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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA AÉDIO ODILON PEGO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

AÉDIO ODILON PEGO

FÉ, GRAÇA DE DEUS E ATO HUMANO: UM ESTUDO A PARTIR DA DEI VERBUM 5

CURITIBA 2015

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AÉDIO ODILON PEGO

FÉ, GRAÇA DE DEUS E ATO HUMANO: UM ESTUDO A PARTIR DA DEI VERBUM 5

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Teologia Área de Concentração: Bíblico-Teológico-Pastoral, da Escola de Educação e Humanidades, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Luiz Catelan Ferreira

CURITIBA 2015

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Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR

Biblioteca Central

Pego, Aédio Odilon

P376f Fé, graça de Deus e ato humano : um estudo a partir da Dei verbum 5 / 2015 Aédio Odilon Pego ; orientador, Antônio Luiz Catelan Ferreira. – 2015.

189 f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2015

Bibliografia: f. 185-189

1. Teologia. 2. Natureza (Teologia). 3. Liberdade (Teologia). 4. Fé.

I. Ferreira, Antônio Luiz Catelan. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Teologia.III. Título.

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Aos meus que estão na graça plena: Meu pai Alípio, homem sábio, forte e pacifico; Minha irmã Nágima, mulher guerreira, humilde e bondosa; Meus sobrinhos José Aparecido, Gleike, Carla, Vitória e Tainá, crianças amadas. Meu bispo, ordenante, homem da misericórdia.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, minha vida, meu tudo. Minha família e amigos.

Meu orientador, Antônio Luiz, mestre e amigo. Meu bispo Francisco Javier, amigo e incentivador.

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“Pois Nele Vivemos, nos movemos e existimos”

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RESUMO

No presente trabalho, “A Fé, Graça de Deus e Ato Humano: um Estudo a partir da Dei Verbum 5”, utiliza-se a metodologia de pesquisa bibliográfica, com ênfase histórico-teológica. Visa aprofundar os aspectos teológico e antropológico do ato de fé, refletindo sobre as relações entre graça e liberdade humana no processamento do ato de fé. Deus se revela ao homem. Convida-o a participar de sua vida. Oferece-lhe gratuitamente a Salvação. Concede-lhe a graça, como dom necessário e imerecido, para que ele dê seu assentimento. Através da obediência da fé, (dom sobrenatural e gratuito que Deus concede ao homem), a partir do intelecto e da vontade, ele pode entregar - se a Deus. O homem foi criado para participar da comunhão divina. O pecado original provocou uma desordem em sua natureza. Obscureceu a inteligência e enfraqueceu a vontade. No entanto, Deus não o abandonou, fez uma aliança com ele, e enviou seu Filho para resgatar sua condição original, e o divinizar. No início da igreja, a teologia grega refletiu sobre a graça a partir da categoria da divinização. Santo Agostinho enfatizou o aspecto medicinal e elevante da graça. O Concílio de Trento reconheceu com Lutero a primazia da graça, mas refutou sua visão antropológica, afirmando a cooperação humana com a graça. No século XX a teologia supera a visão escolástica da graça, acentuando novos aspectos, como subjetividade e relacionalidade. O Vaticano II, com a Constituição dogmática Dei Verbum, especificamente no n. 5, enfatiza que o assentimento do homem à Revelação se realiza sob o efeito da graça, mas com plena e ativa participação das faculdades (intelecto e vontade). O homem processa o ato de fé através da comunidade eclesial. Poderá amadurecer sua resposta de fé, entregar - se totalmente a Deus, realizando assim sua vocação suprema: participar da comunhão com Deus.

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ABSTRACT

The actual task, " The Faith, God's Grace and Human Act: a study out of the Dei Verbum 5," it was used bibliographic research methodology with emphasis theological history. Aims to deepen the theological and anthropological aspects of the act of faith, reflecting about the affiliation between grace and human freedom in the processing of the act of faith. God reveals himself to the men. Invites you to participate in his life. He offers you free salvation. Grants you his grace as a necessary and undeserved accomplishment for him to give his assent. Through the obedience of faith (supernatural and gratuitous accomplishment that God grants to the men), from the intellect and desire, he can surrender to God. The men was created to participate in the divine communion. The Original sin has caused a disorder in its nature. Obscured the intelligence and weakened the desire. However, God did not forsake them, made a coalition with him, and sent his Son to redeem their original condition, and deify him. In the initiation of church, the Greek theology reflected about grace from the category of deification. St. Augustine emphasized the medical aspect and upping of grace. The Council of Trent, with Luther recognized the primacy of grace, but refuted his anthropological vision, affirming the human cooperation with grace. In the twentieth century, theology overcomes the scholastic view of grace, accentuating new aspects such as subjectivity and relatedness. The Vatican II with The Dogmatic Constitution Dei Verbum, specifically in paragraph number 5, emphasizes that the human assent to Revelation, takes place under the influence of grace, but with full and active participation of college (intellect and desire). The men processes the act of faith by the ecclesial community. They can ripen their response of faith by handing over totally to God, performing then his supreme vocation: participate in communion with God.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 11

2 O SOBRENATURAL NO HUMANO: RELAÇÕES ENTRE NATUREZA, GRAÇA E LIBERDADE ... 16

2.1 RELAÇÕES ENTRE NATUREZA, GRAÇA E LIBERDADE ... 16

2.1.1 Relações entre natureza e graça ... 16

2.1.2 Relações entre liberdade e graça ... 25

3 GRAÇA – AUTOCOMUNICAÇÃO LIVRE E AMOROSA DE DEUS PARA SALVAR O HOMEM: UMA VISÃO BÍBLICA E HISTÓRICA... 32

3.1 GRAÇA: DEUS OFERECE SEU AMOR AO HOMEM ... 32

3.1.1 A graça no Antigo Testamento ... 34

3.1.2 A graça no Novo Testamento ... 38

3.2 VISÃO HISTÓRICA SOBRE A GRAÇA ... 42

3.2.1 A tradição oriental: a graça como divinização ... 42

3.2.2 Pelagianismo ... 47

3.2.3 Semipelagianismo... 50

3.2.4 Agostinho, “o Doutor da Graça ... 51

3.2.4.1 Principais textos de Agostinho sobre a Graça ... 57

3.2.5 O segundo Concílio de Orange (529) ... 62

3.3 O TRATADO DA GRAÇA NO PERÍODO MEDIEVAL NO CRISTIANISMO LATINO ... 65

3.3.1 Período entre Agostinho e Tomás... 65

3.3.2 São Tomás – a ação da graça no homem ... 71

3.3.3 A Reforma ... 76

3.3.4 Trento ... 82

3.3.5 Pós-Trento ... 86

3.3.5.1 Molina e Bañez: “Auxílius” ... 86

3.3.5.2 Bayo ... 87

3.3.5.3 Jansênio... 90

3.3.5.4 A reflexão teológica sobre a graça na atualidade ... 92

3.3.5.4.1 A graça no Vaticano II ... 95 4 A GRAÇA SANA, JUSTIFICA, E ELEVA O HOMEM À COMUNHÃO

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COM DEUS ... 100

4.1 COMPREENSÃO HISTÓRICA DO PECADO ORIGINAL ... 100

4.2 UMA RELEITURA ATUALIZADA DO PECADO ORIGINAL ... 106

4.3 RELAÇÕES ENTRE LIBERDADE, FÉ E JUSTIFICAÇÃO ... 109

4.4 RELAÇÕES ENTRE JUSTIFICAÇÃO E SANTIFICAÇÃO ... 120

4.4.1 O homem justificado continua simultaneamente justo e pecador? ... 123

4.5 A DIVINIZAÇÃO ... 126

4.5.1 A relação da divinização com a dimensão filial ... 134

5 A REPOSTA HUMANA (“OBEDIÊNCIA DA FÉ”) – O ASSENTIMENTO VOLUNTÁRIO À REVELAÇÃO REALIZA-SE SOB O EFEITO DA GRAÇA 138 5.1 A RESPOSTA HUMANA A DEUS QUE SE REVELA ... 138

5.2 OS ASPECTOS INTELECTUAL E VOLITIVO DA FÉ ... 144

5.3 O ATO DE FÉ ... 152

5.4 RELAÇÕES ENTRE GRAÇA, LIBERDADE E FÉ ... 157

5.5 A MEDIAÇÃO ECLESIAL DA REVELAÇÃO ... 162

5.6 O PROCESSO INTERNO DA FÉ ... 170

6 CONCLUSÃO ... 180

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1 INTRODUÇÃO.

O Concílio Vaticano II teve objetivo pastoral. Quis apresentar as verdades da fé de modo reformulado e mais compreensível ao homem moderno. A Constituição Dogmática Dei Verbum, no número 05, trata sobre Deus que se revela ao homem, que pela “obediência da fé” (Rm 16,26), pode se entregar totalmente a Ele. A Dei Verbum afirma:

“Ao Deus que se revela deve-se ‘a obediência da fé’ (Rm 16,26), pela qual o homem livremente se entrega todo a Deus prestando ‘ao Deus revelador um obséquio pleno do intelecto e da vontade’ e dando voluntário assentimento à Revelação feita por Ele. Para que se preste esta fé, exigem-se a graça prévia e adjuvante de Deus e os auxílios internos do Espírito Santo, que move o coração e converte-o a Deus, abre os olhos da mente e dá ‘a todos a suavidade no consentir e crer na verdade’. A fim de tornar sempre mais profunda a compreensão da Revelação o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa continuamente a fé por meio de Seus dons” (CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA DEI VERBUM 5 apud COMPÊNDIO DO VATICANO II, 1986, nº 166).

O texto da Dei Verbum supracitado é o ponto de partida da pesquisa. Este texto é referencial e iluminador para a reflexão sobre a relação entre graça e liberdade. Ele apresenta os dois aspectos do ato de fé: Diz que Deus toma a iniciativa e se revela ao homem, e afirma que o homem participa total e ativamente em seu assentimento a Deus (“obediência da fé”) através das faculdades (intelecto e vontade). O texto da Dei Verbum 5 mostra que a interação entre a graça e a liberdade é algo harmonioso, que se integra e forma unidade.

A partir desse texto buscarei desenvolver os aspectos da relação entre graça, natureza e liberdade (elementos que fundamentam e possibilitam ao homem dar a "obediência da fé", sua livre entrega a Deus). Buscarei demonstrar que a relação entre graça e liberdade não é de justaposição ou sobreposição, mas é uma interação harmônica, de complementarieadade. A natureza se abre à graça, e sob seu influxo se desenvolve, amadurece e alcança a autonomia, que não significa fechamento, mas a realização de seu fim natural, que é ordenação interna a Deus. A natureza humana atinge sua consumação plena através da realização de seu fim criatural em Deus. A graça faz com que a natureza chegue a sua meta. A capacidade natural do homem para a transcendência encontra na graça resposta e plenificação.

O ato de fé se realiza através da ativa participação do homem, com suas faculdades (inteligência e vontade). A graça não anula o homem, ao contrário, respeita, promove e liberta sua liberdade, para que ele possa dar o assentimento a Deus. Surge a questão: como se processa a relação entre a liberdade e a graça? É possível a criatura humana ter acesso à

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ordem sobrenatural? O homem é atraído pela graça. Ele tem abertura e capacidade para a transcendência. Poderá fazer seu assentimento à Revelação, e pelo ato de fé entregar-se a Deus. A graça toca a natureza e facilita sua plena autonomia e maturação.

O ato de fé tem um aspecto teológico e outro antropológico. É resultante da iniciativa de Deus, que vem ao encontro do homem e se revela a ele. Quer que o homem participe de sua vida e Salvação. Oferece-lhe a graça, como dom livre e imerecido, para torná-lo capaz de compartilhar sua intimidade. A resposta do homem é inteiramente consciente e livre. A presente pesquisa visa aprofundar os dois pólos da fé: graça de Deus e ato humano, a partir da Constituição Dogmática Dei Verbum 5. A realidade da fé, sendo de ordem sobrenatural, se realiza internamente no homem, a partir da dinâmica da operação das faculdades do intelecto e vontade. É o homem concreto, histórico, encarnado, que realiza a experiência de dar o assentimento de fé a Deus.

A graça torna possível a realização do ato de fé. Ela é uma iniciativa livre, amorosa e gratuita, comunicada por Deus ao homem. É absolutamente necessária, pois a influência da concupiscência é decisiva sobre o homem. Somente com o auxílio da graça é que ele poderá sair desta condição frágil e pecadora. Deus lhe concede este auxílio, que sana (o homem é curado em sua natureza ferida pelo pecado), justifica (o homem recebe gratuita e imerecidadmente a justiça de Cristo que absolve seu pecado), e eleva (pela graça o homem pode participar da comunhão com Deus). Deste modo, o homem poderá alcançar a verdadeira liberdade e Salvação. A graça é um dom sobrenatural que ilumina a inteligência e inclina a vontade, para que o homem dê o seu consentimento a Deus e entre em comunhão com Ele. Ela age secreta e misteriosamente no íntimo do homem, torna-o plenamente ele mesmo, capacitando-o para dar a adesão plena a Deus.

Ao revelar-se ao homem, Deus o faz de forma respeitosa e delicada. Não o invade, atropela ou anula. Não impõe nenhuma condição ou força sua resposta, mas o deixa totalmente livre. O homem é seu interlocutor, parceiro e sujeito. A pessoa humana tem importância fundamental para a Revelação Cristã. Os diversos aspectos que integram a personalidade humana são respeitados e considerados pela ação da graça, ao suscitar a resposta do homem a Deus que lhe propõe a Salvação.

A metodologia de pesquisa de que resulta esta dissertação é fundamentalmente a pesquisa bibliográfica. Com preocupação histórico-teológica, a pesquisa acompanhou os momentos e autores que tomam parte na discussão, e que por isso mesmo, marcam a abordagem sistemática das questões.

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O ato de fé, sendo constituído pelos aspectos sobrenatural e antropológico, pressupõe alguns elementos necessários, como a realidade da graça, e por parte do homem a participação das características próprias de sua natureza. Ele é alma e corpo, sendo uma unidade indissolúvel. A alma é seu princípio estruturante. Permite refletir sobre o sentido da vida, estabelecer relação com a realidade sobrenatural, entrar em contato com o Mistério Divino, exercer a liberdade e a responsabilidade, e abrir-se aos outros.

Esta pesquisa se estrutura e se desenvolve a partir de quatros capítulos. Busca mostrar como o ato de fé articula a interação entre a graça e a liberdade, tendo como referência o texto da Dei Verbum (n. 5). Ao longo dos quatro capítulos, a reflexão busca mostrar que o homem tem em sua natureza as possibilidades para alcançar a comunhão com Deus. A participação na vida divina não é algo estranho ou inacessível a ele. Em sua constituição antropológica é dotado de faculdades que lhe permite responder ao chamado que a Revelação lhe faz. A natureza humana é aberta e inclinada à vida divina. O homem sente que em sua aspiração última há um desejo de transcendência e consumação em Deus.

O pecado provocou na natureza uma grave desordem, deixando- a decaída e debilitada. O homem se sente fraco e incapaz de unir-se a Deus. Os efeitos do pecado, a força da concupiscência arrasta-o ao mal. Ele precisa do auxílio da graça para tomar a firme decisão em responder a Deus através da ‘obediência da fé’. A graça desperta a vontade e ilumina a inteligência para que o homem realize o ato de fé. Ao ser inclinado e movido para dar o assentimento a Deus, o homem participa ativa e totalmente. Não é forçado ou anulado. A ação da graça respeita integralmente as faculdades. No entanto, sem o influxo da graça, ele não teria condições de procesassar o ato de fé.

O primeiro capítulo pretende mostrar a abertura do homem à transcendência. Apresenta as dimensões fundamentais, que são a base antropológica para o ato de fé. Ele versa sobre as relações entre natureza, graça e liberdade. O homem, na estrutura interna de seu ser, sente que há uma inclinação para assumir o fim próprio da natureza, que consiste na fidelidade à verdade, a na abertura ao sobrenatural. Ele não é fechado ou auto-referencial. Tem uma propensão a alcançar horizontes mais amplos, até saciar-se no mistério de Deus. A graça não é algo sobreposto a ele, mas um dom divino. O homem aspira e é atraído à realidade absoluta, cheia de profundidade e sentido. Sua natureza abre-se à ação da graça. Ela age por dentro da natureza, numa harmonia e unidade inenarrável. Sua ação respeita e liberta a natureza, promove sua autenticidade e autonomia. A graça é parceira da natureza, não concorrente ou adversária. Ela se une à natureza, através da interação e integração harmoniosa.

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O segundo capítulo apresenta a visão bíblica e histórica sobre a graça. Ela é a autodoação de Deus ao homem. É dom gratuito, imerecido, amoroso. Deus faz aliança com seu povo eleito. Esta aliança é selada e confirmada com a entrega suprema de Cristo. Na história da reflexão teológica, no primeiro período, a teologia acentua a categoria de divinização, ou seja, o homem é salvo e elevado à participação na vida divina. A Patrística afirma que pelo mistério da Encarnação, o Verbo resgatou a autêntica imagem do homem, introduzindo-o na comunhão íntima com Deus. Agostinho refuta o pelagianismo, e afirma a impossibilidade de o homem salvar-se com as próprias forças. Defende o primado da graça. O Cristianismo latino, no período posterior a Agostinho, se concentra sobre os efeitos da graça no homem. Enfatiza-se as distinções conceituais, e as categorias objetivas e formais na doutrina da graça. Lutero apresentou nova concepção sobre a justificação, afirmando a total corrupção da natureza humana, e a fé, como única condição para obter a Salvação. O Concílio de Trento reage e insiste na cooperação do homem na Salvação, através da prática das boas obras. Nega que o homem se tornou totalmente corrompido. Mesmo debilitado, ele pode colaborar com a graça. Surgem nos séculos seguintes concepções divergentes sobre o modo de conciliar graça e liberdade. Finalmente, no século XX, surgem novos enfoques da teologia da graça. O Vaticano II insistiu no aspecto existencial e relacional da graça.

O terceiro capítulo apresenta a realidade do pecado original, como uma ruptura no plano de Deus. A dimensão teológica do ato de fé fica claramente evidenciada na queda do homem, e na intervenção divina para salvá-lo. O auxílio da graça resgata e eleva o homem. Torna-lhe possível dar o assentimento a Deus. O homem, criado “imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,27), afastou-se da orientação interna da natureza. Ele é profundamente afetado pelo pecado. A vocação original do homem foi apagada com o pecado original, que provocou debilidade nas faculdades da natureza e da vontade. O homem tornou-se incapaz de alcançar através das suas próprias capacidades, a comunhão com Deus. Movido por seu infinito Amor, Deus envia seu Filho para realizar a Redenção do homem. Jesus toma sobre si os seus pecados e cancela sua culpa. Através da mediação salvadora introduz o homem na comunhão divina. O homem recupera a imortalidade e a incorruptibilidade. Torna-se filho no Filho. Realiza, assim, o anseio mais profundo de sua natureza: ser divinizado.

O quarto capítulo trata do assentimento voluntário à Revelação, que o homem realiza através do impulso da graça. A resposta a Deus, pela fé, pressupõe a participação ativa e total do homem. O ato de fé envolve a liberdade e responsabilidade do homem. A graça o auxilia, ilumina a inteligência e inclina a vontade para crer. A fé se processa no seio da comunidade eclesial. Ela tem caráter individual e comunitário. A fé tende a se desenvolver e amadurecer.

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Impulsiona o homem ao testemunho. Concede-lhe iluminação e sentido, e se consuma na comunhão eterna com Deus.

O estudo da relação entre os conceitos de natureza, liberdade, pecado, graça, justificação, divinização e fé, bem como a visão bíblica e histórica sobre a graça, pretendem facilitar a compreensão do ato de fé, tal como aborda a Dei Verbum, nº 05, em seu duplo aspecto: sobrenatural e antropológico. O desejo inato no homem pela transcendência, juntamente com o auxílio da graça, possibilita-lhe se tornar plenamente si mesmo. Em Jesus, ele se torna filho de Deus no Filho. Esta é sua suprema vocação humana: ser “em Deus”, participante da natureza divina.

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2 O SOBRENATURAL NO HUMANO: RELAÇÕES ENTRE NATUREZA, GRAÇA E LIBERDADE

Neste capítulo inicial são desenvolvidas as relações entre os elementos que fundamentam e possibilitam ao homem realizar o ato de fé: os conceitos de natureza, graça e liberdade. Eles servem como base para o desenvolvimento desta pesquisa. A Constituição Dogmática Dei Verbum, no número 5, trata sobre a Revelação divina, que atinge o homem histórico e concreto. Ora, o seu assentimento ou “obediência da fé”, realiza-se a partir de sua estrutura antropológica (intelecto e vontade).

A natureza humana é aberta à graça, e pode ser elevada por ela. Sua ordenação interna à graça faz com receba dela o auxílio necessário para atingir a maturação e plenificação. O encontro entre a natureza e a graça realiza-se através da participação autônoma de ambas. Não há anulação, intromissão, ou sobreposição entre elas, mas integração harmônica. O ato de fé tem como exigência e pressuposto a participação ativa e total da liberdade do homem. Diante da proposta de Salvação que Deus lhe faz, através da Revelação, ele pensa (intelecto) e se decide (liberdade) se dará seu assentimento. A graça divina atrai e dispõe o homem em sua resposta de fé, liberta e promove sua liberdade, sem anulá-lo.

A reflexão desenvolvida neste capítulo busca mostrar que os elementos da realidade antropológica permitem a realização do processo do ato de fé. A natureza humana tem abertura ao sobrenatural. A liberdade está orientada em Deus e Nele se consuma e plenifica. Em suma, neste capítulo inicial se desenvolve a interação entre os aspectos que formam a base para o ato de fé. A Revelação chama o homem à obediência da fé, e ele participa com as faculdades (intelecto e vontade) para dar o assentimento da fé, sob os influxos da graça.

2.1 RELAÇÕES ENTRE NATUREZA, GRAÇA E LIBERDADE

2.1.1 Relações entre natureza e graça

O Ato livre é resultado da ação da pessoa. É diferente do caráter natural dos instintos, que são movidos por necessidade. O homem, como ser pertencente à natureza, como realidade bio-psíquica-social, não é livre, como afirma Guardini:

As operações orgânicas, os movimentos involuntários que correspondem as circunstâncias favoráveis ou perniciosas, o constrangimento nas suas múltiplas formas, tudo o que em nós é rotina – obedecem às necessidades. Neles o que é ativo

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não sou eu propriamente, mas qualquer coisa de anônimo em mim mesmo e à minha volta; o meu sistema orgânico-psíquico, o meio natural e sociológico, a situação histórica, tudo o que se move sem qualquer intenção de minha parte (GUARDINI, 1958, p. 8).

No entanto, o homem não é programado, ele é ordenado à liberdade. É dotado de inteligência e vontade. Ele tem a possibilidade de realizar escolhas. Tem capacidade para realizar atos livres. O homem tem a consciência que é autor de determinado ato. Pode agir desta ou daquela maneira. Não é arrastado necessariamente a agir de maneira determinada. Dispõe de si mesmo. Pertence a si próprio, e como tal, realiza esta qualidade de pessoa (GUARDINI, 1958, p. 8). Sabe que nem sempre procede livremente em seu agir, mas dispõe dessa possibilidade.

O homem sente que tem responsabilidade inerente ao ato que pratica. Não se trata de algo meramente externo e jurídico, mas o afeta no âmago de seu ser. Ele sente que precisa assumir a consequência de seu ato (GUARDINI, 1958, p. 13). Não pode se esquivar. É algo que o caracteriza, que o diferencia dos demais seres. Sua natureza é dotada de consciência moral.

Além desse aspecto, ele é levado a se perguntar sobre os motivos, e as intenções com as quais praticou tal ato. Percebe em sua natureza a presença de algo que o faz refletir sobre o significado de si e da realidade. E somente Alguém pode ser a causa destas perguntas interiores sobre o significado do seu ato, pois um ser anônimo não lhe pode interrogar. Infere-se que é Deus. É diante de Deus que Infere-se apreInfere-senta sua liberdade (GUARDINI, 1958, p. 14).

O exercício da liberdade é componente de sua natureza. Ela tem estrutura, leis e exigências. O homem tem liberdade de escolha, isto é inerente à constituição profunda de sua pessoa (RAHNER, 1970, p. 42). A liberade se constrói a partir da inter-relação que o homem estabelece consigo e com seu meio. Ele pode escolher a agir não movido por impulsos biológicos, psicológicos ou sociais. Na profundidade do seu ser, sente que é princípio de sentido, de movimento, e origem de acontecimentos. O ato livre tem nele sua origem, porém terá sentido se ele fizer bem. Caso ele faça por puro capricho, ou por veleidade, destruirá o caráter próprio da liberdade (GUARDINI, 1958, p. 22). Porém, ele não consegue sufocar ou fugir do dom da liberdade conferido a si. Está em seu interior. No fundo do ser, saberá que há outra direção para a liberdade, e isso lhe inquietará, caso a use indevidamente.

Ele pode se esquivar de assumir a responsabilidade. Poderá renunciá-la por medo, condicionamento e condições externas. No entanto, se assim proceder, alienará de si mesmo, e

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se desumanizará. Sua natureza exige que ele tome posse dela. Para se construir como pessoa, terá que fazer escolhas, assumir riscos, enfrentar as consequências.

A cultura tem forte influência na formação do indivíduo. Ela pode contribuir saudavelmente para o desenvolvimento do homem. No entanto pode obstaculizar a natureza e gerar elementos inautênticos e adulterados. O indivíduo poderá buscar a liberdade, que numa situação desta, será experimentada como renascimento.

No homem a natureza se faz presente não de forma espontânea, original e ordenada. Ela contém elementos nocivos, subversivos e destruidores. Sua existência é histórica. Não há nele inicialmente existência segundo a natureza inconsciente e instintiva, a partir da qual se desenvolva a existência da pessoa espiritual. No início houve uma decisão que determinou toda história posterior (GUARDINI, 1958, p. 24). Segundo a Revelação cristã, a culpa inicial penetrou até à raiz da natureza humana e a corrompeu (GRELOT, 1969, p. 17).

Pode acontecer também dificuldade para ele exercer a liberdade com relação ao seu próprio corpo e seu espírito. Se na manifestação da vida, na relação entre sentimento, vivência, estado de espírito e caráter, houver desequilíbrio, ele se sentirá desconfortado. Os seus impulsos instintivos e sua vontade, podem estar em conflito, devido à má educação, preconceitos e experiências não assimiladas. No campo psíquico e espiritual também podem estar presentes graves dificuldades à liberdade, como o não desenvolvimento de aptidões intelectuais, ou o choque de inclinações. Porém, muito mais importantes são as tensões que podem acontecer entre a vida inconsciente e consciente. Experiências não assimiladas e recalcadas geram desordem interna. Elas passam a ser integradas e são superadas, quando reconhecidas pela pessoa. Tornadas conscientes, passam a gerar liberdade (GUARDINI, 1958, p. 28).

O caminho rumo à liberdade é processo difícil, lento e doloroso. É processo vital, onde empreende-se a busca pela verdade profunda do próprio ser. Implica num progressivo desprendimento de condicionamentos instintivos, sociais e culturais, apreendidos ou introjetados. É necessário que haja disposição de espírito para ver a verdade e coragem para se defrontar-se com ela. (MONBOURQUETTE, 2008, p. 85). Ser o que realmente é, obter a autonomia, exige do homem, empenho e ativa participação de suas faculdades, e interação com seu meio social. Nesta integração bio-psíquica-espiritual, que implica a superação de divisões internas, há o discreto, profundo e misterioso trabalho da graça, preparando o homem, para que ele possa abrir-se à Revelação, e realizar-se totalmente na comunhão com Deus.

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A liberdade realiza-se na verdade dos seres, das coisas, em sua nobreza e sublimidade interna. É nela que o espírito humano se fortalece e se liberta. Ao afirmar a sua sublimidade, e ao se submeter, mesmo à custa de sacrifícios, experimentará enriquecimento e libertação do espírito. Porém, não se pode ver aí o último sentido da existência, mas na abertura para Deus. A verdadeira liberdade visa a destinação infinita do homem, a abertura ao transcendente. Ela é um dado da teologia e da antropologia teológica (RAHNER, 1970, p. 43). Na solidão o homem se volta a si, e no mistério do seu ser pode encontrar Deus. No silêncio profundo, manifesta-se o centro vital da pessoa. Restaura-se a unidade da vida psíquica. Aí experimentam-se a singularidade, a dignidade do ser como pessoa. Ao ser atraído pelo sentido do bem, e se deixar dominar por ele, o homem manifesta seu caráter próprio, da natureza. Fundamenta seu ser e sua dignidade. O bem torna o ser humano fecundo e rico. O bem, ao ser feito pelo valor que encerra em si mesmo, preserva a vida e leva à plenitude (GUARDINI, 1958, p. 37)

Ao praticar a ação que é boa em si mesma, por sua bondade íntima, o homem adquire a liberdade. No âmbito das relações pessoais realiza-se também a liberdade. No encontro com o outro, ele sai do isolamento e se edifica. No amor, acontece a forma mais intensa e sublime de liberdade. Ao sair de si, e amar, ele realiza o seu verdadeiro eu. Vence os interesses e egoísmos. Realiza o processo do despertar espiritual, que através do dinamismo e movimento interno do ser, consiste na atração secreta, sutil e misteriosa da graça, para que o homem possa responder à proposta da Revelação. Ao avançar nesta maturidade, ele adquire a harmonia de sua natureza, Abre-se à graça e se aproxima de Deus. (MONBOURQUETTE, 2008, p. 144).

Aparentemente a liberdade parece consistir em satisfazer a vontade própria. Fazer o que agrada ou é útil parece dar a sensação de autonomia, de liberdade. Porém isso é falso e enganoso, pois leva á escravidão. O homem se torna dependente de si mesmo. Há nele a ordenação para o bem, contudo, isso requer disciplina interior, pois, não se trata de algo natural ou espontâneo (GUARDINI, 1958, p. 42)

Para a Revelação, a experiência religiosa plena se dá através da fé. O mundo tem fundamento e consistência em Deus. O homem, em sua rebelião contra Deus, tenta separar Dele o mundo. Tenta conferir-lhe sentido em si mesmo, independente. Para o homem que vive a experiência religiosa, ao ver o mundo com os olhos da fé, ele encontra libertação especialíssima (GUARDINI, 1958, p. 48)

No contato com Deus sente algo de purificação, fortalecimento, elevação. Através desta experiência, penetra em seu verdadeiro ser, e se satisfaz plenamente. Experimenta a

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salvação, que consiste numa libertação do inautêntico e do transitório. No entanto, pode haver ambiguidade nesta experiência. Isto acontece ao misturar-se à ela anormalidades e elementos inautênticos, que em vez de mergulhar a pessoa na liberdade do Deus vivo, a oprime (GUARDINI, 1958, p. 50).

A liberdade é algo vivo, tem necessidade de crescer. Isto exige exercício, renúncia. Pode estagnar-se e ser sufocada pelos instintos ou apatia. Necessita ser cultivada. Ela avança quando o homem se empenha decididamente pela verdade, e retidão. Caso ele fuja da liberdade ou a negue, mesmo assim ela o perseguirá, porque ele é intrinsecamente determinado por ela (GUARDINI, 1958, p. 52). A vocação para a liberdade é a experiência fundamental, constitutiva do ser humano. Indica a presença de Deus no homem (COMBLIN, 1998, p. 242).

O sujeito da liberdade é o espírito. Trata-se do espírito concreto, individual. Só ele pode julgar e decidir, criar a ação e responder por ela. Ele pode distanciar-se em relação ao seu próprio ser e livremente autodeterminar-se. O espírito depende do corpo nas suas funções, mas não no seu ser e subsistência. Ele transcende a materialidade. É, o homem, espírito e matéria, que é o sujeito da liberdade. Ele é capaz de liberdade, seu ser a clama. Ela é fonte de grandeza, e ao mesmo tempo, lhe exige determinação (GUARDINI, 1958, p. 54).

O homem é dotado na estrutura do seu ser a realizar sua profunda aspiração de se abrir à transcencência. Ele tem elevada dignidade. Pode abrir-se ao amor que Deus lhe comunica em Jesus Cristo, ou se recusar. Ele é chamado a assumir, e a viver consciente e livremente a relação com Deus (RUBIO, 2011, p. 311). No entanto, esta sublime dignidade lhe é dada como dom e conquista. Deus o chama a participar da sublimidade de sua vida. Ele é respeitado e valorizado por Deus. Não é objeto. Tem sua interioridade e sua capacidade de decisão.

O homem é pessoa. Tem sua condição criatural e humana. Ele é espírito, tem liberdade e é indivíduo. Ele é pessoa que forma comunidade. Sua personalidade não pode ser compreendida como interioridade absoluta, pois é essencialmente ser de relação e abertura (RUBIO, 2007, p. 74).

Tem dimensão de abertura e inter-relação com o mundo. A pessoa humana é qualitativamente diferente das coisas do mundo, da natureza, mas é criatura, unida às outras numa solidariedade fundamental (RUBIO, 2011, p. 310). Nesta sua dinâmica de ser, é chamado pela Revelação divina a inserir-se na oferta da graça de Cristo, que salva e diviniza. É chamado a participar do aspecto visível e comunitário desta vocação pessoal e imediata para Deus, através da Igreja. Isto é dom gratuito que Deus lhe concede.

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O homem tem pluralidade de dimensões que se integram: é um ser vivo corporal e material. É social e religioso. Ao mesmo tempo que dispõe desta estrutura que o capacita, e o possibilita para viver intensamente a realização de seu ser, ele pode se desviar e se perder.

Dentro dele está a concupiscência, que o ameaça para outra direção. No entanto, ele pode dispor de si mesmo. Precisa decidir-se. Não há neutralidade. Ou terá uma dignidade degrada por sua falta, ou resgatada pela graça. Ele recebe a vocação sobrenatural de participar da vida de Deus, e para isto necessita do auxílio da graça. Ele pode negar aceitar sua orientação para Deus, porém culposamente (RAHNER, 1970, p. 74).

A “nova teologia” acusa o conceito escolástico de graça de caráter extrinsecista, isto é, da graça aparecer como simples superestrutura, como algo imposto à natureza por Deus. A concepção da natureza humana que está subjacente a esta visão da graça é de uma natureza pura, sendo o decreto de Deus algo que a atinge externamente (RAHNER, 1970, p. 40).

Nesta visão, a oferta da graça que eleva interiormente o homem, lhe é concedida a partir de fora da sua experiência real (RAHNER, 1970, p. 42). É bem aceita a concepção do homem como animal racional, porém como natureza pura fica impensável o encontro interno com a graça. Somente na experiência existencial e concreta do homem, é que se torna compreensível a realidade da graça como algo que lhe toca e eleva.

O que Deus decretou ao homem é realidade constitutiva de sua essência concreta. Não é algo que Deus lhe concede externamente, mas algo que já constitui a natureza. Em sua estrutura interna, ele é dotado da capacidade de estabelecer comunhão com Deus. Há ordenação natural interior do homem à graça, constitutivo de sua natureza.

O desejo do natural pelo sobrenatural é concebível e necessário. Deve ser interpretado e entendido como abertura da natureza à graça. Se esse desejo exige a graça como inevitável, rompe com elemento essencial da graça: a gratuidade (RAHNER, 1970, p. 55). O “desejo” da natureza pela graça não significa que ela perde sua autonomia, ou que a graça esteja “obrigada” vir ao seu encontro. Do mesmo modo, a natureza, não está determinada para abrir-se à graça.

Deus ao criar o homem, quis comunicar-lhe sua vida. Este dom do seu amor foi oferecido ao homem de modo imprevisto e indevido, como algo imerecido e gratuito, fruto de sua inteira liberalidade (RAHNER, 1970, p. 56). O homem, porém, não é passivo. O dom divino passa pela livre aceitação dele. Sua natureza recebeu a possibilidade de responder ao dom divino, mesmo sendo marcado pelo pecado.

Deus criou o homem para que ele pudesse experimentar esta sublime realidade da graça, como algo íntimo e pessoal. Esta aspiração está em sua natureza. A ordenação interna à

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comunhão com Deus está presente nele como algo indébito e sobrenatural. O homem não deve se reconhecer apenas como livremente criado por Deus, mas ter a consciência que recebeu a disposição para a graça sobrenatural. Há uma aspiração nele à vida eterna e ao puro amor (RAHNER, 1970, p. 57).

No entanto, essa realidade passa necessariamente pela livre decisão. A natureza humana em sua essência, com os atributos que lhe são próprios, se abre à Revelação, e so b sua luz recebe pleno sentido. Há no homem a abertura à realidade sobrenatural, sem, contudo, exigi-la. Trata-se de ordenação íntima a ela, mas não como incondicionada. É uma disposição natural existencial para a graça.

É certo que a graça não pode ser vista apenas como “estado”, ou ser descrita com categorias de antropologia puramente formal (qualidade criada, acidentes, hábitos). As categorias pessoais, como amor, proximidade, intimidade são mais expressivas no sentido de destacar o aspecto relacional da graça como realidade que mergulha o homem no mistério de Deus (RAHNER, 1970, p. 63). A ordenação da natureza à realidade sobrenatural é algo que ocorre dentro do processo onde ela não é forçada, nem é imposto sobre ela uma destinação.

A natureza com sua dinâmica e movimentos próprios encontra no dom da graça algo que lhe responde e completa sua íntima e real aspiração. A graça por sua vez, não é algo externo ou sobreposto, mas dom que lhe torna possível, realizar sua aspiração e alcançar seu fim natural. Desta forma, entende-se que a relação entre natureza e graça ocorre a partir da autonomia e do dinamismo destas realidades. Não há invasão, sobreposição ou dominação, mas respeito, conciliabilidade, integração, realização e plenitude.

A opinião da neo-escolástica, é que a graça é propriamente realidade sobrenatural. O homem é justificado e pode realizar atos salutares, no entanto, é compreendida como alheia à consciência (RAHNER, 1970, p. 68). O homem, através da fé, põe-se em relação com ela, sobretudo pelos sacramentos e atos morais. Vê nela a divinização do seu ser, penhor e pressuposto da vida eterna.

Nesta concepção, a graça é uma superestrutura que transcende a consciência do homem espiritual e ético. Entende que ela é uma realidade suprema e divina, único meio de salvação, no entanto, ele só a conhece pela fé. Já a natureza é aquilo que o homem experimenta sem o auxílio da Revelação. Nesta compreensão, natureza e graça são duas camadas sobrepostas muito cuidadosamete, e que pouco se compenetram. (RAHNER, 1970, p. 69). Também compreende a orientação da natureza à graça de forma bastante negativa. Ela se abre à graça, e por ela é aperfeiçoada.

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A superação da idéia de graça como entidade puramente criada, “ôntica”, não-existencial, ou como “acidente físico”, acontece na teologia católica ao conceber a expressão “graça incriada” como sendo Deus mesmo, em sua autocomunicação por meio da graça, que se dá ao homem. Trata-se do amor pessoal de Deus e da livre resposta do homem. Ela não é entendida objetivamente como uma coisa, não se trata de algo colocado à disposição do homem. É o próprio Deus que oferece a Si mesmo, o dom do seu amor (RAHNER, 1970, p. 83). O amor divino comunicado ao homem o transforma na consciência e existência. A liberdade não é simplesmente uma perfeição aplicável a uma faculdade (a vontade), como afirmava a filosofia escolástica, mas dote do homem na sua totalidade (MONDIN, 1984, p. 49).

Há a transcendência do ser. A abertura do natural ao sobrenatural revela que ele pode atingir este nível. Na essência da natureza há esta possibilidade de atingir o sobrenatural. Ela tem esta orientação, apesar de que é elevada a esta condição pela graça. Mesmo fora da Igreja e dos sacramentos, a graça pode encontrá-lo, se houver abertura e retidão do seu espírito (RAHNER, 1970, p. 96).

O homem, em sua razão e liberdade moral, pode obter a transcendência sobrenatural. Mesmo ainda não justificado, sendo pecador e incrédulo, na medida em que ele se encontra na real possibilidade de agir moral bom, pode estar dentro do horizonte da transcendência para o Deus da vida sobrenatural. (RAHNER, 1970, p. 87).

O homem é alcançado por Deus, mesmo fora da história oficial da Revelação. Nesta situação, nele não há só razão natural e pecado, mas também graça. Ao entrar em contato espiritual pela primeira vez com a mensagem salvífica anunciada pela Igreja, sua natureza já estava envolvida pela graça sobrenatural. Dessa forma, a pregação é a explicitação e o despertar daquilo que está nas profundidades do ser humano, não por natureza, mas por graça (RAHNER, 1970, p. 90).

A graça envolve o homem, mesmo o pecador e infiel, como atmosfera inevitável de sua existência. Quando o homem recebe a mensagem de fé da Igreja visível, este apelo lhe toca interiormente e o faz entrar em contato com algo que já estava presente nele de forma implícita, velada, inconsciente. Nele a graça já estava presente, embora ignorada por seu espírito natural. Ao interrogar a si mesmo, ele compreende a sua essência metafísica, como espírito transcendente (aberto ao sobrenatural) e livre, à luz de sua razão. O homem, como incrédulo e pecador, não justificado, é envolvido pela graça sobrenatural salvífica. Em sua natureza concreta e histórica, na realidade de ser humano, ele experimenta a dimensão transcendente (RAHNER, 1970, p. 91).

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Ao se abrir à Revelação, ele compreende que existe a ordem da graça que ele não merece, e que não faz parte do seu ser. É algo que lhe é oferecido gratuitamente. Há a elevação sobrenatural de sua natureza. Este processo não acontece por mera justaposição ou sobreposição de uma realidade que lhe é acrescida. Também não são realidades que se conservam rigorosamente distintas (RAHNER, 1970, p. 91). O homem sente em sua consciência, que sua natureza não é uma realidade que lhe escapa, mas algo concreto, histórico. Seu espírito, através do contato com a Revelação, se descobre inundado por ela. Não há ruptura, ou choque, mas ele experimenta em si os efeitos da ação da graça.

A elevação sobrenatural do homem é complementação absoluta, embora imerecida, de um ser que por sua espiritualidade e transcendência, é criatura que tem abertura à plenitude da realidade. Nele, a presença do desejo do infinito e de inquietação por algo que lhe preencha e complete, e que não consegue encontrar plena realização nas realidades deste mundo, já é o dinamismo da força divina da graça (RAHNER, 1970, p. 92).

O homem é criatura, é espírito, tem abertura ao sobrenatural, e a partir de seu intelecto e liberdade, experimenta a graça, que lhe proporciona complementação absoluta. Desse modo, percebe que a visão beatífica é dom voluntário à criatura, graça que lhe é concedida pela inteira liberdade e bondade de Deus.

Há, portanto, uma orientação da natureza do homem à graça. Esta orientação, contudo, não é condicional ou impositiva. A natureza não seria absurda e inconsistente sem ela (RAHNER, 1970, p. 96). A ação da graça no encontro com ela é algo totalmente gratuito.

O espírito humano está aberto à sobrenaturalidade. Recebe aperfeiçoamento, maturação e plenificação. O homem, que em sua natureza, e a partir de seu intelecto e liberdade, se deixa encontrar pelo Deus vivo e amoroso, realiza sua íntima e secreta aspiração. O espírito humano é capaz de autotranscender-se. O seu espírito é eco do Espírito de Deus (COMBLIN, 1985, p. 264). Pode ser elevado ao plano da graça, ser divinizado.

Nele já havia “o suspiro” da criatura, movido secretamente pelo Espírito Santo, através da graça (RAHNER, 1970, p. 98). O desejo por ela estava latente em sua natureza, esperando sua resposta consciente e livre ao Deus vivo, amoroso e verdadeiro. Ele criou o homem para a contemplação da vida divina, a visão beatífica. Ao criá-lo, concedeu-lhe o dom e o potencial de ser tocado pela graça. “Escreveu em sua natureza” esta vocação à vida sobrenatural.

Deus vem ao encontro do homem e lhe oferece o amor gratuito para libertá-lo da força destrutiva do pecado, e para salvá-lo. É dom gratuito oferecido por Deus ao homem. Salvação é a plenitude de vida operada pela graça no íntimo do homem (RUBIO, 2007, p. 87).

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A resposta humana à Revelação, pelo assentimento da fé, realizado na liberdade, sob o impulso da graça, possibilita-lhe completa realização humana.

2.1.2 Relações entre liberdade e graça

O ato livre tem no homem o seu autêntico princípio de causalidade. A autodeterminação do espírito, e a vontade que escolhe, são a verdadeira causa do ato. Não são impulsos mecânicos ou biológicos, mas motivos psíquicos-espirituais que estão na base dos atos livres e lhe dão origem. A liberdade do ato não é processo que passa através do homem, como necessidade interna que se impõe, mas ela é fruto de um começo independente e espontâneo, que tem no homem sua autonomia (GUARDINI, 1958, p. 9). O homem é causa de si mesmo. Isto não significa que ele seja princípio absoluto do seu ser. É a imagem de Deus no homem que fundamenta a liberdade e a dignidade da pessoa humana.

O homem não existe de maneira natural, mas histórica. Desde o início, houve uma decisão que determinou toda história posterior. Penetrou até a raiz da natureza humana, corrompendo-a. A Revelação cristã chama de culpa original. Designa o estado em que o homem vem ao mundo, enquanto membro de uma raça pecadora. Junto da existência, ele recebe a presença ativa do mal: é o chamado pecado original. O ato catastrófico pelo qual a presença ativa do mal entrou no mundo é o pecado originante (GRELOT, 1969, p. 17).

Paulo experimentou e refletiu a realidade da condição humana. Em sua sequiosa busca pela verdade, só a encontrou na Revelação cristã. No Novo Testamento, Paulo é testemunha qualificada desta liberdade. Ele queria ser bom, livre e justo. Lutava arduamente para obter o auto-domínio, contudo não obtinha sucesso. Entrou em profunda crise (GUARDINI, 1958, p. 57). Queria alcançar a liberdade a partir de seus heroicos esforços pessoais, contudo, não encontrava o caminho.

Paulo, ao entrar em contato com a comunidade cristã, sendo ainda perseguidor, sente que a mesma é movida por misteriosa força espiritual, que gera paz, liberdade, coragem e alegria. Isto lhe incomoda extremamente e aviva o seu ódio. Percebe que eles não praticam a luta feroz para realizar o bem com suas próprias forças, e, no entanto, demonstram plena alegria. Ele, empreendendo luta tão árdua, sente-se frustrado (GUARDINI, 1958, p. 58).

Ao perseguir drasticamente os cristãos ele tem profunda e intensa experiência de Revelação divina, de encontro com Cristo (At 9,1-18). Há uma transformação radical em sua vida. Experimenta finalmente que é possível tornar-se bom, justo e santo, possuir um sentido

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último e ter liberdade definitiva que lhe é concedida gratuitamente, sem necessitar de esforço pessoal.

Ele compreendeu que a autotransformação tem sua fonte em Cristo. Ele continua lutando, sente que a sua vontade pode produzir frutos porque é sustentada pela força de Cristo. Seu amor próprio e suas forças interiores não permitiam que Deus agisse livremente em seu íntimo (GUARDINI, 1958, p. 58).

Anteriormente a esta experiência, a busca do divino ocultava desejo de onipotência. Tinha falsa imagem de Deus, e no fundo buscava a si mesmo (GUARDINI, 1958, p. 60). Dessa forma pode se entender que o ato de fé se trata de algo inteiramente livre, e ao mesmo tempo, é tornado possível por Deus. O homem, ao desfazer-se de seu orgulho, egoísmo e infidelidade, é alcançado por Cristo.

O objeto do evangelho de Paulo é a liberdade. Isto significa que o homem não nasceu livre, mas ela é um valor elevadíssimo, construído pelo homem ao decidir edifificar sua vida inspirada no amor. A liberdade abre as portas à graça e se plenifica com ela. A graça, por sua vez, suscita a liberdade no homem. Ela é fruto da graça, dom de Deus. Deus criou o homem livre, mas pelo pecado, ele perdeu a liberdade. A força da graça reconstrói a liberdade no homem. Restaura a criação. A liberdade emerge na criatura humana num processo progressivo (COMBLIN, 1977, p. 25).

O homem, através de suas próprias forças não consegue experimentar a verdadeira e plena liberdade. É a Revelação que lhe concede e lhe possibilita alcançar a plenitude do seu ser. Esta libertação lhe transcende, e tem unicamente em Deus sua fonte. O homem só aí sacia sua sede de absoluto e transcendência, como expressou Agostinho: “Fizeste-nos para Ti, ó Deus, e o nosso coração está inquieto enquanto em Ti não descansar” (SANTO AGOSTINHO, 1997, I,1).

Paulo afirma que a plenitude da liberdade se atinge pela fé. A segurança, a paz interior e a verdadeira liberdade, se obtém pelo total entrega a Cristo (Ef 3,14-20). O pecado aprisiona o homem, provoca desordem e o deixa escravo. Paulo experimenta que só em Cristo, na força da graça, o homem ser redimido da desordem do pecado, e alcançar a paz em Deus (GUARDINI, 1958, p. 61). É ilusão querer por meio de sua própria capacidade atingir o sobrenatural. O reconhecimento de Cristo permite ao homem admitir sua impotência, e experimentar a liberdade.

Paulo se sentia íntima e profundamente unido a Cristo. Não simplesmente por conhecimento ou afeto, mas vivendo novo estilo de vida. Sentia que Cristo mergulhava em

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sua alma, e a ele se unia, até sua mais profunda intimidade, todo seu ser: “Eu vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim” (Fl 2,20).

Isto não significa que o “eu” humano fique anulado, e que Cristo tome o seu lugar. Resgata-se nele a original imagem com a qual foi criado por Deus. A ação do Espírito não dissolve a individualidade (GUARDINI, 1958, p. 63). É dom divino no íntimo do ser, e que lhe permite exercer plenamente a autenticidade. A graça mergulha na natureza, e faz com que ela se desabroche. É, portanto, algo humano, da sua liberdade, mas que recebeu misteriosamente do influxo da graça.

E como acontece este entrelaçamento entre ação da graça e da liberdade? A resposta do pelagianismo destaca o pólo da inicativa humana. A ação da graça ocorre apenas enquanto a liberta, esclarece e fortifica. Já os reformadores, afirmam que a iniciativa humana está totalmente corrompida, e que só resta entregar-se a Deus pela fé (PESCH, 1978, p. 69). O Concílio de Trento defende a primazia da graça, e ao mesmo tempo afirma a necessidade da participação e da valorização do livre-arbítrio do homem: “Por sua graça que estimula e ajuda, se disponham a converter-se à própria justificação, consentindo livremente com a graça e cooperando com ela” (DECRETO SOBRE O PECADO ORIGINAL, 1546, apud DENZINGER – HÜNERMANN, 2007, n. 1525). Após Trento, alguns teólogos tentam explicar como se processa a relação entre a iniciativa divina e a colaboração da liberdade humana.

Não há como separar ou medir a intensidade de ambas as iniciativas e compreender como se processa no interior do homem a interação entre elas. A ação de Deus pressupõe a disponibilidade do homem. (GUARDINI, 1958, p. 65). A realidade da graça atrai a liberdade e lhe serve de fonte, onde ela se enraíza. Neste processo, o homem conserva intacta a autonomia. Sua decisão não é forçada ou anulada.

Ambas as iniciativas subsistem não de forma paralela, como se tratasse de cooperação exterior, mas uma dentro da outra, na unidade indissolúvel do processo existencial. De tal maneira que o homem é tocado e movido pela graça, e que a partir de sua inteira liberdade, é convidado a viver na fé profunda, e radical transformação do sentir, pensar e agir.

A liberdade humana realiza-se fundamentalmente diante do criador, e em obediência a Ele. Deus é o fundamento da verdade e a raiz de todo bem (GUARDINI, 1958, p. 71). Submeter-se a Ele não é irracionalidade, ao contrário, sendo Ele que alicerça a existência humana, significa fundar-se na fonte da verdade e da vida. Nele o homem encontra-se verdadeiramente consigo mesmo.

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Ele é alcançado pela graça do Espírito Santo, na medida em que se liberta das pretensões puramente pessoais (LIBANIO, 2004, p. 197). A fé é plenificação de profundo desejo do homem e envolve o sacrifício da própria autonomia. A liberdade é encontrada dentro de si. A realidade natural permanece a mesma, porém, é informada por novo princípio que dá novas e permanentes possibilidades.

Cristo comunica – lhe a capacidade e, ao mesmo tempo, desafia-o para que participe com toda a energia, através do autodomínio e do desprendimento. Ele pode tornar-se aberto à verdade, e será então, autêntico na expressão de seu ser e senhor de sua liberdade.

A liberdade cristã, sendo uma realidade viva, exige cuidado e domínio constantes. Embora seja ameaçada pela contradição e pecado, tende à plenitude definitiva em Cristo no fim da história (LIBANIO, 2004, p. 168). A vida cristã desenvolve a vontade e a força da liberdade. A intimidade e confiança no Deus vivo proporciona a força para superar os obstáculos da realidade externa e do próprio “eu” interior. O homem só é dominado pela sedução da natureza e perde a si mesmo quando se recusa a abrir-se para Deus (GUARDINI, 1958, p. 70). Ao contrário, sua existência ganha apoio e sentido, e há o encontro consigo mesmo, ao voltar-se confiante para Ele.

O homem moderno apegou-se a veleidades. Dominado pela ambição, e do desejo de ser senhor de si mesmo e do mundo, desligou-se da Revelação. Porém, ele pode conservar a liberdade de respeitar a verdade da relação com o seu ser. Somente diante da Revelação, que indica a verdadeira situação do mundo, ele poderá ter autêntica liberdade. Ao ultrapassar seus limites, a liberdade se torna servidão (GUARDINI, 1958, p. 77).

A vida exige a realização de valores. Eles expressam a essência e o sentido dos seres. Eles precisam estar ligados à ordem racional dos fins humanos, senão, caem na frivolidade e na leviandade. Só a realização dos valores conduzirá à liberdade. Na Revelação encontra-se o sentido para orientar os valores, e aí a liberdade humana pode encontrar sua verdadeira garantia.

O homem relaciona-se no mundo, e pode encontrar diversas formas de se realizar, no entanto, a plenitude de sua realização só acontece mediante o encontro com Deus. Através da Revelação, ele pode entrar em particularíssima relação pessoal com Deus, e obter uma vitalidade nova, que brota da própria vida divina, que lhe é comunicada pela graça.

O homem se rebelou contra Deus, e houve a queda pelo pecado original. A Revelação ensina que Deus quis entrar pessoalmente na história, e em Cristo, tomar sobre si o pecado e o destino do homem, redimindo-o. Deus o convida novamente a experimentar sua vida e intimidade, e assim, ter vida nova Nele, até a plenitude, na eternidade.

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O homem, por suas próprias forças, jamais alcançaria a Salvação. Ao reconhecer Cristo, ele aceita sua impotência pessoal. Seu coração e sua vontade se acalmam. Dissipa-se a tensão e o conflito angustiante e insolúvel da vontade em obter a justiça (GUARDINI, 1958, p. 63). O oferecimento do Amor e da Salvação ao homem é pura iniciativa divina, uma graça, manifestação livre de sua bondade.

Através da graça, Deus eleva o homem. Ele é convidado a sair de si, e ir ao encontro de Deus. Ao entregar-se nas mãos de Deus, experimenta o que é a verdadeira posse de si mesmo. A graça acontece nesta relação, ao participar da vida divina (porque Deus lhe concedeu esta possibilidade), o homem se torna verdadeiramente ele mesmo.

A graça, ao operar no ser humano, ilumina sua inteligência. Ordena e robustece a vontade para o bem, e infunde a vida interior no amor e na intimidade com Deus. Realiza a santificação da vida, e faz acontecer o novo nascimento em Cristo.

São João usa uma imagem simbólica que ajuda extraordinariamente na compreensão da graça: “Mas quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede. Pois a água que eu lhe der tornar-se á nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna” (Jo 4, 14). A graça é a água viva, que brota da nascente divina e sacia a sede essencial do homem. O homem tem em seu íntimo esta fonte, que é puro dom amorosamente concedido por Deus.

A graça é um puro favor divino, é somente por meio dela, que o homem pode realizar plenamente seu ser sonhado por Deus. Ela não é sobreposição dispensável à existência humana, mas fundamentalmente necessária ao homem, para que ele possa atingir a plena maturação em Deus. A liberdade requer opções profundas. O homem assume a responsabilidade na decisão de acolher ou não a graça (MUÑOZ, 1989, p. 115).

A Revelação cristã afirma que o homem não é pura natureza. Ele tem vocação ao Absoluto. A modernidade se equivocou ao pensar que ele tem em si mesmo a plenitude de ser e sentido, e total autonomia. Ele não alcança esta plenitude na natureza e no mundo. A busca de se emancipar de Deus é insensata, pois somente na graça o homem pode realizar-se plenamente (GUARDINI, 1958, p.117).

A analogia do amor entre duas pessoas ajuda a compreender a relação do homem com Deus. A pessoa que ama, sabe que não pode forçar o outro a amá-la, pois é algo que brota da mais íntima liberdade do coração. Ela sabe que precisa do amor do outro para sua realização. Por este amor se encontra a si mesma e se realiza (GUARDINI, 1958, p. 117). Também na relação da graça, o homem sabe que não tem nenhum direito e que é algo que depende totalmente da inteira soberania de Deus. Pela Revelação, ele sabe que Deus lhe oferece sua vida, seu amor e Salvação. Pode confiar Nele sem medo ou dúvida.

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A liberdade é dimensão essencial do homem. Ele tem a possibilidade de tomar uma posição diante de Deus, pois ele é agente responsável, é parceiro de diálogo. A liberdade é pressuposto para a teologia, sem ela, o homem não poderia ser culpável, nem capaz de redenção e de santificação (RAHNER, 1970, p. 43).

A liberdade não é a condição normal e tranquila do homem. Ele não a exerce espontaneamente. Ela não é uma inclinação espontânea, mas uma vocação, e como tal, implica numa opção (COMBLIN, 1977, p. 26).

A Revelação em Cristo oferece ao homem a salvação. Somente em Deus, o homem pode ter completa realização de sua liberdade. Ela é essencialmente abertura para Deus em Cristo. Jesus disse que em sua liberdade, libertaria o homem (Jo 8,32). Nele, o homem adquire a plena possibilidade de realização da liberdade. Dessa forma, o homem pode obter uma progressiva capacidade de participação na vida de Deus. Seu fundamento e consistência está na inclinação irresistível e natural para Deus.

A liberdade permite à pessoa obter sua dignidade e realização absoluta diante de Deus. Qualquer tentativa de suprimi-la, provoca grave distorção que impede a pessoa de viver este pressuposto essencial de seu ser. É um atentado e uma agressão à sua natureza (RAHNER, 1970, p.47).

A lei moral, em sua essência, pressupõe a garantia da liberdade, pois leva a pessoa a uma realização autêntica. A lei torna-se libertadora da liberdade. Em sua raiz última ela se fundamenta no Espírito: “Onde se acha o Espírito do Senhor aí está a liberdade” (2Cor 3,17) (RAHNER, 1970, p. 50).

A liberdade não acontece dentro do processo meramente objetivo. Envolve a auto realização. Significa exercer o poder sobre si mesmo. Exige uma opção fundamental (RAHNER, 1970, p. 43). O ato da liberdade é abrangente e marca a existência inteira. É a capacidade para o eterno. O homem dispõe do seu ser em estado definitivo. E a liberdade é subjetiva. Entretanto ela passa pela reflexão. Ele se autocompreende.

A Revelação cristã pressupõe que o homem exerça sua liberdade, e dê a adesão através do ato de fé. Ao abrir-se à Revelação, ele encontra a verdadeira liberdade (Gl 5,1). Ela deriva de Deus e é dirigida a Ele. Na transcendência do ser, realidade experimentada pelo espírito humano, a liberdade revela e realiza sua natureza (FRANSEN, 1978, p. 177).

O homem pode opor-se a Deus. Na visão cristã a liberdade é a instância decisória responsável pela salvação ou condenação. Ele é pessoa, e enquanto tal, é capaz de dispor de si mesmo. Sua decisão comporta a responsabilidade por si mesmo (RAHNER, 1970, p. 50).

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O Concílio Vaticano II, na Constituição dogmática Lumen Gentium, afirma que “o homem se encontra incapaz, por si mesmo, de debelar eficazmente os ataques do mal” (CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM, 1964, apud VATICANO II, 1986, n. 240). O próprio Deus veio-lhe ao encontro para salvá-lo “do príncipe deste mundo” (Jo 12,31).

Deus jamais abandona sua amada criatura. Seu amor é livre, gratuito, incondicional, ilimitado, infinito e eterno. A imagem usada pelo evangelista Lucas, ao ser referir à misericórdia do Pai (Lc 16, 11-32), mostra que o desejo de Deus, é que todos os seus filhos participem do banquete eterno.

Este capítulo inicial, ao discorrer sobre as relações entre natureza, liberdade e graça, buscou mostrar que é perfeitamente possível ao homem, se deixar ser atingido pela realidade da graça, e sob seu impulso realizar o ato de fé. A graça não lhe é estranha, ou “aplicada” de fora, mas implica na livre aceitação e tomada de consciência da sua presença em seu íntimo. O homem pode enriquecer-se com a vida divina, e tornar-se autenticamente ele mesmo. A graça vem em seu auxílio para que a liberdade desabroche inteiramente. A Dei Verbum 5 diz que Deus convida o homem através da “obediência da fé”, a participar da comunhão amorosa e feliz com Ele. O homem, ao responder pelo ato de fé, a Deus que lhe chama, realiza uma inclinação que já está presente em sua natureza. A graça responde de maneira plena e eficaz ao desejo íntimo e profundo da natureza em consumar-se na vida divina.

O homem que é fiel aos anseios e valores de sua natureza, e que age retamente diante da ordem racional dos fins humanos, conquista a liberdade. No entanto, devido à desagregação ocasionada pelo pecado, somente com a ajuda da graça, ele poderá encontrar plenamente a si mesmo, e obter a Salvação. Por isso, no segundo capítulo, é desenvolvido a reflexão bíblica e histórica sobre a graça como Autodoação Divina para salvar o homem. Apresenta a compreensão histórica sobre a resposta do homem à autocomunicação de Deus. A Dei Verbum 5 diz que Deus convida o homem através da “obediência da fé”, a participar da comunhão amorosa e feliz com Ele. O homem, ao responder pelo ato de fé, a Deus que lhe chama, realiza uma inclinação que já está presente em sua natureza. A graça responde de maneira plena e eficaz ao desejo íntimo e profundo da natureza em consumar-se na vida divina.

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3 GRAÇA – AUTOCOMUNICAÇÃO LIVRE E AMOROSA DE DEUS PARA SALVAR O HOMEM: UMA VISÃO BÍBLICA E HISTÓRICA

O texto da Dei Verbum 5 diz que para o homem dar o voluntário assentimento à Revelação, através das faculdades da inteligência e vontade, precisa do auxílio da graça. Ela suscita e sustenta a resposta do homem a Deus que lhe revela. Este capítulo pretende apresentar primeiramente como Deus se aproximou do seu povo para lhe comunicar a Si Mesmo, oferecendo-lhe livre e amorosamente a Salvação. O Antigo Testamento usa termos equivalentes à “graça”, como “hen”, “hesed”, e “hahamim”, que apontam a ação compassiva e salvífica de Deus pelo seu povo eleito. Estabelece uma Aliança amorosa com ele, e se mantém fidelíssimo, apesar das constantes traições do povo. Em seu amor infinito, envia seu próprio Filho, para selar a nova e definitiva aliança, fonte de graça e Salvação universal.

Na reflexão histórica sobre a graça, no período anterior a Agostinho, a categoria chave é a divinização do homem. Deus desceu ao homem, e assumiu a condição humana, para torná-lo divino. Agostinho instaura nova visão sobre a graça, com alguns acréscimos, predominará no ocidente cristão. A doutrina de Lutero tem como base a total corrupção da natureza humana, preconizará unicamente a fé como condição para a justificação, afirmando que Deus salva o homem através da aplicação da justiça de Cristo. O Concílio de Trento reage e ensina que o livre-arbítrio não foi totalmente perdido com o pecado original, e que as obras são necessárias para a obtenção da Salvação, embora a graça tenha a primazia. Os séculos seguintes a Trento são agitados por polêmicas no campo da teologia da graça. No século XX surgem novas reflexões sobre a graça, a partir de novos enfoques.

A abordagem bíblica e histórica que será desenvolvida neste capítulo mostra que a compreensão sobre a relação entre graça e liberdade é algo profundo e complexo. Elas são realidade distintas, e que se integram harmonicamente, sem perder a especificidade e autonomia. A resposta do homem a Deus que vem ao seu encontro, e lhe oferece a Salvação, se processa a partir de sua inteligência e vontade.

3.1 A GRAÇA: DEUS OFERECE SEU AMOR AO HOMEM

A expressão “graça” refere-se à condescendência e benevolência de Deus em relação ao homem (OTT, 1968, p. 342). Revela o amor e a bondade que Ele lhe concede. A Sagrada Escritura menciona alguns textos em que se explicitam o sentido da graça, como na afirmação

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