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DIRETRIZES GERAIS SOBRE O ENSINO DE ÉTICA NA ENGENHARIA

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Academic year: 2021

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DIRETRIZES GERAIS SOBRE O ENSINO

DE ÉTICA NA ENGENHARIA

Cinara Nahra - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Resumo - O objetivo geral do presente trabalho é responder, em termos gerais, duas questões:

1. Porque ensinar ética na engenharia

2. Como deve ser o ensino da ética na engenharia

Em relação ao primeiro ponto o trabalho pretende mostrar que o ensino da ética na engenharia é cada vez mais necessário dado a complexidade de problemas que o profissional da área enfrenta e é chamado a responder. Paradoxalmente o desenvolvimento tecnológico faz com que o engenheiro necessite não somente do domínio das técnicas e conhecimento dos avanços científicos, mas, também, um amplo domínio sobre como o exercício de sua profissão pode afetar as pessoas que direta ou indiretamente estão relacionadas com seu trabalho. Entram neste rol os seus clientes, seus funcionários, seus empregadores, seus concorrentes e a comunidade em geral. As regras e princípios segundo os quais o engenheiro deve orientar a sua ação relativamente a este domínio vai constituir propriamente aquilo que chamamos de ética na engenharia. A importância do ensino da ética na engenharia é o que nos propomos a discutir nesta primeira parte do trabalho.

Em relação ao segundo ponto o trabalho pretende mostrar que o ensino de ética na engenharia deve se dar prioritariamente com a preocupação da aplicabilidade. A idéia é a de que se dê uma visão geral sobre a ética filosófica, através das teoria dos diversos autores, de Aristóteles aos contemporâneos, mas que concomitantemente a isto se mostre como esta ética filosófica pode ser aplicada na engenharia, discutindo os dilemas éticos que os profissionais da área podem encontrar no exercício da sua profissão, e como o estudo da ética filosófica pode ajudá-los a dar boas respostas para a solução destes dilemas.

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Antes de responder a pergunta sobre “porque ensinar ética na engenharia” cabe uma outra questão, a saber: o que é a ética na engenharia? Podemos definir ética, grosso modo, como sendo “o conjunto de regras e princípios que devem orientar a ação humana”. Por extensão, a ética na engenharia seria “o conjunto de regras e princípios que devem orientar os engenheiros em sua atividade profissional”.

Quais seriam, eles? Para além daquilo que consta nos códigos de ética, e até para fundamentá-los, cabe uma reflexão anterior. Esta reflexão começa com a pergunta: o que seria uma conduta profissional efetivamente ética? Analisemos, inicialmente, o que deve ser comum na conduta ética de qualquer engenheiro, independentemente de sua especialidade.

A preocupação com o bem comum parece ser o primeiro desses pontos. Preocupar-se com o bem comum implica, entre outras coisas, algumas das chamadas “obrigações negativas”, como por exemplo, a de não colocar em risco o bem estar e a segurança de indivíduos, grupos ou populações, que de agora em diante denominaremos de “princípio de obrigação com a comunidade”. A princípio, isto parece ser totalmente consensual. A questão é que na prática, este princípio que parece ser absoluto e consensual, exige a tomada de decisões que muitas vezes implicam no sacrifício do lucro ou dispêndio de muito dinheiro, e aí surgem as dúvidas sobre aplicá-lo ou não, e as pressões. Vejamos um exemplo: imaginemos, hipoteticamente, um estádio de futebol que segundo a análise de engenheiros qualificados necessita de uma série de reparos em sua estrutura pois existe um risco mínimo, mas não zero, de que sob determinadas condições venha a desabar. Se seguirmos o “princípio de obrigação com a comunidade” a decisão correta a ser tomada é interditar o estádio por um tempo e fazer os reparos necessários. Imaginemos, porém, como hipótese adicional, que o estádio seja o único da cidade e estejamos no meio de um campeonato. Neste caso já haveriam vozes dispostas a ponderar sobre a aplicação incondicional do princípio. Imaginemos agora, como outra hipótese adicional, que a obra seja caríssima e que a mantenedora do estádio (seja governo ou prefeitura) alegue que não há de modo algum recursos para realizar a obra, e portanto, o estádio se interditado, ficaria nessa condição por no mínimo tres anos porque antes disto estaria inviabilizada sua reforma. Com essa hipótese adicional quantas pessoas ainda aplicariam incondicionalmente o “princípio de obrigação com a comunidade” e continuariam defendendo a interdição do estádio?

Esse exemplo é paradigmático por vários motivos. Primeiro porque mostra que a aplicação de princípios, mesmo quando estes são absolutamente consensuais, na maioria dos casos práticos não é totalmente garantida. Há uma série de considerações e fatores que podem afetar sua aplicabilidade. Segundo porque indica a série de pressões a que os engenheiros podem estar submetido. A mantenedora pode pressioná-los para que falsifiquem ou não divulguem seu laudo. Se eles não falsificam, e são funcionários da mantenedora, podem perder seus empregos. Se não falsificam, o laudo é divulgado e nada acontece com o estádio, podem ser acusados de alarmismo. Se falsificam ou não divulgam e o estádio cai, podem ser presos, impedidos de exercer a profissão e principalmente,

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É aí que entra a necessidade do ensino da ética na engenharia. O futuro profissional deve ter consciência dos princípios éticos básicos que ele deve respeitar e também deve ser esclarecido sobre as pressões a que ele poderá ser submetido em sua atividade profissional. O objetivo é prepará-lo para que tome as decisões corretas. O caso acima citado pode ser considerado como a ilustração de um dilema-padrão, que é aquele em que o interesse pessoal conflitua com a postura moral. Immanuel Kant, um dos autores clássicos da filosofia moral nos dá o seguinte exemplo de um dilema deste tipo: “ Imagine que um príncipe lhe dê a seguinte opção: ou você presta falso testemunho contra um homem que você tem absoluta certeza que se trata de uma pessoa honesta e digna, ou você é condenado a morte”.

Trata-se de um caso em que claramente o interesse pessoal, no caso o interesse pela conservação da própria vida, está em franca oposição a conduta moral. Explico: se o indivíduo x que foi ameaçado pelo príncipe opta por preservar sua vida ele deve adotar uma atitude claramente imoral, condenando um homem que se sabe ser honesto. Se ele opta por adotar a conduta moral, não prestando falso-testemunho, ele sacrifica sua vida. A visão de Kant sobre este caso é clara (e falaremos disto mais adiante) ou seja, a atitude correta a ser tomada é a de não prestar o falso testemunho. No caso hipotético em questão, também, obviamente, a atitude correta é entregar o laudo verdadeiro. Aliás, a atitude ética dos engenheiros deverá ser sempre a de não faltar com a verdade, ou seja, emitir laudos e pareceres que expressem fidedignamente o que realmente está acontecendo naquilo que é objeto de sua análise.

Mas o que interessa salientar aqui é o fato que na atividade do engenheiro, assim como de muitas outras profissões, os dilemas éticos muitas vezes aparecem. O engenheiro que é convidado a falsificar um laudo sob pena de perder seu emprego também está optando entre o interesse pessoal e a moralidade. A falsificação do laudo evidentemente pode levar ao sacrifício de diversas vidas. A não falsificação, em um mundo de desemprego crescente, pode significar , no melhor dos casos, uma diminuição considerável de seu padrão de vida e da sua família. Assim como no exemplo hipotético do príncipe kantiano, o engenheiro de hoje é submetido as pressões de vários príncipes contemporâneos, que assumem a forma de grandes construtores, industriais, governos etc...

Há vários outros dilemas éticos que o engenheiro enfrenta na sua atividade além daqueles que podem colocar em risco vidas humanas. Há casos e problemas relativos a roubo de idéias, uso privilegiado de informações, esquemas em licitações, descompromisso com a qualidade e outros. Na realidade o domínio da ética na engenharia abrange as relações do engenheiro com seus clientes, com seus funcionários, com seus patrões, com a comunidade, com seus concorrentes. Em cada uma destas relações é preciso que os engenheiros construam uma prática ética padrão, para que acima de tudo a prática da engenharia não esteja em contradição com a segurança e o bem-estar da sociedade. E aí também é necessário o estudo da ética pelos engenheiros. Para que se compreenda que o exercício de qualquer profissão deve estar plenamente de acordo com o bem comum, que é aquilo que o filósofo Aristóteles caracterizava como sendo o objetivo da vida em sociedade.

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Abordada a necessidade do ensino de ética na engenharia, cabe agora abordar como deve se dar este ensino. Há basicamente dois erros no ensino da ética relativa a profissões. O primeiro destes erros é o ensino da ética filosófica totalmente dissociada da sua aplicabilidade ao campo profissional específico. Chamaremos este erro de “vício do teoricismo”. O ensino da ética deste modo tende a desestimular os alunos, que não conseguem compreender como o aprendizado da ética filosófica e suas correntes pode ser aplicado em sua prática profissional. Outro problema desta metodologia é aquilo que Peter Singer chama de “compreender a ética como um sistema ideal, de grande nobreza teórica, mas na prática inaplicável”.

O segundo destes erros é exatamente o contrário deste que acima citamos. Trata-se de abordar a ética profissional Trata-sem nenhuma relação e nenhuma referência a ética filosófica. Chamaremos este erro de “vício do pragmatismo”. O ensino da ética deste modo pode levar os alunos a compreender a ética como uma série de preceitos assumidos no código de ética da sua profissão sem nenhuma discussão dos motivos pelos quais assim deve ser a sua prática profissional, e deste modo, pode levá-los a compreender a ética como sendo um conjunto de regras que atrapalham sua prática profissional, e não, como deveria ser, um conjunto de regras absolutamente necessárias para o bom exercício de sua profissão e para que exista o respeito da sociedade por sua atividade.

A primeira coisa, então, a ser evitada no ensino da ética na engenharia é tanto o “vício do teoricismo” quanto o “vício do pragmatismo”. O ideal é fornecer uma visão conjugada, que aborde a ética filosófica, os problemas éticos enfrentados pelos engenheiros e a aplicação dos princípios da ética filosófica a resolução de problemas éticos práticos.

Dentro da ética filosófica sugere-se que sejam ensinados os três modelos éticos básicos e clássicos: a ética de virtudes aristotélica, a ética de princípios kantiana e a ética utilitarista de J.S. Mill. Na ética de virtudes aristotélica , grosso modo, aborda-se a necessidade de que o conjunto das atividades dentro da sociedade esteja submetido a consecução daquilo que Aristóteles chama de bem supremo, ou seja, a felicidade de todos. Qualquer atividade que esteja em contradição com esse fim não poderia ser considerada como sendo ética. Como meio para a consecução deste fim Aristóteles descreve uma série de virtudes que devem ser estimuladas na vida em sociedade e que são sempre uma espécie de mediania, um meio termos entre o excesso e a falta. Neste sentido, Aristóteles pode ser um precursor do que contemporaneamente determinamos como sendo o “bom senso”.

Na ética de princípios kantiana aborda-se o chamado Imperativo Categórico Kantiano, a chamada lei moral que Kant enuncia: “Age de tal modo que o princípio subjetivo de tua ação possa ser universalizado”. Grosso modo, podemos dizer que este é o critério para que determinemos se nossas ações são ou não imorais ou anti-éticas. Se as ações podem ser universalizadas, se podemos querer que todos a cometam elas passam pelo critério do Imperativo, e portanto estamos autorizados a praticá-las. Se elas não podem ser universalizadas, se elas não podem ser cometidas por todos então elas são imorais. No caso que trabalhamos acima, de um hipotético dilema possível de ser vivido

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tomada é a de não falsificar o laudo, embora este seja o caso em que os três modelos dariam exatamente esta mesma resposta.

Já o princípio utilitarista da maior felicidade sustenta que “As ações são justas na medida em que tendem a produzir a felicidade e injustas na medida em que tendem a produzir o contrário da felicidade. Por felicidade entenda-se o prazer e a ausência de dor, e por infelicidade a dor e a ausência de prazer. A felicidade, porém não é apenas a felicidade do agente ,mas a felicidade de todos aqueles atingidos pelo ato”. O critério utilitarista, então, para determinar a moralidade ou não de uma ação, é o grau de felicidade que ele proporciona a todos aqueles que são por ela atingidos.

Apresentados estes três modelos, devem ser levantados os problemas éticos possíveis de serem vivenciados pelos engenheiros, e a seguir, como a aplicação destes modelos pode auxiliá-los na tomada de decisões. Evidentemente que o modo como isto será feito depende da metodologia adotada por cada professor. O importante, aqui, e é isso que quero ressaltar, é que necessariamente deve haver esta conjugação entre o ensino de modelos éticos filosóficos, ou seja, de teorias éticas filosóficas, com problemas práticos enfrentados pelos engenheiros no que diz respeito a condutas éticas a serem adotadas no exercício de sua atividade profissional. Deve ser mostrado como a aplicação destes modelos pode levá-los a correta solução dos problemas enfrentados pelos profissionais, orientando-os sobre qual é a atitude moralmente correta.

Bibliografia básica em Português

ARISTÓTELES - A Ética a Nicômaco; Coleção Os Pensadores, Aristóteles II, Abril Cultural

BROW, Marvim - Ética nos Negócios; Makron Books

KANT, I - Fundamentação da Metafísica dos Costumes; Coleção Os Pensadores, Kant II, Abril Cultural

MILL, J.S - O Utilitarismo; Coimbra edições NASH, Laura - Ética nas Empresas; Makron Books SÁ, Antonio Lopes de - Ética Profissional; Atlas SINGER, Peter - Ética Prática; Martins Fontes

Referências

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