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À DESCOBERTA DA HIPNOSE

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Academic year: 2021

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Escrito por: Pedro Rodrigues Ribeiro

Fundador e Diretor de

À DESCOBERTA DA

HIPNOSE

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INTRODUÇÃO

Recordo o primeiro momento em que tive contacto com a Hipnose, como se fosse ontem. Estava no 4º Ano do Mestrado Integrado em Psicologia, vertente Clínica, numa cadeira que se chamava Introdução às Psicoterapias. O objetivo dessa cadeira era mostrar os principais modelos de Psicoterapia, desde a Psicanálise até às chamadas Psicoterapias de 3ª Geração.

Num desses dias, fomos informados que iriamos ser hipnotizados. Não sei se alguém sabia o que isso significaria. Apenas nos disseram que tínhamos de chegar a horas, já que depois a porta seria fechada e não se poderia entrar e que, quem não quisesse participar, não precisaria. Uma gravação foi passada com a voz da nossa professora a falar. Hoje percebo perfeitamente cada uma partes mas, na altura, tudo isso era desconhecido.

Passados minutos, vi a minha atenção e concentração a ser focada, uma alteração da consciência a seguir as sugestões dadas e, ao longo da mais de uma hora de gravação, comecei a executar ações, ouvir músicas e ver cores que realmente não estavam presentes, com uma facilidade tremenda. Escusado será dizer que sai de lá a pensar: “Que raio é que acabou de acontecer!? Quero saber mais sobre isto!!”. E assim começou a minha jornada pelo mundo da Hipnose.

O primeiro passo foi um curso de Hipnose Clínica, numa perspetiva cognitivo-comportamental, administrado pelo Prof. Dr. António Capafons, no ISPA. Foram das melhores 40 horas do meu último ano de Mestrado. Entre conhecer a história, as teorias, os testes de sugestionabilidade, as escalas, como dar as sugestões hipnóticas, o modelo de Valência e auto-hipnose… Foram fins-de-semana completamente hipnotizantes, se me permitem a redundância. Mas não foi o suficiente, não só para satisfazer a minha sede de conhecimento mas, também, para poder utilizar profissionalmente. Mas seria apenas o início.

A oportunidade surgiu após a conclusão do curso. Já com um mestrado em Psicologia, recebo a novidade que a Prof. Dra. Cláudia Carvalho, minha antiga professora e diretora do Instituto Milton H. Erickson de Lisboa iria administrar um curso de Hipnose, com o mesmo molde da formação da Fundação Milton H. Erickson. A emoção foi mais que muita!

Agarrei a oportunidade e fiz a formação completa, desde o mais básico, até ao mais avançado. O meu mundo ficou aberto ao génio de Milton Erickson e às Abordagens Ericksonianas à Psicoterapia. O pensamento de utilizar várias abordagens para que tornasse a terapia em algo personalizado para o cliente fazia-me muito sentido, tanto em Hipnose como Psicoterapia Cognitivo-Comportamental.

Desde essa altura, utilizo linguagem hipnótica e Hipnose sempre que a situação peça, explorei outros estilos de Hipnose, uns mais tradicionais, outros mais integrativos, dou formação no tema e aumentei os meus conhecimentos, com um Curso de Abordagem

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Ericksoniana à Hipnose e Psicoterapia Breve, diretamente da Fundação Milton H. Erickson, nos Estados Unidos.

Coloca-se a pergunta: Porquê escrever algo sobre Hipnose? A resposta é simples: acredito que Hipnose pode ser uma técnica valiosa para profissionais de saúde e para os seus clientes ou pacientes. Como eu, existem mais pessoas que partilham esta crença. Mas o avanço e aceitação da Hipnose, por parte de profissionais de saúde, têm sido lenta e com desconfiança, sem dúvida devido a algum desconhecimento e muitos mitos que vêm associados à Hipnose.

Espero que esta pequena introdução ao mundo da Hipnose possa ser a abertura da porta para uma curiosidade ainda maior de saber mais e mais.

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O QUE É HIPNOSE?

Para se começar a falar sobre Hipnose, nada melhor do começar pelo princípio. O que é Hipnose?

Essa é uma pergunta que não tem uma resposta muito simples. Desde que Hipnose surgiu e que se começou a investigar este método, vários foram os investigadores que formularam definições, de acordo com aquilo que acreditavam e os resultados das suas investigações. Como veremos mais à frente, o início da Hipnose foi caracterizado por uma luta entre escolas e perspetivas diferentes. Mas se é difícil apresentar uma única e abrangente definição de Hipnose, vamos analisar as áreas comuns das várias definições. Em primeiro lugar, Hipnose é uma técnica e não uma forma de terapia. Hipnose é uma forma de comunicação verbal e não-verbal, sendo que aquilo que dizemos terá necessariamente que ter uma base terapêutica e isso é algo que Hipnose não ensina. O termo “Hipnoterapia” entrou na linguagem científica como uma tentativa de se aproximar de algo que se tornou numa cultura popular. E, se pensarmos bem, “Hipnoterapia” apenas significa terapia com recurso à Hipnose.

Em segundo lugar, Hipnose implica um estado de atenção focado. De entre alguns processos aos quais Hipnose utiliza, o processo de atenção é um dos, se não o mais importante. De modo a hipnotizarmos alguém, temos de absorver a atenção da pessoa em algo, podendo ser uma ideia, uma sensação, um objeto ou mesmo um som.

Em terceiro lugar, Hipnose implica uma relação. Uma das grandes preocupações das pessoas, ao entrarem no mundo da Hipnose, é a questão do controlo mental, um poder obscuro que o hipnotista exerce sobre a podre e indefesa pessoa. Nada poderia ser mais longe da verdade. De facto, uma pessoa só pode ser hipnotiza se ela quiser, se permitir-se estar numa relação com o hipnotista, que permita confiar, permitir-seguir a suas sugestões e aproveitar as sensações que o estado de Hipnose traz.

Em quarto lugar, Hipnose possui uma linguagem própria. Hipnose é, por excelência, uma técnica comunicacional. Nesse sentido, o terapeuta utiliza uma linguagem especificamente estruturada para induzir a pessoa em Hipnose. Esse tipo de linguagem é conhecido como sugestão. A sugestão não é algo exclusiva da Hipnose, psicoterapia mais formal também pode utilizar. No caso da Hipnose, todas as estratégias terapêutica que vamos utilizar são colocadas em forma de sugestão.

Finalmente, Hipnose pode ser induzida pelo próprio sujeito. Muitos são os teóricos que afirmam que toda a Hipnose é Auto-Hipnose. Isto porque é o sujeito que se permite aceitar e seguir as sugestões dadas. Nesse sentido, é possível ensinar e treinar a pessoa em metodologias próprias de Hipnose, onde a pessoa possa passar pelo processo, sem o auxílio de um terapeuta a conduzir o processo.

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COMO SURGIU A HIPNOSE?

Hipnose é uma área relativamente jovem, com apenas umas centenas de anos. As sementes do que viria a ser Hipnose foram plantadas há séculos atrás, antes de Cristo. Os Egípcios, por exemplo, retinham uma prática de permitir que os seus altos conselheiros e soldados entrassem em templos, devidamente preparados e ornamentados. Dentro desses templos, deitavam-se em superfícies de pedra, muitas delas, completamente imóveis. Sacerdotes vestidos em trajes elegantes passavam pelas pessoas, entoando cantos e passes de mãos, como se orações se tratassem. De seguida, as pessoas deitadas entravam em estados de sono curativos, que poderiam demorar horas. O que é certo é, após saírem do templo, encontravam-se totalmente recuperados e revigorados.

Mais tarde, os próprios Gregos e Romanos começaram a realizar essas práticas, onde os primeiros chegavam a adorar Hypnos, o Deus do Sono.

A própria imagem do curandeiro, a pessoa mais velha e sábia da cultura que representava, utilizava muitas vezes o poder da sugestão, parecendo realizar autênticos milagres.

Franz Anton Mesmer, nascido em 1734, fora um médico alemão cujo interesse pela astronomia viria a impulsionar a forma como Hipnose surgiria. O interesse de Mesmer era tão grande que a sua própria dissertação de doutoramento incluía a teoria de que o posicionamento da Lua afetava as marés, animais e até os seres vivos, via forças magnéticas. No início, Mesmer pensou num aparelho em metal, de modo a poder ser um condutor da força magnética. No entanto, com o passar do tempo, Mesmer começou a perceber que essa mesma força poderia ser manipulada e lançada pelos seus próprios dedos das mãos. Mais tarde, Mesmer iria considerar que todos os indivíduos mais inteligentes o poderiam fazer.

Mesmer gerou muita controvérsia quando, um dia, atendeu uma pessoa bastante doente. Contrariamente ao método utilizado na altura, abertura do crânio para libertar pressão e sangue, Mesmer resolveu aplicar o seu método, realizando movimentos com as suas mãos, ao longo do corpo da jovem. De repente, ela começou a ter convulsões, perdeu a consciência por momentos e, quando retornou a si, parecia estar completamente curada. Aproveitando este episódio, Mesmer começou a realizar o seu novo método de tratamentos com várias pessoas. O suficiente para que a comunidade médica se mostrasse desagradada com a metodologia de Mesmer. A pressão tornou-se tão grande que Mesmer sentiu a necessidade de se mudar para Paris.

Já em Paris, Mesmer costuma organizar sessões de cura com grandes grupos de pessoas, quase todas mulheres da alta sociedade. De modo a que o fluxo magnético pudesse ser transferido, de maneira mais eficaz, foi construído um aparelho em forma de uma banheira metálica, com vários condutores. Vestido de forma vistosa e ornamentada,

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Mesmer montava um autêntico espetáculo onde transferia o magnetismo para todas as pessoas, via condutores metálicos.

Tal como na sua terra natal, a comunidade médica parisiense começou a insurgir-se contra Mesmer. Para satisfazer a comunidade médica, o Rei decidiu organizar uma comissão cujo objetivo seria avaliar a veracidade do método de Mesmer. Essa comissão seria popular por alguns dos seus constituintes, como Benjamin Franklin, Antoine Lavoisier e Antoine Louis, o criador da guilhotina. A Comissão duplicou os métodos de Mesmer, mas o resultado foi muito diferente. Era a conclusão de Franklin que os métodos de Mesmer eram uma fraude e deveriam ser totalmente desacreditados.

Em desgraça, Mesmer acabou exilado fora de França, até ao final dos seus dias. Até aos dias de hoje, os contributos de Mesmer, na evolução da Hipnose, não é esquecida e em algumas escolas, a sua prática de Mesmerismo, como ficou conhecida, ainda é ensinada. Um dos discípulos mais importantes do Mesmerismo foi o Marquês de Puységur. Ensinado pelo seu irmão, nas práticas do Mesmerismo, o Marquês era um defensor e praticante do Mesmerismo, dentro da alta sociedade. Achando que os benefícios do Mesmerismo deveriam ser para todas as classes, o Marquês magnetizou uma árvore, para que todos os membros do povo pudessem ter acesso.

Certo dia, um aldeão de nome Victor Race aproximou-se da árvore e, ao tocar-lhe, caiu num profundo estado de sono. Ao verem o que aconteceu com Race, mais pessoas tocaram e caíram num sono profundo. Este seria o estado conhecido como estado sonambúlico.

Já que isto é um texto português, deixo aqui a referência histórica do hipnotismo português, o Abade Faria. Nascido em 1756, José Custódio de Faria foi um monge católico nascido em Goa, de pais portugueses. O seu impacto foi de tal ordem que existe uma estátua do Abade em Goa, em sua honra, uma das ruas do Parque das Nações tem o seu nome e a personagem Faria, do romance de Alexandre Dumas O Conde de Monte Cristo, teve como base o Abade.

Ainda em Goa, pensa-se que Abade Faria já possuía alguns conhecimentos de hipnotismo, com diferenças do trabalho de Mesmer. Foi em Paris que o trabalho de hipnotismo do Abade se tornou popular, por convite do Marquês de Puységur. Contrariamente ao que Mesmer pensava, o Abade acreditava que o estado de hipnotismo seria atingido por via de sugestão. De tal forma que as suas ideias seriam exploradas pelo campo da Psicoterapia e de grandes pensadores de Hipnose, referidos mais à frente. Faria também foi a primeira pessoa a conseguir colocar alguém no estado hipnótico, de modo rápido, via choque. Explicando ao sujeito o que se iria passar, o Abade gritava a palavra “Durma!”, de forma violenta e inesperada. Devido à surpresa e ao choque, o sujeito entrava no estado, quase sempre.

Uma das últimas grandes referências do Mesmerismo foi James Esdaile. Nascido em 1808, Esdaile foi um médico-cirurgião escocês que serviu como médico na Índia,

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durante mais de 20 anos. Com a falta de condições para cirurgias, nomeadamente agentes anestésicos, as práticas de Esdaile baseavam-se nos princípios do Mesmerismo. Durante horas, Esdaile colocava os seus pacientes no estado de sonambulismo, deixando que fossem preparados pelos assistentes. Assim que se encontravam preparados, Edaile realizava as intervenções necessárias, desde pequenas cirurgias até operações mais complexas, como amputações. Não só os pacientes não sentiam nada, como a sua recuperação ainda parecia ser mais rápida.

Após mais de 300 intervenções bem-sucedidas, Esdaile escreveu vários artigos, com o objetivo de apresentar a sua metodologia, à comunidade médica britânica. Contudo, Esdaile mostrou-se incapaz de reproduzir os mesmos resultados que obteve na Índia, o que desqualificou a sua abordagem, na comunidade médica. Pensa-se que parte do seu sucesso teria a ver com a ritualização dos procedimentos que aconteciam nas suas operações, na Índia.

O momento do surgimento de Hipnose ocorre este homem, James Braid. Nascido a 1795, Braid era um médico-cirurgião escocês com particular interesse no Mesmerismo. Ao contrário da maioria, o objetivo de Braid era provar que o Mesmerismo não existia, enquanto prática. A sua oportunidade surgiu quando Braid pediu o consentimento para observar uma pessoa que tinha sido voluntária num espetáculo, por parte de um mesmerista.

O que Braid descobriu mudaria o curso da história da Hipnose para sempre. Após uma observação meticulosa do sujeito, Braid reparou num estranho movimentos dos olhos do sujeito, estando virados para cima e humedecidos. Braid decidiu inverter o processo e usá-lo nele próprio, o que fez com que atingisse o mesmo estado que o sujeito.

A grande conclusão de Braid é que o estado que era alcançado não se devia a Mesmerismo ou o carisma do artista, mas sim à fixação ocular prolongada, num objeto, onde o ponto estaria acima do campo de visão do sujeito, fazendo com que os seus olhos revirassem. Braid denominou este fenómeno, inicialmente, como Neurohipnotismo, atribuindo a processos fisiológicos. No entanto, a primeira parte acabou por cair ficando apenas Hipnotismo e, mais tarde, Hipnose.

Neste sentido, Braid é considerado o pai da Hipnose, apesar deste termo algo infeliz. O termo Hipnose deriva de Hypnos, o Deus grego do Sono, o que é incorreto visto Hipnose não se tratar de um estado de sono, mas sim de um monoideísmo, a fixação em algo ou numa ideia. Infelizmente, Hipnose tinha-se tornado um termo muito popular, quando Braid tentou a sua alteração.

A história da Hipnose leva-nos a outro momento importante, em Paris. Mais concretamente no Hospital de La Salpêtrière. Reconvertido num hospital universitário, este local teve a sua importância graças a um dos seus médicos mais emblemáticos, Charcot.

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Nascido a 1825, Jean-Martin Charcot foi um médico neurologista e professor de patologia anatómica. De entre as suas conquistas, Charcot trabalhou, ensinou e foi responsável por um departamento do Hospital de La Salpêtrière, durante 33 anos. Considerado o fundador da neurologia moderna, o trabalho de Charcot foi muito marcado pelas suas descobertas no campo da Hipnose e Histeria.

Para Charcot, a Histeria era uma patologia neurológica, à qual os pacientes já possuíam uma predisposição genética, no seu sistema nervoso. No final da sua vida, Charcot recuou com esta afirmação e concluiu que a Histeria era uma doença psicológica. O interesse pelo Hipnotismo levou Charcot a afirmar que existia uma relação direta entre a capacidade de alguém ser hipnotiza e responder neste estado e ser-se histérica. Coloca-se a questão no feminino pois, nessa altura, a Histeria era apenas considerada uma condição feminina.

Charcot organizava, regularmente, reuniões com outros médicos e estudantes, de modo a apresentar as suas descobertas e realizar demonstrações de Hipnose, com as suas doentes histéricas. O trabalho de Charcot culminou na popular Escola de Paris, um grupo de médicos e investigadores, sediados em Paris, que acreditavam na existência do chamado “Transe” e fenómenos de dissociação, na sua teoria de Hipnose. Também teria impacto na próxima personagem desta história: Freud.

Sigmund Freud é um dos nomes mais reconhecidos no mundo, especialmente no campo da Psicoterapia. Nascido a 1856, Freud foi um médico neurologista, cuja ideia de existir algo inconsciente por detrás de patologias físicas iria revolucionar o mundo, em geral e Psicoterapia, em particular.

Após ter concluído o seu curso de Medicina, Freud começou a interessar-se pelo trabalho de Charcot. O seu interesse era tão grande que quis arranjar uma bolsa de estudo para estar junto de Charcot. E conseguiu.

Foi nesse trabalho conjunto que Freud foi introduzido à Hipnose e às demonstrações de Charcot. Freud ficou tão impressionado que, não só utilizava na sua prática médica, como ainda traduziu as obras de Charcot em várias línguas.

Freud continuaria com Hipnose, até ao início da sua relação profissional com Josef Breuer onde, juntos, iriam criar os fundamentos da Psicanálise. No entanto, Freud iria considerar que a Hipnose não lhe permitia alcançar a profundidade ao inconsciente como desejara. Assim, desenvolveu a Associação Livre de Ideias e Interpretação dos Sonhos, como substitutos. Esta ação levou a que Hipnose entra-se na obscuridade, durante muitos anos.

Charcot não foi o único autor de interesse para Freud. Durante a sua viagem pelo mundo da Hipnose, Freud seguiu o trabalho de um senhor chamado Bernheim, cujo impacto foi profundo ao ponto de dar o nome de Bernheim a um dos seus filhos.

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Nascido em 1840, Hippolyte Bernheim foi um médico neurologista francês, cujo contributo marcou profundamente o campo da Hipnose.

Com o grosso do seu trabalho em Nancy, Bernheim iria trabalhar com Ambrose-Auguste Liébeault no conceito de sugestionabilidade hipnótica, dando assim génese à Escola de Nancy, uma oposição à Escola de Paris de Charcot.

Para esta escola, Hipnose teria diferentes comportamentos de diferentes pessoas, de sugestionabilidades diferentes. Ou seja, cada pessoa teria a sua própria capacidade de responder às sugestões, no estado hipnótico e que algumas responderiam melhor do que outras. O conceito de sugestionabilidade hipnótica tornou-se essencial, existindo até aos dias de hoje e iniciou toda a possibilidade de investigação científica.

Como já referido, Hipnose entrou na era das trevas, após Freud ter renegado o seu uso. Mais, os avanços na farmacologia faria com que as práticas anestésicas dependessem principalmente da utilização de clorofórmio, algo que fez com que a anestesia hipnótica fosse praticamente extinta.

Por razões que mais tarde vou referir, a existência da Hipnose manteu-se graças à Hipnose de Entretenimento ou Palco, já que eram artistas que montavam espetáculos, utilizando rotinas de Hipnose. A próxima vez que esta técnica seria recorrida foi na altura das Grandes Guerras, principalmente na 2ª Guerra Mundial, quando as reservas de clorofórmio tornaram-se escassas e Hipnose era utilizada como anestésico e analgésico, juntamente com o tratamento de Perturbações de Stress Pós-Traumático. Com o avanço da indústria e a ciência, entramos no que foi chamado de Revolução Cognitiva. De uma forma geral, a Revolução Cognitiva surge com o avanço da ciência informática e a construção de máquinas computorizadas. O processamento da informação era dada sobre uma linguagem numérica (0 e 1), pelo operador, guardada em sistemas de armazenamento de memória, para depois serem utilizadas em operações específicas. A Psicologia veio absorver e adaptar este conceito, dando origem à Psicologia Cognitiva.

A partir deste ponto, a investigação científica floresceu e Hipnose foi uma área que apanhou essa valorização. Nesse sentido, não podemos afastar-nos daquela que é considerada a “gold standard” das escalas de investigação em Hipnose: Stanford Hypnotic Susceptibility Scales. Desenvolvidas na Universidade de Stanford por André Weitzenhoffer e Ernest Hilgard, estas escalas medem a capacidade de uma pessoa responder a sugestão, no estado hipnótico. Existem três formas, sendo aplicadas a nível individual. São compostas por uma indução, sugestões que passam por respostas ideomotoras, sensoriais e cognitivas. Após a realização da escala, é preenchido um questionário sobre quais as sugestões que o sujeito conseguiu responder, ou não. O resultado final colocaria o sujeito em três categorias: não sugestionáveis (nesta categoria, a pessoa pode ser hipnotizada, mas responde a muito poucas sugestões, nomeadamente ideomotoras); mediamente sugestionáveis (nesta categoria, a pessoa é hipnotizada e responde a muitas sugestões, incluindo ideomotoras e sensoriais, mas não

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responde a fenómenos mais complexos); altamente sugestionáveis (Hilgard denominava esta categoria como “virtuosos”. Nesta categoria, a pessoa é hipnotizada e responde a todos as sugestões e fenómenos hipnóticos, com relativa facilidade). Existem mais escalas e formas de medida de sugestão hipnótica mas, para âmbito de referência, deixo apenas a Harvard Group Scale, uma adaptação validada das escalas de Stanford, para aplicação em grupos.

O mundo da Hipnose iria sofrer uma enorme revolução, entrando no séc. XX, pelas mãos do psiquiatra norte-americano Milton H. Erickson.

Nascido em 1901, Milton Erickson veio de uma família humilde, de trabalhadores de campo. Erickson sofria de pólio, também conhecida como paralisia infantil, o que fez com que quase morresse, enquanto criança. Embora tenha sobrevivido, ao contrário do que os médicos acreditavam, Erickson sofreu várias sequelas físicas, muitas delas vieram a deteriorar-se, perto da sua morte. Por mais dolorosas que fossem, Erickson serviu-se delas como inspiração para a sua filosofia de terapia.

Enquanto concluía o seu curso em Medicina, com especialização em Psiquiatria, Erickson teve aulas com Clark Hull, um dos mais conhecidos investigadores em Hipnose. Hull possuía uma abordagem tradicional e direta, um tanto autoritária, com enfâse na sugestionabilidade hipnótica, algo que Erickson não considerava adequado. Propondo-se a fazer melhor, Erickson desenvolveu o seu próprio estilo, trabalhando com sujeitos que Hull não conseguiu hipnotizar. Os resultados foram tão notáveis que Erickson começou a construir a sua reputação, enquanto terapeuta que conseguiu resolver os casos que ninguém conseguia solucionar.

No decurso da sua vida, Erickson foi diretor de vários hospitais psiquiátricos americanos, até se mudar para Phoenix, no Arizona, por motivos de saúde. Aí, dedicou-se à prática privada e ao ensino, num formato único. Estudantes iriam visitá-lo e conviver com ele, enquanto ele partilhava as suas histórias clinicas, as suas perspetivas sobre Hipnose e Psicoterapia e demonstrava os seus métodos.

O legado de Milton Erickson ainda continua vivo tanto em livros sobre a sua vida e os seus métodos, como vídeos, demonstrações clínicas e dos seus alunos. Em especial, Jeffrey Zeig reuniu esse legado na figura da Fundação Milton H. Erickson, cujo objetivos passam por reunir, preservar e divulgar os métodos de Erickson e a sua vida. A Fundação aprova e acredita centenas de Institutos, espalhados por vários países, que continuam o trabalho de divulgação e ensino da Abordagem Ericksoniana à Hipnose e Psicoterapia.

Embora Erickson tenha revolucionado Hipnose, com uma abordagem diferente, a Hipnose clássica ou tradicional continuaria a evoluir, muito pelo trabalho de um homem chamado Dave Elman.

Nascido a 1900, Dave Elman foi introduzido ao mundo da Hipnose desde criança, pelo mundo do espetáculo. Elman percebeu do enorme potencial da Hipnose quando o seu

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pai, diagnosticado com cancro em fase terminal, recorreu à Hipnose para gerir a sua dor e desconforto. Como resultado, Elman conseguiu usufruir de muitos momentos de qualidade com o seu pai, antes de este falecer.

Elman dedicou-se a realizar e elaborar espetáculos de palco com Hipnose, até conseguir um programa de rádio, onde apresentaria várias pessoas de várias áreas de interesse. Numa dessas ocasiões, Elman trouxe um hipnotista para o seu programa onde rapidamente percebeu que não só percebia mais sobre Hipnose, mas também conseguia hipnotizar pessoas, com mais sucesso.

Percebendo a importância e procura pela formação, Elman iria dedicar a sua vida à formação, nomeadamente da comunidade médica. A sua perspetiva era que Hipnose seria uma ferramenta inestimável para Medicina, tanto geral, cirúrgica ou dentária e que um médico teria de ser capaz de induzir uma pessoa rapidamente e profundamente, visto o tempo das consultas ser escasso.

Embora os métodos de Elman possam ser bastante diretos e autoritários, a sua perspetiva e métodos são muito populares, nos dias de hoje, sendo ainda ensinados com bastante sucesso.

AS TEORIAS DE HIPNOSE

Ao longo da história da Hipnose, por mais breve que tenha sido este resumo, o conceito e o método foi sendo alterado, ao longo do tempo. Esta alteração deve-se às diferentes especialidades envolvidas, a evolução dos métodos de investigação científica e a perspetiva que muitos teóricos tinham, face à Hipnose.

Não sendo uma forma terapêutica, Hipnose tem um conjunto de teorias explicativas sobre o seu funcionamento. Historicamente, estas teorias foram agrupadas em dois grandes grupos: as Teorias do Estado e Teorias do Não Estado.

Vamos começar pelas primeiras. As Teorias do Estado são as principais teorias da Escola de Paris, de Charcot. Segundo esta teoria, Hipnose existe enquanto um estado a alcançar, por via do “transe”.

Apesar da popularidade do termo, o conceito de “transe” ainda não conseguiu ser comprovado, cientificamente. Neste sentido, o estado de “transe” funciona como um veículo que leva a pessoa, de um estado de consciência, até ao estado hipnótico. Pressupõe, também, a noção de profundidade, ou seja, existem “transes” leves e “transes” profundos. Estes últimos estão associados a estados de sono artificial e o sonambulismo, como visto no Mesmerismo e retomado, mais à frente, por Elman. Milton Erickson referia muito o “transe do dia-a-dia”. Para Erickson, todos as pessoas passam por fenómenos hipnóticos todos os dias, ao longo da sua vida. Situações em que distorcemos a tempo, regredimos a memórias de situações passadas, não vê-mos determinados objetos que estão à nossa frente, ou mesmo pensamos estar a ver objetos

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que não se encontram no nosso campo de visão. Na perspetiva ericksoniana, o terapeuta deve reconhecer esses estados e utilizá-los, de forma a ajudar a pessoa terapeuticamente. As Teorias do Não Estado adotam uma posição totalmente diferente. Defendidas pela Escola de Nancy de Bernheim, estas teorias propõem que o “transe” não existe, assim como o estado. Hipnose é atingida via sugestão e por determinadas variáveis, como a expectativa de resposta que o cliente tem, o papel da autoridade do terapeuta, condicionamentos clássicos, etc. Nesse sentido, Hipnose não é tida em termos de profundidade, mas sim na capacidade de resposta do sujeito, a sugestão, durante o processo de Hipnose. É esta perspetiva que é utilizada na investigação científica dos fenómenos hipnóticos.

Quer aceitemos uma das teorias ou ambas, o que sabemos é que a definição de um contexto como hipnótico aumenta a potência das intervenções, as variáveis sociocognitivas devem ser tidas em atenção, a utilização da palavra Hipnose parece aumentar a expectativa da pessoa e, finalmente, Hipnose pode trazer resultados, independentemente do nível de profundidade em que a pessoa possa-se encontrar.

ESTILOS DE HIPNOSE

Quando se faz uma pesquisa pelos vários cursos de Hipnose que existem no mercado, podemos encontrar uma panóplia de diferentes nomes. Desde Hipnose Terapêutica, Hipnose Sistêmica, Hipnose Condicionativa, Hipnose Conversacional… Acho que já fica a perceber a ideia!

O que é um facto é que todas estas designações não passam de estratégias de marketing, construídas para atraírem o maior número de pessoas possível. Em termos técnicos, só existem dois estilos de Hipnose: Hipnose Tradicional e Hipnose Ericksoniana. Vejamos então cada um destes estilos.

Hipnose Clássica

Este estilo de Hipnose é a génese de toda esta técnica, inspirada pelos trabalhos de James Braid. Podemos caracterizá-lo como um estilo direto e autoritário, onde as sugestões são dadas de forma direta e o terapeuta assume uma postura mais superior. Um exemplo seria “Feche os seus olhos agora!” ou então “Irei contar de 10 até 1. Quando chegar ao número 1, entrará no estado de Hipnose”. Como se pode ver, é uma forma de distribuir sugestões que não dá muita hipótese de escolha e que pode, para determinados tipos de pessoas, originar uma guerra de vontades, onde o cliente se possa sentir desafiado ou mesmo incomodado pela autoridade do terapeuta e, simplesmente, não seguir a sugestão dada.

Para além da linguagem direta e autoritária, Hipnose Clássica é um estilo onde existe uma clara estrutura do processo, por fases. Temos portanto:

Pre-talk – Nesta fase, o terapeuta encontra-se já no final da entrevista de recolha de dados. Destina-se à explicação do que é Hipnose e abordar possíveis mitos e

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barreiras que possam comprometer o processo. Ao mesmo tempo, o terapeuta pode lançar sugestões pré-hipnóticas, sugestões dadas antes do sujeito entrar no estado de Hipnose, de modo a aumentar a expectativa de resposta e eficácia do processo;

 Indução Hipnótica – Processo pelo qual guiamos o cliente do estado de vigília, para o estado de Hipnose. Existem, virtualmente, centenas de induções hipnóticas e, quando a pessoa percebe os princípios que fazem com que as induções funcionam, pode criar as suas e adaptá-las ao cliente e contexto onde se encontra. As induções servem alguns propósitos, permitem a entrada no estado de Hipnose, aumentam a colaboração do cliente, aumentam a sua capacidade de resposta a sugestões e fortalecem a relação terapêutica;

 Aprofundamento – Se a indução hipnótica já coloca o cliente no estado de Hipnose, este procedimento vai aprofundar o estado. Não nos podemos esquecer que o estilo clássico releva a noção de profundidade hipnótica e que a maior parte do trabalho terapêutico é realizado a alta profundidade (Nota: esta ideia já foi desmitificada pela investigação que aponta que, seja em que profundidade a pessoa estiver, pode ser realizado todo o trabalho terapêutico necessário). Alguns exemplos de aprofundamentos podem ser por contagem ou mecanismos que indiquem uma descida, como escadas ou elevador. “Dentro de momentos, irei fazer uma contagem de 10 a 1. A cada número que conte, quero que se sinta a entrar cada vez mais no estado de Hipnose. E quando chegar ao número 1, irá estar profundamente hipnotizado, sentindo-se totalmente confortável e em paz consigo mesmo”;

 Fase Terapêutica – Como o nome indica, é nesta fase que o terapeuta começa a elaborar as sugestões necessárias, para intervir na queixa do cliente. Os temas variam, de pessoa para pessoa e devem ser apurados numa entrevista prévia. É importante que o terapeuta tenha claro os objetivos que deve atingir, de modo a melhor direcionar a sua comunicação. Esses objetivos devem ser conseguidos em colaboração com o cliente, de modo a que a mudança faça sentido e que ele possa seguir os passos necessários para consegui-la;

 Emergir o Cliente – Esta é a parte do processo em que o terapeuta guia o cliente, de novo, ao estado de vigília. O terapeuta deve dar sugestões de bem-estar, segurança e confiança. O terapeuta pode e deve usar um tipo específico de sugestões, sugestões pós-hipnóticas. Como o nome indica, este é um tipo de sugestão que pretende implementar comportamentos que queremos que sejam executados, após o cliente sair do estado de Hipnose. Isso pode ser feito por associação de um som específico, uma pista visual ou um toque particular. Finalmente, o terapeuta deve emergir o cliente usando o mesmo racional que usou na indução. Ou seja, se durante a indução o terapeuta usou uma contagem regressiva, deverá usar uma contagem progressiva. O mesmo aplica-se para um descer de um elevador ou escadas;

Obter Feedback – O primeiro aspeto a reter é que o cliente, neste momento, ainda se encontra altamente sugestionável. Apesar de já ter retomado o estado de

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vigília, ainda existe uma parte da consciência do cliente que se encontra a organizar tudo o que se passou, durante o processo hipnótico. Desta forma, o terapeuta terá de ter em atenção no que diz ao cliente. Por outro lado, este é o momento em que as sugestões dadas devem ser reforçadas, assim como a instalação de qualquer sugestão pós-hipnótica. É, também, o momento para ser realizado um resumo do que se passou, atribuir o significado indicado para a experiência e planear aspetos da próxima sessão.

Hipnose Ericksoniana

Vulgarmente referida como Hipnose Ericksoniana, este estilo integra as Abordagens Ericksonianas à Hipnose e Psicoterapia. Como o nome sugere, esta abordagem foi concebida por Milton H. Erickson, um dos maiores nomes da Hipnose, como vimos no resumo da História da Hipnose.

A intenção de Erickson foi retirar os aspetos positivos da Hipnose Clássica e transformar em algo que pudesse ser personalizado, para cada pessoa que surgisse. Não só a forma como Erickson pensava a Psicoterapia mas, também, as suas próprias limitações viriam a ajudar o desenvolvimento de novas técnicas.

Em primeiro lugar, Erickson respeitava a individualidade de cada um. Apesar de poder ser bastante direto, Erickson percebeu que comandos dados de forma a dar uma possibilidade de escolha ao cliente seriam mais eficazes. Desta forma, o estilo ericksoniano possui muita linguagem indireta e permissiva, em que a pessoa sente ter uma possibilidade de como experienciar o processo. Muita desta comunicação é feita através de histórias e metáforas que, parecendo não se dirigir à pessoa, adequasse à queixa do cliente. Erickson acreditava que a pessoa tem todos os recursos necessários para resolver qualquer barreira ou obstáculo. Assim, muitas sugestões são vagas ou possuem várias hipóteses de escolha, confiando que a mente do cliente possa preencher os detalhes daquela que será a melhor forma de visar essas barreiras e atingir os objetivos propostos.

Em segundo lugar, Erickson olhava para a Psicoterapia de uma forma estratégica. Ou seja, de que forma iria conduzir o cliente até ao objetivo pretendido, de uma forma personalizada e mais breve possível. Daqui que um dos conceitos chave seja a utilização. Erickson referia-se à utilização como integrar características únicas do sujeito, ao longo de todo o processo. Isso inclui linguagem, a forma como o sujeito vê o mundo, comportamentos observáveis, aspetos da sua história pessoal, etc. Outro conceito importante é chamado de “seeding”, onde o terapeuta começa a implementar uma ideia que pretende recuperar mais à frente, no processo terapêutico. Por exemplo, se o terapeuta decide recorrer a uma regressão de idade, então este começa a implementar pistas de regressão, já na indução, para serem recuperadas mais á frente. Finalmente temos o “tailoring”, a noção da terapia ser feita à medida de cada cliente. O terapeuta ericksoniano não possui nem utiliza guiões estruturados, ele adequa cada intervenção às características e necessidades de

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cada cliente que lhe surja. Daí que não existe dois processos idênticos, pois não existem dois clientes idênticos.

Em terceiro lugar, Erickson não sistematizou a sua abordagem, a sua forma de ensinar era realizar terapia e demonstrações, com os seus alunos. Desta forma, Hipnose Ericksoniana não tem uma estruturação tão definida como a Hipnose Clássica. Jeffrey Zeig, psicólogo e psicoterapeuta americano, um dos alunos de Erickson e Diretor da Fundação Milton H. Erickson esquematizou uma forma de induzir alguém em Hipnose, numa visão ericksonina. Conhecido como o Modelo ARE, este é o atual modelo que a Fundação utiliza, na sua formação. ARE significa Absorver, Ratificar, Elicitar. Neste modelo, o terapeuta ericksoniano começa por Absorver o cliente na experiência de Hipnose. Numa segunda fase, o terapeuta Ratifica o estado de Hipnose, através de comportamentos observáveis que são referidos ao cliente, como estando em Hipnose. Finalmente, o terapeuta Elicita recursos no cliente, fazendo uso de fenómenos hipnóticos específicos, indicados para a queixa do cliente e para o percurso que o terapeuta ericksoniano deseja dirigir a sessão.

Hoje em dia, a investigação demonstrou que tanto a sugestão direta, como indireta, é igualmente eficaz, no processo terapêutico. Cabe ao terapeuta decidir qual a melhor altura de utilizar um ou outra, partindo do pressuposto que tenha formação para usar metodologias ericksonianas. Numa visão ericksoniana, quanto maior for a resistência do cliente, maior a necessidade de se ser indireto. Por outro lado, existem alturas em que ser-se demasiado indireto pode ser frustrante para o cliente, por isso, como em tudo, há que haver conta, peso e medida nas intervenções.

Não sendo o objeto deste livro, acho que é importante referir no contributo da PNL. Programação Neurolinguística, criada por Richard Bandler, John Grinder e Frank Pucelik, é uma metodologia que pretende promover a excelência da comunicação e desenvolvimento humano. Este método tem como base a modelagem das técnicas eficazes de Virgínia Satir, Fritz Perls e Milton Erickson. Ao longo dos anos, Bandler e Grinder escreveram muitos livros sobre Hipnose, nomeadamente na exploração linguística de Erickson. São uma ótima fonte para todos os que desejem compreender os padrões linguísticos ericksonianos.

ÁREAS ONDE HIPNOSE É APLICADA

Ora então, se só existem dois estilos de Hipnose, de que forma é que Hipnose pode ser então aplicada? Existem várias áreas onde Hipnose pode ser usada.

A mais comum é a área clínica. Hipnose, como vimos, é uma ferramenta terapêutica que aumenta a eficácia das intervenções terapêuticas mais formais. Assim, qualquer Psicoterapeuta pode, tendo formação adequada, incorporar Hipnose na sua prática clínica, para abordar temáticas como depressão, ansiedade, perturbações do sono, mudança de comportamentos (deixar de fumar, por exemplo), algumas perturbações alimentares, perturbações psicossomáticas, etc. Cada vez mais, a investigação tem

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tentado validar a eficácia de Hipnose para o maior número de perturbações possíveis.

A área médica também tem sido bastante explorada, especialmente na utilização de Hipnose na anestesia e analgesia, fazendo com que ajude em intervenções cirúrgicas. Existem mesmo operações que têm disso realizadas sem anestesia química e até partos naturais. Em situações de emergência, enfermeiros têm usado Hipnose para controlo de sintomas e regulação do estado emocional do paciente, assim como ajuda na reabilitação física. Finalmente, a intervenção mais validada da Hipnose tem sido na área da dor, tanto aguda como crónica. Hipnose é tão eficaz que as diretrizes portuguesas da Direção Geral de Saúde sugerem a sua utilizam, na intervenção da dor crónica, como estratégia não farmacológica.

A área educacional tem sido menos explorada mas, Hipnose pode auxiliar algumas estratégias para o aumento de atenção, concentração, melhorar metodologias de estudo e de memória e regular estados de ansiedade de desempenho escolares e académicos.

Na área desportiva, Hipnose tem sido usada no auxílio de recuperação de lesões, aumento da atenção, concentração, ajuda no estabelecimento de objetivos e aumento do desempenho e resultados, também conhecido como “performance”.

Na área empresarial e comercial, Hipnose tem sido usada dentro da PNL, onde são usados os padrões de comunicação hipnótica para aumentar as vendas, a capacidade de liderança e persuasão. Para evitar confusões, persuadir alguém é fazer com que a pessoa escolha o que propomos, de uma forma que não prejudique a outra pessoa e que se mantenha dentro de uma forma ética. O contrário seria manipulação.

MITOS RELACIONADOS COM HIPNOSE

Nesta altura, você poderá estar a perguntar: “Mas Pedro, se Hipnose é tão boa como diz, então porque demorou tanto tempo a ser conhecida? E porque é que nem todos a utilizam?”. Boas perguntas!

A natureza da Hipnose exclama mistério, o que faz com que afaste muitos e esteja associado a elementos místicos, sobrenaturais e do oculto.

Ao longo dos anos, Hipnose tem sido retratada e associada a situações de controlo mental, magia, espetáculo, etc. Comunicação social, romances, cinema, séries, todos esses canais têm ajudado para a criação de mitos que são desenvolvidos e distribuídos pela sociedade. Embora a ciência tenha derrubado muitas dessas afirmações, tem sido mais fácil distribuir os mitos do que a informação correta. Aqui ficam alguns dos mais comuns mitos, sobre Hipnose.

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É necessário estar em transe para poder ser hipnotizado

Como vimos na seção das teorias da Hipnose, nem todas as teorias aceitam a noção do transe e a ciência não encontrou forma de validar a sua existência, ou não. O que é um facto é que se a atenção for focada numa ideia, som, objeto ou sensação, se o terapeuta dissociar a realidade da experiência da pessoa, então conseguimos hipnotizar alguém.

Hipnose é estado provocado pelo hipnotizador e o sujeito assume uma posição passiva

Romances literários e cinema têm passado a imagem de um hipnotizador todo-poderoso que coloca uma pobre pessoa sobre a influência de Hipnose. Embora possamos passar por fenómenos hipnóticos, ao longo da nossa vida, o processo formal de Hipnose é um processo colaborativo. A pessoa tem de aceitar ser hipnotizada e decidir seguir as sugestões do terapeuta, o que implica um processo ativo. Isto é válido não só para o início como todo o processo de terapia, onde Hipnose seja utilizada.

Durante o estado de Hipnose, o hipnotizador possui todo o controlo mental sobre o sujeito

Este é um dos medos e mitos mais populares face à Hipnose, o mito do controlo mental. Também este tem sido popularizado pela literatura e cinema, especialmente com os casos de conspiração de assassinatos, como o de JFK, onde se suspeita que o atirador tenha sido “programado”, com Hipnose. Este mito não é verdade, tendo como base o ponto anterior. Hipnose é um processo colaborativo e não de submissão de um cliente passivo, face a um hipnotizador. O que é um facto é que a pessoa hipnotizada possui muito mais controlo e atividade mental, do que em muitas situações. Portanto, Hipnose é uma técnica de autocontrolo. Por outro lado, uma das bases da pessoa são as suas crenças e valores, os alicerces que constituem a tomada de decisão sobre ações, o bem e o mal. Assim como a pessoa tem as suas crenças e valores, num estado de vigília, também terá em Hipnose. Se existe algo que você não queira fazer ou aceitar, antes de Hipnose, não o irá fazer durante o estado de Hipnose. Este é um assunto muito estudado e validado pela investigação, apesar de haver muitas disputas, alegando que será possível. Nesse caso, não estamos apenas a falar de Hipnose, mas sim de técnicas manipulativas.

Sob Hipnose, o sujeito releva todos os seus segredos mais profundos

O mito da Hipnose, como a máquina da verdade. Isso simplesmente não é verdade. Como vimos no ponto anterior, a pessoa retêm todo o controlo sobre si, no estado de Hipnose. Isso implica a escolha de querer comunicar e o que quer comunicar. Se o sujeito não desejar dar algo pessoal, como o seu código de cartão de multibanco por exemplo, ao hipnotizador no seu estado de vigília, também não o irá dar no estado de Hipnose. A pessoa tem todo o poder para responder apenas ao que quiser!

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A pessoa pode ficar presa no estado de Hipnose

Se virmos Hipnose como um estado de atenção focada, podemos pensar que a pessoa está bem ciente do que se passa ao seu redor, escolheu apenas estar focada em algo que o hipnotizador sugere. Isso significa que se o hipnotizador deixar de guiar a pessoa, der alguma sugestão que o cliente não aceite ou, simplesmente deixar de falar com a pessoa, sem sugerir nada em contrário, a pessoa vai emergindo até ao estado de vigília e abrir os olhos. Pode haver circunstâncias em que a pessoa possa adormecer, mas isso deve-se ao intenso relaxamento físico e mental que pode ser atingido.

Só as pessoas mais crédulas, mais frágeis ou mais ignorantes é que podem experimentar Hipnose

Como vimos anteriormente, Hipnose implica o estabelecimento de uma relação colaborativa. Seguindo este pressuposto, qualquer pessoa que queira estar nesta relação pode ser hipnotizada. Inteligência ou QI não é um fator que causa interferência no processo, tal como a investigação tem mostrado.

Sob Hipnose, é possível recuperar memórias escondidas

Este é mais um dos principais mitos, muito relacionados com o cinema e as recentes ofertas de regressões a vidas passadas. Para podermos compreender este mito, temos de falar um pouco sobre memória. Desde que as nossas estruturas neuronais se encontram totalmente formadas, o ser humano tem a capacidade para processar e armazenar acontecimentos. Esses acontecimentos podem ser guardados a longo prazo, curto prazo ou apenas por uma questão de trabalho. De uma forma simples, estes são os três tipos de memória que possuímos. Contudo, esta memória pode ser alterada, ao longo de tempo e até mesmo vai desaparecendo, ao longo do tempo (uma das principais características das demências é a progressiva deterioração da memória). Da mesma forma que a estrutura da memória vai-se alterando, é possível a implementação de cenários que nunca existiram, mas que a pessoa convence-se que existiram. Este fenómeno é conhecido como as “falsas memórias”. Não só existe ampla investigação sobre este fenómeno, como existem métodos para a implementação, mesmo sem Hipnose. Técnicas de interrogatório, determinados tipos de entrevista e a exaustão mental e física podem ser usadas para convencer a pessoa que determinado acontecimento foi vivido pela própria, sem nunca ter-se passado. Hipnose coloca a pessoa num estado mais sugestionável, o que faz com que este processo ainda seja mais fácil do que outras técnicas, já que a pessoa se encontra a experienciar todas as sugestões dadas, a nível cognitivo, emocional e comportamental. Em suma, só podemos voltar a vivenciar acontecimentos pelos quais passámos, até certo nível.

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Hipnoterapia não exige qualquer esforço e só os sujeitos mais sugestionáveis podem beneficiar desta terapia

Vamos examinar cada parte deste mito. Em primeiro lugar, Hipnoterapia é um termo que foi tornado popular, desde os anos 60, indicando Hipnose como uma forma terapêutica. Hipnose não é uma terapia, já que esta não explica a formação da personalidade e a dinâmica de funcionamento psicológico. Hipnose é sim uma técnica experiencial, tal como visualização guiada, focagem, técnica da cadeira vazia ou técnica das duas cadeiras. O que isto significa é que Hipnose pode ser usada, como coadjuvante de psicoterapias formais, como Psicanálise ou Terapia Cognitivo-Comportamental. De forma a tentar chegar a um consenso, a Divisão 30 da APA define Hipnoterapia como terapia com utilização de Hipnose. Nesse contexto, o psiquiatra e investigador americano Martin Orne sugeriu algo que se tornou numa “regra de ouro” para a utilização de Hipnose: “Se um profissional não é qualificado para tratar algo (uma determinada situação clínica) sem Hipnose, então ele não é qualificado para a tratar (essa situação clínica) com Hipnose. Primeiramente procura-se a certificação profissional (médico, dentista, psicólogo clínico, etc.). Depois procura-se a certificação em Hipnose.”. A passividade do sujeito já foi abordada noutros mitos. Como com qualquer outra técnica terapêutica, se o sujeito não se envolver ativamente no processo, qualquer sugestão ou fenómeno hipnótico usado, não irá garantir mudanças a longo prazo. Finalmente, relativamente à sugestionabilidade, a investigação tem demonstrado que todas as pessoas podem beneficiar de Hipnose, independentemente do seu nível de sugestionabilidade hipnótica.

Esta lista não é exclusiva nem fechada, podem ser encontrados muitos mais, em várias obras sobre Hipnose. Estes são apenas os mitos mais comuns de serem encontrados. Porque é que estes mitos são formados?

Simples. Primeiro, a própria natureza da Hipnose exclama misticismo e esoterismo. Segundo, a própria cultura assim tem retratado Hipnose.

Na literatura, temos o exemplo do romance de George du Maurier, de 1894, “Trilby”, onde somos apresentados a uma das figuras mais populares de Hipnose, Svengali. Este romance relata a experiência de uma bela jovem que sofria de grandes dores e enxaquecas, chamada Trilby. Como último recurso, recorreu a um maestro chamado Svengali, uma figura de ar ameaçador, que tinha conhecimentos de Hipnose. Ao hipnotizar Trilby, Svengali percebeu que ela conseguia cantar de forma magnífica o que, juntamente com a beleza de Trilby fez com que Svengali começa-se a apaixonar-se por ela. Mas Trilby estava com outra pessoa e não gostava de Svengali, o que fazia com que este tentasse dominar a sua mente, com Hipnose. Esta é uma história que não teve um final feliz, mas não vou revelar para que possa ler o romance. Escusado será dizer que Hipnose tornou-se associada à figura de Svengali e de controlo mental.

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No cinema, temos vários exemplos de Hipnose a ser usada como técnica de controlo mental e recuperação de memórias escondidas. Filmes como o “Manchurian Candidate”, “The Curse of the Jade Scorpion” ou “Get Out” retratam Hipnose como uma técnica de controlo mental, onde as pessoas são programadas para executar determinados comandos, contra a sua vontade e sem recordação de o fazerem. Por outro lado, filmes como “Regression”, retratam Hipnose como algo que procura e recupera memórias escondidas de situações traumáticas, desta e de outras vidas. Na área de entretenimento, Hipnose tem sido usada em espetáculos de palco e atuações de rua. Apesar do seu propósito de entreter e não fazer terapia, é passada a imagem de que o hipnotizador possui todo o controlo sobre as pessoas, que pode fazer com que elas façam tudo o que quiser, sem que elas possam recusar e pode também passar a ideia do hipnotizador ter poderes mágicos ou sobrenaturais.

Terceiro, os próprios técnicos têm renegado o papel da Hipnose.

Esta é a parte em que tenho de me insurgir contra a minha própria profissão e outras, no contexto da saúde. Historicamente, Hipnose sempre pertenceu ao campo da ciência e de profissões de saúde, como a Medicina, Psiquiatria e Psicologia. Contudo, o campo da ciência deixou-se influenciar pelas crenças e atitudes das diversas épocas que se viviam, não conseguir acompanhar o desenvolvimento das Revoluções Industriais e fármacos como clorofórmio e outros anestésicos, algumas das suas personagens mais célebres renegaram Hipnose em função de outras técnicas (Sigmund Freud, um dos pais da Psicanálise, foi um dos responsáveis por renegar a Hipnose, na saúde mental) e, não menos importante, o desconhecimento teórico e histórico de Hipnose, por parte dos vários técnicos de saúde. É certo que países como os Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Austrália, etc., encontram-se muito mais evoluídos e sensibilizados do que Portugal, embora deva dizer que já existe um sólido corpo de investigação realizada em Portugal, por investigadores e terapeutas portugueses.

A LINGUAGEM DA HIPNOSE

Todas as terapias e técnicas têm a sua própria linguagem. Hipnose não é exceção. A linguagem, por excelência, da Hipnose é a linguagem da sugestão. Esta linguagem não é exclusiva da Hipnose. De facto, a Psicoterapia usa uma variação da linguagem da sugestão, adequada a determinada teoria psicológica. Contudo, a forma como as sugestões são dadas, em Hipnose, diferem da forma tradicional em dois aspetos principais:

 Contexto do estado hipnótico – investigação sugere que a pessoa, num estado de vigília, pode responder a sugestões dadas. Contudo, a utilização de técnicas de imagiologia mostra que, para cada sugestão, existe mais atividade cerebral no estado hipnótico vs. no estado de vigília. Estas informações parecem sugerir que o estado hipnótico amplifica, de alguma forma, a eficácia das sugestões;

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 Estrutura linguística das sugestões – uma das principais diferenças entre uma sugestão normal e uma sugestão hipnótica está na forma como esta última é formulada, linguisticamente. Mesmo dentro das sugestões hipnóticas, existem largas diferenças entre a forma clássica e a forma ericksoniana.

Não sendo o meu objetivo entrar em grandes pormenores técnicos, darei exemplos de sugestões diretas e ericksonianas:

 Sugestão direta – “Dentro de momentos, irei fazer uma contagem de 10 a 1. A cada número que contar, você irá entrar ainda mais no estado de Hipnose… A cada número, duplicando o seu nível de conforto… de relaxamento… de tranquilidade… sentindo-se cada vez mais… e mais… hipnotizado…”

 Sugestão ericksoniana – “À medida que se encontra sentando, poderá aproveitar este tempo para se permitir a absorver todas as sensações… sentindo as suas costas apoiadas na cadeira… os seus pés assentes no chão… as suas mãos repousadas nas suas pernas… e essas sensações permitem que se senti cada vez… mais confortável… mais tranquilo… abrindo-se à experiencia de Hipnose…”

Para além destes dois exemplos de sugestões, temos ainda mais algumas categorias. Estas são:

 Sugestões ideomotoras – Esta categoria de sugestões diz respeito àquelas que pressupõem movimentos automáticos de partes corporais como, por exemplo, a levitação do braço;

 Sugestões cognitivas – Esta categoria de sugestões diz respeito àquelas que pressupõem a alteração da perceção ou de funções cognitivas como, por exemplo, alucinações, amnésia, etc.;

 Sugestões de desafio – Esta categoria de sugestões diz respeito àquelas que desafiam o individuo a realizar ou inibir determinados comportamentos como, por exemplo, desafiar o individuo a dobrar o seu braço, estando este completamente rijo e indobrável;

 Sugestões pré-hipnóticas – Esta categoria de sugestões diz respeito ao terapeuta começar a lançar sugestões hipnóticas, antes do cliente encontrar-se no estado hipnótico. Para além de serem sugestões que o terapeuta pode voltar a recuperar, durante o processo, também podem usadas para aumentar a expectativa do cliente. “Em qualquer altura, você poderá ajustar a sua postura. Isso não o vai perturbar… De facto, até o pode ajudar a focar-se mais na experiência de Hipnose”;

 Sugestões pós-hipnóticas – Esta categoria de sugestões diz respeito a todas as ideias, emoções ou comportamentos que desejamos que o cliente experiencie e executa, após o processo hipnótico estar concluído. Estas sugestões podem ser ideomotoras, cognitivas ou de desafio, sendo aplicadas consoante o objetivo de cada cliente e intervenção terapêutica.

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OS FENÓMENOS HIPNÓTICOS

Vou voltar um pouco atrás, a Milton Erickson e na sua forma de conceber transe hipnótico. Erickson referia-se ao “transe do dia-a-dia”, a experiências diárias que tenham a possibilidade de desviar a pessoa, de um estado de vigília, para um estado de atenção focada. É quase como se todos nós já tivemos sido hipnotizados, mas nunca demos por isso. Acha difícil? Então tente rever-se nalguns dos próximos exemplos. Você decide fazer uma viagem longa, uma que faça com que atravesse o país. Naturalmente pode escolher a autoestrada como um caminho mais cómodo. A partir de um determinado número de quilómetros, você começa a “entrar em modo automático”, onde só vê a autoestrada e os carros que nela andam. O tempo parece dilatar-se de uma forma invulgar e, quando dá por isso, fica confuso por perceber que já chegou a uma determinada parte do percurso e nem se deu conta como. Se isto já lhe aconteceu, é um fenómeno descrito como “highway hypnosis”.

Você vai ao cinema, após decidir que um filme que gostaria de assistir se encontra em exibição. Ao entrar na sala e as luzes se apagarem, a sua atenção volta-se para o ecrã. Se o filme for mesmo bom (às vezes apanhamos grandes banhadas!), a sua atenção encontra-se completamente focada na história. E, apesar de saber que tudo aquilo que vê não é real, é apenas uma história, você começa-se a envolver nela e nas emoções que esta desperta em você. Pode rir, pode chorar, pode ter medo ou pode sentir-se zangado. E o mundo exterior parece desaparecer, em seu redor.

Você decide ler um livro, aquele autor que você tanto aprecia. O enredo é tão bom que, rapidamente, todo o foco da sua atenção se centra naquele livro. Envolve-se tanto na história que é como se fosse difícil colocar o livro de lado. Nem os ruídos e sons do local onde está o incomodam. E quando finalmente decide fechar o livro, repara que o tempo passou e você nem notou na forma como isso aconteceu.

Se isto ou experiências semelhantes lhe aconteceram, então parabéns! Esteve hipnotizado!

Estes fenómenos acontecem de forma natural, tanto como procurar os óculos e reparar que os tem na cabeça, ou tentar encontrar as chaves elas estarem mesmo à sua frente. São hipnóticos, pela sua natureza. O trabalho do terapeuta é criar condições para que eles ocorram e utilizá-los com propósito terapêutico. Temos assim:

 Distorção temporal – Nesta categoria, o terapeuta utiliza o conceito de tempo e orientação do cliente neste. Assim, o cliente pode regredir, acedendo a situações pelas quais já passou ou progredir, acedendo a possibilidades de um futuro possível, algo com que se possa ver a construir e ser bem-sucedido;

 Catalepsia – Este é um fenómeno onde o cliente pode tornar os seus músculos rígidos ou extraordinariamente relaxados, de uma forma quase involuntária. Esse fenómeno é caracterizado por se manter durante muito tempo e não causar qualquer desconforto ao cliente;

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 Amnésia – Como o nome indica, este é um fenómeno que coloca uma barreira que impede o cliente de aceder a determinada informação. Isso implica a pessoa “não se recordar” de que executou determinado comportamento ou ação, até que uma determinada pista, implantada pelo terapeuta, seja acedida e a informação voltar à consciência do cliente;

 Anestesia – Este fenómeno permite que o terapeuta induza a sugestão para que o cliente não sinta nenhuma dor, em determinada parte do seu corpo. Caso seja mais indicado, o terapeuta pode promover analgesia ou seja, reduzir ou deslocar a dor;

 Dissociação – Este é o fenómeno por excelência da Hipnose. Dissociar alguém significar separar a pessoa da experiência da realidade, para outra experiência sugerida. Por exemplo, a pessoa pode ter a sua mão dentro de uma tina de gelo e, na sua mente, a mesma mão estar dentro de areia quente da praia;

 Alucinações – Neste fenómeno, é sugerido ao cliente que crie imagens, ouça sons ou sinta determinadas sensações. Ao sugerir a uma pessoa que um determinado objeto deixa de se encontrar à sua frente, desaparecendo, estamos a criar uma alucinação negativa. Pelo contrário, se quisermos sugerir algo ao cliente, que realmente não existe, estamos a criar uma alucinação negativa. Estes são os fenómenos hipnóticos mais comuns e mais utilizados. Em terapia, estes fenómenos são usados com o propósito de otimizar os recursos do cliente, promovendo flexibilidade e a mudança desejada.

OS SINAIS DE HIPNOSE

Começo esta parte por dizer que Hipnose é uma experiência vivencial subjetiva. Isto significa que não existem duas experiências iguais, quer na mesma pessoa, quer entre pessoas. A pessoa seguir as sugestões, a forma como as segue, o que sente, o que pensa e o que vive, durante a experiência de Hipnose, só o próprio pode descrever.

No entanto, existem determinadas pistas que nos sugerem que a pessoa esteja em Hipnose. Esses são os sinais que o terapeuta procura, de modo a perceber se o seu método está a resultar. Aqui ficam alguns desses sinais:

Movimento REM – Movimento REM ou “Rapid Eye Movement” é algo que acontece durante etapas do sono natural. No entanto, quando recordamos imagens ou visualizamos algo, os nossos olhos realizam esse movimento. Em Hipnose, esse movimento acontece, desde o princípio até ao final do processo;

Alteração da respiração – No estado de Hipnose, a respiração do sujeito fica alterada. De modo a que o terapeuta perceba isso, terá de perceber o ritmo respiratório normal para que, depois, possa perceber a diferença. A forma mais simples é observar os movimentos da barriga ou da caixa torácica;

Alteração do batimento cardíaco – Tal como a respiração, também o batimento cardíaco do sujeito altera-se, durante o processo. Uma das formas de controlar esse aspeto é reparar no pescoço do sujeito e observar o pulsar;

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Alteração do tónus muscular – Devido aos efeitos de ativação ou relaxamento, o tónus muscular do sujeito vai-se alterando. Não só os músculos se tornam mais relaxados, como o sangue vai sendo bombeado para áreas mais necessárias. Esse fenómeno poder ser observado nas mudanças de coloração da pele;

Simetria facial – Por norma, a nossa face é assimétrica no seu movimento muscular normal. Em Hipnose, essa assimetria torna-se mais simétrica, devido ao relaxamento muscular;

Alterações no movimento de engolir – No estado natural de vigília, cada sujeito tem vários movimentos de engolir a sua saliva, não só para a boca não secar mas, também, para livrar-se do excesso. Em Hipnose, esses movimentos são drasticamente mais reduzidos e a boca torna-se mais seca, mas não desconfortável para o sujeito;

Perceção automática de movimentos – Em Hipnose, o sujeito sente que os seus movimentos são mais fáceis e sem esforço, como se fossem realizados de forma automática. Para o exterior, esses movimentos não têm um aspeto fluído, mas sim meio tremido. Por exemplo, na levitação do braço, o movimento começa por um tremer dos dedos, uma subida progressiva da palma da mão, o braço começa a levantar, etc.;

Lentificação da fala – Ao contrário do que se possa pensar, a pessoa pode falar quando se encontra hipnotizada. O não querer falar pode mostrar o seu desejo em não o fazer ou pensar que não o pode fazer. Se o sujeito falar, será diferente da maneira habitual. A fala será mais arrastada, o volume será muito mais baixo e haverá uma pausa de reação, desde que o terapeuta faz uma pergunta, até à altura em que o sujeito responde;

Alteração na temperatura corporal – Nos casos em que Hipnose é induzida por relaxamento e que o sujeito se encontra parado, a sua temperatura corporal desce. Nesse contexto, é sempre útil cobrir a pessoa com uma manta leve.

Esta lista representa os comportamentos mais comuns que acontecem, ao longo do processo de Hipnose. Existem mais, mas estes são os mais documentados. Gostaria só de fazer uma breve referência ao lacrimejar. É normal que os olhos, mesmo fechados, estejam em constante lubrificação e isso pode variar, consoante a pessoa usar lentes de contacto ou ter problemas oculares. Mesmo que o sujeito começa a lacrimejar, ou mesmo chorar, o terapeuta não deve assustar-se ou tentar fazer um esforço para limpá-las. O sujeito não se vai preocupar com isso e, no final, o terapeuta pode simplesmente dar um lenço.

ASSOCIAÇÕES E RECURSOS DE HIPNOSE

Existem alguns recursos e associações que os mais curiosos podem consultar. Até à data, infelizmente, Portugal não tem nenhuma associação ou sociedade de Hipnose que estejam acreditadas internacionalmente. O mais perto será a nossa vizinha Espanha ou os institutos associados à Fundação Milton H. Erickson, em Lisboa e Norte.

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Existe então:

 The International Society of Hypnosis;

 The European Society of Hypnosis;

 Society of Psychological Hypnosis (Divisão 30 da American Psychological Association;

 Grupo de Hipnose Psicológica (Colégio Oficial de Psicólogos da Comunidade Valenciana);

 American Society of Clinical Hypnosis;

 Society for Clinical and Experimental Hypnosis;

 The British Society of Clinical and Academic Hypnosis;

 Australian Society of Hypnosis;

 The Milton H. Erickson foundation (em Portugal temos o Instituto Milton H. Erickson de Lisboa e o Instituto Milton H. Erickson do Norte)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hipnose é uma área que ainda tem muito por explorar. E muito por dizer.

Quando pensei em escrever algo, tomei a decisão de colocar algo breve mas suficientemente informativo para que as pessoas possam procurar mais e, sobretudo, tentar passar a imagem que Hipnose deve ter: a de uma ferramenta terapêutica que ajuda a mudar a vida das pessoas. Sem dúvida que o fez comigo.

Não é o meu desejo converter, seja quem for, à “religião” da Hipnose. Nem todos temos de fazer o mesmo ou ter os mesmos interesses. Se fosse assim, não haveria diversidade nas intervenções e nas trocas de opiniões. Mas gostaria de passar a ideia que esta pode ser uma alternativa possível, tanto para as pessoas que nos chegam, como também aos profissionais de saúde.

Sou Psicólogo, como profissional. Sou membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses, o que me dá motivo de orgulho. A minha grande base de formação em Hipnose foi-me passada por psicólogos, psicoterapeutas e investigadores reconhecidos como sendo dos melhores, internacionalmente. É com estes valores que me identifico e que me comporto, sempre que possível, no campo da formação e terapia.

Esta escolha faz-me afastar de assuntos como espetáculos de Hipnose e Terapia de Regressão a Vidas Passadas. Não porque não os conheça, mas sim porque os conheço. E muito bem. Hipnose é muito mais do que isto e não é comprimido mágico, estilo Matrix, que se toma e que resolve todos os nossos problemas. Antes fosse!

Por outro lado, há mais do que espaço para todos. Se a pessoa que ler for um profissional de saúde que queira aprender a usar Hipnose, um professor, educador ou até mesmo um treinador, a minha porta estará sempre aberta. As restantes pessoas podem afastar-se da minha porta, por não concordarem com a minha perspetiva. Aceito e compreendo isso.

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