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experimentais com modelo murino de aloimunização a antí-genos eritrocitários que utilizaram camundongos mHEL, que expressam lisozima de ovo, como doadores de sangue, reve-laram que a presença de inflamação nos animais transfun-didos aumentou significantemente a aloimunização.9
Em conclusão, o artigo de Santos et al.1 fornece novas
informações sobre aloimunização eritrocitária em pacientes que recebem transfusões ocasionais devido a condições clí-nicas agudas e pode ser útil para a elaboração de novos estudos que facilitem o entendimento dos fatores de risco envolvidos nessa complicação transfusional.
Referências Bibliográficas
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Vaneuza A. M. Funke
Polimorfismo genético da
glutationa S-transferase mu1 e theta 1
em pacientes com anemia aplástica
adquirida: uma experiência brasileira
Genetic polymorphisms of glutathione
S-transferase mu1 and theta1 in patients with
acquired aplastic anemia: A Brazilian experience
Depois que Paul Erlich descreveu o primeiro caso de anemia aplástica severa (AAS) em uma mulher grávida em 1888, a etiologia desta doença foi investigada continuamen-te, inicialmente na história clínica destes pacientes e, mais recentemente, em aspectos laboratoriais dos mesmos. Mui-tos trabalhos do início do século 20 descreveram a relação possível entre esta doença e a exposição a agentes químicos ou drogas, estimulados por observações do efeito do benzeno sobre os leucócitos e de drogas como dipirona (relacionada à agranulocitose) e pelo desenvolvimento idiossincrásico de aplasia após o uso de cloranfenicol.1 Um estudo
epidemio-lógico brasileiro avaliou casos de anemia aplástica no Paraná.2
Este estudo não encontrou associação entre o uso de cloran-fenicol e AAS, porém identificou um maior risco de AAS após uso de inseticidas com organofosforados (OR 2,7) e solventes (OR 3,0). No entanto, após vários anos e a evidên-cia clínica bem consolidada da resposta da maioria destes pacientes à imunossupressão, o entendimento da fisiopa-tologia desta doença levou a uma hipótese de um distúrbio auto-imune.3 Além disto, nas séries mais modernas, poucos
pacientes apresentam história de exposição a estes agentes. No entanto, há ainda o dilema relacionado àqueles que não respondem à imunossupressão. Haveria nestes pacientes um dano de microambiente da medula óssea ou defeitos irrever-síveis na célula-tronco hematopoiética? Cinco a dez por cen-to dos casos de AAS são ainda precedidos de hepatite, le-vando ainda à hipótese de uma etiologia viral, que, no entan-to, a despeito de todos os esforços, não foi confirmada.4
O grande avanço da biologia celular e molecular, da citometria de fluxo, da imunologia e da genética, especial-mente quanto às técnicas de identificação de mutações ge-néticas, trouxe, através de achados recentes, a fisiopatologia da anemia aplástica de volta à pauta de discussões. Em 2006, Yamagushi H, Calado R e colaboradores descreveram a pre-sença de mutações no gene TERT, o gene da enzima telo-merase, em pacientes com anemia aplástica aparentemente adquirida.5 Em cultura de leucócitos de pacientes com esta
mutação, os autores concluíram que o mecanismo de redu-ção da telomerase era a haploinsuficiência, ou seja, o alelo normal seria insuficiente para produzir quantidade apropria-da apropria-da enzima. A presença desta mutação, levando à substan-cial redução dos telômeros, levaria a uma maior suscetibilidade dos pacientes a síndromes de falência medular, como anemia Professor titular da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da
Universidade Federal de São Paulo
Correspondência: José Orlando Bordin Universidade Federal de São Paulo Disciplina de Hematologia e Hemoterapia Rua Botucatu, 740
04023-900 - São Paulo-SP – Brasil Tel.: (11)5579-1550; Fax: (11)5571-8806 E-mail: jobordin@hemato.epm.br
Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor Conflito de interesse: não declarado
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aplástica. De interesse, nenhum destes pacientes com a mu-tação TERT respondeu à imunossupressão, o que claramen-te claramen-tem implicações claramen-terapêuticas. Ainda no ano de 2007, Cala-do R e colaboraCala-dores descreveram mutações no gene SBDS, inicialmente encontradas na síndrome de Scwachman-Diamond, em paciente com anemia aplástica.6 Estes
pacien-tes também apresentavam significativa redução no tamanho dos telômeros comparativamente aos controles, e esta redu-ção não estava associada a qualquer mutaredu-ção no gene TERT. Os pacientes com estas mutações também apresentavam desfecho desfavorável e resposta pobre à imunossupressão. Estes achados trouxeram novas informações sobre a etiologia e prognóstico da anemia aplástica.
Numa outra linha de investigação, cogitou-se em algu-mas séries que o fenótipo null do gene das enzimas de
detoxi-ficação GSTM1 e GSTT1 poderia estar associado a uma mai-or susceptibilidade dos pacientes com AAS aos agentes tó-xicos ambientais, causando a doença.7 Um estudo prévio em
brasileiros normais havia encontrado uma alta prevalência destes fenótipos,8 o que levou à pergunta do estudo de Vicari
P e colaboradores: estaria este fenótipo relacionado a uma parcela dos casos de anemia aplástica no Brasil? A exemplo do estudo de Dufour e colaboradores,9 o estudo do
brasilei-ro não encontbrasilei-rou relação entre a presença dos fenótipos estudados e a presença de anemia aplástica severa, indican-do que novos estuindican-dos serão necessários para ampliar a in-vestigação dos fatores de risco para anemia aplástica em nossa população. Talvez o estudo destes novos genes de interesse e suas mutações possa responder às questões que ainda pairam sobre a etiologia da anemia aplástica no Brasil.
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Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor Conflito de interesse: não declarado
Recebido: 03/12/2007 Aceito: 03/12/2007
Correspondência: Vaneuza Araujo Moreira Funke Médica do Servico de Transplante do HC-UFPR Rua General Carneiro, 181, 15º andar, STMO 80060-900 – Curitiba-PR – Brasil
E-mail: vaneuza@hc.ufpr.br
Aumento de ferro, hemocromatose
hereditária e defeitos no gene HFE.
O que conhecemos na população
brasileira?
Iron increases, hereditary hemochromatosis
and HFE gene disorders: What do we know of
the Brazilian population?
Claudia R. Bonini-Domingos
O ferro, elemento essencial para múltiplos processos metabólicos na maioria dos organismos, atua como cofator para inúmeras enzimas, participa do transporte de oxigênio, síntese de DNA e transferência de elétrons, fundamenta-dos nas propriedades químicas de óxido-redução. O acú-mulo de ferro no organismo tem sido associado ao desen-volvimento e progressão de várias condições patológicas. Em termos de toxicidade, o depósito crônico de ferro geral-mente está associado a hemocromatose hereditária, consu-mo excessivo de ferro através da dieta e freqüentes transfu-sões sangüíneas, requeridas para o tratamento de alguns tipos de anemias.1
A hemocromatose hereditária é uma doença autos-sômica recessiva caracterizada pela sobrecarga de ferro em alguns tecidos, como coração, fígado, pâncreas, hipófise e articulações. É a desordem genética mais comum em cauca-sóides do Norte da Europa, acometendo um em cada duzen-tos a trezenduzen-tos indivíduos.1 A expressão da hemocromatose
hereditária é mais grave em homens do que em mulheres, em que a ocorrência de sintomas mais brandos é particularmente atribuída aos efeitos protetores da perda do sangue mens-trual e à gravidez.2 Muitas mulheres podem exibir expressão
fenotípica completa, com a presença de fadiga e hiperpig-mentação da pele, ao passo que os homens usualmente apre-sentam cirrose hepática e diabete. Acredita-se que a freqüên-cia de hemocromatose hereditária na população mundial es-teja subestimada, já que a maioria dos indivíduos é assinto-mática.2