio Barreiros in DIAS (2016), p.47

Fig. 14Representação da Placa Comemorativa das Escadinhas da Saúde

Fig. 15.Fotografia do Praça do Martim Moniz. A memória da Cerca.

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27 Este é o local cuja memória física do traçado da Cerca melhor subsiste –o que tem maior visibilidade pública. Daqui é possível delinear mentalmente a linha que começa no castelo de S. Jorge, num pequeno troço que ainda existe, até chegar à torre acima referida.

Contudo, o foco deste trabalho incide sobre o que transcende da memória física de leitura directa da Cerca. Entende-se por isto o que da Cerca resultou, os traçados que ajudou a consolidar e os que criou, bem como a organização programática da cidade que ajuda a distinguir a cidade murada da cidade extramuros mantendo, desta forma, mas já em registo de “arqueográfico”, a memória da Cerca ainda presente.

“A forma da cidade no momento presente é a herança física colectiva de todas as acções individuais que a conformaram no passado” 15

Fig. 16. A sobreposição das malhas de Lisboa Fonte: Cadernos MUrb

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Durante os 300 anos em que a cerca funcionou em pleno exercendo as suas funções defensivas alguns elementos estruturais da cidade foram-se consolidando. Não só dentro como fora dos limites da cidade murada, a cerca influenciou as ruas que faziam a comunicação do que hoje chamamos o “centro” com o hinterland.

O factor imutável da cerca justifica o factor de consolidação que se procura aqui desvendar. Os locais de entrada da cidade, além de confinados e controlados, permaneceram durante mais de 3 séculos inalterados. Durante o sec. XVI a entrada de mercadorias estava limitada a apenas 4 portas da cidade. Este factor torna-se preponderante para a justificação da existência e importância das mesmas ainda no dia de hoje. Eram estas a porta de Santo Antão, a de S. Vicente, a da Cruz e a da Esperança. Destas a que mais sobressai é a de Sto. Antão. Sendo a principal e mais utilizada entrada na cidade, fixa um eixo de comunicação com o exterior em que se apoia o desenho do traçado urbano posterior. O eixo mantém-se até aos dias de hoje e estende-se pelas ruas de S. José, Santa Marta e São Sebastião da Pedreira. Considerando a cidade como um organismo vivo em constante crescimento e alteração é interessante observar que, mesmo sendo difícil conjugar certas malhas da cidade com os “layers” medievais, este eixo se mantém forçando, curiosamente – ou muito significativamente - a passagem superior sob a forma de viaduto da av. Fontes Pereira de Melo. Duas cidades cruzam-se aqui mesmo, neste ponto: a do século XVI com os seus prolongamentos de vias de entrada e saída – e do século XIX/XX, que é nada menos do que a das… Avenidas Novas. Um fenómeno bem claro de como o desdobramento e encavalitamento de estruturas urbanas se faz com inventividade e é, ao mesmo tempo, fruto de imperativos inerciais.

A cerca vive ainda nos edifícios que dela nasceram e dela se apropriaram. Reside aí o caso do elemento de estudo a cuja análise se procederá de seguida e onde se desenrola a componente de projecto, ou seja, precisamente, o Convento da Encarnação! Este, à data da sua construção, serviu-se em parte da marulha e inclusivamente de duas torres sendo que uma delas é hoje parte integrante do convento.

Fig. 17. Sobreposição de traçados, Rua de S. Sebastião da Pedreira e o viaduto que suporta a Av. Fontes Pereira de Melo.

Fonte:

http://lisboadeantigamente.blogspot.pt /2016/08/rua-de-s-sebastiao-da-pedreira-viaduto.html

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29 Fig. 18. Desenho de A. Vieira da Silva (Fragmento da planta de LISBOA actual (1936), sobreposta à LISBOA anterior ao Terramoto de 1755 a vermelho.)

Fonte: Volume I "AS MURALHAS DA RIBEIRA DE LISBOA-1940)

De um modo geral a cerca encerrou o edificado denso e emaranhado característico medieval. Apenas um traçado se modificou, e por motivos de força maior – uma catástrofe – e pela acção dos homens numa ingente tarefa de reconstrução: referimo-nos à Baixa de Lisboa. Ainda assim, ou porque nunca deixa de ser desta maneira, mantém alguns importantes arruamentos como a “Rua do Comércio” - que substitui a Rua Nova dos Ferros e a Rua da Confeitaria - , a Rua Nova do Almada, o traçado regularizado da Rua Áurea e a Rua Augusta, sistema que geometrizou em duplicado a ligação ancestral entre o Rossio e o Terreiro do Paço feita pela Rua dos Ourives do Ouro. Apesar da natural ocupação junto à frente ribeirinha ir crescendo gradualmente registe-se que foi até há pouco tempo – não mais de século e meio! - que os limites a norte da cerca se confundiam ainda com os próprios limites da cidade.

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“A cidade de Lisboa é hoje o resultado das sucessivas transformações urbanas iniciadas na colina do castelo, continuadas nas colinas e nas zonas ribeirinhas envolventes, bem como dos atribulados processos de renovação urbana por que passou, denotando, no entanto, em parte as marcas fossilizadas dos diferentes sistemas defensivos que conheceu”16.

Em última análise, será de interesse acrescido interpretar a memória da cerca mais do que os seus elementos estruturais. Indo mais longe: não são os aspectos estritamente físicos que interessam, ou como se referiu mais acima aqueles que resultam de trabalhos arqueológicos ou de descasques de antigas casas e de áreas sujeitas agora a edificação nova ou em renovação. O que mais interessa porventura – reiteramos – é este registo memorial ou arqueográfico, esta marcação de contornos e de perfis ou perfilamento – reperfilamentos de artérias – que conduzem, mesmo sub-repticiamente, a cidade a ser como é, nestes espaços limite, nestes intervalos, nestes vazios subitamente preenchidos, ou na topografia admirável de uma cidade em socalco ou em colina, com muros que formam muralhas, e muralhas que se extinguem por detrás de uma mudança orgânica.

A maior memória que a cerca deixa é provavelmente o facto de ser a ela que, historicamente, se deve o sucesso da defesa da cidade quando no longínquo ano de 1384 a protegeu, e aos seus habitantes, do exército castelhano.

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3. O Convento da

Encarnação

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3. O Convento da Encarnação

3.1 Os conventos em Portugal

A palavra convento encontra no Latim «Conventus» as suas raízes etimológicas. No império Romano, era o termo usado para se referir às reuniões entre representantes romanos e indígenas no conselho do governador para administração da justiça. É no contexto do conceito de «melhor servir e amar a Deus», cuja propaganda por parte da religião cristã se intensificou no século II, que surgem os conventos como lugares de solidão onde os homens se privam do resto do mundo numa vivência ascética, primeiro em lauras como os eremitas e depois em grupo formando os cenóbios. Foi com estes trabalhos da igreja que, no tempo das cruzadas, se implementaram regras militares e mendicantes de entre as quais se evidencia a clausura. É então no século VI que data a primeira noticia de monacato na Península Ibérica.

No que à capital diz respeito, chegaram a existir 88 conventos dos quais 69 subsistem ainda hoje, no todo ou em parte muitos deles desafectos ou afectos a novas funções, quase sempre públicas, pelo que a maior parte serve hoje diferentes propósitos do que aqueles para que foram inicialmente concebidos.17

Na hierarquia conventual, as figuras cimeiras – provincial, abade, prioresa – eram eloquentes oradores, teólogos, filósofos, tinham lugar na corte e tomavam frequentemente parte em questões politicas, eram validos do rei, confessores da rainha e professores dos infantes. Ainda assim, a sua organização não podia ser mudada sem a autorização do sumo pontífice. Deste modo resultam diversos conventos com vários denominadores comuns. Destes destacam-se a igreja conventual, coro baixo e coro alto e o claustro, para onde se abriam as restantes dependências como o refeitório, sala do capitulo, livraria e por vezes enfermaria e roda.

As ordens religiosas com diocese nos conventos desempenharam, umas mais que outras, um relevante papel para o desenvolvimento sociocultural. Lutaram entre si e adulteraram as suas regras. Existiram ordens mais propensas ao desenvolvimento da agricultura, economia e povoamento do espaço rural e outras mais vocacionadas para o ambiente

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citadino. Outras das suas funções são reflexo do mais puro sentimento cristão, manisfestando-se em casas de caridade e de auxilio.

A abolição do absolutismo e a vitória do liberalismo em 1834 levaram à imediata supressão das ordens monásticas e deram-se como extintas e profanadas as igrejas e conventos de freiras, que foram abandonados, pilhados, culminando com a sua expropriação. Ainda assim, a extinção dos conventos de freiras foi mais lenta, mantendo-se até à morte da última religiosa que em cada um vivia.

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3.1.1. Os conventos e (o metabolismo da)

cidade

Os primeiros conventos, ou outro tipo de residência religiosa sujeita a uma ordem, terão surgido em Portugal fora do contexto urbano. É à medida que se consolida a ocupação do território e se observa o desenvolvimento urbano que se vão integrar como estruturas nas novas aglomerações urbanas. No século XIII dá-se o primeiro grande impulso na edificação da imediata periferia urbana seguido de outros períodos dinâmicos como dos finais do século XV a finais do século XVI e a segunda metade do século XVII, justificados por factores de natureza social, económica e politica. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, impõem-se como pólos de desenvolvimento da estrutura e da vivência urbana.

Seguindo o argumento de Jorge Gaspar, consoante o contexto, o conjunto de edificações de um convento tanto pode funcionar como pólo agregador do crescimento urbano, como representar uma barreira à expansão urbanística e/ou um elemento desorganizador do tecido urbano. 18

Os conventos pela sua capacidade de repovoamento revelaram-se um importante catalisador do crescimento das zonas onde se inscreviam. Ao localizar-se na periferia além de gerar um pequeno agregado em seu redor, orientavam a expansão urbanística nessa direcção. Encontraríamos assim duas direcções de crescimento, do agregado conventual para o núcleo citadino, de onde, por sua vez, irradiava a primeira linha de crescimento, que, por vezes, ao se encontrarem cria uma inversão na própria leitura do tecido urbano.

Será muito frequente encontrar conventos junto aos limites murados e suas entradas dos núcleos citadinos, muitas vezes chegando mesmo a partilhar parede com o muro. São caso disso os conventos de Santa Clara, Santa Mónica, Calvário, entre muitos outros. Em Lisboa encontramos nestas circunstâncias o Mosteiro de S. Vicente de Fora, o Convento da Trindade e o que será de maior relevo para este trabalho, o Convento da Encarnação. Esta localização permitia exercer um enorme poder visual sobre o espaço urbano que pode ser hoje de percepção um pouco dificultada pelo crescimento da cidade em seu torno.

18 GASPAR, 2001, p.88

Fig. 19.Fotografia do Convento do Carmo Fonte:

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/com mons/4/49/Couvent_des_Carmes_%289297 333990%29.jpg

Fig. 20. Desenho de Vieira da Silva. Fonte:

http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2016/09 /

Imagem

Fig. 9 Fotografia da torre do jogo da Pela  Fonte:
Fig. 11. O traçado da Cerca Fernandina.
Fig. 12. Fotografia do Arco do Marquês de Alegrete, anos 1940  Fonte: https://www.flickr.com/photos/38564929@N02/3547120280
Fig. 13.Arco do Marquês do Alegrete em  1946. Fotografia de Ed. Portugal.
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