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A atuação do Judiciário, pela via da ação demolitória, em face da colisão entre os direitos fundamentais ao meio ambiente e à moradia

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARCOS PEREIRA NUERNBERG

A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO, PELA VIA DA AÇÃO DEMOLITÓRIA, EM FACE DA COLISÃO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO MEIO AMBIENTE E À

MORADIA

Araranguá 2019

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MARCOS PEREIRA NUERNBERG

A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO, PELA VIA DA AÇÃO DEMOLITÓRIA, EM FACEDA COLISÃO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO MEIO AMBIENTE E À

MORADIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina -UNISUL, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Direito. Orientador(a): Chesman Pereira Emerim Júnior, Esp.

Araranguá 2019

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pois sem ele nada seria possível. Deus é o alicerce de tudo.

Agradeço a minha família, por me propiciar os estudos desde as séries iniciais até a universidade, sempre preocupados com meu futuro.

Não poderia deixar de agradecer aos meus colegas Guilherme, Davi, Letícia, Fábio e Gabriel pela amizade que se criou entre nós durante a trajetória acadêmica, amizade que muito contribuiu para meu aprendizado na seara jurídica.

Agradeço ao meu orientador, pessoa muito qualificada, sempre atencioso e disposto a ajudar.

A todos que de alguma forma me apoiaram e contribuíram para esta conquista, muito obrigado.

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O que o ser humano realmente precisa não é um estado livre de tensões, mas antes a busca e a luta por um objetivo que valha a pena, uma tarefa escolhida livremente. O que ela necessita não é descarga de tensão a qualquer custo, mas antes o desafio de um sentido em potencial à espera de seu cumprimento. (Victor E. Frankl).

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RESUMO

Direitos fundamentais são baseados nos direitos humanos e visam a proteção da justiça, da vida, da igualdade e da dignidade dos cidadãos. Preconizam o fato de que cabe ao Estado atuar para que as pessoas que ali se encontram sejam respeitadas e atuem em prol do respeito de outrem, sempre com foco na coletividade, ou seja, no fato de que esses direitos não cabem a alguns cidadãos, mas a todos eles. É direito dos cidadãos ter condições dignas e seguras de moradia, devendo o Estado atuar para que isso ocorra. O direito ao meio ambiente equilibrado relaciona-se com vida das gerações presentes e futuras. Ocorre que podem haver conflitos entre os direitos fundamentais, com dificuldade de definição da precedência a ser observada. O objetivo do estudo foi avaliar a atuação do judiciário em casos de colisão entre os direitos ao meio ambiente equilibrado e o direito fundamental à moradia. Procedeu-se de revisão de literatura sobre livros e artigos que pudessem conduzir à uma melhor compreensão do tema. Verificou-se que, diante de riscos ambientais, é preciso levar em consideração o direito da coletividade ao meio ambiente saudável, que se sobrepõe ao direito individual de acesso à moradia. Porém, se a moradia não causa danos ambientais ou são irrelevantes, a demolição poderá gerar resultados negativos maiores, não se justificando. Quando uma habitação causa poucos impactos sobre os direitos coletivos, mas compromete as condições de vida dos cidadãos, os tribunais vêm demonstrando um equilíbrio na análise e definindo sua manutenção.

Palavras-Chaves: Direitos fundamentais. Meio ambiente equilibrado. Moradia.

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ABSTRACT

Fundamental rights are based on human rights and aim to protect the justice, life, equality and dignity of citizens. They favor the fact that it is up to the State to act so that the people who are there are respected and act for the respect of others, always focusing on the collective, that is, on the fact that these rights do not belong to some citizens, but to all of them. It is the right of citizens to have decent and safe living conditions, and the state must act to make it happen. The right to a balanced environment relates to the life of present and future generations. It happens that there may be conflicts between fundamental rights, with difficulty in defining the precedence to be observed. The objective of the study was to evaluate the judiciary's performance in cases of collision between the rights to the balanced environment and the fundamental right to housing. A literature review was conducted on books and articles that could lead to a better understanding of the topic. In view of environmental risks, it is necessary to take into consideration the right of the community to a healthy environment, which overrides the individual right of access to housing. However, if the housing does not cause environmental damage or is irrelevant, demolition may generate greater negative results, not being justified. When housing has little impact on collective rights but compromises citizens' living conditions, courts have shown a balance in the analysis and defined its maintenance.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...9

2 DAS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...11

2.1 CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS...11

2.1.1 Evolução histórica dos direitos fundamentais no Brasil e no Mundo...15

2.2 DA INEXISTÊNCIA DE UM DIREITO FUNDAMENTAL ABSOLUTO...19

3 DO DIREITO À MORADIA...21

3.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA...21

3.1.1. Do direito à moradia como direito social fundamental: do direito fundamental ao mínimo existencial...24

3.2 DA ELEVAÇÃO DO DIREITO À MORADIA À CATEGORIA DE DIREITO FUNDAMENTAL...27

3.3 DA VULNERABILIDADE SOCIAL DAS PESSOAS QUE OCUPAM LOCAIS IRREGULARES PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO À MORADIA...29

4 DO DIREITO AMBIENTAL...32

4.1 MEIO AMBIENTE E A VIDA EM SOCIEDADE...32

4.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA...35

4.3 DIREITO AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL CONSTITUCIONAL...38

4.4 DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE...41

5 COLISÃO ENTRE O DIREITO AMBIENTAL EM FACE DO DIREITO À MORADIA, NA ESFERA JUDICIAL...44

5.1 JUDICIALIZAÇÃO DO EMBATE...46

5.2 DA AÇÃO DEMOLITÓRIA...47

5.3 DOS INSTRUMENTOS HERMENEUTICOS PARA SOLUÇÃO DA COLISÃO...48

5.3.1 Do princípio da razoabilidade...49

5.3.2 Do princípio da proporcionalidade...50

5.4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DAS DISPUTAS VIA AÇÃO DEMOLITÓRIA....51

CONCLUSÃO...56

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1 INTRODUÇÃO

Os direitos fundamentais são todos aqueles necessários para uma construção social digna e justa para todos, com foco na manutenção da vida e dos fatores para ela necessários, como saúde, educação, moradia, entre outros. Sem direitos fundamentais claramente definidos e fomentados pelo Estado, a vida em sociedade torna-se, tão somente, um esforço penoso de sobrevivência, sem o haja acesso ao básico para isso (SARLET, 2012, p. 71).

Apesar da relevância dos direitos fundamentais, deve-se compreender que não se tratam de direitos absolutos e, assim, em determinadas situações, poderão ser limitados, sempre que o intuito dessa limitação for o alcance de um bem maior, de todos os cidadãos em detrimento a um deles (BRANCO, 2017, p. 231).

Um importante direito fundamental reconhecido no Brasil é o direito à moradia, por meio do qual define-se que todas as pessoas devem ter acesso a um local de moradia, que apresente características de saneamento (para evitar o adoecimento dos moradores), segurança e possibilidade de atendimento de suas necessidades. Sem moradia, os indivíduos vivem em situação de pobreza extrema e não são raros os casos em que deixam de acessar a outros direitos, bem como deixam de viver dignamente (FREITAS, 2014, p. 1; MASTRODI, 2013, p. 115-115).

Não obstante, deve-se citar o direito ao meio ambiente equilibrado como sendo um direito fundamental, relacionado à vida e a saúde dos cidadãos, além de impactar diretamente sobre as gerações futuras e, assim, deve ser considerado como um direito de relevância inquestionável (SILVA; 2017, p. 848).

O fato é que, em diferentes situações, há um conflito entre os direitos fundamentais e na questão do direito ao meio ambiente equilibrado e o direito à moradia, esse conflito também pode ocorrer. Quando isso ocorre, pode ser difícil definir qual dos direitos deve ter precedência sobre o outro, já que muitas vezes não se pode praticar ambos na mesma proporção (REIS, 2013, p. 305-306).

Nesses casos, os cidadãos poderão necessitar de intervenção judicial para a resolução dos conflitos e, assim, alcançar uma definição de qual os direitos deve prevalecer. Nesse sentido, o presente estudo justifica-se pela necessidade de avaliar de que forma os tribunais de Santa Catarina se posicionam quando há essa

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colisão e quais os critérios são levados em consideração para a tomada de decisões em cada caso específico.

O objetivo do presente estudo foi de avaliar a atuação do judiciário em casos de colisão entre os direitos ao meio ambiente equilibrado e o direito fundamental à moradia.

Este estudo foi construído a partir de uma revisão de literatura que, de acordo com Marconi e Lakatos (2010), permite uma maior aproximação entre o pesquisador e os estudos de diferentes estudiosos na área e, assim, permite um esclarecimento mais amplo sobre as diferentes visões que envolvem um mesmo tema em apreciação.

Visando uma maior organização e facilidade de compreensão, este trabalho foi organizado em forma de capítulos, sendo eles:

Primeiro capítulo: introdução geral ao tema;

Segundo capítulo: Direitos fundamentais, conceitos, características, evolução histórica e inexistência de um direito fundamental absoluto;

Terceiro capítulo: direito à moradia, conceito e natureza jurídica, direito à moradia como direito social fundamental, elevação à categoria de direito fundamental, vulnerabilidade social da ocupação de lugares irregulares;

Quarto capítulo: direito ambiental, meio ambiente e vida em sociedade, conceito e natureza jurídica do direito ambiental, direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental, áreas de preservação permanente;

Quinto capítulo: colisão entre o direito ambiental e à moradia, judicialização do embate, ação demolitória, instrumentos hermenêuticos para solução da colisão, princípio da razoabilidade, princípio da proporcionalidade, análise jurisprudencial;

Por fim, são apresentadas as conclusões alcançadas por meio do desenvolvimento do estudo, bem como as fontes bibliográficas consultadas para sua realização.

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2 DAS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Esta etapa do estudo dedica-se a conceituar e caracterizar os direitos fundamentais, bem como apresentar sua evolução histórica no Brasil e no mundo, trazendo, também, dados sobre a inexistência de um direito fundamental absoluto.

2.1 CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

São direitos fundamentais aqueles elencados nos textos legais de uma nação, cuja definição não permite que um indivíduo seja excluído deles por qualquer motivo. Na visão de Sarlet (2012, p. 70), existem valores básicos e essenciais para uma construção social e dentro desses valores surge a definição de direitos fundamentais, que são diversos, senão vejamos:

Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a assim denominada parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo.

Direitos fundamentais são aqueles que visam a proteção da vida, que é a mais importante das qualidades e dos bens que existem em uma nação. Não há como desenvolver uma nação forte quando sua população não tem condições de vida adequadas. Assim, os direitos fundamentais englobam os requisitos para que os cidadãos possam viver adequadamente (SARLET, 2012, p. 71).

Xerez (2014, p. 1078) cita que “[...] não restam dúvidas que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica àqueles direitos (em geral atribuídos à pessoa humana) reconhecidos e positivados na esfera de direito constitucional positivo de determinado estado”.

Na concepção de Barroso (2010, p. 189-191), os direitos fundamentais são garantias fundamentais voltadas à liberdade e à vida. Não beneficiam apenas um grupo, mas recaem igualmente sobre todos os cidadãos, assegurando condições

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para a evolução pessoal e social. É uma característica dos direitos fundamentais o foco na coletividade, no conjunto de cidadãos que formam a nação.

Direitos fundamentais são indisponíveis, não sendo possível ao cidadãos abrir mão deles. Certamente que existem direitos disponíveis elencados na legislação brasileira, como o direito de cada cidadão de dispor de sua propriedade, por exemplo, mas isso não recai sobre os direitos fundamentais, conforme esclarecem Branco e Mendes (2015, p. 146):

A respeito da indisponibilidade dos direitos fundamentais, é de assinalar que, se é inviável que se abra mão irrevogavelmente dos direitos fundamentais, nada impede que o exercício de certos direitos fundamentais seja restringido, em prol de uma finalidade acolhida ou tolerada pela ordem constitucional, São frequentes e aceitos atos jurídicos em que alguns direitos fundamentais são deixados à parte, para que se cumpra um fim contratual legítimo. A liberdade de expressão cede as imposições de não divulgação dos segredos obtidos no exercício de um trabalho ou profissão. A liberdade de professar qualquer fé, por seu turno, pode não encontrar lugar propício no recinto de uma ordem religiosa\ específica. Da mesma forma, o indivíduo pode ver-se incluído numa situação especial de sujeição. Os direitos fundamentais não prescrevem, se mantêm durante toda a vida. Em alguns casos, eles poderão não ser ativamente usados (o transporte público é um direito fundamental, mas um cidadão pode não fazer uso), porém, caso desejem utilizá-los em algum momento, seguirão garantidos. O indivíduo não pode alienarseus direitos fundamentais, são seus durante toda sua vida. Como formam um conjunto de valores, não podem ser acessados ou assegurados pelo Estado de forma parcial, são indivisíveis (BRANCO; MENDES, 2015, p. 152-155; WOLKMER, 2015, p. 103-105).

Esses direitos apresentam eficácia vertical (do Estado para os cidadãos), mas também horizontal(os cidadãos entre si), assim, não basta que o Estado se esforce para que sejam assegurados, mas as pessoas devem entender que os demais também são destinatários desses direitos e, assim, não cabe a um particular suprimir os direitos de outrem (BRANCO; MENDES, 2015, p. 152-155).

Nesse sentido destaca-se Padilha (2014, p. 256-257) aduz:

A eficácia vertical é o motivo inicial para criação dos direitos fundamentais e visa a impor obrigações (positivas ou negativas) ao Estado. Nestes termos, os direitos fundamentais produzem efeitos na relação indivíduo-Estado. Já a eficácia horizontal (ou eficácia externa, privada, em relação a terceiros ou particular), desenvolvida na década de 50 na Alemanha (drittwirkung), está correlacionada ao respeito que os cidadãos devem possuir com as demais pessoas da sociedade. Na relação particular-particular devem ser observados direitos fundamentais como vida, intimidade, vida privada, honra, liberdade de locomoção, pensamento, religião e assim por diante

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Bulos (2019, p.122-125) esclarece que direitos fundamentais são valores essenciais para a construção de uma nação, presentes na maioria dos países, apoiados em características culturais e temporais, o que uma nação considera essencial para os cidadãos no perpassar do tempo, de acordo com suas especificidades. Ainda assim, há uma semelhança no que tange o esforço dos direitos fundamentais de definir valores que protejam as pessoas, que venham a atuar como uma garantia para sua vida e manutenção do respeito no grupo de forma mais ampla.

Weissheimer (2015, p. 1.229-1230) cita que os direitos humanos podem assemelhar-se em diferentes nações, pois direcionam-seàs pessoas e à sua vida, porém, cada país formula esses direitos conformeas especificidades, demandas das pessoas e a percepção do que é necessário para a construção social adequada.

Não se confundam os direitos fundamentais com os direitos humanos. Direitos humanos são convencionados e assinados pelas nações no sentido da proteção do homem em uma perspectiva mais ampla, são iguais em todo o mundo e, a partir deles, cada país cria seus direitos fundamentais. Enquanto os direitos humanos pertencem à humanidade, cada país tem a liberdade de construir seus próprios direitos fundamentais, geralmente apoiados em um conjunto de valores mais amplos (WOLKMER, 2015, p. 96-100).

Conforme leciona Wolkmer (2018, p. 10-12), não existe nenhuma nação na qual não estejam presentes diferenças, sejam elas físicas, mentais, emocionais, culturais ou de outra espécie. Quando se fala em diferenças, deve-se compreender que são parte integral da formação de uma país e, assim, respeitá-las é indispensável para o crescimento de todo o grupo, nas mesmas proporções e com base nas mesmas oportunidades. Os direitos fundamentais existem para que os indivíduos compreendam que essas diferenças constroem as especificidades de seu povo.

A igualdade é um dos pilares de uma nação livre e justa e, assim, deve ser protegida pelos direitos fundamentais, conforme esclarece José Afonso da Silva (2011, p. 178):

[...] no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não

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convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homemsignifica direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais.

Sarlet (2012, p. 86) destaca que é incorreto acreditar que quando o homem deixou de ser escravo ele se tornou livre, tal acontecimento foi apenas uma passo na direção da liberdade, que somente se concretizará quando a vida em sociedade for igualitária, digna e respeitosa para todos os cidadãos, sem distinção e com esforços reais e visíveis do Estado para que os direitos fundamentais se fortaleçam de forma contínua.

Branco e Mendes (2015, p. 148-150) acreditam que uma das principais características dos direitos fundamentais protegem a integridade física, emocional, psicológica dos indivíduos, ou seja, visam ofertar condições para que as pessoas sintam-se integradas em seu grupo, compreendam que são parte importante dele e contribuem para a construção não apenas de suas próprias vidas, mas de todo o entorno, pois suas atividades, ações e os resultados delas acabam tomando proporções maiores e atingindo a outrem, seja de forma positiva ou negativa, por isso que é necessário compreender que esses direitos beneficiam a todos de forma igual.

Não há valor maior para uma nação do que as pessoas que dela fazem parte ou, pelo menos, não deve haver. Ainda que fatores como economia, política, desenvolvimento e outros sejam importantes para a construção de seu futuro, sem pessoas esses valores perdem sua função, pois não são direcionados a nada além de um espaço no qual convivem pessoas. Nesse diapasão, falar de direitos fundamentais é falar de todos os valores que um país adota para si no sentido de proteger as pessoas e, quando isso tiver sido alcançado, ela poderá partir para outras preocupações, como seu desenvolvimento político, administrativo, etc. (BRANCO; MENDES, 2015, p. 152-155; WOLKMER, 2015, p. 110).

Para Bulos (2019, p. 130), quando se fala em direitos fundamentais deve-se recordar que estes carregam em si um esforço histórico para que a vida em sociedade seja conduzida com foco nas pessoas, não no espaço, na política ou em outros fatores. A coletividade é o conjunto de todos os cidadãos, com diferenças e semelhanças e, assim, os direitos fundamentais precisam ser construídos para que o respeito seja seu pilar, seu cerne.

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Esses direitos não devem retroceder, ser eliminados, mas desenvolvidos e melhorados de forma constante, conforme esclarece André de Carvalho Ramos (2017, p. 99).

[...] caracterizam-se pela existência da proibição do retrocesso, também chamada de ‘efeito cliquet’, princípio do não retorno da concretização ou princípio da proibição da evolução reacionária, que consiste na vedação de eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito, admitindo-se somente aprimoramentos e acréscimo.

É preciso destacar, ainda, que os direitos fundamentais foram delineados e inseridos nas Constituições dos países de forma gradativa, no perpassar dos anos, tornando-se importante citar sua evolução histórica para uma compreensão mais aprofundada do tema.

2.1.1 Evolução histórica dos direitos fundamentais no Brasil e no Mundo

O ideal e os esforços para assegurar ao homem um rol de valores convertidos em direitos essenciais para sua vida surgiu a partir da Igreja, em outras palavras, partiram de um cunho religioso de que todos os homens eram, diante das divindades, iguais e destinatários dos mesmos direitos. A Igreja buscava demonstrar que tanto nobres quanto plebeus receberiam as mesmas bênçãos. Com a evolução das sociedades e o passar dos anos, os racionalistas se esforçam para tornar esses direitos menos religiosos e mais amplos, inseridos na política e nas leis, para que não pudessem ser excluídos quando diferenças religiosas estivessem presentes (NOVO, 2017, p.1).

Os estudos de Wolkmer (2015, p. 55-60) enfatizam que dar ao homem a característica de sujeito de direitos que não podem ser reduzidos ou suprimidos, o Direito passou a construir uma nova realidade, na qual a dominação entre as pessoas não pode existir, elas devem conviver, respeitar-se e usufruir das mesmas garantias de forma igualitária, para que uma não tenha mais oportunidades e mais respeito que as demais. Com isso, se fortalece a ideia de que a coletividade é mais relevante do que os interesses de uma pessoa ou de uma grupo restrito delas.

O Código de Hamurabi, escrito por volta do século XVIII a.C., apresentava o intuito de defender a vida e os direitos de propriedade das pessoas, além de trazer temas como a dignidade dos cidadãos, o valor da família e modos pelos quais a

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atuação dos governantes poderia estar acima dos cidadãos. De forma gradativa, nos períodos posteriores, outros códigos surgiram e se desenvolveram, visando definir regras e normas específicas para a proteção do homem, além de regrar a vida em sociedade no sentido de que todos deveriam ter direitos e deveres de forma igualitária (SARLET, 2012, p. 88-100).

Com a Revolução Francesa (1789-1799) se fortalecem os ideais de que os homens precisavam e mereciam garantias a serem respeitadas de forma integral e indistinta. Aumentaram as exigência por direitos iguais para todos, buscando ofertar melhorias para suas vidas. Ainda que tenha sido um ideal europeu, acabou inserindo-se em outras nações, mantendo até o presente, em muitos locais, características europeias. Wolkmer e Lippstein (2017, p. 288-290) relatam que Inglaterra e França exerceram as principais influências sobre a formulação dos direitos humanos e como esses atuam como base para os direitos fundamentais, muitas semelhanças atuais decorrem dessa realidade.

Sarlet (2012, p. 38) enfatiza:

[...] a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem. Deve-se compreender, ainda, que os direitos fundamentais, voltados para a proteção do homem, da vida, de sua liberdade e da igualdade, estão inseridos em sociedades que mudam de forma constante e, assim, precisam ser analisados sob a ótica de cada tempo. Ainda que seu texto tenha sido formulado no passado, sua análise deve considerar as mudanças, os novos cenários, as expectativas que foram ultrapassadas e aquelas que ainda precisam ser atendidas para que, assim, sejam aplicados da forma ideal (BOBBIO, 2004, p. 6).

Além disso, ressalta-se que:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. [...] o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas (BOBBIO, 2004, p. 7).

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No Brasil, assim como no resto do mundo, esses direitos não foram constituídos de forma imediata, mas se organizaram e fortalecer no decorrer dos anos, conforme será esclarecido a seguir.

A Constituição Federal de 1988 trata-se de uma evolução inquestionável no que tange a priorização da pessoa, da vida, da garantia de direitos e do fortalecimento da igualdade. Santos, Marques eDuarte (2011, p. 1) afirmam que os direitos fundamentais, no Brasil, são amplamente reconhecidos pela Constituição Federal, há uma clareza em sua apresentação e definição, bem como o dever do Estado de desenvolver mecanismos para seu cumprimento. Todavia, uma análise das condições de vida da população do país, com ênfase em locais mais pobres e mais afastados dos grandes centros, permite verificar que seu cumprimento ainda está longe de se apresentar de modo amplo, igualitário e adequado.

Na Constituição Federal de 1988 existem inúmeros dispositivos que abordam os direitos fundamentais, como o artigo 5º, que traz os direitos e deveres individuais e coletivos; os artigos 6 ao 11, com os direitos sociais; artigos 12 e 13 com direitos pertinentes a nacionalidade; e os artigos 14 ao 17 com os direitos políticos. Todas as leis do país devem apoiar-se sobre a Constituição Federal e, assim, devem ser desenvolvidas com foco nos direitos fundamentais e em esforços para que se concretizem, fortaleçam e se tornem amplamente acessados, qualquer que seja o local ou o momento (SANTOS; MARQUES; DUARTE, 2011, p. 1; BRASIL; CRFB, 2019).

No Brasil, desde o período colonial, os colonizadores não demonstravam preocupações com os direitos da população, seu único intuito era a obtenção derecursos para o enriquecimento da coroa e de Portugal. Nesse sentido, qualquer um que se opusesse à dominação e ao uso dos recursos para o benefício da coroa seria considerado um traidor, perseguido, torturado e morto, pois estaria desrespeitando aqueles que se consideravam proprietários das terra do país e de todas as suas riquezas (ENGELMAN; MADEIRA, 2015, p. 1).

Além disso, há outros períodos nos quais os direitos do homem foram ignorados, enfatizando-se que o homem deveria ser submisso ao Estado, trabalhar em prol do fortalecimento da nação, sem que fosse visto como sujeito de direitos, apenas de obrigações. Nesses períodos, regidos sob diversos governantes, não havia foco na pessoa humana, mas na força de trabalho, bem como no dever de submissão, aceitação e cumprimento de seu papel enquanto trabalhadores para um

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intuito maior, uma nação forte, com recursos para financiar suas atividades, na maioria voltadas para algumas classes e para o próprio governo (NOVELINO, 2008, p. 7-9).

Não se pode ignorar o período da ditadura militar, no qual o ser humano tinha pouco ou nenhum valor, principalmente se demonstrasse qualquer posicionamento contrário ao regime. Historicamente, são incontáveis os registros de abusos, torturas e mortes como forma de calar a voz dos opositores e assegurar que não poderiam influenciar a população para que não concordasse com as atividades da época. Nesse período, as forças armadas eram dominantes no país, enquanto os homens deveriam seguir com suas vidas, seu trabalho e atividades diversas, desde que não levantassem nenhum questionamento ou contrariedade quanto ao sistema e, ainda assim, muitos jamais se manifestaram mas foram vistos como riscos, como inimigos da nação, sofrendo abusos acentuados. Foi um período marcado pelo exército nas ruas, adentrando as residências e estabelecimentos diversos, como forma de demonstrar seu poder sobre os cidadãos (SILVA, 2017, p. 1).

Sobre o tema, a título de esclarecimento, apresenta-se julgado do Superior Tribunal de Justiça de 2019, que destaca:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ANISTIA POLÍTICA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. OFENSA OCORRIDA, EM TESE, DURANTE O REGIME DE GOVERNO MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência desta Corte firmou compreensão segundo a qual os danos decorrentes de violação de direitos fundamentais ocorridos durante o Regime Militar são imprescritíveis. A propósito: REsp 1.565.166/PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 2/8/2018; REsp 1.664.760/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma DJe 30/6/2017. 2. A alegação segundo a qual deve ser reconhecida a prescrição, porque o direito foi transmitido aos herdeiros, nem sequer foi debatida pela Corte de origem ou apresentada em sede de contrarrazões ao apelo especial, razão por que traduz inovação recursal. 3. Agravo interno não provido (BRASIL, STJ, 2019).

Para Branco e Mendes (2015, p. 140-150), o trajeto histórico para a definição e garantia dos direitos fundamentais no Brasil foi tão tortuoso e lento como em inúmeras outras nações, em função de que muitas forças acreditavam que assegurar direitos ao homem seria uma forma de enfraquecer o estado, por muitos anos vistos como o centro da nação, não as pessoas que nela se encontravam. Fazer com que os próprios cidadãos compreendessem seus direitos não foi uma tarefa simples e rápida, porém, fazer com que os governos integrassem essa visão à sua atuação foi ainda mais difícil.

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Ainda no presente, muitas pessoas desconhecem de forma detalhada e aprofundada seus direitos e, em face disso, não compreendem que podem exigir seu cumprimento. Ainda que seja o Estado que deva servir aos cidadãos, pois é um representante de seus interesses, o que ocorre é que muito frequentemente as pessoas não compreendem que têm direitos diversos e acreditam estar recebendo benefícios, favores de um governo quando, na verdade, apenas lhes está sendo oferecido o que é essencial, como emprego, educação, saúde, lazer, entre tantos outros fatores (SILVA, 2017, p. 1).

Na sequência, busca-se proceder de um esclarecimento quanto à inexistência de um direito fundamental absoluto.

2.2 DA INEXISTÊNCIA DE UM DIREITO FUNDAMENTAL ABSOLUTO

Quando se fala da inexistência de um direito fundamental absoluto, refere-se ao fato de que esses direitos, em determinadas situações, podem receber algumas limitações. O fato é que é possível que existam conflitos entre direitos fundamentais e, assim, um deles poderá ser limitado para que outro, considerado mais importante, prevaleça. Branco et al (2017, p. 230) esclarecem que “[...] os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos”. Os autores exemplificam esse ponto enfatizando que “Até o elementar direito à vida tem limitação explícita no inciso XLVII, a, do art. 5º, em que se contempla a pena de morte em caso de guerra formalmente declarada” (BRANCO, 2017, p. 231).

Compreende-se, assim, que apesar da extrema relevância desses direitos, afirmar que são absolutos seria inadequado. Ocorre, porém, que para que essa limitação de direitos seja lícita, ela deve tomar como base a proteção da vida em uma esfera maior, assim, limita-se o direito fundamental em uma situação para que a coletividade seja protegida, não basta o desejo de limitar os direitos fundamentais, deve haver uma justificativa real e comprovada de que se trata de uma necessidade que gerará um bem maior (TAVARES, 2010, p. 527-528).

Relevante o esclarecimento do Julgado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, de 2011:

INDENIZAÇÃO C/C OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER -ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA - LIBERDADE DE IMPRENSA - PROIBIÇÃO DE EMITIR OPINIÃO SOBRE PROCESSOS AINDA NÃO JULGADOS

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PESSOA PÚBLICA CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS -LIBERDADE DE EXPRESSÃO (ARTS. 5º, IV E 220 DA CF)- DIREITO A INTIMIDADE, VIDA PRIVADA E PRESUNÇÃO DE NÃO CULPA -PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO INEXISTÊNCIA DE DIREITOS ABSOLUTOS -COMPATIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. Admite-se a restrição ao direito fundamental da liberdade de expressão (art. 5º, IV da CF) quando em conflito com outros direitos fundamentais, como no caso, o direito a intimidade, vida privada (art. 5º, X CF) e a presunção de não culpa (art. 5º, LVII CF). Pelos Princípios da Unidade da Constituição e da Proporcionalidade, quando existir qualquer tipo de conflito entre normas constitucionais, estas devem ser interpretadas de forma a melhor compatibilizar os interesses e direitos em jogo, sem que um direito prepondere sobre o outro. Diante desta necessária compatibilização dos direitos, é que a doutrina entende pela inexistência de direitos fundamentais absolutos, trazendo como característica a limitabilidade dos direitos fundamentais. A imprensa tem liberdade, porém, está sujeita a reparar os danos causados ao ofendido em virtude dos excessos cometidos. Quanto maior a ofensa, maior será a indenização. Segundo entendimento do STJ, mesmo sendo pessoa pública, a honra e a intimidade do cidadão deve ser respeitado. (AI 73824/2010, DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 23/02/2011, Publicado no DJE 23/03/2011). (MATO GROSSO, TJ-MT, 2011).

Dimoulis e Martins (2007, p. 151-152) ressaltam que cada caso deve ser apreciado de forma individual, não existe uma regra, uma fórmula aplicável a todas as situações que esclareça qual a possibilidade de limitações de direitos fundamentais, inclusive pelo fato de que as possíveis situações a se apresentarem são inúmeras e, assim, é indispensável que se proceda de uma análise específica, individualizada de cada situação.

Tavares (2010, p. 528) enfatiza, ainda:

Não existe nenhum direito humano consagrado pelas Constituições que se possa considerar absoluto, no sentido de sempre valer como máxima a ser aplicada nos casos concretos, independentemente da consideração de outras circunstâncias ou valores constitucionais. Nesse sentido, é correto afirmar que os direitos fundamentais não são absolutos. Existe uma ampla gama de hipóteses que acabam por restringir o alcance absoluto dos direitos fundamentais. Assim, tem-se de considerar que os direitos humanos consagrados e assegurados:

1º) não podem servir de escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas;

2º) não servem para respaldar irresponsabilidade civil;

3º) não podem anular os demais direitos igualmente consagrados pela Constituição;

4º) não podem anular igual direito das demais pessoas, devendo ser aplicados harmonicamente no âmbito material.

Aplica-se, aqui, a máxima da cedência recíproca ou da relatividade, também chamada ‘princípio da convivência das liberdades’, quando aplicada a máxima ao campo dos direitos fundamentais.

O essencial é que as situações não sejam generalizadas, mas analisadas com bom senso e de acordo com suas especificidades.

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3 DO DIREITO À MORADIA

O direito à moradia é constitucionalmente garantido a todos, que deverão ter um local para a habitação, garantindo segurança e dignidade dentro do contexto social.A Constituição Federal (art. 6º) define os direitos sociaiselencando a moradia como um deles, juntamente com saúde, alimentação, trabalho, entre outros. Freitas (2014, p. 1); ressalta que o legislador, ao equiparar a moradia a outros direitos, deu espaço para uma importante discussão quanto ao valor da residência para uma vida digna e uma melhor condição para toda a família.

Mastrodi (2013, p. 114) enfatiza que a dignidade da pessoa humana, para sua plena concretização, depende também de sua condição de vida, ou seja, daquilo que é contextual à vida, como a moradia. A falta de moradia ou a precariedade da mesma, então, pode fazer com que esse princípio não esteja sendo concretizado. As primeiras décadas do século XX foram essenciais para o desenvolvimento dos direitos sociais, com ênfase no direito à moradia (SOUZA, 2013, p. 39-40).

Mesmo que o homem sempre buscasse espaços para proteger-se das ocorrênciasno entorno, é recente a definição de que ele tem direito à moradia e que o Estado tem o dever de atuar para que isso ocorra (MARÇAL, 2011, p. 27-29).

Para alcançar uma melhor compreensão quanto ao direito social à moradia, inicia-se o tema abordando a natureza jurídica e o conceito do direito à moradia.

3.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Neste tópico buscaremos abordar os elementos conceituais relevantes à correta compreensão e relevância da moradia, bem como, pelo seu destaque legal, a sua categorização jurídica elevada, entre os direitos fundamentais.

A moradia refere-se à disponibilidade de um espaço físico que possa atender às demandas existenciais do indivíduo e seus familiares. Geram-se, assim, benefícios que ultrapassam o campo físico da proteção contra fatores diversos da natureza e trazem também um impacto emocional e psicológico positivo relacionado ao sentir-se seguro. Esse cidadão passa a ver-se como indivíduo digno e que é

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protegido de adversidade em seu entorno a partir do local em que vive e dos esforços do Estado para que esse local seja assegurado (SOUZA, 2013, p. 30).

[...] consiste em bem irrenunciável da pessoa natural, indissociável de sua vontade e indisponível, a qual permite a sua fixação em lugar determinado, bem como a de seus interesses naturais na vida cotidiana, estes, sendo exercidos de forma definitiva pelo indivíduo, recaindo o seu exercício em qualquer pouso ou local, desde que objeto de direito juridicamente protegido. O bem da moradia é inerente à pessoa e independente do objeto físico para a sua existência e proteção jurídica. Para nós, moradia é elemento essencial do ser humano e um bem extrapatrimonial (SOUZA, 2013, p. 44).

Silva (2011, p. 313) ressalta que a moradia é uma estrutura física, um local de vivência, mas também um conceito que transcende ao mero tijolo e cimento, conectando-se com a dimensão imaterial do ser humano, seu sentimento, considerando-se que abriga o corpo e gera tranquilidade para a mente. Nesse sentido, seu valor é muito mais amplo do que se pode quantificar.

“Que há de mais sagrado — diz Cícero — que a morada de um homem? Lá está o altar, lá brilha o fogo sagrado, lá estão as coisas santas e a religião.”1.

A Constituição Federal brasileira ressalta, em seu texto, direitos assegurados aos brasileiros, considerados como aqueles necessários para a proteção da vida e para o fortalecimento da sociedade, elencados no art. 6º como direitos sociais, conforme segue:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, CRFB, 2019).

Verifica-se que o legislador constituinte catalogou o direito à moradia junto com os direitos também fundamentais de educação, saúde, alimentação, entre outros, por considerar que a habitação em local adequado não se encontra em segundo plano na construção de uma sociedade justa e digna, mas tem papel essencial nesse esforço (SOUZA, 2013, p. 30).

Kunrath (2016, p. 1) ressalta que, doutrinariamente, os direitos fundamentais são divididos em diferentes dimensões (ou gerações), enquadrando-se na primeira geração os direitos políticos e civis, relacionados ao indivíduo de forma pessoal, citando-se o direito à vida, à propriedade e à intimidade.

Lafer (2006, p. 79) destaca que a segunda geração de direitos foi amplamente impulsionada pelo socialismo e suas demandas. Seus objetivos foram 1 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A Cidade antiga. São Paulo: Hemus, 1975.

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melhorar a educação, o trabalho e a saúde. A criação e a aplicação dos direitos fundamentais de segunda geração, paralelamente, fomentam a aplicação da primeira geração.

A terceira geração de direitos fundamentais está atrelada ao fim da Segunda Guerra e a percepção da necessidade de proteger o homem e a vida. Os direitos humanos passam a ser vistos como essenciais para que disputar pelo poder não ultrapassem a proteção do homem (LAFER, 2006, p. 80). Araújo e Nunes Júnior (2005, p. 116)ressaltam que “a essência desses direitos se encontra em sentimentos como a solidariedade e a fraternidade, constituindo mais uma conquista da humanidade no sentido de ampliar os horizontes de proteção e emancipação dos cidadãos”.

A quarta geração apoia-se nos conceitos de informação, pluralismo e democracia, visando alcançar uma sociedade aberta, receptiva e capaz de fomentar a convivência entre os povos. Esta geração não buscou, sob nenhuma circunstância, substituir as demais, de fato, elas são sua base, sempre buscando a construção de uma sociedade justa para todos (LAFER, 2006, p. 80-81).

Sarlet (2018, p. 350) enfatiza que os cidadãos, ao acessarem à moradia sentem-se respeitados, seguros, encontram para si e seus familiares um local de proteção. Assim, pode-se afirmar que a moradia “[...] guarda conexão direta com as necessidades vitais da pessoa humana, e, por conseguinte, também com as condições materiais básicas para uma vida com dignidade” (SARLET, 2018, p. 350).

Quando as pessoas acessam ao direito de moradia, suas vidas encontram-se mais próximas do patamar de dignidade que deveria ser alcançado por todos. Farias e Rosenvald (2017, p. 43) ressaltam que a situação existencial de uma pessoa está diretamente ligada ao seu acesso à moradia e, assim, quando não lhes é assegurado esse direito, sua situação existencial encontra-se aquém do necessário e considerado básico para viver adequadamente.

Souza (2013, p. 21) leciona que a moradia é mais do que um desejo para muitos brasileiros, mas uma necessidade e um direito de todos, por representar uma vida digna e respeitosa, igualitária e segura. Oportunizar moradia é fomentar a construção de espaços sociais cada vez mais equiparados, nos quais as pessoas não se sentem inferiores por terem de viver em condições totalmente abaixo de seu valor como seres humanos. Moradias dignas, em verdade, permitem, inclusive o desenvolvimento sadio, equilibrado, e organizado da cidade.

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De acordo com as Nações Unidas (UN, 2019, p. 1), morar em um espaço adequado faz parte do rol dos direitos humanos que deveriam ser respeitados em todo o mundo, que buscam a proteção das pessoas eda vida em sociedade.Atualmente, uma crescente atenção vem sendo dada ao direito de moradia na esfera internacional, visando estimular nas nações a compreensão de que quando fomentam o desenvolvimento e oferta de moradias com as características mínimas necessárias e amplamente acessíveis, valorizam os direitos humanos (UN, 2019, p. 1).

Silva (2017, p. 315) afirma que o direito à moradia tem uma face negativa e uma positiva, ou seja, o indivíduo não pode ser impedido de acessar à moradia em condições dignas, além do fato de que cabe ao Estado atuar para ele tenha acesso a esse direito de forma integral.

O desenvolvimento de programas que assegurem o acesso à moradia deve ser, assim, fomentado integralmente para a consolidação de uma nova realidade.

3.1.1. Do direito à moradia como direito social fundamental: do direito fundamental ao mínimo existencial

O mínimo existencial pode ser descrito como um princípio existente no ordenamento jurídico brasileiro, estabelecido para que se compreenda que existem condições mínimas necessárias para uma vida digna. Muitas vezes, o próprio cidadão não consegue obter para si o mínimo existencial e, assim, o Estado deverá atuar para que isso seja assegurado, oportunizado, abrangendo diferentes áreas de sua vida, como saúde, alimentação, moradia, etc. Sempre que o acesso a esse mínimo é negado, compreende-se que as pessoas vivem em uma linha abaixo do mínimo considerado básico para sua dignidade (DUARTE, 2011, p. 36).

Sobre o tema, Ricardo Lobo Torres (2009, p. 69) ressalta, de forma muito específica, que:

A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados. O fundamento do direito ao mínimo existencial, por conseguinte, reside nas condições para o exercício da liberdade ou até na liberdade para ao fito de diferenciá-las da liberdade que é mera ausência de constrição.

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Para que se alcance uma sociedade justa, na qual todos tenham acesso a condições de vida que respeitem seus direitos e sua característica de dignidade da pessoa humana, assegurar um padrão mínimo para a existência do cidadão trata-se de uma medida essencial.

A Lei nº 8.742 de 1993, que dispõe sobre a assistência social no Brasil e dá outras providências, estabelece o mínimo existencial como:

Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL, Lei n. 8.742, 2019).

Em outras palavras, o texto supracitado deixa claro que o mínimo existencial encampa o atendimento das necessidades básicas, sem as quais não se mantém nem mesmo a vida das pessoas.

Guedes e Rangel (2017, p. 1) esclarecem que o estado deve prever, em todas as suas políticas, a oferta de níveis de serviços que venham a atender todos os brasileiros, sem exceção, para aquilo que é minimamente necessário para a vida. Trata-se de um limite que o Estado deve esforçar-se ao máximo para que jamais seja ultrapassado, pois abaixo dele uma nação vive miseravelmente, sem condições adequadas e comprometendo suas perspectivas de futuro.

É muito comum, ao abordar o mínimo existencial, que este seja associado à saúde. Certamente que na área da saúde esse cuidado de atendimento ao mínimo existencial seja mantido para que se preserve a vida, as condições físicas e emocionais para que os cidadãos possam realizar suas atividades e galgar novos patamares de desenvolvimento em suas vidas, porém, não se pode restringir o mínimo essencial a apenas uma área da vida. Todos os direitos assegurados pela legislação brasileira devem ser assegurados, pelo menos nos patamares mínimos definidos (GUEDES; RANGEL, 2017, p. 1).

De acordo com Marziale (2017, p. 1), o mínimo existencial não se encontra claramente citado, estabelecido e definido na Constituição brasileira. Contudo, analisando-se amplamente a doutrina do país, verifica-se o esclarecimento de que o mínimo existencial tem relação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio esse evidente no dispositivo constitucional, cujo texto define que todos são dignos e, como tal, devem ser respeitados. A oferta do mínimo

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existencial jamais está pautada sobre o máximo que todos os cidadãos podem obter em suas vidas, mas ao mínimo, aquela base sobre a qual assegura-se a continuidade da vida com condições essenciais.

Sarlet e Figueiredo (2008, p. 32), a respeito do mínimo existencial, destacam que viver de forma digna não é apenas sobreviver, mas ter condições minimamente adequadas e respeitosas. “Sustenta-se, nesta perspectiva, que se uma vida sem alternativas não corresponde às exigências da dignidade humana, a vida humana não pode ser reduzida à mera existência”.

Morar em condições minimamente adequadas não se trata de um benefício concedido a uma população, mas de um direito essencial para sua vida e alcance da dignidade da pessoa humana (RANGEL; SILVA, 2009, p. 58).

Por um lado, a Constituição consagra em seu bojo o direito fundamental social à moradia digna e a obrigação do Estado em promover-lhe o acesso. Por outro lado, o que se vê na realidade é a inoperância e a omissão do poder público na efetivação e proteção desse direito, consolidando a desigualdade social através da atual política pública habitacional [...] verifica-se no Brasil uma imensa desigualdade na distribuição de renda, impedindo que grande parte da população tenha acesso a uma moradia adequada que lhes assegure o mínimo existencial (ZAGUE; VERSOLA, 2013, p. 2).

O fato é que a realidade brasileira ainda não é capaz de associar efetivamente o mínimo existencial definido como básico para os cidadãos e a oferta dele visando a alteração do cenário atual de desigualdade. Com isso, a população menos favorecida segue vivem abaixo da linha da pobreza, colocando sua vida em risco e sem grandes perspectivas de mudança (RANGEL; SILVA, 2009, p. 58; ZAGUE; VERSOLA, 2013, p. 2).

Ricardo Lobo Torres (2009, p. 69) acredita que “o fundamento do direito ao mínimo existencial, por conseguinte, reside nas condições para o exercício da liberdade ou até na liberdade para ao fito de diferençá-las da liberdade que é mera ausência de constrição”.

Existem necessidades básicas que precisam ser atendidas visando manter a dignidade humana. Nesse diapasão, as políticas do Estado devem priorizar tudo aquilo que, caso falte, obrigará os indivíduos a viverem abaixo dos limites de pobreza e das necessidades humanas (GUEDES; RANGEL, 2017, p. 1).

A reserva do possível, por seu turno, deriva do direito alemão, tendo sido trazida para o ordenamento jurídico brasileiro como uma forma de limitar os gastos de dinheiro público:

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De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. A partir disso, a “reserva do possível” [...] passou a traduzir [...] a ideia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público (SARLET; FIGUEIREDO, 2008, p. 33).

Existem casos nos quais o Estado vê seus recursos limitados e, assim, necessita da aplicação da reserva do possível. Entretanto, em alguns desses casos a falta de recursos atinge direitos fundamentais, negando o atendimento do mínimo existencial. Reis e Fatala (2016, p. 1) lecionam que:

É pacífica a concepção de que para que o Estado efetive políticas públicas é necessário, em primeiro lugar, disponibilidade de recursos públicos, eis que se esbarra na chamada reserva do possível, sendo uma das principais justificativas da Administração para sua omissão, isto é, a alegação de que não existem recursos suficientes para implementação de tais políticas. A reserva do possível não deverá, assim, atuar como uma forma de obstar que o mínimo existencial seja promovido e tutelado, pois mais importante do que a limitação de gastos do Estado é a garantia do básico para a vida de seus cidadãos (REIS; FATALA, 2016, p. 1).

3.2 DA ELEVAÇÃO DO DIREITO À MORADIA À CATEGORIA DE DIREITO FUNDAMENTAL

Os direitos humanos, assim como os direitos fundamentais, apresentam uma ligação estreita entre si. Deste modo, se um direito é desrespeitado, é possível que os demais venham a ser atingidos em alguma proporção. Verifica-se, assim, que são direitos interdependentes, que não podem ser divididos como mais ou menos importantes. Pensando-se no direito à moradia, sua violação pode afetar o gozo de uma ampla gama de outros direitos humanos (UN, 2019, p. 9).

Se nos tópicos anteriores qualificamos o direito à moradia como direito fundamental, neste iremos aprofundar o que significa implicar o direito à moradia nesta categoria de direitos, e os reflexos decorrentes desta categorização. Aqui, portanto, se investigará os alicerces deste direito fundamental, e as consequências decorrentes do mesmo.

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A oferta de moradia engloba muito mais do que um abrigo, um espaço físico, mas também um meio para que outros direitos possam ser acessados. A existência de comprovação de seu endereço poderá permitir-lhe o acesso a serviços essenciais, enquanto a falta dela poderá tornar-se um empecilho instransponível para que isso ocorra (UN, 2019, p. 9).

Douglas Maxwell, da faculdade de direito da Universidade de Oxford (MAXWELL, 2019, p. 1) enfatiza que o direito à moradia deveria ser um dos pilares das constituições e das leis dos países, considerando-se que se trata de uma preocupação com seus cidadãos, com as pessoas que ali vivem e trabalham, auxiliando no desenvolvimento econômico e social.

[...] não há marginalização maior do que não se ter um teto para si e para a família -, e promover o bem de todos, o que pressupõe, no mínimo, ter onde morar dignamente. Além dessas normas e princípios gerais, há ainda o disposto no art. 23, X, que dá competência comum a todas as entidades públicas da Federação para combater as causas da pobreza e os fatores da marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos, o que importa, só por si, criar condições de habitabilidade adequada para todos. Mas há, ainda, norma específica determinando ação positiva no sentido da efetiva realização do direito à moradia, quando, no mesmo art. 23, IX, se estabelece a competência comum para ‘promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento (SILVA, 2017, p. 315).

Mesmo que existam leis definindo os direitos fundamentais como diretrizes para ações e políticas em um país, sua existência não garante que, de fato, esses direitos serão amplamente assegurados. É essencial ultrapassar o marco teórico e adentrar ao campo da realização, da transformação das leis em fato, em ações reais e que tenham resultados perceptíveis pela população, pois assim como as pessoas trabalham para a construção do país, elas são as maiores prejudicadas quando esse país não lhes oferece, em troca, garantias mínimas de uma vida adequada, como no caso da moradia (MAXWELL, 2019, p. 1).

Zague e Versola (2013, p. 2) quanto à elevação do direito à moradia à categoria de direito fundamental, esclarecem que este integrou o texto constitucional em decorrência da Emenda nº 26/2000, que definiu “[...]instrumentos para sua viabilização com as diretrizes para implantação da política urbana, descrito de forma inovadora na Constituição de 1988 e na Lei nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade”. Novamente, vemos que o direito à moradia tem ligação indissociável com o desenvolvimento saudável da própria cidade.

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A Constituição Federal já amparava o direito à moradia como um direito social, de modo que o que as leis subsequentes fizeram foi elevar de modo indubitável como direito fundamental: um direito sem o qual a vida não pode ser digna e, assim, uma nação torna-se falha na proteção de seus cidadãos.

Apesar dessa incorporação tardia ao texto, desde a promulgação da Constituição o direito de moradia já estava amparado, pois, nos termos do art. 23, IX, todos os entes federativos têm competência administrativa para promover programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. Também, partindo da ideia de dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III), direito à intimidade e à privacidade (art. 5.º, X) e de ser a casa asilo inviolável (art. 5.º, XI), não há dúvida de que o direito à moradia busca consagrar o direito à habitação digna e adequada[...] (LENZZA, 2010, p. 839).

Deve-se ressaltar, porém, que a existência dos dispositivos legais não se mostra suficiente para a plena concretização desse direito, já que tal direito não é garantido a todos os cidadãos, e percebe-se um número crescente de pessoas vivendo em condições de moradia precárias, outras tantas sem acesso a ela (ZAGUE; VERSOLA, 2013, p. 2).

Sendo a moradia um direito fundamental, existente para que os cidadãos vivam de forma digna e respeitosa, parte-se para a análise da vulnerabilidade social dos cidadãos que vivem em locais irregulares, aspecto específico que funda o objeto deste trabalho.

3.3 DA VULNERABILIDADE SOCIAL DAS PESSOAS QUE OCUPAM LOCAIS IRREGULARES NO EXERCÍCIO DO DIREITO À MORADIA

Os dispositivos legais internacionais de direitos humanos reconhecem o direito de todos os indivíduos a um padrão de vida adequado, incluindo moradia adequada.

Ainda que os direitos humanos sejam considerados como cerne das leis de muitos países, a realidade é que mais de um bilhão de pessoas não estão abrigadas adequadamente(UN, 2019, p. 1).Em todo o mundo, milhões vivem em condições de risco, em favelas e assentamentos informais ou outras condições que não respeitam seus direitos humanos e dignidade. Todos os anos outros tantos são despejados ou ameaçados de despejo forçado de suas casas (UN, 2019, p. 1).

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Neste ponto, considera-se essencial abrir um espaço para abordar a questão do déficit habitacional no Brasil.

Um dos maiores problemas urbanos da atualidade, o déficit habitacional no Brasil, é elevado e deve-se ressaltar que poucos são os projetos que alcançam sucesso no intuito de reverter esse cenário. Motta (2014, p. 1) esclarece que, apesar de o direito à moradia ser constitucionalmente definido no país, muitos brasileiros ainda vivem em condições abaixo do mínimo, nas ruas ou em locais condenados, que não oferecem segurança ou o mínimo de dignidade a eles.

Dados indicam que o déficit habitacional gira em torno de sete milhões de unidades habitacionais no Brasil, não apenas abordando a quantidade que seria necessária para o atendimento de todas as pessoas, mas a qualidade, segurança e com acesso a saneamento básico. A moradia que coloca em risco seus habitantes não pode ser considerada como adequada e, assim, não atende ao objetivo de assegurar um direito social (NASCIMENTO; BRAGA, 2009, p. 33; MOTTA, 2014, p. 1).

Sobre o déficit habitacional, Vilas Boas e Conceição (2018, p. 1), afirmam: A maior parte do déficit habitacional brasileiro é provocada por famílias com um grande comprometimento da renda com o pagamento de aluguel (3,27 milhões) e pela coabitação [...] (3,22 milhões). As [...] habitações precárias são 942,6 mil e o restante (317,8 mil) pertence ao chamado adensamento excessivo.Desde 2009, o déficit aumentou 5,9%, ou 430 mil moradias. O déficit habitacional no Brasil não demonstra queda em seus números durante os anos. Cada vez mais brasileiros não têm onde morar ou vivem em domicílios inadequados, além de que cada vez mais a renda das famílias vem sendo comprometidacom alugueis (VILAS BOAS; CONCEIÇÃO, 2018, p. 1).Quando há o acesso à moradia, mas ela coloca em risco seus ocupantes, ela não pode ser considerada adequada eo direito à moradia não se cumpre, fato que evidencia os níveis de desigualdade social existentes. Não é possível construir uma nação igualitária, justa e digna quando muitos cidadãos não têm onde morar ou vivem em locais de risco (BONAVIDES, 2015, p. 288).

Lefebvre (2001, p. 83) leciona que “a extensão da cidade produz o subúrbio, e depois o subúrbio engole o núcleo Urbano”, em outras palavras, o subúrbio nasce da necessidade de crescimento das cidades visando acomodar um número cada vez maior de indivíduos, ainda que sua estrutura não esteja apta para isso e, assim, as condições de vida dessas pessoas não são as ideais.

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Coutinho e Rocco (2004, p. 55) ressaltam que desde o século XX as políticas urbanas das cidades na América Latina buscam a oferta de condições melhores aos cidadãos, como saneamento básico e estruturas adequadas, porém, são ideias que ainda não se tornaram realidade. As pessoas nos subúrbios estão em risco pela falta de higiene, coleta de lixo, esgoto, etc. enada conseguem fazer para mudar esse fato.

Cabe ao Estado atuar para que essa realidade mude e, para isso, ele deve contar com as demais esferas de governos (estadual e municipal), sempre tendo em mente que os municípios são os espaços mais próximos dos cidadãos e contam com os governos que podem interagir com eles e, assim, apresentam maior capacidade de entender sua realidade e buscar soluções em casos negativos (COUTINHO; ROCCO, 2004, p. 70).

[...] de forma explícita, a nada surpreendente constatação: na sociedade capitalista é estruturalmente inevitável a ocorrência simultânea do desenvolvimento e subdesenvolvimento, No próprio conceito de bem ambiental e no conteúdo do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado encontram-se sólidas justificativas para a adoção de políticas públicas que evitem (ou eliminem, caso possível) situações de injustiça e racismo ambiental [...].da extrema concentração de renda e crescente extensão da miséria, tanto em âmbito global como no plano nacional” (COUTINHO; ROCCO, 2004, p. 49).

É essencial esclarecer que a população de muitos países sequer compreende que o direito à moradia existe, que integra os direitos humanos e deve fazer parte dos direitos sociais fundamentais defendidos e promovidos por seus governos. Por não entenderem que a moradia deve ser assegurada a todos, acreditam que devem encontrar formas de resolver seus problemas na área quando, de fato, as políticas públicas deveriam ter a característica de resolução desse problema (UN, 2019, p. 9-12).

Em arremate, cumpre esclarecer que a insuficiência e precariedade das moradias ensejam diversos problemas reflexos, gerando um modo de desenvolvimento da cidade adoecido, gerador de inúmeras outras violações à direitos, como afetação do direito ao meio ambiente equilibrado, direito à saúde, et alli.

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4 DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE

Antes de adentrar, de fato, ao direito ambiental, considera-se necessário proceder de um breve esclarecimento a respeito do meio ambiente e de seu papel essencial para a manutenção da vida e da saúde das gerações presentes e futuras:

De acordo com o senso comum, a sociedade humana não se limita às nossas pessoas (gerações presentes) nem termina em nossos dias (gerações futuras). Somos responsáveis pela propagação da espécie, não somente sob o ponto de vista biológico, mas, ainda, sob outros pontos de vista (histórico, cultural, econômico etc.). Incumbe, pois, à sociedade, construir mais do que seu mundo atual, o mundo de amanhã [...]. Tomemos a expressão usufruir corretamente dos recursos ambientais: o verbo usufruir traduz um direito; o advérbio corretamente conota um dever (MILARÉ, 2011, p. 123).

Assim, a relevância do meio ambiente para a manutenção da vida é uma premissa que deve ser fixada de início, a fim de, inclusive, compreender a relação dialógica deste direito, também com a própria tutela da dignidade da pessoa humana.

4.1 MEIO AMBIENTE E A VIDA EM SOCIEDADE

O meio ambiente é um bem de interesse da coletividade, sua manutenção ou desgaste atingem não apenas um indivíduo ou um grupo, mas toda a sociedade e, assim, deve-se compreender a relevância do tema para a vida e para a saúde das gerações atuais e futuras (MILARÉ, 2011, p. 77).

Na definição legal, “entende-se por meio ambiente o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, considerando-se, ainda, o “meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo” (Lei 6.938, de 31.08.81, arts. 3º, I, e 2º, I) (BRASIL, Lei n. 6.938, 2019).

Federici (2019, p. 1) afirma que a água, o solo, o ar, entre outros exemplos que podem ser citados, são bens que não podem ser utilizados de acordo com a vontade de alguns, no interesse meramente privado, já que pertencem a todos os cidadãos e, assim, integram bens comuns, aqueles sobre os quais não

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recai uma posse, mas que devem ser vistos como pertencentes a todos os cidadãos, inclusive àqueles que ainda não nasceram.

Se, por algum motivo, esses bens fossem utilizados para o atendimento dos interesses de alguns, em exclusão e em oposição ao interesse social, ao invés de serem vistos como bens da coletividade, ocorreria uma situação de riqueza nas mãos de uma parcela da população, com outras parcelas sofrendo os impactos de uma limitação ou, ainda, de uma escassez que precisa ser combatida (VARGAS; HERSCOVICI, 2017, p. 119-120).

Toda a atividade humana causa, em alguma proporção, impactos sobre o meio ambiente e, assim, o tema merece atenção contínua visando controlar esses impactos, bem como desenvolver formas de compensação. Em outras palavras, o homem precisa seguir com suas atividades para assegurar o desenvolvimento socioeconômico, no entanto, deve encontrar formas de equilibrá-las com o esforço de conservação dos recursos ambientais (CARVALHO, 2008, p. 40).

Pereira (2018, p. 53) destaca que todo dano ambiental trata-se, de fato, de um dano que atinge a sociedade. Não há vidas sem o meio ambiente e, assim, quando os recursos ambientais são degradados, a população deve entender que sua própria vida e saúde também se encontram em risco.

Quando se fala em proteção ambiental, deve-se compreender que se trata de um esforço amplo, cujo resultado auxilia a todos os cidadãos, evitando o comprometimento de suas condições de vida.

A amplitude dos problemas ecológicos hodiernos leva-nos, necessariamente, a considerar a ecologia e a proteção dos recursos naturais renováveis, o amparo à fauna e à flora, a defesa do ambiente saudável, sob uma multiplicidade de enfoques. Neste sentido, não é mais uma questão que interessa apenas aos cientistas, aos biólogos, aos químicos, aos botânicos, aos naturalistas, etc., mas, com idêntico relevo e importância, passa a ser uma preocupação que adentra ao âmbito do político – institucional, do econômico, do social, do filosófico e do ético e,

lastbutnotleast, do jurídico (CARVALHO, 2008, p. 10).

É uma imposição à toda sociedade, a todas entidades, e pessoas, unir-se pela proteção ambiental como um objetivo comum. Apenas esforços pontuais não são suficientes para evitar a degradação ambiental que evolui consideravelmente todos os anos. Ainda, a busca por uma tutela ambiental mais eficaz iniciou-se no passado. Entretanto, nesses períodos o direito ainda não possuía uma área específica de atenção a essas questões (CARVALHO, 2008, p. 12-13).

Referências

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