RevBrasCiêncEsporte.2015;37(3):299---300
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Revista
Brasileira
de
CIÊNCIAS
DO
ESPORTE
RESENHA
História
dos
megaeventos
esportivos
no
Brasil
夽History
of
mega-sporting
events
in
Brazil
Historia
de
los
megaeventos
deportivos
en
Brasil
Oanúnciodarealizac¸ãodemegaeventosesportivosno Bra-sildeflagrouumaagendadeac¸õesdedicada aosesportes, incluindo aíimpulsospara investigac¸ão denovos aspectos desse fenômeno. Pesquisas sobre políticas públicas foram apenas os mais obviamente relacionados a esse cenário. Paraalémdesseassunto,umasériedeoutrostópicostem recebidooupode receberem breve incentivosnomesmo sentido.Seriaocaso,porexemplo,dahistóriados megae-ventosesportivos,umapossibilidadepoucoexploradaainda. Nesse cenário, o livro organizado por João Manuel C. MalaiaSantos e Victor Andradede Melo é oportuno. Reu-niãodeváriaspesquisashistóricas,dediferentesautores,o livro1922:comemorac¸õesesportivasdocentenário(Santos eMelo,2012)aborda,deváriosângulos,asatividades espor-tivasrealizadasduranteascomemorac¸õesdocentenárioda IndependênciadoBrasil,sediadanoRiodeJaneiro.Embora aexpressãonãoexistisseainda,pode-sedizer,assimmesmo, salvaguardando-se, claro, as devidas proporc¸ões, que as comemorac¸õesdo centenárioforamumautêntico megae-vento.
Para os padrões da época, tratou-se de um esforc¸o organizacional extraordinário. Por ocasião da realizac¸ão do evento, conforme ficamos sabendo por meio do livro, houve investimento considerável na infraestrutura do Rio deJaneiro,queeraavaliadapormuitos comoinadequada parainiciativadetamanhamagnitude.Hotéiserestaurantes foraminaugurados,outrostantosforamreformados; repre-sentantesdeváriospaísessefizerampresenteseedificac¸ões especialmentedestinadasaoeventoforamconstruídas.Não
夽 O presente trabalho não contou com apoio financeiro de
nenhumanaturezaparasuarealizac¸ão.Nãohouveconflitode
inte-resseparaarealizac¸ãodopresenteestudo.
poracaso,partedaopiniãopúblicadaépocadedicougrande atenc¸ãoaoevento.
No que toca às atividades propriamente esportivas, as comemorac¸ões do centenário representaram uma das primeirasocasiõesemqueoEstadoseenvolveutão sistema-ticamentecomasuaorganizac¸ão.Partedasopiniõessobreo eventocriticara-o,justamente,pelacentralidadeque tive-ramaspráticasdeesporte,bemcomopeloenvolvimentodo poderpúblicocomtaisquestões.LimaBarreto,jábastante avesso aos esportes, foi um dos que criticaram o evento poressemotivo.Naspalavrasdoescritor,‘‘acomemorac¸ão docentenário,bemdizer,temsidototalmenteesportiva’’, conformerelataMelo,emseucapítulodedicadoàstouradas (p.83).
Adiversidadedepontosdevistacontidosnolivroéum dosseusméritos.Osdiferentescapítulos,emboratratando deummesmoacontecimento,discutemassuntosbastante variados,taiscomoasrelac¸õesentreoeventoea conjun-turapolítica da época;o uso doevento como catalisador deinteresses dapolítica externa brasileira; osconflitos e as divergências entre diferentes setores ao redor da sua realizac¸ão; bem como os distintos modos departicipac¸ão ecompreensãodosseussentidosgerais,entreoutros.Dessa maneira,abordagensdahistóriaeconômica,social,cultural e política secruzam e secombinam demaneira bastante criativa.
O livro também apresenta um amplo e diversificado espectro de métodos e fontes. Alguns deles são bas-tanteinovadoresparaahistoriografiabrasileiradoesporte. Destacam-se,nessesentido,oestudo dadimensão econô-micaeousodechargescomofonte.Naliteraturadelíngua inglesa,o uso denovos métodos e fontespara ampliac¸ão da compreensão histórica do esporte tem sido apontado comorecursoestratégicoparaoprogressodoconhecimento nessa especialidade. Autores como Gary Osmond e Mur-rayPhilips,por exemplo,além detratar teoricamentedo assunto,têmseocupadotambémemdesenvolverumasérie deestudosapartirdefontespoucousuais,comoestátuas, fotografias,museus,filmes,cartões-postaisoutransmissões televisivasdeeventosesportivos(entreoutros,verOsmond yPhillips,2011).NoBrasil,algunsdosautoresde1922,às vezesemdiálogocomalgumasdessasformulac¸ões,têm tam-bémexploradopossibilidadesassimemoutrasocasiões(ver
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2013.06.003
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Melo,2012;Santos,2012).1Nessesentido,1922émaisuma expressãodaatualdinâmicanaspesquisashistóricas sobre esportenoBrasil,cujocrescimentorecentetemsido notá-vel.
Além de sua articulac¸ão com o atual estágio da histo-riografia do esporte, 1922 também responde a demandas epistemológicas próprias a esse ramo do conhecimento, notadamenteoestudodopassadomotivadoporproblemas dopresente.Emboraosautoresnãoodigamexplicitamente, nota-se,nasentrelinhasdeváriosdeseuscapítulos, certa preocupac¸ãoemvincularalgumasdasconclusões apresenta-dasnolivroaocenáriodoesportecontemporâneo.Oartigo deJoãoMalaia,porexemplo,quetratadadimensão econô-micadoevento, destacaabertamente o assunto.Em suas palavras,‘‘estamosemumoutroperíodoemqueoBrasil,e oRiodeJaneiro,maisespecificamente,seráasedededois grandeseventosesportivos mundiaisde grandeporte[...] Nãosepodeesperarcompreenderestemomentosenãonos debruc¸armossobresuahistória’’(p.63).
Nessestermos,aspesquisasreunidasem 1922assumem umadimensão---ouumpotencial,pelomenos---fortemente político,emboraofac¸amdeformasutil.Nãosedizmuito abertamente,porexemplo,que élonga ahistória de sus-peitas decorrupc¸ão, favorecimentose desvio derecursos públicospor ocasiãodarealizac¸ãodemegaeventos espor-tivos no Brasil. Mas nem seria preciso fazê-lo em última instância.Paraumleitorminimamenteinformadosobreos acontecimentos atuais ao redor da Copa de 2014 e das Olimpíadasde2016,éanarrac¸ãopuraesimplesdos acon-tecimentostratadospelolivroqueseocuparádisso,oque tornabastanteevidentesassemelhanc¸asentreos aconteci-mentosdeontemedehoje.
Maisdoquemeraestratégianarrativa,porém, trata-se tambémde umaformaespecífica deabordar epistemolo-gicamente os problemas empíricos da pesquisa histórica. Diferentemente do modelo explicativo nomológico das ciências naturais, a explicac¸ão de fenômenos sociais não necessariamentedependedegrandesteorias.Aocontrário, aliás,atémesmooreconhecimentoconsensualda existên-ciadeteoriasécontroversonasciênciashumanas(Gusmão, 2011). Nesse sentido, a cientificidade de uma pesquisa histórica não decorrerá de sua capacidade de estabele-cer relac¸ões de homologia com ‘‘referenciais teóricos’’, conformesepostulacomumente.Deoutraforma,conforme formulouJörnRüssen(2010),‘‘opróprionarrara história jáéporsiumprocedimentoexplicativo’’(p.51-2,grifodo autor).
Também em sua forma, portanto, 1922 oferece uma contribuic¸ãosignificativa.Nãohánolivroprolegômenosou maisdelongas.Trata-se,doinícioaofim,dahistória propri-amenteditadosesportespraticadosnascomemorac¸õesdo centenário,semdigressões.Oscapítulosdolivroselivram
1Atítulo decuriosidade,umabuscapelaspalavras‘‘sport
his-tory’’nabasededadosScopusapontaOsmond,MeloePhilipscomo
osautorescommaiornúmerodeocorrências:nove,seisecinco,
respectivamente.
detodoentulhoteóricoafimdesededicar,exclusivamente, a fazeraquiloa quesepropõem. Nomeupontode vista, esse é umdos principais motivospelos quais a obra con-segue agregar profundidadena análise desseevento, com descric¸ões densas e pormenorizadas, além de adequada-mentefundamentadasemamplasevidênciasempíricas.
Porúltimo,ajulgarpeloconjuntodaproduc¸ãorecente dos organizadores e autoresde 1922, talvezfosse perfei-tamentepossívelquemuitosdelesdiscordassemparcialou inteiramentedasminhasinterpretac¸ões.Arigor,olivronão pretendenemsejustificapelaseventuaisinfluências políti-casdassuasanálises,nemtampoucopeloestabelecimento derelac¸õesdecontinuidade comopresente.Olivro tam-bémnãomanifestahostilidadeaoconhecimentoteóricona práticahistoriográfica.Entretanto,partedas apropriac¸ões possíveisdesse livro podetangenciaresses aspectos. Essa pluralidadedeleituraspossíveis,aliás,émaisumdosseus méritos,poisumadasformasdeseavaliararelevânciade umaobraépormeiodasuacapacidadedefomentar discus-sõeseextrapolaratéseusobjetivosiniciais.
Conflitos
de
interesse
Oautordeclaranãohaverconflitosdeinteresse.
Referências
GusmãoL.Ofetichismodoconceito:limitesdoconhecimento
teó-riconainvestigac¸ãosocial.RiodeJaneiro:Toopbooks;2011.
de MeloVA. Pequenas-grandesrepresentac¸õesdo império portu-guês: a série postal modalidades desportivas(1962). Estudos Históricos2012;25(20):426---46.
OsmondG,PhillipsGM.Envelopingthepast:sportstamps,visuality,
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RüssenJ.Reconstruc¸ãodopassado.Brasília:Ed.daUnB;2010.
Santos JMCM. A história econômica entra em campo: O Rio de
Janeiro eascompetic¸õesesportivas internacionais de1919e
1922.RevistadeEconomiaPolíticaeHistóriaEconômica,São
Paulo,ano8,n.27,p.153-198,dez.2011/jan.2012.
SantosJMCM,MeloVA.1922:comemorac¸õesesportivasdo
centená-rio.1.ed.RiodeJaneiro:7Letras;2012.184p.
CleberAugustoGonc¸alvesDias∗
ProgramadePós-Graduac¸ãoInterdisciplinaremEstudos doLazer,EscoladeEducac¸ãoFísica,FisioterapiaeTerapia Ocupacional,UniversidadeFederaldeMinasGerais (UFMG),BeloHorizonte,MG,Brasil
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:cleberdiasufmg@gmail.com