RevBrasCiêncEsporte.2015;37(2):108---110
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Revista
Brasileira
de
CIÊNCIAS
DO
ESPORTE
APRESENTAC
¸ÃO
Dossiê
---
Práticas
e
prescric
¸ões
sobre
o
corpo:
a
dimensão
educativa
dos
métodos
ginásticos
europeus
Dossier
--- Practices
and
prescriptions
on
body:
educational
dimension
of
European
gymnastics
methods
Dossier
---
Prácticas
y
prescripciones
sobre
el
cuerpo:
la
dimensión
educativa
de
los
métodos
gimnásticos
europeos
Carmen
Lúcia
Soares
a,∗e
Andrea
Moreno
baDepartamentodeCiênciasdoEsporte,FaculdadedeEducac¸ãoFísica,UniversidadeEstadualdeCampinas,Campinas,SP,Brasil bProgramadePós-Graduac¸ãoemEducac¸ão:ConhecimentoeInclusãosocial,FaculdadedeEducac¸ão,UniversidadeFederalde
MinasGerais,BeloHorizonte,MG,Brasil
DisponívelnaInternetem23demarçode2015
Em maio de 2013, por ocasião do VII Congresso Brasi-leiro de História da Educac¸ão, em Cuiabá, propusemos e apresentamos uma comunicac¸ão coordenada intitulada ‘‘Práticase prescric¸õessobreo corpo:adimensão educa-tivados métodos ginásticos europeus’’.Essa mesa reunia quatrotrabalhosque,apartirdediferentestempos, luga-rese fontessingulares,apresentavam e problematizavam osmétodosginásticoseuropeuseosinterrogavadesde dife-rentesquestões.Naquelaocasiãocompuseramaproposta, alémdascoordenadorasdestedossiê,Profa.CarmenLucia
SoareseProfa.AndreaMoreno,oProf.EdivaldoGoesJunior
e a doutoranda Evelise Amgarten Quitzau. A pertinência da temática, aliada à densidade dos debates suscitados, estimulou-nosa publicar, em conjunto e de forma ampli-ada,ostextosapresentadossobaformadestedossiê.Para darconsequênciaaessapropostaconvidamostrês professo-resestrangeiroscujaspesquisastomamessatemáticageral comoobjetoeproblema.Assim,uniram-seàpropostaoProf. PabloScharagrodsky, da Universidad Nacional de Quilmes edaUniversidadNacionaldelaPlata(Argentina);aProfa.
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:carmenls@unicamp.br(C.L.Soares).
AnnetteHofmann,daPädagogischeHochschuleLudwigsburg (Alemanha),eosProfs.LuisMiguelCarvalhoeAntónio Car-losCorreia,ambosdoInstitutodeEducac¸ãodaUniversidade deLisboa.
Osmétodos ginásticos europeus analisados nos artigos aqui reunidos surgem em seus contextos, suas ideias e prescric¸õessingulares,apartir dossujeitosqueestiveram envolvidosemsuaelaborac¸ãoedifusão.Tratamos,também, desuacirculac¸ãocomoproposic¸ãocientífica,pedagógicae culturalemumperíodobastanteespecíficodeumaEuropa queviveprofundaseextensastransformac¸ões:finsdoséculo XVIIIaté asprimeirasdécadasdo séculoXX.1 Os métodos
ginásticosaquianalisadossãofrutodesserecortedetempo noqualseinauguramnovasformasdemorar,devestir,dese alimentar,deamar,defalar,degesticular,deseeducar,ou, maisamplamente,deviver.Novasteoriasfilosóficase des-cobertascientíficasemergemerepercutemdiretamente,e consequentemente,emnovasformasdeseolhar,de inter-vir, de educar o corpo. É nesse quadro de novas ideias,
1Esterecortedetempoémodificado,apenas,noartigoescrito
pelaProfa.Dra.AnnetteHofmann,cujoperíodoseestendeatéos
anos1990.
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2015.03.001
Dossiê---Práticaseprescric¸õessobreocorpo:métodosginásticoseuropeus 109
novoscomportamentoseatitudesemrelac¸ãoaosindivíduos e à sociedade que tem lugar, em diferentes países, sistematizac¸õescientíficasbemmaisprecisas,específicase, sobretudo,aceitasnosmeiosintelectuaisacercados exercí-ciosfísicosedeseulugarnaeducac¸ãoenapreservac¸ãoda saúde.Essemovimentoemproldosexercíciosfísicos---fruto deumanovaemaispositivaatitudeemrelac¸ãoaeles--- ori-ginoueconfigurouentrefinsdoséculoXVIIIeiníciodoséculo XXoschamadosmétodosouescolasdeginásticaederam-se, assim,passosdecisivosparaoqueconhecemoshojecomo educac¸ão física. Osmétodos ouescolas deginástica nas-cemesedesenvolvemjuntamentecomaconstituic¸ãodos Estadosnacionaiseparticipam,decertomodo,desua iden-tidade.EssaseriaumadasrazõesparaqueFranc¸a,Suéciae Alemanha,lugaresimportantesdessemovimento,viessema apresentartantosingularidadesquantouniversalidadesem relac¸ãoaessemodomaissistematizadodeeducarocorpo. A particularidade que deseja guardar a nac¸ão de origem cede espac¸o para finalidades muito semelhantes, pois os problemasqueessemododetratardocorpobuscava resol-ver também o eram e se voltavam para a melhoria e a prevenc¸ãodasaúde,aforc¸adevontade,odesenvolvimento docarátereaenergiadeviver.Suasbaseseram,sobretudo, aquelasdenaturezacientífica,masdiversossabereseartes popularestambémosconstituíam,tambémos fundamenta-vam,como,porexemplo,agrandediversidadequeconstitui oquesechamadeartescircenses,assimcomocertos espe-táculosdocorpoapresentadosporartistasmambembes,tais comoacrobatas,danc¸arinos,lutadores,homensemulheres queganhavamavidaapartirdoespetáculoedosdesafiosdo corpo. Os métodos ou escolas de ginástica são, por essa razão,bastantepluraise,sobretudo,permeáveisaos luga-resetemposqueosassimilam;guardam,assim,trac¸osde umaespontaneidadepopular,aoladodeumrigorcientífico, alémde uma organizac¸ão pautadapela disciplina militar. Seriapossívelpensarquesãomuitomaisamálgamadoque purezaerefletem,assim,suasmúltiplasediversasorigens. Essesmétodosextrapolaramasfronteirasdospaísesde origeme encontraram fértil acolhidamuito alémdo con-tinenteeuropeu.Livros (originaise traduc¸ões),programas escolares,discursosdeintelectuaise depolíticos,notícias de jornais, são exemplos de por onde circularam, foram divulgados, e também sofreram modificac¸ões. Diferentes sujeitos, por diferentestáticas e estratégias, ajudaram a enraizar,maisoumenosprofundamente,umanovamaneira de conceber e educar o corpo, cuidar dele e cultivá-lo apartirdemetódicosexercíciosginásticos.
Partindo das obras originaisde Guts Muths e F.L. Jahn paratratardométodoalemão,deGeorgesDemen¨yeGeorge Hébertparatratardeduasproposic¸õesdométodofrancês edePer-HenrikLingparatratardométodosueco,os auto-resdessedossiêanalisamcomoumanovapráticacorporal científicaemetodizada, agymnastica,inauguramodosde pensar, prescrever e aplicar o exercício físico e, assim, deconcebereeducarocorpo.
Trata-se, finalmente, de mostrar como, sob a denominac¸ão generalizante de ‘‘métodos ginásticos europeus’’,formasbastanteparticularesdepensarocorpo emergem,seaproximamesedistanciam.Surgeentãouma ‘‘ginástica’’maispróximadadanc¸a,doteatro edocirco, ao lado de outra mais ‘‘científica’’, talvez mais rígida e
maispróximadouniversomilitar;umaginásticaqueamplia os benefícios da natureza e de seus elementos e que se pretende existir ao ar livre; ou outra, mais metódica e próximadamedicina,que sedesenvolveem ginásiosbem específicos para tal; ou, ainda, formas mais ecléticas em que se podem identificar trac¸os de cada uma das possibilidades apontadas. Estamos, assim, e a partir do recortetemáticodosmétodosoudasescolasdeginástica, diantenãosomente dedistintas maneirasdeexercitar-se, masdediferentesformasdeconcebereeducarocorpo.
No artigo escrito pela Profa. Evelise Amgarten Quitzau
encontramosodebatequesetravanapassagemdoséculo XVIII para o XIX, na Alemanha, em torno de dois manu-ais que muito contribuíram para a consolidac¸ão de uma sistematizac¸ão dos exercícios físicos: 1) Ginástica para a juventude,deGutsMuths,publicadoem1793;2)Aginástica alemã,deF.L.Jahn,publicadoem1816.Nesteartigoo lei-torencontraráumaaproximac¸ãoentreessesdoismanuais e autores, sobretudo uma análise dos argumentos desen-volvidos por ambos parajustificar o lugar de importância daginástica,eencontraránelestantosimilaridadesquanto diversidade.
Tratandoaindadocontextoalemãotemosacontribuic¸ão daProfa. Dra. Annette Hofmann, que analisa com grande
acuidadeolugardaimigrac¸ãoalemãnosEUA,emcuja baga-gemculturalencontra-seumadasexpressõesdesuacultura física:oTurnen.OartigodaProfa.Hofmannresumea
histó-riadomovimentodoTurnenteuto-americanodesdefinsdo séculoXIXatéosanos1990erelataasdiferentesetapasde suaamericanizac¸ão.
Adiscussãosobre ométodosuecoé tematratadoaqui tanto pela Profa. Dra. Andrea Moreno como pelos Profs.
Drs.Luís MiguelCarvalhoe António Carlos Correia.O pri-meiroartigosedesenvolveapartirdaspossibilidadesdesua popularizac¸ãoecirculac¸ãopormeiodecompêndios, manu-aiseguiasemlínguaportuguesaentrefinsdoséculoXIXe iníciodoXX.Noartigo quecompõeestedossiê,o sistema suecodeginásticacriadoporP.H.Lingéretomadoemsua trajetóriacomdestaqueparaoInstitutoCentralde Ginás-ticadeEstocolmo,emseupapeldepreservac¸ãoedivulgac¸ão dospreceitosevaloreslingianos.Osegundoartigoanalisaa difusãoepenetrac¸ãodaginásticasuecanoespac¸opolítico eculturaldePortugal,ondeseconservoudurantecercade meioséculocomoreferênciaprincipaldaeducac¸ãofísica.A suapresenc¸afoialvoderecepc¸õesdistintasedeacaloradas controvérsiasemtornodacorretainterpretac¸ãodométodo. Ométodofrancêséaquitratadoapartir deduas pers-pectivas distintas, porém não excludentes, pois ambas compõem a escola francesa de ginástica. O dossiê trata entãodedoisautoresfundadores:GeorgesDemen¨ye Geor-gesHébert.
110 C.L.Soares,A.Moreno
AProfaDra.CarmenLúciaSoaresanalisaométodo
fran-cês deginástica a partir deum recorte poucotratado no Brasil: o método natural de Georges Hébert. A obra de Hébert,produzidaentre1905 e1936e aquitomadacomo fonteprincipal,revelaoquantoanaturezaeseus elemen-toscomec¸am a serpercebidoscomo auxílio e respostaàs necessidades da vida urbanae de seusinúmeros desafios e confere um lugar de importância à prática regular de exercícios físicos e jogos ao ar livre como procedimentos educativos.
Finalmente, o artigo do Prof. Dr. Pablo Ariel Schara-grodsky analisa o sistema argentino de educac¸ão física
escolaremprincípiosdoséculoXX.Comofonte,mobilizaa produc¸ãoescritadeEnriqueRomeroBrest,queocupouum lugar centrale fundante na educac¸ãofísica daquelepaís, referenciadocomoo‘‘autênticocriador’’dadisciplina esco-laremterrasargentinas.Oartigoanalisacomoessesistema seconsolida apartir detrês pilares:o discursocientífico, a justificativa higiênica e o ecletismo como elemento de diferenciac¸ãodeoutrossistemas.