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Valores morais e liberalismo no protestantismo batista da Bahia no século XIX

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Academic year: 2021

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V alores Morais e Liberalism o no Protestantism o Batista

da Bahia no Século X IX

M a rli G e ra ld a Teixeira

in tro d u ç ã o

A inserção do protestantism o batista b a ia n o na história g eral do protestantism o brasileiro.

Q u a n d o a Primeira Igreja Batista da Bahia fo i o rg a n iza d a , na ci­ d a d e do Salvador, em 15 de o u tu b ro de 1882, por dois casais de missio­ nários n o rte-am e ric an o s e um brasileiro, o protestantism o b rasile iro já contava com p e lo m enos 20 anos de ação e fe tiv a . B eneficiad os pela p re ­ sença de igrejas e va n g é lic a s toleradas pe lo re g im e m o n á rq u ic o , os ba ­ tistas não precisaram recorrer a um a política c o m p le x a , junto aos p o d e ­ res instituídos, no sentido de conseg u ire m permissão para o rg a n iz a r seu tra b a lh o missionário.

Precedidos por presbiterianos, con g re g a c io n a is e metodistas que, g r a d a tiv a m e n te , fo ra m conquista n do espaços para a re aliza çã o de sua p rega çã o na sociedade brasileira, os batistas a in d a fo ra m b e n e fic ia d o s por um espisódio particular. Por volta de 1875, v ia jo u pe lo Brasil um g e ­ neral n o rte -a m e ric a n o que buscava estabelecer relações com o g o v e rn o brasile iro no sentido de conseguir a uto riz a ç ã o para instalar um a c olô nia de im igrantes, co m pratriota s seus. V ia ja n d o p e lo país, o g e n e ra l Haw- thorn, que era batista, conseguiu im pressionar bem as a u to rid a d e s brasi­ leiras, a p onto de re ceber do Im p e ra d o r a au toriz a çã o para circular liv re ­ m ente e escolher o local para a fu tu ra co lô nia . H a w tho rn esteve na Ba­ hia e teria a fir m a d o q ue a ve lh a c id ad e do Salv ador m erecia ser e sc o lhi­ da c om o c a m p o de tr a b a lh o m issionário, a fim de salvar seus habitantes da " i d o l a t r i a " .

N u m a a p re c ia ç ã o mais a m p la , to d a v ia , os fatores que f a v o r e c e ­ ram a fix a ç ã o do protestantism o batista na Bahia não estão isolados da c o n jun tu ra p o lític o -id e o ló g ic a v iv id a p e lo Estado M o n á rq u ic o Brasileiro,

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na segunda m eta de do século XIX e qu e p e rm itiria a fix a ç ã o dos outros grupos evangélicos.

É sabido que a im ig ra ç ã o e u ro p é ia e a histórica d e p e n d ê n c ia ec o­ nôm ica do país fre n te ao c a p ita lis m o inglês, estão in tim a m e n te re la c io ­ nadas com a crescente ab e rtu ra para a p ene traçã o de grupos p rotestan­ tes no territó rio brasileiro. Todavia, a posição do p e nsa m en to e da ação dos liberais no cen á rio político do Im pério, na segunda m e tade do século passado, constituiu, senão o p rinc ipa l, p e lo menos um dos mais im p o r ­ tantes fatores fa v o rá v e is à q u e la expansão.

Dentro dos parâ m etros estabelecidos para a discussão neste Sim­ pósio, cabe-nos e x a ta m e n te e x a m in a r os cam in hos do lib e ra lis m o brasi­ leiro rela c io n a d o s com os do protestantism o a partir das seguintes ques­ tões:

1. o lib e ra lis m o no II Im pério, a crise do p a d ro a d o e a lib e rd a d e de consciência;

2. o protestantism o b ra sileiro e o p en s am e n to lib e ra l; 3. o conceito de lib e rd a d e entre os batistas.

O lib e r a lis m o , a c ris e do p a d ro a d o e a lib e r d a d e d e co n s c iê n c ia no II Im p é rio

Lim itado, c o n tra d itó rio e m u ltifa c e ta d o , assim p o d e ria ser c aracte­ riz ado o lib e ra lis m o no Brasil do século XIX.

O rig in á r io de um a situação histórica específica v iv id a pela Europa no fim do século XVIII, in c re m e n ta d o e re tocado ao longo do século XIX, o lib era lis m o, com o id e o lo g ia burguesa, seria c o n sum id o no Brasil d e n ­ tro de p a n o ra m a histórico qu e em nada se as sem elhava ao ce n á rio de o rige m . As contradições decorrente s desse fa to já fo ra m a m p la m e n te discutidas pela h isto rio g ra fia brasileira.

Tido co m o id e á rio da classe d o m in a n te responsável pela o r g a n i­ zação do Estado M o n á r q u ic o Brasileiro, o lib e ra lis m o c onviveu com a g ra n d e p ro p rie d a d e , com a escravidão, com as eleições censitárias, com o Estado U nitário, com o Senado v italíc io e muitas outras instituições in ­ c om p atíve is com seus fu n d a m e n to s teóricos. Os e le m e n to s responsáveis por essas contradições estão fu n d a m e n ta d o s nas próprias contradições existentes na socieda d e v ig e n te e na posição p e rifé ric a na qu al o país f o ­ ra colocado, em fu n ç ã o da ex p ans ã o do c a p ita lis m o in tern ac io n al.

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A o longo de sua história no Brasil, o lib e ra lis m o foi b a n d e ira da e m a n c ip a ç ã o , c a m u fla g e m do absolutism o do p rim e iro Im perador, dis­ curso dos radicais na Regência, justificação do Regresso e p onto de a p o io do II Im pério.

Tal e lasticidade é e x p lic a d a tanto pela longa d o m in a ç ã o da aris­ tocracia a grá ria nos quadros po lítico-institucio nais do país — e seu jogo de interesses pela m a n u te n ç ã o de seus p riv ilé g io s — q u a n to p e lo des­ pre p a ro político no qu al fo ra m mantidos, não por acaso, os segmentos d e s p riv ile g ia d o s da sociedad e nacion a l. Era o a m b ie n te m o rn o e anaste- siado do II Im pé rio (do ponto de vista da contestação política), qu e p e r­ m itia a a lte rn â n c ia no p o d e r entre conservadores e liberais e a sem e­ lhança a c e n tu a d a entre seus p rog ram a s e realizações.

Uma e la s tic id ad e qu e ta m b é m e x plic a as d ife re n te s feições assu­ midas pelas questões religiosas na v ida nacio na l. O Estado Liberal brasi­ leiro apresentava uma re lig iã o o fic ia l que se constituía co m o instrum e n­ to de o rie n ta çã o da vida c o letiv a na m e d id a em qu e seus agentes e x e c u ­ tav a m o registro dos principais a c o n tecim e n tos da v ida do cida dão . O Pa­ droad o, instituição portugue sa h e rda da pe lo Estado M o n á r q u ic o bra sile i­ ro, f u n c io n a v a com o g a ra n tia e justificação de um sistema social basea­ do na d e s ig u a ld a d e e nos privilégios.

Tam bém no c a m p o religio so, as contradições que c a racterizavam o lib e ra lis m o n a cio na l estão presentes. Em p rim e iro lugar, o p róp rio p a ­ droad o, lig a n d o a Igreja ao Estado, se a presenta va com o fo n te constante de incom preensões. No lim ite, p e rm itia ao Estado d e c id ir sobre questões de caráter e strita m ente eclesiásticas na igreja católica n a c io na l, mesmo q u a n d o e m a n a d a s da Santa Sé. Em segundo lugar, ao assumir a respon­ s a b ilid a d e pela m a n u te n ç ã o m a terial do clero e das igrejas, o Estado via- se e n v o lv id o em questões de ad m in is tra ç ã o eclesiástica que nem sempre eram fáceis de ser resolvidas. Em te rceiro lugar, o p ró p rio clero a pre se n­ tava dife re n te s posições fre n te ao p a d ro a d o , posições essas que f r e ­ q ü e n te m e n te e n tra v a m em choque. Ser reg alista, ultram ontano ou lib e ­

ral d e f in ia não a pen a s um a postura fre n te ao p a d ro a d o mas d e fin ia ,

ta m b é m , posições políticas específicas. A a c eitaç ã o regalista da supre­ macia do Estado sobre as questões religiosas, tal com o se a presentava, de m on stra va a co n co rd ân cia com o a p a r e lh o de Estado e seus in s tru m e n ­ tos de controle sobre a sociedade. Uma posição que se o p u n h a ao ultra- m o nta nism o , na m e d id a em que, para estes, a in te rfe rê n c ia do Estado na vida religiosa d e v e ria ceder lugar à a u to rid a d e p ap al, esta sim, p r e p a r a ­ da c o n v e n ie n te m e n te para o trato eclesiástico. Por outro lado, os liberais re p u d ia v a m q u a lq u e r dessas duas posições, responsáveis no seu e n te n ­

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der, pelo a c ú m u lo de conflitos e p e lo cerc e a m e n to da lib e rd a d e de cons­ ciência, um dos c o m p o n e n te s da id e o lo g ia lib e ra l-b urgu esa. " u m a Igre­ ja livre e um Estado liv r e ” a p are c e co m o b a n d e ira não só dos liberais mas ta m b é m de repub lican o s.

Um e x a m e mais d e tid o do p ro b le m a mostrará que as contradições do c a m p o re lig io s o não estavam isoladas do q u a d ro mais a m p lo das c o n­ tradições que e n v o lv ia m a so bre v ivê nc ia do Estado M o n á r q u ic o bra s ile i­ ro e seus fu n d a m e n to s agrário-escravistas, fre n te ao a van ço do c ap ita lis­ mo no m u n d o ocidenta l. As pressões dos liberais contra a p e rm a n ê n c ia do p a d ro a d o e seus d es d ob ra m e nto s estavam inseridas nas próprias pressões pela in te gração do Brasil no sistema capitalista, a in d a que em situação p e riféric a. Um a in te gra ç ão que e x ig ia a m o d e rn iz a çã o das insti­ tuições políticas, e conôm icas, sociais e culturais do país.

A luta dos liberais concentrava-se em torno da lib erd ad e . Liberda­ de de pe nsa m en to , de consciência, de crítica e de ação política. Q ua n d o e x ig ia m a secularização das instituições estavam, na v erdade, lu ta n d o pe la separação entre os cam pos civil e religioso, o qu e resultaria na lib e ­ ralizaçã o da vida civil. E e v id e n te que a a m p lia ç ã o da lib e rd a d e não in ­ teressava a todos.

Tomar posição fre n te à proposta libe ra l era mais um p ro b le m a p a ­ ra a Igreja. M e sm o o c lero u ltra m o n ta n o , ansioso pe la liga çã o mais estrei­ ta com a Santa Sé e p e la lim ita ç ã o da in g e rê n cia do Estado nos negócios religiosos via-se, p a ra d o x a lm e n te , te m e n d o a separação do Estado, na m e d id a em que p e rd e ria ta m b é m as g a ra ntias de p o d e r e prestígio d e ­ correntes da c obertura o fic ial.

Expressão concreta das re ivin dica çõ e s liberais a m açonaria reto­ m aria, no ce n á rio b ra sileiro da segun d a m eta d e do século passado, p a r­ te do e s p le n d o r v iv id o na época da in d e p e n d ê n c ia . Seriam as lojas m a ­ çónicas o local p r iv ile g ia d o para as discussões, os p rog ram as e a pressão contra a in flu ê n c ia eclesiástica nos negócios do Im p ério e na vid a c oti­ d ia n a da sociedad e brasileira. Seu a n ti-c le ric a lis m o co ntribu ía para in ­ c e n d ia r mais a in d a o pa io l ressecado da crítica às instituições m o n á r q u i­ cas. A Questão dos Bispos é o áp ice desse processo.

Esses e le m e n to s que c o m p õ e m o c e n á rio p o lític o -re lig io so n a c io ­ nal se constituem no p an o de f u n d o para a c om pre en s ã o da postura ético-social do protestantism o batista na mesma época.

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II — O p ro te s ta n tis m o b a tis ta e o p e n s a m e n to lib e r a l

As origens históricas do protestantism o batista b ra sileiro estão li­ gadas, in d is s o lu v e lm e n te , ao seu sim ila r n o rte -a m e ric a n o . Foi a e m ig r a ­ ção n o rte -a m e ric a n a para o Brasil após a Guerra de Secessão que iniciou a in tro du ção de protestantes batistas no Im pério. Embora esses grupos não tivessem com o o b je tiv o m a io r o tra b a lh o m issionário, a in d a assim, constituíram-se em pontos de a p o io para a posterior presença de tra b a ­ lho m issionário no Brasil. Instalados em São Paulo, na c o lô n ia de A m e r i ­ cana, esses p rim e iro s batistas m a n tiv e ra m seu culto d ir ig id o aos próprios com patriotas, num c o m p o rta m e n to típico do protestantism o de im ig r a ­ ção.

A c o n fig u ra ç ã o , n itid a m e n te n o rte -a m e ric a n a , do protestantism o batista b rasileiro seria refo rçad a, to dav ia , com a ação m issionária da Junta de Missões Estrangeiras da C on ve nçã o Batista do Sul dos Estados Unidos, situada em Richmond, na Virgín ia. Foi em 1880 qu e a q u e la Junta d e c id iu incluir o Brasil nos seus planos de expa nsã o m issionária, m a n te n ­ do contatos com os m em b ros da C o lôn ia A m e ric a n a de São Paulo e e n ­ v ia n d o dois casais de missionários: os casais W illia m Bagby e Z.C.Taylor.

A id e n tific a ç ã o desses fatos torna-se de fu n d a m e n ta l im p o rtâ n c ia para a c o m preen sã o dos lim ites do p en s am e n to liberal entre os batistas brasileiros. O rig in á rio s de uma re g iã o de fortes características elitistas e escravistas — o sul dos Estados Unidos — esses missionários re pre s en ta­ vam o que h avia de mais re a c io n á rio e tra d ic io n a l na m e n ta lid a d e de sua re g iã o de o rig e m . Essa posição era a g ra v a d a , a in d a , p e lo fa to de se­ rem aqu e le s batistas representantes de correntes fo rte m e n te fu n d a m e n - talistas e in flu e n c ia d o s p e lo pe ns a m e n to pietista.

A a m b ig ü id a d e presente no c o m p o rta m e n to social desses missio­ nários, fre n te à escravidão, e x e m p lific a os lim ites do seu lib eralism o . A ace itaçã o do sistema escravista id e n tific a v a -o s com os brasileiros, mas essa id e n tifica ç ã o não passava daí. Eram, na ve rd a d e , e x tre m a m e n te et- nocêntricos, c o n fo rm e atestam inú m eras expressões de s u p e rio rid a d e por eles assumidas fre n te às e s p ecificida de s da cultura brasileira. C hocavam -se com a ile g itim id a d e f a m ilia r tão c o m u m entre os s e g m e n ­ tos m enos p riv ile g ia d o s da s ociedade; r e p u d ia v a m os hábitos a lim e n t a ­ res e higiên ico s do país; escan da liza va m -se com as expressões da r e li­ g ios id ad e p o p u la r e do s incretismo religioso. A inte rp re taçã o re ligiosa do atraso e c o n ô m ic o e social do Brasil n a q u e le século XIX, levava-os a a tri­ b uir essas d ific u ld a d e s ao pecado, em lugar de c o m p re e n d e re m as sin­ g u la rid a d e s de um a fo rm a ç ã o social resultante de séculos de e x p lo ra ç ã o c o lo n ia l/m e r c a n til.

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As razões das contradições qu e e x p lic a m os lim ites do lib e ra lis m o batista d e v e m ser buscadas, de n tre outras, nas bases do seu pensa m e n to te ológ ic o e político. Essas contradições a p a re c e m , de fo rm a mais e v id e n ­ te, na análise de duas questões. A p rim e ira delas se refere ao fu n d a - m en talism o presente na m e n ta lid a d e re lig iosa dos batistas brasileiros, f u n d a m e n ta lis m o cujas raízes estavam p lantadas na r e a lid a d e batista n o rte -a m e ric a n a , mas que ta m b é m se a lim e n ta r ia g ra n d e m e n te da si­ tuação v iv id a pelos batistas brasileiros, a saber, seu caráter m in o ritá rio e sua p o p u la ç ã o d e s p riv ile g ia d a . A d e fin iç ã o fu n d a m e n ta lis ta revela-se, por isso, n um a fe iç ã o a-histórica e a-cu ltural de sua d o u trin a . A segunda questão relacio na -se com a defesa constante da separação entre Igreja e Estado e a conseqüente instalação da lib e rd a d e religiosa. Problema, ta m b é m o rig in á rio dos p rim ó rd io s da história dos batistas nos Estados Unidos, q ue seria a m p la m e n te discutido e d e f e n d id o pelos batistas brasi­ leiros, em razão da c o n ju n tu ra histórica do fim do Im p é rio e das p r im e i­ ras décadas da República.

Se a p rim e ira dessas questões re v ela a resistência batista fre n te ao p en s a m e n to lib eral, a segunda delas se insere no c o n ju n to das r e iv in ­ dicações dos liberais brasileiros do p eríodo em estudo. C om o c o m p r e e n ­ der essas contradições?

1. O caráter a-histórico e a-cultural do pensam ento batista.

A concepção de qu e a d o u trin a é um a e que se a p lic a ig u a lm e n te , em q u a lq u e r te m p o e em q u a lq u e r lugar, d e fin e a posição batista no ca m p o da in te rp re ta ç ã o da história e da cultura. Tudo se passa c om o se os valores fossem universais, a m oral fosse universal, as respostas aos es­ tím ulos sociais fossem redutíveis ao nível da fé e as soluções fossem ú n i­ cas para d ife re n te s situações.

É e v id e n te que tal postura decorre, ela mesma, de c o n d ic io n a ­ mentos da história e da cultura. O e x a m e da e v o lu ç ã o histórica dos batis­ tas na Europa e na A m é ric a do Norte a p artir do século XVII re v e la a luta para a a fir m a ç ã o de um g ru p o religio so de c o notaçã o fra n c a m e n te sec­ tária, num c a m p o re ligioso e x tre m a m e n te conturba d o. Nesse contexto, a rigid ez d o u trin á ria , a instalação de valores específicos, a d e fin iç ã o de uma ética social p a rtic u la r a p a re c e ria m co m o fa to r essencial de id e n tifi­ cação, coesão e sob rev iv ên c ia do g ru p o em questão.

Tal situação seria ra d ic a liz a d a , a in d a mais, pelos batistas do Sul dos Estados Unidos, a partir da in d e p e n d ê n c ia . A sociedade rural, elitista e escravocrata, que ali se estruturou, fo rn e c ia os e le m e n to s necessários à

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fo rm a ç ã o de um a m e n ta lid a d e conservadora, propícia ao a p r o fu n d a ­ m ento do caráter sectário dos batistas ali instalados. Levando-se em con ­ ta qu e a o bra m issionária batista no Brasil foi p r e d o m in a n te m e n te con ­ d u zid a por missionários vindos d a q u e la reg iã o, terem os os ele m e n to s necessários à c om pre en s ã o do caráter a n ti-lib e ra l dos batistas b ra s ile i­ ros.

Vistas as razões responsáveis pela d e fin iç ã o a-his tóric a e a- cultural do p e ns a m e n to batista, p o de m o s id en tific ar, e m b o ra não exaus­ tiva m e n te , os e le m e n to s indicado res desse caráter.

Em p rim e iro lugar, o biblicismo. A concepção de qu e o texto b íb li­ co se constitui com o " r e g r a de fé e o r d e m " para a vid a religiosa e secu­ lar do h o m e m , leva o batista a um a a titu d e de sim p lific a ç ã o das questões sociais, políticas e e c on ôm ica s qu e ocorrem na sociedade. Tudo se passa c om o se a Bíblia contivesse todas as soluções para todas as situações pos­ síveis da vida social. O d e s d o b ra m e n to dessa concepçã o leva-os a a f i r ­ mar, c a te g o ric a m e n te , que a Bíblia é a p ala v ra de Deus (ao c on trá rio dos qu e a d m ite m que a Bíblia contém a p ala v ra de Deus).

Daí de corre outra concepçã o ig u a lm e n te im p o rta n te para a c o m ­ preensão do assunto em pauta. Trata-se da intocabilidade do te x to bíb li­

co. U ma vez que e le é a p ala v ra de Deus, q u a lq u e r te ntativ a de revisão,

a v a lia ç ã o crítica, inserção no contexto histórico é vista co m o um a agres­ são inadm is sível, prova de im p ie d a d e e de pecado. No lim ite, essa c o n­ cepção resulta num curioso c o m p le x o de s u p e rio rid a d e fre n te a outros cristãos, visto que os batistas se c onsideram os únicos g u ard iõe s da sã d o u trin a , com o fo i um a vez e n tre g u e pela inspiração d iv in a aos hom ens escolhidos.

Em segu nd o lugar, a v a lo riz a ç ã o do passado. O passado é visto fo ra do m o m e n to histórico e dos c o n d ic io n a m e n to s da época. N u m a dis­ torção ana c rôn ic a , o passado é to m a d o com o e x e m p lo concreto, m o d e lo a ser s eguido, etapa on d e as d iretriz es m orais e religiosas fo ra m d e t e r m i­ nadas pela inspiração d iv in a . E e v id e n te q ue a v a lo riza ç ã o do passado a pa rec e de f o r m a d issim u lad a no bo jo do b iblic is m o , c o n q u a n to sua ação s u b lim in a r atue c o n s id e ra v e lm e n te no fo rta le c im e n to do caráter a- histórico do grupo. Uma vez que tudo se realiza no passado, qu e os f u n ­ d am e nto s da vida h u m a n a já fo ra m d e fin id o s no passado, só resta ao crente a ce itar o q ue está d e te rm in a d o , não q u e s tio n a n d o as distorções que se v e rific a m no p la n o das relaçoês sociais. Escudados num corpo de do utrinas pré-estabelecidas, resistem à sua interpretaçã o à luz das m o d i­ ficações qu e ocorrem na r e a lid a d e social.

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Em terceiro lugar, o individualism o te o ló g ic o . Trata-se da a f i r m a ­ ção de que os textos sagrados já contêm a v e r d a d e ira do u trin a , de fo rm a clara e indiscutível, não precisando de interpretações a lé m d a q u e la s re­ sultantes do exercício in d iv id u a l de cada crente. Nesse sentido, abre-se uma a p a re n te lib e rd a d e de inte rpretaçã o do texto bíblico, visto que, em tese, a re la ç ã o direta entre o in d iv íd u o e a d iv in d a d e exclui a necessida­ de de a p a r e lh a m e n to s teóricos sofisticados. Na r e a lid a d e , essa a p a re n te lib e rd a d e de inte rpre taç ã o esbarra no fa to concreto da a u to rid a d e da instituição religiosa, a q u a l, por d e fin iç ã o , precisa estabe le ce r os p a râ ­ metros, fo ra dos quais q u a lq u e r proposta de c o m p re e n s ã o torna-se in a ­ ceitável. A a fir m a ç ã o de qu e " c a d a crente é um t e ó l o g o " esconde a re­ lação de a u t o r id a d e / d e p e n d ê n c ia q ue e n v o lv e as igrejas e seus m e m ­ bros, de n tro da qu al não resta espaço para incursões heterodoxas.

Por ú ltim o , a teologia da conversão, segu nd o a qu al a p r o p a g a n ­ da da m e n sa g e m sagrada, com vistas à conversão dos pecadores, é o o b ­ je tivo ideal a ser a lc an ç ad o , supe ra nd o de longe outras questões com o o e v a n g e lh o social, o tra b a lh o e d u c a tiv o e a pa rtic ip a ç ã o política.

Vistas em co nju nto , essas questões e x p lic a m a postura rígida e c onservado ra dos batistas fre n te às relações entre o p e n s a m e n to r e lig io ­ so e a r e a lid a d e concreta. A o p r iv ile g ia r a im o b ilid a d e da d o u trin a fre n te ao processo histórico, n um a concep çã o a-histórica e a -c u ltura l, os batis­ tas estão, na v e rd a d e , distantes da pa rtic ip a ç ã o na corrente lib era l que se a m p lio u no Brasil, ao lo ng o do século XIX.

2. O conceito de lib erd ad e no pensam ento batista

C om o um dos c o m p o n e n te s do pen s a m e n to liberal, o co nce ito de lib e rd a d e assumiu conotações va ria das ao lo ng o da história do Brasil do século XIX. Na época da e la b o ra ç ã o da in d e p e n d ê n c ia , lib e ra lis m o era s in ô n im o de lib e rd a d e de co m é rc io e de a u to n o m ia política ; no p eríodo re g e n cia l, lib e ra lis m o era s in ô n im o de a n ti-lu s ita n is m o e anti- absolutism o; já na segun d a m e ta d e do século XIX o lib e ra lis m o assumiu um aspecto mais a m p lo da lib e rd a d e de consciência, de expressão, de t r a b a lh o e, fin a lm e n te , recusa no Estado M o n á rq u ic o .

Por trás das expressões concretas das ex ig ên cia s pela lib e rd a d e está a concepçã o de lib e rd a d e responsável, ideal caro ao Estado burguês e lib eral vitorioso na Europa no século XIX.

E interessante notar q u e a ex pa ns ã o batista no Brasil se b e n e fic io u g r a n d e m e n te da c o r r e n t e lib e ra l e m a ç ã o no Im p é rio e q ue, a lé m do mais, eles próprios se a p ro v e ita ra m de parte de re iv in dic a çõ e s liberais,

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em p ro ve ito próprio. Os m aiores obstáculos à inte gração dos batistas nas correntes do p en s a m e n to liberal de c orre m , ao nosso ver, de questões históricas concretas que vão a lé m do caráter a-histórico e a -cu ltural de sua do utrina . O caráter sectário que m arcou a gênese desse gru po r e li­ gioso se a p ro fu n d o u no Brasil, em fu n ç ã o do seu aspecto s o c io lo g ic a ­ m ente m in o ritá rio . Fator muitas vezes responsável p ela rig id e z imposta aos m em bros das igrejas, a consciência de m in o ria fu n c io n a v a com o b a ­ se para os sentim entos de coesão, id e n tific a ç ã o e p a d ro n iz a ç ã o que m arca ram a fo r m a ç ã o das igrejas batistas no Brasil.

Por outro lado, outro obstáculo à lib e ra liz a ç ã o do pe n sa m e n to b a ­ tista relaciona-se com a te oria o rg a n iz a c io n a l e a prática da instituição religiosa. A p a r e n te m e n te dem ocráticas, as igrejas batistas brasileiras constituem -se com o órgãos e x tre m a m e n te au to ritá rio s e exclusivistas, zelosos da pureza d o u trin á ria , v ig ila n te s q u a n to à ética social e e x e c u to ­ res de m ecanism os c o m p lex o s de controle social.

Essas questões e x p lic a m p o rqu e o espaço para o e xercício da li­ b e rd a d e é e x tre m a m e n te re d u z id o den tro das igrejas batistas, m uito e m ­ bora a lib e rd a d e in d iv id u a l a pareça, no c a m p o d o u trin á rio , com o a p ró ­ pria essência da consciência cristã. A c e ita r liv re m e n te o a p e lo da m ensa­ ge m e v a n g é lic a sig n ific a para a m e n ta lid a d e batista, o exercício p le n o do liv re a rbítrio c o n c e d id o e respeitado p ela p ró p ria d iv in d a d e . A lib e r­ d a d e de a ce ita r a m e nsag em e ingressar na igreja, através da profissão de fé e do batismo, d e f in e o lim ite concreto desse exercício: as portas de

en trad a da igreja. Uma vez registrado co m o m e m b ro , o in d iv íd u o não

tem outra a lte rn a tiv a senão a de p e rm a n e c e r nela, submisso aos seus p a ­ drões. A desistência do com prom isso, assum ido por ocasião do ingresso na igreja, im p lic a na sua exclusão da c o m u n id a d e , exclusão essa que g e ra lm e n te a p a re c e ca rre g a d a de s ignificado s pejorativos.

Se a concep çã o de lib e rd a d e assume tais s ign ificad o s na m e n ta li­ d a d e batista, as mesmas contradições a p a re c e rã o m esm o q u a n d o d e f e n ­ d e re m princípios c o m po ne n te s do p en sam e n to liberal, a e x e m p lo da se­ paração entre a Igreja e o Estado e a lib e rd a d e de cultos.

No p rim e iro caso, a satisfação com que as igrejas viram a p ro c la ­ m ação da R epública e as p ro v id ê n c ia s tom adas para se o rg a n iz a re m ju ri­ d ic a m e n te , após a Constituição de 1891 dem onstra q ue o p a d ro a d o lim i­ tava e in c o m o d a v a sua ação m issionária. Estendendo a análise até os anos 20 deste século, q u a n d o a re a p ro x im a ç ã o entre a Igreja e o Estado colocou em cena o cardeal D. Sebastião Leme, e a política católica se orie n to u no sentido de reaver seus antigos p riv ilé g io s , vem os que a re a ­ ção protestante, em ge ra l, e a batista, em p articular, re ve la a gran de

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p re o c u p a çã o com a po ssib ilid a d e da re e d iç ã o dos laços entre a institui­ ção religiosa e a civil. As severas críticas contra a ereção da im a g e m do Cristo Redentor, no Rio de Ja ne iro , e a e le iç ã o de Nossa Senhora A p a r e ­ cida com o p a d ro e ira do Brasil re pre s en ta v am , não só a c o m p e tiç ã o no cam po relig ioso mas ta m b é m a luta pe la separação entre os cam pos tem p ora l e e spiritua l, c o nd iç ão essencial para a m a n u te n ç ã o da lib e r d a ­ de de cultos.

A lib e rd a d e de cultos, com o c o m p o n e n te das re iv ind ic a ç õe s lib e ­ rais no século a n te rio r, foi ao e nco ntro dos interesses missionários batis­ tas, fa z e n d o -o s aliados, nesse sentido, dos próprios liberais. Todavia, a c o ntra diç ã o se e s tabelecia no m o m e n to em que o exclusivism o e o secta­ rismo p ro m o v ia m o a ta q u e ab e rto dos batistas contra outros cultos, trans­ fo r m a n d o o c a m p o re ligios o nu m a a re n a na qu al os batistas g e ra lm e n te se sentiam prejudicad os. Em resumo, a lib e rd a d e de cultos se servia aos interesses batistas transform ava-se, ta m b é m , e m suas mãos, e m instru­ mentos de a ta q u e e crítica.

As pressões do protestantism o batista b ra s ile iro pe la m a n u te n ç ã o da separação entre a Igreja e o Estado se a p r o fu n d a r ia m d u ra n te a d é c a ­ da de 30 deste século, s obretudo no p eríodo dos tra b a lh o s da C onstituin­ te de 1933. A questão se inseria na discussão que se d es e n v o lv ia , a nível político, q u a n to à a tu a ç ã o do p a rtid o c atólico n a cio na l e a inserção da invocação d iv in a no p re â m b u lo do texto constitucional em preparo. Em­ bora o estudo desse m o v im e n to escape aos lim ites deste tra b a lh o , seu registro constitui um in d ic a tiv o da m a n u te n ç ã o de contradiçõe s entre a postura política das igrejas e sua prática c o m u n itá ria .

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Referências

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