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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA CARLOS ROBERTO NEGOSEK

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Academic year: 2022

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

CARLOS ROBERTO NEGOSEK

O MERCADO LIBERAL CAPITALISTA NO MAGISTÉRIO SOCIAL PONTIFÍCIO DARERUM NOVARUMÀCARITAS IN VERITATE

CURITIBA 201

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O MERCADO LIBERAL CAPITALISTA NO MAGISTÉRIO SOCIAL PONTIFÍCIO DARERUM NOVARUMÀCARITAS IN VERITATE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Agenor Brighenti

CURITIBA 201

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Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR

Biblioteca Central

Negosek, Carlos Roberto

N384m O mercado liberal capitalista no magistério social pontifício da Rerum 2015 Novarum à Caritas in Veritate / Carlos Roberto Negosek ; orientador, Agenor

Brighenti. – 2015.

123 f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2015

Bibliografia: f. 117-123

1. Teologia. 2. Sociologia cristã. 3. Bens comuns. 4. Capitalismo.

5. Integração social. I. Brighenti, Agenor. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Teologia. III. Título.

CDD 20. ed. – 230

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RESUMO

Esta pesquisa propôs-se a abordar O mercado liberal capitalista no magistério social pontifício: da Rerum novarum à Caritas in Veritate, caracterizando-se como um trabalho de análise de fontes bibliográficas, quais sejam, num primeiro momento, as dez encíclicas sociais do magistério social pontifício e, num segundo, publicações que analisam o tema. A pergunta que pautou a pesquisa foi: em que medida o posicionamento do magistério social pontifício, durante o último século, contribuiu para a humanização do mercado, dado que a pessoa humana, especialmente os mais pobres, é o centro da Doutrina Social da Igreja? Os resultados da pesquisa são apresentados em três seções. Na primeira, que corresponde a um “ver analiticamente”, verifica-se como o magistério social pontifício entende o mercado liberal capitalista, como o caracteriza, que elementos de análise são contemplados ou silenciados. O mercado é abordado a partir de cinco aspectos: mercado no sistema liberal capitalista e na globalização atual, mercado e sistema financeiro, tecnologia e tecnocracia, agricultura e indústria, mercado e armamentos. Na segunda seção, que se refere a um “julgar teologicamente”, identificam-se os critérios de juízo, à luz dos quais o magistério social pontifício projeta um mercado no horizonte dos valores evangélicos. Também aqui se optou por levantar critérios de juízo a partir de cinco aspectos principais: a concorrência na economia de mercado, o trabalho e a igualdade social, a distribuição da riqueza do trabalho, o consumo e a ecologia. Na terceira seção, concernente a um “agir pastoralmente”, reúnem-se as diretrizes de ação que a Doutrina Social da Igreja recomenda para uma economia de mercado segundo os valores cristãos, visando a uma sociedade mais justa e solidária. Aqui, apresentam-se diretrizes de ação relacionadas com o funcionamento do mercado propriamente dito, seus atores e suas responsabilidades frente a exigências como justiça social, bem comum, dignidade da pessoa, papel regulador do Estado e participação da sociedade civil.

Palavras-chave: Doutrina Social da Igreja. Capitalismo. Mercado. Bem comum. Inclusão social. Sociedade Solidária.

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ABSTRACT

This research aimed to address the capitalist free market in papal social teaching, Rerum Novarum of Caritas in Veritate, characterizing as a job analysis literature sources - at first, the ten social encyclicals of the Papal social teaching and a second, the authors of publications on the topic. The question that guided the research was: to what extent the positioning of the papal magisterium, during the last century, contributed to the humanization of the market, since the human person, especially the poor, is the center of the Social Doctrine of the Church? The search results are presented in three sections. The first, which corresponds to a

"see analytically", it appears as the Papal social teaching understands the liberal capitalist market, as the features that elements of analysis are covered or silenced. The market is seen from five aspects: market liberal capitalist system and the current, market and financial system, technology and technocracy, agriculture and industry, market globalization and weapons. In the second section, which refers to a "judge theologically", identifies the criteria of judgment, in light of which the papal magisterium projects a market in Gospel values. Here also choose to raise the criteria of judgment from five main aspects: competition in the market economy, labor and social equality, wealth distribution of work, consumption, and ecology. In the third, concerning a 'acting pastorally "rising action guidelines that the Social Doctrine of the Church recommends for a set with Christian values, seeking a more just and caring society market economy. Here, we present guidelines for action relating to the operation of the market itself, the actors and their responsibilities in the face of demands, as well common social justice, human dignity, regulatory role of the state and civil society participation.

Keywords: Social Doctrine of the Church. Capitalism. Market. The common good. Social Inclusion.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CA Centesimus Annus

CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

COB8 Oitava Conferência das Partes na Convenção sobre Diversidade Biológica CV Caritas in Veritate

FMI Fundo Monetário Internacional

GS Gaudium et spes

LE Laborem Exercens

MM Mater et Magistra

MOP3 Terceira Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (Meeting of Parties)

OA Octagesima Adveniens

ONGs Organizações Não Governamentais ONU Organização das Nações Unidas PP Populorum Progressio

PT Pacem in Terris

QA Quadragesimo Anno.

RN Rerum Novarum

RH Redemptor hominis

SRS Solicitudo Reis Socialis

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 MERCADO, CAPITALISMO E GLOBALIZAÇÃO ... 12

2.1 O MERCADO NO SISTEMA CAPITALISTA ... 12

2.2 POSICIONAMENTOS DO MAGISTÉRIO PONTIFÍCIO ... 13

2.2.1 Elementos de análise ... 15

2.3 O MERCADO NO SISTEMA CAPITALISTA GLOBALIZADO ... 21

2.3.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 22

2.3.2 Elementos de análise ... 24

2.4 O CAPITALISMO COMANDADO PELO SISTEMA FINANCEIRO ... 28

2.4.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 29

2.4.2 Elementos de análise ... 30

2.5 A TECNOLOGIA COMO TECNOCRACIA ... 35

2.5.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 36

2.5.2 Elementos de análise ... 39

2.6 A AGRICULTURA E A INDÚSTRIA NA ECONOMIA DE MERCADO ... 41

2.6.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 41

2.6.2 Elementos de análise ... 43

2.7 MERCADO E ARMAMENTOS ... 45

2.7.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 46

2.7.2 Elementos de análise ... 48

3 VIRTUDES E ANOMALIAS DA ECONOMIA DE MERCADO ... 51

3.1 A CONCORRÊNCIA NA ECONOMIA DE MERCADO ... 51

3.1.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 51

3.1.2 Elementos de análise ... 56

3.2 AS DESIGUALDADES SOCIAIS E A CHAGA DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO ... 59

3.2.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 59

3.2.2 Elementos de análise ... 63

3.3 QUANDO A RIQUEZA PRODUZ POBREZA E EXCLUSÃO ... 68

3.3.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 68

3.3.2 Elementos de análise ... 70

3.4 CAPITALISMO, MERCADO E CONSUMISMO ... 72

(9)

3.4.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 72

3.4.2 Elementos de análise ... 75

3.5 O GRITO DA TERRA DIANTE DE UMA ECONOMIA DE RAPINAGEM ... 77

3.5.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 77

3.5.2 Elementos de análise ... 80

4 POR UMA ECONOMIA DE MERCADO FUNDADA NA JUSTIÇA E NO BEM COMUM ... 86

4.1 MERCADO, DIGNIDADE HUMANA E JUSTIÇA SOCIAL ... 86

4.1.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 86

4.1.2 Elementos de análise ... 88

4.2 ECONOMIA DE MERCADO E BEM COMUM ... 90

4.2.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 91

4.2.2 Elementos de análise ... 93

4.3 O DESAFIO DE UMA HUMANIZAÇÃO DO MERCADO ... 94

4.3.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 95

4.3.2 Elementos de análise ... 96

4.4 O PAPEL DO ESTADO NUMA ECONOMIA DE MERCADO ... 98

4.4.1 POSICIONAMENTOS DO MAGISTÉRIO PONTIFÍCIO ... 98

4.4.2 Elementos de análise ... 100

4.5 MERCADO, DESENVOLVIMENTO E SOCIEDADE CIVIL ... 102

4.5.1 Posicionamentos do magistério pontifício ... 102

4.5.2 Elementos de análise ... 107

5 CONCLUSÃO ... 110

REFERÊNCIAS ... 116

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ... 118

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1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa propõe-se a abordar O mercado liberal capitalista no magistério social pontifício: da Rerum novarum à Caritas in veritate. Desde a primeira encíclica social, publicada por Leão XIII, em 1891, a Igreja tem tomado posição frente a uma questão vital para uma sociedade justa e solidária, ou seja, as relações comerciais entre pessoas e povos, em nível nacional e internacional. Nas dez encíclicas sociais publicadas até o momento, o mercado tem sido um tema recorrente; por meio delas, o magistério pontifício tem feito análises da situação no decorrer do século, indicado princípios que podem constituir um marco regulatório de um comércio justo e oferecido diretrizes de ação para os cristãos e demais pessoas de boa vontade contribuírem com uma sociedade justa e solidária.

Nesse contexto, pergunta-se: em que medida o posicionamento do magistério pontifício, durante o último século, contribuiu para a humanização do mercado, dado que a pessoa humana, especialmente os mais pobres, é o centro da Doutrina Social da Igreja? Os resultados da pesquisa estão, aqui, apresentados em três momentos, de acordo com os procedimentos metodológicos que pautaram o trabalho.

Num primeiro momento, que corresponde a um ver analiticamente a questão em pauta, procura-se constatar como o magistério social pontifício vê o mercado liberal capitalista, qual é a sua compreensão, como o caracteriza, que elementos de sua realidade aparecem ou que aspectos não foram contemplados. Para isso, optou-se por averiguar cinco aspectos: o mercado no sistema liberal capitalista e no seio da globalização atual; mercado e sistema financeiro; tecnologia e tecnocracia; agricultura e indústria; mercado e armamento.

Num segundo momento, correspondente a um julgar teologicamente a questão sobredita, busca-se identificar os critérios de juízo, à luz dos quais o magistério pontifício projeta o mercado, dentro dos parâmetros de valores evangélicos, como justiça social, equidade, bem comum e promoção da vida. Esses critérios originam-se da mensagem revelada nas Escrituras, dos Santos Padres, da tradição teológica e de documentos do magistério, como o Vaticano II, por exemplo. Também aqui, optou-se por levantar critérios de juízo, a partir de cinco aspectos, capazes de projetar o ideal de mercado frente à situação atual. Trata-se da concorrência na economia de mercado, da chaga da exploração do trabalho e das desigualdades sociais, de quando a riqueza produz pobreza e exclusão, do consumismo e do grito da terra diante de uma economia de rapinagem.

Num terceiro momento, ou seja, o agir pastoralmente em relação à questão levantada, levantam-se as diretrizes de ação que a Doutrina Social da Igreja propõe para uma economia

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de mercado compatível com os valores cristãos, com vistas a uma sociedade justa e solidária.

Buscou-se identificar indicações quanto ao seu funcionamento propriamente dito, aos atores e suas responsabilidades frente a exigências como justiça social, bem comum, centralidade da pessoa, papel regulador do Estado e participação da sociedade civil.

Como se pode observar, a pesquisa está caracterizada como um trabalho de análise de fontes bibliográficas – num primeiro momento, das dez encíclicas sociais do magistério pontifício publicadas até então e, num segundo, de publicações de autores sobre a questão.

Para guardar maior proximidade com as ideias dos autores, optou-se por registrar um grande número de citações da bibliografia analisada, o que certamente enriquece o trabalho, pois permite remeter o leitor diretamente ao original.

Para finalizar esta introdução, cabe uma breve justificativa da escolha da questão em análise. Poder-se-ia perguntar o que tem a ver fé cristã com economia, Evangelho com capitalismo ou Doutrina Social da Igreja com mercado. Além de ser uma questão central na mensagem revelada, tornou-se também hoje uma questão cultural relevante, pois se passou de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado, na qual não são apenas as relações econômicas que estão submetidas à lógica mercantil do custo-benefício, mas também as relações interpessoais ou sociais. Uma contracultura mercantilista está sendo imposta ao mundo todo por meio do atual modelo de globalização, destruindo outras formas de viver e ver o mundo que não se adaptam à lógica capitalista, centrada no objetivo absoluto da maximização do lucro, mesmo que à custa de vidas humanas e da destruição do meio ambiente.

Quando uma obra ou instituição humana é tornada absoluta e, assim, passa a exigir sacrifícios de vidas humanas, está-se diante de uma situação que a Bíblia chama idolatria. A pergunta central da Bíblia não é se Deus existe ou não, mas onde Ele está. Em outras palavras, é o discernimento sobre os deuses falsos (ídolos), que são adorados pelo povo, e a busca do Deus verdadeiro, que, em vez de pedir sacrifícios (como ídolos), deseja misericórdia (Mt 9,13). Assim, a tradição bíblica ensina que não basta ser religioso, professar a fé em Deus ou ter valores absolutos guiando sua vida, pois esses deuses ou valores absolutos podem ser simples obras humanas tornadas absolutas, isto é, ídolos.

Nos tempos antigos, a idolatria era expressa quase somente por meio da religião, porque ela era central na vida dessas comunidades. Hoje, entretanto, a religião deixou de ser o centro da vida social, que passou a ser ocupado, no capitalismo, pela economia. Tudo ou quase tudo gira em torno da economia e se justifica em termos econômicos. O valor da vida de uma pessoa é medido em termos de seu sucesso econômico, assim como, em muitas

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igrejas, o sucesso econômico também passou a ser critério para “medir” as bênçãos recebidas pelos fiéis e pela própria Igreja. A idolatria, por sua vez, manifesta-se tanto no interior do campo religioso quanto em outros da sociedade, especialmente na economia. Por isso, a tarefa bíblica de discerni-la e criticá-la para anunciar o Deus da vida continua atual e urgente.

A teologia tem papel fundamental nessa missão, uma vez que, sem uma crítica séria dos fundamentos da cultura e da economia em que se vive e também das formas de viver a fé cristã, não se consegue cumprir, de modo satisfatório, a missão profética de denunciar as idolatrias, que semeiam injustiças e sofrimentos, e anunciar o Reino de Deus. Também, ela tem como objetivo ser uma reflexão crítica sobre a prática da fé cristã e as injustiças do mundo. Os teólogos da libertação têm afirmado que o primeiro momento da teologia é a experiência espiritual que nasce da indignação ética frente aos sofrimentos das pessoas empobrecidas, humilhadas, oprimidas ou dominadas; é a experiência de ver no rosto do oprimido o apelo de Deus chamando a transformar uma situação de opressão em outra de liberdade. A teologia vem como momento segundo, momento de reflexão sobre práticas de fé e lutas pela humanização da vida e do mundo. Assim, a reflexão teológica deve ser uma crítica da sociedade e da Igreja enquanto convocadas e interpeladas pela palavra de Deus;

teoria crítica, à luz da palavra aceita na fé, animada por intenção prática, portanto indissoluvelmente unida à práxis histórica.

Diante de uma sociedade mercantilizada, que prescinde dos que não produzem e consomem, é preciso fortalecer o cristianismo de libertação, um cristianismo que assume o papel profético em um mundo de tantas injustiças e sofrimentos humanos. Nesse esforço, as teologias comprometidas com essas práticas proféticas da fé têm um papel a cumprir. O mais importante não é a competição entre as diversas correntes teológicas, mas um diálogo sério e crítico entre as comunidades de teólogos que se identificam com as mais diferentes correntes teológicas, em torno do desafio de discernir entre os ídolos da morte, opressão e exigências sacrificiais, bem como o resgate da força do Espírito que sopra sobre aqueles que lutam por um mundo mais justo e humano, um mundo que seja um sinal antecipatório do Reino de Deus.

A opção pelos pobres, assumida pelas comunidades e refletida teologicamente pela teologia da libertação, introduziu no cotidiano das comunidades eclesiais a preocupação pelas questões sociais e políticas. No momento socioeconômico atual, é compreensível que as comunidades, agentes de pastoral e pessoas que trabalham diretamente com teologia interessem-se mais pela economia, não apenas por mera curiosidade, mas também motivados por problemas pastorais e até por problemas de fé pessoal. Entretanto, não se podem

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compreender essas preocupações sem levar em conta a Doutrina Social da Igreja, como também toda a reflexão realizada pelas teologias da libertação sobre a relação entre a fé cristã e a luta em defesa da vida dos pobres. Por trás de tudo isso, está a noção de Deus da vida, tão arduamente trabalhada e definida por teólogos da libertação. Nesse sentido, era de se esperar que uma reflexão teológica sobre a economia fosse considerada não só normal, mas urgentemente necessária – apesar de para muitos ainda parecer não ser.

Discorrer sobre economia e teologia deve ser fruto de uma prática pastoral em defesa da vida dos pobres, visto ser um desdobramento da fé em um Deus que quer vida em abundância para todos e vida entendida em seu sentido mais concreto: a vida que precisa ser preservada, mediante o consumo de bens materiais, que satisfaçam as necessidades básicas – bens estes produzidos no campo econômico. Assim, este estudo pretende ser uma reflexão sobre o papel que a Doutrina Social da Igreja exerce na sociedade atual, consequência da relação que a teologia tem com outras ciências do social, numa sociedade moderna idolátrica, que se apresenta cada vez mais secularizada. Espera-se que ele desperte o desejo de conhecer, ainda mais profundamente, a riqueza do patrimônio histórico da já secular Doutrina Social da Igreja.

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2 MERCADO, CAPITALISMO E GLOBALIZAÇÃO

O mercado é anterior ao capitalismo e faz parte das relações de troca ou compra e venda entre pessoas, povos e regiões, desde os primórdios da humanidade. Com o advento da civilização industrial, passou por uma profunda mudança, pois foi monopolizado pelo sistema liberal capitalista, que colocou no centro das relações econômicas o acúmulo de capital ou lucro. Mais recentemente, houve um acirramento dessa lógica com a globalização da economia, centrada no sistema financeiro.

O magistério social da Igreja, sobretudo, desde a publicação da primeira encíclica social – Rerum novarum (1891) –, tem tomado posição em prol de um mercado fundado na justiça e na equidade. Assim, nesta seção, explicita-se esse posicionamento, particularmente por parte do magistério pontifício, nas dez encíclicas sociais publicadas até o momento.

Num primeiro momento, em grandes linhas, apresenta-se como a Doutrina Social da Igreja vê a situação do mercado, no seio do sistema liberal capitalista globalizado, privilegiando aspectos como mercado e capitalismo, mercado e globalização, capitalismo e sistema financeiro, a tecnologia como tecnocracia, a agricultura e a indústria na economia de mercado e, finalmente, mercado e armamento. Num segundo momento, após a apresentação da visão do magistério pontifício a respeito de cada ponto em pauta, tecem-se algumas considerações a respeito, com base em bibliografias seletas, de autores especialistas na área.

O objetivo da análise é mostrar o alcance e os limites do magistério da Igreja frente a uma questão tão complexa e dinâmica, que afeta diretamente toda a humanidade, especialmente os mais pobres.

2.1 O MERCADO NO SISTEMA CAPITALISTA

O atual sistema econômico reinante em nível planetário pode ser caracterizado como liberal capitalista, sendo o encontro de um sistema econômico – o capitalismo – com uma ideologia – o liberalismo. A palavra capitalismo provém de capital, que se entende por uma estrutura fundamental da vida econômica, como a propriedade e o trabalho. O homem que possui propriedade demonstra sua dominação sobre a natureza, ficando evidente, pelo trabalho, a mediação com a propriedade; finalmente, o capital trata de uma segunda mediação, como instrumento de trabalho (CALVEZ, 1995, p. 139).

O termo capitalismo foi criado por socialistas como Fourier, Saint Simon e Proudhon e largamente conceitualizado por Marx e Engels, no final do século XIX, para caracterizar o

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sistema político-econômico emergente da sociedade industrial nascente. Já o termo liberalismo vem especialmente dos britânicos John Locke e Adam Smith.

O sistema nasceu desprovido de qualquer marco regulatório, seja jurídico, seja ético, apresentando-se como um capitalismo selvagem, em que os meios de produção e distribuição são de propriedade privada e com fins lucrativos. O governo não interfere nas decisões sobre oferta, demanda, preço, distribuição e investimentos e os lucros decorrentes da atividade empresarial ficam com os proprietários, donos das empresas, que compram a força de trabalho, compensando com salários os trabalhadores. A propriedade privada é um direito quase absoluto, pois está facultado ao proprietário o modo como ela é usada, seja para vender ou alugar, bem como o direito à renda gerada por ela.

Evidentemente, situação tão desumana e prejudicial, sobretudo, para os trabalhadores, iria gerar reações das mais diversas. Nos meios não católicos, surgem as propostas dos socialistas, do sindicalismo e do marxismo; nos meios católicos, uma resposta assistencialista e acrítica. O Catolicismo Social, movimento de grandes proporções surgido, sobretudo, na França, Bélgica, Alemanha e Itália, exige que o magistério da Igreja tome posição a respeito dessa situação, que estava levando à perda da classe operária. O clamor foi ouvido por Leão XIII, que surpreendeu os meios mais tradicionais com a encíclica Rerum novarum (1891).

Desde então, o magistério pontifício, bem como as conferências episcopais continentais e nacionais, não tem deixado de se posicionar, com análises da realidade, critérios de juízo sobre a situação e diretrizes de ação para os cristãos agirem no seio da sociedade autônoma, em prol de uma sociedade justa e solidária para todos.

2.2 POSICIONAMENTOS DO MAGISTÉRIO PONTIFÍCIO

A encíclica Centesimus annus1 (CA), promulgada muito próximo da queda do coletivismo marxista, menciona que o surgimento do sistema capitalista de mercado provocou grandes mudanças na sociedade. Deram-se avanços, mas também o aumento da pobreza e, como consequência, prevaleceu o “domínio das coisas sobre os homens” (CA 33). Os pobres, além das carências de bens materiais, agora também carecem de conhecimento e da ciência, o que lhes “impede de sair do estado de humilhante subordinação” (CA 33).

1A encíclica Centesimus annus foi promulgada em 1º de maio de 1991, pelo papa João Paulo II. Tinha como objetivos iniciais celebrar o centenário da Rerum novarum e fazer um balanço dos cem anos da Doutrina Social da Igreja, mas os acontecimentos no Leste Europeu mudaram um pouco esse projeto. Seu texto final conjuga dois objetivos: analisar a fecundidade da Doutrina Social da Igreja em seu desenrolar histórico e examinar a fundo a queda do regime coletivista e suas causas.

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Mostra que tal sistema ainda não pôde prover o suficiente para satisfazer as necessidades fundamentais da família, assegurando a prevalência absoluta do capital, dos meios de produção e da terra sobre o trabalho do homem. Contudo, o coletivismo marxista não é uma alternativa ao capitalismo.

Nesta luta contra tal sistema, não se veja, como modelo alternativo, o sistema socialista, que, de fato, não passa de um capitalismo de estado, mas uma sociedade do trabalho livre, da empresa e da participação. Esta não se contrapõe ao livre mercado, mas requer que ele seja oportunamente controlado pelas forças sociais e estatais, de modo a garantir a satisfação das exigências fundamentais de toda a sociedade (CA 35).

Frisa, ainda, ser inaceitável que com a derrocada do socialismo fique o capitalismo como único modelo de organização econômica, “pois é necessário quebrar barreiras e monopólios que deixam tantos povos à margem do progresso, e garantir, a todos os indivíduos e Nações, as condições basilares que lhes permitam participar no desenvolvimento” (CA 35).

Na Centesimus annus, reconhece-se também a justa função do lucro em uma empresa, pois é ele um indicador de que tal empresa está sendo bem conduzida e de que há nela sinal de bom funcionamento. Quando existe lucro, significa que os fatores produtivos foram usados de maneira correta e as correspondentes necessidades humanas foram também devidamente atendidas. Contudo, o lucro somente não basta para identificar uma boa empresa, pois “pode acontecer que a contabilidade esteja em ordem e simultaneamente os homens, que constituem o patrimônio mais precioso da empresa, sejam humilhados e ofendidos na sua dignidade” (CA 35).

A encíclica, do ponto de vista do desenvolvimento integral e solidário, oferece uma apreciação moral sobre a economia de mercado, mostrando duas formas de julgar o sistema: a primeira expõe seu aspecto positivo, que é voltado para o ser humano; a segunda é negativa, por colocar o ser humano a serviço do sistema.

Se por capitalismo se indica um sistema econômico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no setor da economia, a resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de economia de empresa, ou de economia de mercado, ou simplesmente de economia livre. Mas se por capitalismo se entende um sistema onde a liberdade no setor da economia não está enquadrada num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e religioso, então a resposta é sem dúvida negativa (CA 42).

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2.2.1 Elementos de análise

Ao tratar da temática de mercado, faz-se necessário trazer algumas considerações acerca da economia. Esta se encontra estritamente relacionada com a política, uma vez que as duas esferas reclamam-se mutuamente – a cada acontecimento no mundo econômico, surtem efeitos no mundo político. Obviamente, há exceções nesse contexto, pois não há como sustentar um Estado Liberal, a não ser sobre uma base política de reformas sociais radicais.

Na tradição burguesa ou liberal, ela é vista mais como uma simples interdependência, ao passo que na tradição marxista a economia é vista antes como a última instância. Mas sejam quais forem as razões desta diferença – que tampouco é nitidamente válida – a vinculação estreita entre as duas raramente é negada (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989, p. 85).

A economia política é vista sob dois aspectos, os quais muitas vezes podem conduzir a equívocos na interpretação dessa temática: (a) interdependência entre a economia e a política ou interdependência das ordens, descartada por alguns autores (ASSMANN, HINKELAMMERT, 1989, p. 87), uma vez que o foco não se reduz apenas à interdependência; e (b) identificação da análise da economia política com a economia política marxista ou, ainda, socialista. Tal separação torna-se importante para compreender a economia atual e seus problemas, provenientes de uma economia política, que possui um contexto histórico mais repleto que o da socialista.

Nesse aspecto, enxergam-se duas polaridades: por um lado, a economia política, com o pensamento socialista; por outro, a teoria econômica neoclássica, a partir do ponto de vista da determinação ótima dos recursos, ou seja, a teoria de que o salário baseia-se na subsistência de que o operário necessita, independentemente da escassez relativa do mercado.

Esta é a perspectiva de Adam Smith, Malthus e Ricardo. Para Malthus, há a necessidade de reprodução da população, pois, para que haja produção contínua, a maquinaria gasta deve ser substituída. Com isso, o fator político é deixado de lado, dando espaço ao fator de reprodução da força de trabalho e do aparelho produtivo. Já para Marx, a problemática da reprodução dos fatores de produção concentra-se em um fator: o ser humano. Ele visualiza o aparelho produtivo acrescido à natureza, como consequência da reprodução material da vida humana, transformando a sociedade burguesa em sociedade socialista. É o que se conhece por socialismo científico.

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Em todos os seus representantes – de Smith a Marx – está praticamente ausente e apenas marginalmente mencionado um problema econômico que será a bandeira da escola neoclássica: a alocação ótima dos recursos econômicos. Com isso desaparece todo o enfoque anterior da produção, que na escola neoclássica é mantido apenas ocultamente como reprodução do capital amortizado – sem maior discussão da problemática anterior (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989, p. 89).

Atualmente, busca-se apagar a economia política do pensamento econômico, pois este é visto como o campo de decisões sobre meios escassos em função de fins dados, por conta dos consumidores ou da política, ou seja, estes despendem suas rendas em forma de demanda, uma vez que elas acabam sendo compreendidas pelo mercado como metas; dessa forma, a produção acaba por ser vista como lucro, caso sejam satisfeitas as demandas daqueles consumidores.

A teoria neoclássica, portanto, considera um plano de fins, que é extra econômico e que é expresso pela demanda derivada da renda dos consumidores, em função dos quais são dirigidos os esforços produtivos. Trata-se de uma conceitualização do econômico na qual não teria nenhum sentido a afirmação de algo como uma última instância econômica, tão importante na economia política (ASSMANN;

HINKELAMMERT, 1989, p. 85).

A economia neoclássica transformou o pensamento burguês e suas universalidades, tendo sido agregada pela corrente principal da sociologia e expressa de forma genérica na doutrina de Max Weber, diante dos juízos de valor. Assim, foram confrontadas a economia política e a teoria da destinação dos recursos em sua forma neoclássica, sendo o pensamento burguês dominante, ainda que intrinsicamente ligado à economia política marxista.

Com essa problemática, logrou-se êxito em resolver a alocação ótima dos recursos, o que concedeu à economia uma nova perspectiva. Assim como à época de Marx, que rompeu os pensamentos outrora considerados pela economia política vigente, passou-se a uma visão socialista, reconhecida pelos neoclássicos – Oscar Lange (nos anos 1930), Horyat e Venek –, voltando a aparecer apenas posteriormente os elementos da economia política que vigorava, com novas teorias – Keynes (insiste na necessária reprodução da força do trabalho, buscando elementos políticos para tanto) e Schumpeter (com menor impacto, mas com as mesmas ideias). Contudo, apesar do retorno desses elementos desta economia política, vê-se que, para o funcionamento do aspecto de reprodução, nem todas as decisões e aspirações subjetivamente aceitáveis são objetivamente possíveis, tendo em vista que a reprodução impõe um padrão objetivo: destinação ótima dos recursos, de suma importância, necessários e imprescindíveis. Por isso, visualiza-se uma diferença entre a economia política e o

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pensamento neoclássico: aquela se preocupa com a teoria neoclássica e este, apenas com a destinação ótima dos recursos.

No mundo burguês atual as falhas da reprodução dos fatores de produção se fazem notar de uma maneira nova e inauditamente urgente. Apenas em parte surgiram nos próprios países do centro. Com muito mais força impulsiva se fizeram notar nos países dependentes, ameaçando a própria estabilidade do centro obrigando a um enfoque diferente por parte dos organismos políticos que definem a política imperial dos centros em relação aos países dependentes (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989, p. 92).

Com esse entendimento, observa-se que esses problemas consistem na extrema miséria, na expulsão dos produtores potenciais do sistema de divisão mundial do trabalho, na explosão demográfica, na progressiva destruição do meio ambiente e no desperdício desenfreado de obras notáveis, problemas provenientes dos fracassos da ideia de reprodução dos fatores de produção. A incapacidade de compreensão da teoria neoclássica pode gerar crises que podem conduzir à destruição humana; por isso, voltou a preocupação a enfoques teóricos acerca da reprodução dos fatores de produção, entendendo-se reprodução como reprodução da vida humana, emprego, meio ambiente etc. Entretanto, apenas a partir da Segunda Guerra Mundial houve uma progressiva revitalização da economia política.

A chamada nova economia política, inicialmente, foi baseada nas ideias de Marx; não poderia ter surgido pelo pensamento burguês, para que não entrasse em novo colapso. Assim, acabou surgindo nos departamentos de estudo e planejamento dos próprios organismos políticos que faziam a política do império. Verifica-se que, a partir do fundamentalismo cristão dos Estados Unidos da América, foi formulada uma nova teologia do império, ou seja, passou-se a ver a economia como um todo, de forma mundial, e o sistema de mercado de forma distinta ao que se tinha em outras décadas. Com isso, acabou surgindo o neoliberalismo antiestatal, consequência da visão do sistema mundial.

Recorda-se que, no passado, a chamada ideologia imperial baseava-se em um capitalismo intervencionista, que sustentava uma política reformista no Estado. Essa marca fica muito evidente nos anos 1970, com o surgimento de um ceticismo profundo em relação ao intervencionismo capitalista, assemelhando-se ao reformismo do Estado, subvertendo o próprio caráter opulento da sociedade, pois esse reformismo demonstra que poderia destruir a sociedade abastada.

Um antecedente importante para esta interpretação é a experiência chilena dos anos sessenta. O governo democrata-cristão de Eduardo Frei inicia no Chile um processo de reformas sociais intenso e sério. Expressa-se especialmente na reforma agrária e

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no fomento da organização popular pela Promoção Popular nos bairros marginais e no campo. (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989, p. 101).

Antes do século XVI, o império cristão encontrava sua lógica na expansão pela crucifixão de crucificadores, as chamadas cruzadas. Após esse século, a lógica foi substituída pela da sociedade burguesa. Nessa época, a burguesia interpretava a lei de Deus no sentido do

“porei minhas leis em seus corações e em suas mentes a gravarei, e de seus pecados e iniquidades não me recordarei”, de uma forma mais conhecida como lei do mercado, que, a partir de John Locke, é tratada como lei de Deus, nesse sentido, e como lei natural (HINKELAMMERT, 1999, p. 29).

Com o passar do tempo, ultrapassando a Idade Média, Lúcifer/Satanás aparece como o caos e a lei natural não é mais a lei de mercado, visto que ela salva desse caos. Outrossim, Lúcifer é dos nomes mais primitivos de Jesus.

A lei natural, como lei do mercado, mantém em xeque o caos. Em todo lugar em que se vê ameaçada, vê-se a ameaça deste caos, e com isso, a ameaça do despotismo. O caos leva ao despotismo, que não passa de um caos organizado. Não obstante, despotismo é qualquer resistência contra as leis de mercado ou qualquer tentativa de intervir nelas (HINKELAMMERT, 1999, p. 30).

Isso significa que a nova lei de Deus, ou lei natural, substitui a lei religiosa do império cristão medieval e, por isso, todos aqueles resistentes a esta são considerados inimigos da humanidade ou, ainda, inimigos da espécie humana, como diz John Locke, assim como na Idade Média, quando aqueles que desprezavam o “sangue de Cristo” eram inimigos. Dessa feita, vê-se que são exatamente esses sujeitos que querem submeter a população a viver sob a égide das leis de mercado, isto é, aqueles que querem o despotismo, tornando essa população escrava e tirando-lhe a liberdade. Nesse sentido, afirma John Locke, citado por Hinkelammert, que há três legítimos poderes: o poder patriarcal na família (pai e mãe, em benefício dos filhos, durante a menoridade destes, para poder gerir e administrar suas propriedades); o poder político no Estado (os governantes em benefício de seus súditos, para garantir-lhes segurança na posse e desfrute de suas propriedades); e o poder despótico diante de todos que não têm propriedade, especialmente os escravos (o sequestro ou a perda de liberdade, por outorga de terceiro, em benefício próprio, sobre aqueles que não possuem propriedade).

Parece que, para John Locke e Adam Smith, quase todos os países do mundo são despóticos, exceto a Inglaterra, não havendo dúvidas, para Smith, que esse poder é exercido pela burguesia. Em virtude disso, Hinkelammert cita que o despotismo é tudo que não se

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submete às leis do mercado, sendo um poder absoluto e sem leis, necessário para pôr em xeque outro despotismo, ou seja, seria muito mais simples a execução de lei favorável aos escravos do que a elaboração de outras leis, visto que tal ação à época era praticamente impossível, devido aos próprios membros das Assembleias serem amos que praticavam violência contra os escravos.

Consequentemente, se a sociedade burguesa efetua uma crítica de violações dos direitos humanos, ela o faz sempre contra estes pretensos despotismos, comprovando que suas próprias violações dos direitos humanos são necessárias como consequência de sua luta contra as violações de per si cometidas pelos outros.

Desde essa perspectiva, as violações burguesas dos direitos humanos perdem toda importância, e a sociedade burguesa chega a ser uma sociedade sem nenhuma consciência moral perante às próprias violações desses direitos (HINKELAMMERT, 1999,p. 35).

Verifica-se que todas essas violações a direitos e violências cometidas são sacrifícios do mundo ocidental para chegar a um futuro, em nome de uma lei natural do mercado, fonte do despotismo dos sacrifícios humanos e das violações dos direitos humanos. Da mesma forma, atualmente pode-se considerar um sacrifício quando um banco cobra dívidas externas de um país de Terceiro Mundo ou em desenvolvimento, levando-o a sacrificar a si mesmo ou outros, provocando genocídios para cumprir o dever ou por razões morais de determinado Estado a título de manter sua soberania.

O mundo ocidental cometeu inúmeros sacrifícios humanos em prol de uma lei de mercado; na realidade, eles eram cometidos com a finalidade de destruir o despotismo, para lograr a liberdade. Assim, quanto mais o mercado viola os direitos humanos, mais tende a se expandir e a demonstrar que apenas se expandirá por meio da violência, acusando outros países que não seguem essa linha frenética de mercado, de violações a direitos (HINKELAMMERT, 1999, p. 39-40).

Por isso os países socialistas devem aparecer como despóticos, para que as próprias violações dos direitos humanos apareçam como passos necessários para impedir tais despotismos e, portanto, como sacrifícios sobre o altar da humanização. A condição continua sendo a tese de que a expansão de mercado é necessariamente a expansão, para poder sustentar todo esse processo como promessa utópica (HINKELAMMERT, 1999, p. 41).

Com essas passagens históricas, observa-se que o mercado traduz-se em certa anarquia, com foco em confusões e consequentes crises, sendo a interpretação cristã no sentido de um problema de ordenação, pois a doutrina da Igreja atribui ao Estado um papel indispensável, mas subsidiário. A encíclica Quadragesimo anno contém a formulação clara

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desse princípio, conhecido como subsidiariedade: “A mudança de condições sociais faz com que só as grandes sociedades possam hoje levar a efeito o que antes podiam até mesmo as pequenas” (QA 79).

O Papa afirma, com certa solenidade, o princípio que anteriormente mencionado:

Permanece, contudo, imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e indústria, para confiar à coletividade, do mesmo modo, passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e uma perturbação da boa ordem social.

O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-los nem absorvê-los (QA 79).

Denota-se que há necessidade de uma sociedade orgânica, de instituições intermediárias, a fim de evitar a todo custo uma situação na qual indivíduos e Estado afrontem-se sem mediações, ou seja, o individualismo não pode ser considerado maior do que a coletividade, visto que é preciso haver a organização da economia. Por esse motivo, o princípio da subsidiariedade é exatamente o contrário de um princípio individualista, havendo necessidade de uma concepção orgânica sobre a sociedade, uma vez que a função subsidiária do Estado é, ao mesmo tempo, necessária e abrangente, assim como Pio XI mostra no texto da Quadragésimo anno, 80. Além disso, João Paulo II cita que seria preciso libertar-se do domínio econômico avassalador, devendo-se distingui-lo para evitar a massificação, contando com uma autoridade para controlar o mercado (BIGO; ÁVILA, 1981, p. 248).

João XXIII, na encíclica Mater et Magistra, designa, pela primeira vez, essa organização social como um processo de socialização, definindo-se como: crescente intervenção dos poderes públicos “mas também como resultado da tendência natural, quase incontrolável, dos homens em comum” (MM 69) (BIGO; ÁVILA, 1981, p. 248).

Leão XIII, na Rerum Novarum, falando nas associações de trabalhadores para a defesa de seus direitos, já recomendava a mesma doutrina, como acima mencionados (RN 35). Esta concepção orgânica da sociedade responde a uma dupla preocupação: pela unidade e pela pluralidade, isto é, nem o homem isolado nem o homem massificado (BIGO; ÁVILA, 1981, p. 248).

Observa-se que ambos tratam da necessidade de buscar os interesses de toda a coletividade e não apenas do indivíduo, visto que o mundo econômico é uma criação da iniciativa pessoal dos cidadãos, mas visa a buscar interesses comuns.

João XXIII, na encíclica Mater et Magistra, enumera as vantagens de um processo de socialização, sem ignorar as ameaças que o podem cometer, a propõe na mesma dupla dimensão: “Como tese inicial, devemos afirmar que o mundo econômico é

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criação da iniciativa pessoal dos cidadãos, quer desenvolvam a sua atividade individualmente quer façam parte de alguma associação destinada a promover interesses comuns. Mas nele, pelas razões já mencionadas pelos Nossos Predecessores, devem intervir também os poderes públicos com o fim de promoverem devidamente o acréscimo de produção para o progresso social e em benefício de todos os cidadãos” (MM 48-49) (BIGO; ÁVILA, 1981, p. 249).

Assim, conclui-se que a problemática do mercado resulta de uma articulação da legítima iniciativa dos indivíduos e dos grupos com um planejamento racional, sendo indispensável a coordenação por parte dos poderes públicos para que não haja um livre jogo de oferta e procura, desde que as empresas gozem de autonomia, para que possa haver um equilíbrio entre a iniciativa privada e a intervenção pública, com vistas à eficiência econômica e à justa distribuição da renda, para funcionamento normal das instituições democráticas.

2.3 O MERCADO NO SISTEMA CAPITALISTA GLOBALIZADO

Por globalização entende-se o processo de integração sociopolítica, econômica e cultural facilitado pela redução de custos nos transportes e nas comunicações que ocorreu em todo o mundo no final do segundo milênio. Pode-se dizer que é um fenômeno gerado pela necessidade do sistema capitalista de criar novos mercados para produtos dos países desenvolvidos (ricos), nos quais os mercados internos já não têm como consumir o excedente de produção.

Uma característica do processo de globalização é a forma como os países interagem e aproximam pessoas, ou seja, interligam o mundo, levando em consideração aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos. Isso faz com que seja possível, em tese, expandir ainda mais o sistema capitalista, possibilitando realizar transações financeiras e expandir negócios até então restritos ao mercado interno para outros geograficamente mais distantes e ainda carentes, sem necessidade de investir alto capital financeiro, pois a comunicação no mundo globalizado permite tal expansão. No entanto, isso conduz obrigatoriamente a um aumento acirrado da concorrência.

Uma vez que a globalização afeta todas as áreas da sociedade, variando o grau de intensidade, o que depende do nível de desenvolvimento e integração das nações ao redor do planeta, o novo horizonte dessa sociedade global não se dá apenas pelas conexões econômicas e financeiras entre membros de várias nações, que, na realidade, sempre existiram, mas principalmente pelo caráter invasivo das relações que estão se desenvolvendo. Nesse contexto, os mercados financeiros têm papel imprescindível, pois cresceram

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extraordinariamente e com velocidade tal que possibilitaram transferências de um ponto para outro do globo instantaneamente.

2.3.1 Posicionamentos do magistério pontifício

Sobre esse fenômeno, a Doutrina Social da Igreja reconhece que pode ser benéfico a muitas nações, principalmente aquelas tidas como em desenvolvimento, porém alerta para os riscos e perigos oriundos da globalização, pois há claros sinais que mostram uma tendência ao aumento das desigualdades, tanto entre países avançados e em desenvolvimento quanto no interior dos países industrializados. É a constatação de que a riqueza pode gerar insegurança e pobreza.

Na encíclica Caritas in veritate2 (CV), Bento XVI afirma que o mercado global estimulou os países ricos a buscar novas áreas para produção de bens e também criar novos centros de consumo. Isso levou os Estados a competir entre si, com a intenção de atrair tais investimentos, mesmo com o risco para o direito dos trabalhadores.

O mercado, à medida que se foi tornando global, estimulou antes de tudo, por parte de países ricos, a busca de áreas para onde deslocar as atividades produtivas a baixo custo a fim de reduzir os preços de muitos bens, aumentar o poder de compra e deste modo acelerar o índice de desenvolvimento centrado sobre um maior consumo pelo próprio mercado interno. Consequentemente, o mercado motivou novas formas de competição entre Estados procurando atrair centros produtivos de empresas estrangeiras através de variados instrumentos tais como impostos favoráveis e a desregulamentação do mundo do trabalho. Estes processos implicaram a redução das redes de segurança social em troca de maiores vantagens competitivas no mercado global, acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social (CV 25).

A Doutrina Social da Igreja entende que é preciso aproveitar as ocasiões e facilidades para uma redistribuição da riqueza entre todas as áreas do planeta, beneficiando aquelas mais desamparadas e que ficaram à margem do progresso econômico e social. Isso porque o progresso pode não ser dividido de maneira justa entre os países, alargando ainda mais as distâncias entre eles, tanto no âmbito econômico quanto no social. Ainda, infere que há um

2A encíclica Caritas in veritate foi promulgada pelo papa Bento XVI, em 29 de junho de 2009. Trata de vários temas socioeconômicos numa época em que o mundo, cada vez mais globalizado, foi devastado por uma profunda crise econômica e financeira. Essa encíclica não pretende oferecer soluções econômicas, mas orientações éticas, para que a economia funcione de modo a contribuir para o autêntico desenvolvimento de todos os homens e para a minimização dos desiquilíbrios mundiais.

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grande desafio ético resultado da globalização, que, por sua vez, gera frequentes crises financeiras.

O grande desafio que temos diante de nós é mostrar, a nível tanto de pensamento como de comportamentos, que não só não podem ser transcurados ou atenuados os princípios tradicionais da ética social, como a transparência, a honestidade e a responsabilidade, mas também que, nas relações comerciais, o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão da fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da atividade econômica normal. Isto é uma exigência do homem no tempo atual, mas também da própria razão econômica. Trata-se de uma exigência simultaneamente da caridade e da verdade (CV 36).

Não se trata apenas de dar o supérfluo, mas de ajudar povos em desenvolvimento. Isso é possível “alterando os estilos de vida, os modelos de produção e de consumo, as estruturas consolidadas de poder” (CV 58). Trata-se de orientar os instrumentos que deram certo no sentido de garantir o bem para toda a família humana. Para tanto, sugere-se a criação de organismos internacionais capazes de orientar o mercado.

É sentida uma necessidade cada vez maior de que a esta crescente internacionalização da economia correspondam válidos organismos internacionais de controle e orientação que encaminhem a economia para o bem comum, já que nenhum Estado por si só, ainda que fosse o mais poderoso da terra, seria capaz de o fazer. Para poder conseguir tal resultado é necessário que cresça o entendimento entre os grandes Países, e que nos organismos internacionais sejam equitativamente representados os interesses da grande família humana (CA 58).

Há que se estar atento também para a possibilidade de que um investimento seja entendido como uma ajuda aos países mais carentes, pois sempre existe a tentação para aumentar o poder de uma nação utilizando a fraqueza de outra. Isso ocorre pelo domínio tecnológico e pelo poder financeiro, capazes de influenciar ou até mesmo corromper governos de nações pobres.

A encíclica Mater et magistra3 (MM) compara o domínio financeiro e tecnológico global a uma nova espécie de colonialismo moderno, tão perigoso, explorador e dominador quanto o anterior, capaz de prejudicar o relacionamento entre os países, criando uma séria ameaça para a paz.

3A encíclica Mater et magistra foi promulgada pelo papa João XXIII, em 15 de maio de 1961. Comemora o 70º aniversário da Rerum novarum e acentua a continuidade das encíclicas anteriores, mas afirma que existem

“novos fenômenos sociais” sobre os quais devem se projetar os princípios da Doutrina Social da Igreja. Entre esses fenômenos, dois destacam-se: em primeiro lugar, a “socialização”, entendida como a crescente complexidade das estruturas sociais, um fenômeno característico da sociedade moderna; o segundo fenômeno é a crescente percepção das desigualdades em todos os níveis.

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Onde quer que isto se verifique, deve-se declarar explicitamente que estamos diante de nova forma de colonialismo, a qual, por mais habilmente que se disfarce, não deixará de ser menos dominadora do que a antiga, que muitos povos deixaram recentemente (MM 171).

2.3.2 Elementos de análise

Inicialmente, devem ser observados os conceitos de sistema e de modelo, sendo sistema uma determinada organização da sociedade, como expressão de uma antropologia, uma filosofia sociopolítica, uma cosmovisão, ou seja, todo sistema constitui-se por uma articulação de dois níveis: uma visão subjacente do homem e da sociedade e uma organização da própria sociedade, sendo o modelo visto como uma determinada organização dos diversos elementos de um conjunto, dos subsistemas de um sistema, em vista de um desempenho predefinido (BIGO; ÁVILA, 1981, p. 297).

Esses conceitos são necessários, pois o liberalismo e o socialismo são sistemas integrados por subsistemas, como, por exemplo, os sistemas político, social, econômico e cultural. Dessa feita, o conceito de sistema é visto com uma conotação inevitavelmente doutrinária e o de modelo é de natureza operacional, o que induz à conceituação do liberalismo e do socialismo como sistemas globais (BIGO; ÁVILA, 1981, p. 297).

Como todo sistema o liberalismo assenta-se sobre uma base doutrinal que compreende uma antropologia e uma filosofia sociopolítica. A antropologia implícita na concepção liberalista do homem é marcada pelo individualismo (BIGO;

ÁVILA, 1981, p. 297).

Apesar de tratar-se de um mercado capitalista globalizado, vale ressaltar que foi o individualismo a fonte da primeira Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e que somente conhecendo a concepção individualista do homem poder-se-ia entender a sociedade liberal e suas características fundamentais, considerando um regime embasado na concorrência. De fato, esse regime propiciou uma exploração dos fracos pelos fortes e uma insolente espoliação dos humildes e, ao mesmo tempo que concedia garantias e direitos, impunha deveres além dos suportados a uma população sem muitas perspectivas.

O livre arbítrio é um meio para realizar a liberdade, e um meio ambíguo. Bem empregado liberta, mal empregado escraviza. O homem que abusa do álcool ou do sexo, usa mal do seu livre arbítrio e perde sua liberdade, porque cai na tirania de um vício. Por isso, o pensamento liberal crê desempenhar sua obrigação para com a sociedade, quando proclama uma liberdade puramente teórica jurídica. Não se sente obrigado a colaborar concretamente para dar a todos os homens as possibilidades reais de ser homens, isto é de ser livres (BIGO; ÁVILA, 1981, p. 299).

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Assim, vislumbra-se a primeira globalização na América Latina (mercantilista), com a conquista pelos europeus no século XVI. A religião cristã chega ao continente como uma mescla de mercado e salvação, sendo o modelo de cristandade permeado de fé e claros interesses econômicos, sociais e políticos (BRIGHENTI, 2006, p. 8). Na sequência, houve uma segunda globalização (financeira), com a emancipação da razão prática, que se tratava de movimentos de acirramento de valores da modernidade, reduzindo-se a racionalidade à razão técnico-instrumental.

A primeira globalização passou por vários planos, tendo surgido os rompimentos interno (Reforma Protestante) e externo (Revolução Francesa) entre a civilização moderna e a cristandade medieval. Esse cenário alterou-se, ainda, no plano cultural, com o Humanismo e a Renascença, o Iluminismo e o Idealismo, promovendo a emancipação da razão (aparecimento de ciências arreligiosas). No plano sociopolítico e econômico, com a Revolução Industrial, houve o nascimento de Estados nacionais e o surgimento do sistema liberal capitalista, que substituiu a nobreza por uma burguesia, fazendo acúmulo de capital e do consumo como medida de todas as coisas. Nessa fase, surgiu o Existencialismo cristão e o Personalismo tentou trazer para o campo da racionalidade a questão do sentido e da ética (BRIGHENTI, 2006, p. 15).

A segunda globalização tornou-se mais evidente em virtude das crises do capitalismo e da queda do muro de Berlim, ou seja, de um sistema absoluto e solitário, comandado pelo sistema financeiro. Essa passagem do colonialismo para um neocolonialismo disfarçado de progresso foi proveniente dos ideais de progresso, ficando evidente que os antigos colonizadores agora tinham o monopólio da tecnologia; com esse “progresso”, acabou-se por reduzir o homem em diferentes grupos – ricos e pobres –, aumentando a cada dia as diferenças sociais, de modo que, para grande parte dessas pessoas, não restou nada a não ser mendigar ou, então, o crime organizado e a contravenção (BRIGHENTI, 2006, p. 18).

Durante esse período, observou-se uma crise da modernidade, caracterizada pela queda de três muros: (i) a queda do muro das fronteiras nacionais, tratado dessa forma em virtude de ter ocorrido com o descobrimento das culturas e povos diferentes e, ainda, com a consciência planetária e o rompimento de regionalismos e nacionalismos; (ii) a queda do muro de Berlim, caracterizando o fim das utopias, concebidas como uma visão indeterminada de futuro; e (iii) a queda do muro das Torres Gêmeas, consideradas um símbolo do capitalismo, com cuja queda verificou-se que o sistema econômico imposto ao mundo atual não é absoluto (BRIGHENTI, 2006, p. 21-22).

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Segundo Brighenti (2006, p. 22-23), com a queda desses três muros, vislumbraram-se algumas características que marcaram esse período:

a) a passagem a uma sociedade do conhecimento: a era do acesso é marcada pela facilidade de acesso à informação e ao conhecimento, com a chamada tecnociência (laboratórios de conhecimento, em substituição às universidades), sendo os novos excluídos aqueles “não conectados”;

b) a passagem da sociedade à multidão: o conceito de povo é substituído por multidão, compreendida como conjunto de sujeitos autônomos, dispersos, em comunidades invisíveis, nas quais há falência do contrato social, por estar em xeque com o conceito de organização;

c) a passagem do estático à inovação constante: conduz a um mundo do provisório, do descartável e do efêmero, não sendo as riquezas divididas, mas investidas a cada dia em novas tecnologias;

d) a passagem a uma sociedade pós-social: num primeiro momento, houve a passagem do religioso ao político e o consequente aparecimento dos conceitos de Estado, soberania, nação, povo e partido político; então, ocorreu a passagem do político ao social, com o surgimento de classes, movimentos sociais, direitos sociais e sujeitos sociais; atualmente, ocorre uma passagem do social ao cultural, com um indivíduo hipernarcisista, hiperindividualista e hiperconsumista;

e) a passagem da secularização à exculturação do cristianismo: a primeira secularização, conhecida como imanentização, ocorre acerca dos valores cristãos, nos valores e estruturas da sociedade, como se fosse uma desconfessionalização do cristianismo; assim, há o que se chama exculturação do cristianismo, erradicando valores cristãos da cultura e das estruturas da sociedade, assim não se necessita mais do religioso, de imanentizar o transcendente;

f) a passagem da escassez à abundância: esta produz pobreza e supera a escassez, porém, ao mesmo tempo, a riqueza produz a pobreza, pois se alimenta da pobreza da maioria, visualizando-se rostos outrora escravizados e subjugados (carente, negro, indígena, mulher, criança, idoso, estrangeiro);

g) a passagem da estabilidade a uma sociedade do risco: com as rápidas transformações na sociedade, surgem o medo e a insegurança, visto que o sistema nutre-se de pessoas submissas ao medo da escassez, da violência e da doença:

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o medo, enquanto paralisa e acovarda, é hoje o principal fator de submissão a uma ordem injusta e excludente. Sem falar que igualmente é um dos produtos mais rentáveis (BRIGHENTI, 2006, p. 25).

Passando a ser desenvolvida como forma de mercado, em mundo globalizado, a religião acaba fortalecendo-se; apesar de uma racionalidade funcional, motivada pela produtividade e pelo lucro, há questões que permanecem sem resposta, ligadas à vida. Esse retorno não está ligado às Igrejas, mas à crise da modernidade, uma vez que a religiosidade passa a ser eclética e difusa e o saber secularizado torna-se extremamente importante para contribuir para um catolicismo cultural, em que a escolha da religião provém de escolhas pessoais.

A grande problemática contemporânea localiza-se em um mercado religioso, não compreendido pelo sentido de mundo, mas, sim, pela resolução de problemas, como angústias, bem-estar material e emoção religiosa, ou seja, a religião acaba respondendo às demandas do mercado e vende seu produto por meio de marketing, sendo uma difusa, invisível, implícita e diluída, o produto mais rentável do capitalismo atual (BRIGHENTI, 2006, p. 25).

Por um lado, a experiência religiosa entrou no circuito do mercado, transformando- se num bem de consumo rentável. Por outro, dada à exclusão crescente e cada vez mais intensa de amplos segmentos da população, a religião colou-se de tal modo às condições materiais (BRIGHENTI, 2006, p. 27).

A consequência no mundo dos excluídos é evidente, uma vez que, na América Latina e no Caribe, a modernidade só teve efeitos positivos para poucos, deixando os demais – sem acesso a tecnologias – excluídos, pois o luxo acaba sendo para poucos. Por algum tempo, no seio do catolicismo, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) apresentaram-se como um espaço de inclusão e participação, com propostas de renovação institucional, ligada à vida material, para que não houvesse mais exclusão (BRIGHENTI, 2006, p. 29). Ademais, para tentar enfrentar a problemática da exclusão, buscaram-se dois caminhos: um com base na experiência eclesial, com a participação de movimentos sociais, como as Organizações Não Governamentais (ONGs), e um mínimo de amparo semi-institucional; e outro com base no pentecostalismo, ou seja, o pentecostalismo evangélico e católico, este buscando a prosperidade material, saúde física e psíquica, afirmando-se cada vez mais como um movimento de radicalização da secularização, e aquele buscando a fé de conversão, para fora e para baixo das instituições (maiorias excluídas), havendo um pentecostalismo corporal e não espiritual, resgatando a autoestima, a dignidade, o senso moral e, além disso, uma vontade de

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lutar, com esperança, como uma nova porta de entrada da religião, sendo as circunstâncias por meio das quais os pobres buscam e são fiéis ao Evangelho de Jesus:

‘Boa-Nova para os que são ou mais propriamente foram feitos: “coxos, cegos, famintos, surdos, mudos, peregrinos, prisioneiros, enfermos, prostitutas.” enfim, legião de lázaros, mas que têm o poder de “salvar” o “rico epulão” porquanto só acolhemos Jesus Cristo à medida que socorremos os pobres (cf. Mt 25,25ss) (BRIGHENTI, 2006, p. 31).

Assim, ser cristão e contribuir com a Igreja para a realização do Reino de Deus são propósitos para os quais é necessário, inicialmente, fazer do ser humano o caminho da Igreja, de forma que o cristianismo possa conceder respostas fundamentais à existência humana, bem como fazer do pluralismo não apenas uma abertura, mas um pressuposto, no qual há um reencontro com as origens, assim como deve a Igreja local convergir para uma missão universal, acolhendo as diversidades.

2.4 O CAPITALISMO COMANDADO PELO SISTEMA FINANCEIRO

Os mercados financeiros não são uma novidade da nossa época; há muito tempo, eles têm de responder à exigência de financiar atividades produtivas. A história mostra que, na ausência de sistemas financeiros adequados, não teria havido crescimento econômico. Os investimentos em grande escala, próprios das economias de mercado, não teriam sido possíveis sem o papel fundamental de intermediação exercido pelos mercados financeiros, que permitiu, entre outras coisas, apreciar as funções positivas da poupança para o desenvolvimento integral do sistema econômico e social.

A criação do mercado global de capitais produziu efeitos benéficos, porque proporcionou maior mobilidade dos capitais, permitindo às atividades produtivas alcançar mais facilmente a disponibilidade de recursos. Contudo, essa mobilidade trouxe também maiores riscos de crises financeiras, pois o desenvolvimento da atividade financeira, cujas transações superam muito, em volume, as transações reais, corre o risco de seguir uma lógica voltada para si mesmo, sem conexão com a base real da economia.

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