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O RIO QUER SER PARIS: A Avenida Central e o imaginário modernizador da Primeira República

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Academic year: 2021

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O RIO QUER SER PARIS: A Avenida Central e o imaginário

modernizador da Primeira República

ROCHA, Maíra Lopes1

RESUMO

O imaginário de modernização que circulava na Primeira República se colocava no rompimento com a antiga herança colonial do Brasil seja em âmbito político, econômico ou cultural. Era preciso modernizar e o modelo europeu de civilização e progresso deveria ser espelho para o Brasil. Na então capital federal, as reformas urbanas são historicamente um dos marcos dessa transformação que visava elevar esteticamente a cidade do Rio de janeiro ao molde parisiense. Neste artigo abordamos a construção da Avenida Central no Rio de Janeiro por ser um relevante exemplo dessa transformação estética do urbano que também se desdobrou em um novo comportamento da sociedade carioca no início do século XX. Considera -se, portanto, a narrativa que justifica como a materialidade contida transformação da Avenida atendeu ao imaginário burguês daquela época.

Palavras-chave: Avenida Central; Rio de Janeiro; Primeira República.

1

Graduanda do curso de História da Universidade do Estado de Minas Gerais – unidade Divinópolis. mairalopesr@gmail.com

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Introdução

“De uma hora para outra, a antiga cidade desapareceu e outra surgiu como se fosse obtida por uma mutação de teatro. Havia mesmo na cousa muito de cenografia.”

Lima Barreto em Os Bruzundangas

Conhecido como Belle Époque, o período que abrange fins do século XIX até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, é conhecido pela ascensão da vida cosmopolita que acompanhava as grandes transformações tecnológicas, científicas, culturais e urbanas que ocorriam em diversas partes do mundo moderno. A expressão designa uma era de ouro em que novos hábitos e costumes do cotidiano se encontravam sensíveis ao otimismo propagado pelas novas conquistas da modernidade e se expressavam no anseio estético e de posse da população de classe média-alta em busca da distinção social. No Brasil, a Belle Époque se consagrou no momento em que a Primeira República idealizava o mesmo paradigma a fim de se desvencilhar de seu passado colonial e imperial, e se subordinava às tendências europeias que elevariam o país ao novo panorama das relações político-econômicas do mundo ocidental. Há de se considerar, no entanto, que essa modernização exógena criou no Brasil uma agenda de transformações prontamente executáveis, mas que negligenciou várias particularidades locais. O Rio de Janeiro, então capital federal do Brasil no início do século XX, carregava seu passado colonial na face da cidade e da população. O crescimento desordenado em vielas e a concentração de casarões antigos no centro da cidade se tornou um empecilho ao desenvolvimento, e o modo de vida da população, em sua maioria remanescentes ou descendentes de escravos, era uma ameaça à moralidade republicana. O Rio era o principal porto de exportação e importação do país e um dos mais importantes do continente, no entanto, não só as instalações portuárias eram obsoletas, ainda, o transporte em terra era dificultado pelo traçado urbano. Num momento de intensa demanda e interesse de atrair capital estrangeiro, esses fatores implicavam o contrário, principalmente pelo foco permanente de doenças como a malária, tuberculose, lepra, varíola e febre amarela que acometia o grande centro. A reforma urbana era necessária ao progresso, e sua execução foi concebida em três dimensões: a modernização do porto, a reforma urbana e o saneamento da cidade2.

2 SEVCENKO, Nicolau. “Introdução. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso”. In:

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O então presidente Rodrigues Alves nomeou um time de técnicos que executaria as obras, entre eles o engenheiro urbanista Francisco Pereira Passos e o médico sanitarista Oswaldo Cruz. Pereira Passos foi nomeado prefeito da capital federal através da Lei no 939, de 29 de dezembro de 1902, cuja mesma o conferia poderes irrestritos de despejo e embargo de propriedades.3 Grandes mudanças foram feitas durante sua gestão como a ampliação da rede de esgoto, de abastecimento de água, iluminação pública, pavimentação de ruas, criação e reforma de parques e praças. A ação empreendida pelo time de técnicos, no entanto, foi autoritária e reprimiu a população mais pobre não só na demolição sistemática de suas residências sem oferta de qualquer tipo de compensação, mas também na varredura de seus hábitos cotidianos e culturais.

“Regeneração” ou “Bota-abaixo” são designações deste mesmo momento que variam de acordo com dois fatores importantes: a quem afetavam as reformas e de que forma afetavam. O movimento higienista encontrou nas reformas urbanas a ferramenta para limpar o centro do Rio e transformar a cidade no cartão de visitas do novo século. A despeito do princípio do processo de favelização da capital e da segregação racial latente, novos bulevares e edifícios em estilo francês estreavam a nova identidade da cidade maravilhosa.

Figura 1: Demolição do Morro do Castelo

Fonte: Augusto Malta – Brasiliana Fotográfica

3BRASIL. Lei 939, de 29 de dezembro de 1902. Reorganisa o Districto Federal e dá outras providencias. Diário

Oficial da União. Seção 1. 30/12/1902. p. 5593. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-939-29-dezembro-1902-585356-publicacaooriginal-108367-pl.html>. Acesso em: 10 out. 2017.

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A Avenida Central

O então prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, já havia ocupado cargos no governo desde a segunda metade do século XIX, mas antes disso estudou em Paris onde pôde acompanhar as reformas urbanas empreendidas pelo barão de Haussmann durante o governo de Napoleão III. Assim como Passos, Haussmann foi nomeado prefeito de Paris para resolver os mesmos problemas de higiene, circulação e acomodação que os grandes centros urbanos passaram a apresentar a partir da revolução industrial. A criação de áreas verdes, arborização de ruas, iluminação de vias, reorganização e modernização do transporte e mobiliário urbano foram mudanças da reforma parisiense que influenciaram Pereira Passos a propor o mesmo na capital do Brasil.

Para cumprir as demandas do projeto de uma nova cidade, o governo federal se encarregou da remodelação do porto do Rio, e para melhorar o transporte de mercadorias uma nova avenida deveria conectá-lo ao centro comercial da cidade, a Avenida Central. Inicialmente pensada para conectar a atual região da Praça Mauá ao Largo da Carioca, teve o traçado rearranjado para que atravessasse o centro de mar a mar, chegando até a região da Cinelândia, aos pés do extinto morro do Castelo 4 . A Avenida Central foi um dos símbolos máximos da “Regeneração”, cujas obras sob responsabilidade do engenheiro Paulo de Frontin se iniciaram em 1903 ainda com as demolições e fora oficialmente inaugurada em 15 de novembro de 1905. A nova avenida tinha cerca de 1.800 metros de extensão por 33 metros de largura e centenas de casas coloniais foram demolidas no processo de abertura das vias5.

O novo status social da região afastou os pequenos comerciantes e atraiu grandes corporações para novos edifícios da Avenida. Sua extensão foi ocupada por bancos, pelo grande empresariado de exportação e importação, grandes lojas de vestuário a confeitaria, sedes de jornais, clubes, hotéis, prédios institucionais e demais estabelecimentos comerciais que faziam dali um local de ostentação da burguesia carioca. Em 7 de fevereiro de 1904, um anúncio da Comissão Construtora da Avenida Central no jornal Gazeta de Notícias, colocava as condições para o Concurso de Fachadas que daria a pompa à Avenida:

4

PAOLI, Paula Silveira de. Uma outra cultura de edificar: a produção da nova arquitetura no Rio de Janeiro das reformas urbanas de Pereira Passos. In: Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n. 7, 2013. p. 17.

5WANDERLEY. Andrea C. T. Avenida Central, atual Rio Branco. In: Brasiliana Fotográfica. Disponível

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De ordem do Sr. ministro da indústria viação e obras publicas foi aberto concurso para projetos de fachadas de prédios a construir-se na Avenida Central. A frente sobre a avenida poderá ser de 10, 15, 20 ou 25 metros, o numero de pavimentos será no mínimo de três, sendo o térreo destinado a lojas comerciais. Os prêmios serão: um de cinco contos, um de três e cinco de dois contos; sendo outrossim conferidas até dez menções honrosas, de um conto de réis cada uma. (...) Todos os desenhos deverão ser feitos na escala 1.50 em papel cartão. O julgamento será feito por um júri nomeado pelo Sr. ministro da indústria viação e obras publicas e por ele presidido. Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1904. Dr. Paulo de Frontin, engenheiro chefe.6

A grande influência para a composição estética da Avenida era o ecletismo praticado na Escola de Belas Artes em Paris e que foi apropriado pelo academicismo da Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. O estilo conhecido por seus ornamentos e imponência era considerado eclético por mesclar os estilos do neoclassicismo, barroco e renascimento ao mesmo tempo em que utilizava dos novos avanços da engenharia em ferro forjado. Havia ainda a influência do estilo Art nouveau – expressão francesa para a “nova arte” aplicada à indústria – principalmente utilizado nas artes decorativas. Era o que havia de mais moderno na arquitetura de transição para o século XX.

Figura 2: Avenida Central, na altura da Rua do Ouvidor. 1906.

Fonte: Marc Ferraz – Brasiliana Fotográfica

6

FRONTIN, Paulo de. Comissão Constructora da Avenida Central. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, p. 6, 07 fev. 1904.

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Não só a materialidade da Belle Époque de Paris veio compor o imaginário modernizador da Avenida Central. Os novos elementos simbólicos que rondavam esse cotidiano incentivavam também o novo comportamento cosmopolita da alta sociedade carioca.

Não só os produtos à venda nas vitrines de cristal eram via de regra franceses, assim também eram as roupas e os modos dos consumidores, tanto quanto os bandos de pardais encomendados pelo prefeito Pereira Passos, por serem típicos de Paris. O caráter suntuoso da Avenida era acentuado pelas fachadas em arquitetura eclética, oferecendo um cenário para o desfile ostensivo da nova sociedade e instigando a animação do consumo conspícuo.7

Nesse sentido, considerando que “a identidade é uma construção imaginária que se apoia sobre os dados concretos do real e os apresenta por imagens e discursos onde se realiza uma atribuição de sentido”8, podemos compreender como a Avenida Central, assim como seus frequentadores, estavam inseridos num sistema de ideias que nos permite compor o imaginário de modernização burguesa da época. A Avenida se tornou uma longa passarela em que a nova identidade urbana desfilava rompendo com o passado colonial ainda tão recente. Os hábitos e práticas do cotidiano como o comércio ambulante, a ordenha de vacas, a medicina pública, cuspir na rua, soltar fogos de artifício, entre outros, estavam proibidos a partir de então9. A reforma da região central do Rio e a construção da Avenida Central definiu através de sua materialidade, quais subjetividades eram permitidas naquele momento e espacialidade.

“O Rio civiliza-se”10

As transformações urbanas do Rio de janeiro atendiam a um projeto político que se preocupava em afirmar sua imagem perante o mundo, imagem esta ligada a uma representação de modernização que remodelasse a identidade do país. A categoria de

7SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau (org.)

História da Vida Privada no Brasil, vol. 3. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 545.

8PESAVENTO, Sandra. Relação entre história e literatura e representação das identidades

urbanas no Brasil (séculos XIX e XX). Anos 90, Porto Alegre, n. 4, dez. 1995. P. 115-116.

9

MOTTA, Marly. Pereira Passos. In: CPDOC: Verbetes – Primeira República. Disponível em: < http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/PASSOS,%20Pereira.pdf>. Acesso em: 13 out. 2017.

10Expressão cunhada por Alberto Figueiredo Pimentel, colunista do Gazeta de Notícias, se tornou o slogan da

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“representação”, no entanto, não deve ser medida por imposição e sim por um suporte discursivo que é endossado coletivamente11. Considerando a análise da nova história cultural apresentada por Sandra Jatahy Pesavento, temos, portanto, uma conformidade ao dizer que as modificações concretas arrastam consigo uma normatização de práticas sociais compondo assim uma nova representação do urbano12, e que, a representação é uma seleção de elementos do real utilizada para o reagrupar em uma “nova escala de significações”13. Assim, apesar das controvérsias existentes mesmo naquele momento ou na historiografia a respeito do formato impositivo dessa transformação, abordamos aqui o discurso compartilhado por uma comunidade que promoveu o sucesso da Avenida na construção dessa nova representação da cidade do Rio de Janeiro e no imaginário modernizador da Primeira República.

A crônica é uma das narrativas apropriadas ao entendimento do “espírito” de uma época. Olavo Bilac, poeta de grande popularidade no início do período republicano que se voltava às belas-letras, ao urbanismo, ao vigor físico e ao patriotismo14, em 19 de novembro de 1905, pouco após a inauguração da Avenida Central, publicou uma crônica No Gazeta de Notícias comentando a data festiva.

(...) E, pela Avenida em fora, acotovelando outros grupos, fui pensando na revolução moral e intelectual que se vai operar na população, em virtude da reforma material da cidade.

A melhor educação é a que entra pelos olhos. Bastou que, deste solo coberto de baiucas e taperas, surgissem alguns palácios, para que imediatamente nas almas mais incultas brotasse de súbito a fina flor do bom gosto: olhos, que só haviam contemplado até então betesgas, compreenderam logo o que é arquitetura. Que não será quando da velha cidade colonial, estupidamente conservada até agora como um pesadelo do passado, apenas restar a lembrança?

(...) Para que folhagens, para que sanefas, para que bandeiras, para que coretos? Tirem-me quanto antes, já, desta Avenida que é a glória da minha cidade, esta ornamentação de festa da roça! O enfeite da Avenida é a própria Avenida – é o que ela representa de trabalho dignificador e de iniciativa ousada, de combate dado à rotina e de benefício feito ao povo!15

Paradoxalmente, a limpeza da Avenida pretendida por Bilac não se presenciou em sua inauguração ou mesmo em seu cotidiano posterior. Aliás, se presenciou apenas na repressão à

11

Ibidem, p. 116.

12

PESAVENTO, S. J. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano – Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. 2 ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999, p. 174.

13

PESAVENTO, Sandra. Relação entre história e literatura e representação das identidades

urbanas no Brasil (séculos XIX e XX). Anos 90, Porto Alegre, n. 4, dez. 1995, p. 116.

14

SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau (org.)

História da Vida Privada no Brasil, vol. 3. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 579.

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população mais pobre e às práticas populares que foram rechaçadas dali. Já seus assíduos frequentadores, como diziam os críticos à arquitetura eclética, se portavam como um “bolo de noiva”.

As revistas mundanas e os colunistas sociais da grande imprensa incitavam a população afluente para o desfile de modas na grande passarela da Avenida, os rapazes no rigor smart dos trajes ingleses, as damas exibindo as últimas extravagâncias dos tecidos, cortes e chapéus franceses. A atmosfera cosmopolita que desceu sobre a cidade renovada era tal que, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, as pessoas ao se cruzarem no grande bulevar não se cumprimentavam mais à brasileira, mas repetiam uns aos outros: “Vive la France!”. Como corolário, as pessoas que não pudessem se trajar decentemente, o que implicava, para os homens, calçados, meias, calças, camisa, colarinho, casaco e chapéu, tinham seu acesso proibido ao centro da cidade. Mais que isso, nas imediações, as tradicionais festas e hábitos populares, congregando gentes dos arrebaldes, foram reprimidos e mesmo o Carnaval tolerado não seria mais o do entrudo, os blocos, das máscaras e dos sambas populares, mas os dos corsos de carros abertos, das batalhas de flores e dos pierrôs e colombinas bem-comportados, típicos do Carnaval de Veneza, tal como era imitado em Paris.16

Os produtos consumidos, via de regra franceses, eram utilizados junto de códigos de etiqueta. Os chapéus femininos, por exemplo, objeto de desejo da Belle Époque variavam de acordo com a idade, estado civil, posição social, hora do dia, etc., acompanhando é claro as tendências europeias17. Assim, as práticas da elegância também estavam nos gestos e nos modos que indicavam a pertença social de quem as exercia e reforçavam o comportamento burguês moderno.

16

SEVCENKO, Nicolau. “Introdução. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso”. In: SEVCENKO, Nicolau (org.) História da Vida Privada no Brasil, vol. 3. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 26-27.

17SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau (org.)

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Figura 3: Mulheres circulam devidamente trajadas em frente a loja Parc Royal. Avenida Central, 1906.

Fonte: Augusto Malta – MIS/RJ

Figura 4: Loja de moda na Avenida Central, 1906.

Fonte: Augusto Malta – MIS/RJ

Todo esse comportamento era condizente não somente pelas tendências estético-comportamentais importadas da Europa, mas estavam profundamente conectadas aos novos modos de viver a economia e a política. O privilégio da elite em ocupar locais de poder, seja nos novos cargos ligados à atividades liberais, burocráticas e empresariais, ou nos cargos políticos admitidos pela República, reforçou cada vez mais a privatização das relações

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sociais. A burguesia era o único estrato social que não tinha a privacidade invadida pelo público e ao mesmo tempo podia gozar do público por sua posição de prestígio. Assim, apesar de se fechar em si mesma nos clubes e partidos, a classe reforçava também sua autonomia e identidade no compartilhamento de valores no espaço comum. O desfile burguês na Avenida vinha da distinção individualista e meritocrática que o capitalismo estabeleceu: “um verdadeiro culto da aparência exterior, com vistas a qualificar de antemão cada indivíduo”18. Portanto, não só os objetos e os novos hábitos ditavam o imaginário da modernização, mas sim, principalmente, o valor simbólico imerso nessa materialidade.

Conclusão

Em 1912 a Avenida Central passou a ser chamada Avenida Rio Branco em homenagem ao falecido diplomata Barão de Rio Branco. Tão pouco durou seu nome quanto sua estrutura erguida durante a Belle Époque logo foi se alterando. Inicialmente poucas transformações foram notadas, como a instalação de cinemas, a energia elétrica nos postes dos canteiros centrais e o aumento no fluxo de automóveis. No entanto, a Avenida, como propriamente foi construída a fim de transportar as novidades vindas do porto, continuava a absorver os símbolos de modernização que historicamente se substituíam. Logo os ideais americanos e o concreto armado vieram para modificar completamente a cara da Avenida deixando poucos edifícios remanescentes da época de ouro, como o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes, principalmente concentrados na Cinelândia.

Fruto de processos históricos, a cidade tem sua identidade coerentemente adequada a sua temporalidade, mas “as ideias e imagens viajam no espaço e podem permanecer enquanto representação e padrão de referência identitária, mesmo depois que a ‘cidade real’ tenha mudado e não corresponda mais à cidade imaginária”19. Hoje a Avenida abrange intenso tráfego de automóveis, é a principal via do VLT (veículo leve sobre trilhos) e continua abrigando primordialmente os altos e modernos edifícios comerciais. Justamente por ser moderna a Avenida não se impôs como um modelo de preservação e permitiu a alteração de suas imagens e significados constitutivos. A atual Avenida Rio Branco não carrega a mesma pompa e elegância da Avenida Central ou mesmo é espaço para qualquer segregação de

18SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 40.

19PESAVENTO, Sandra. Relação entre história e literatura e representação das identidades

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classes, no entanto, assim como em seu passado simbolizou o afã modernizador nacional, hoje ainda representa o perfil dos grandes centros metropolitanos do mundo contemporâneo.

Referências bibliográficas

FERNANDES, T. F; JÚNIOR, S. L. M. A Belle Époque Brasileira: as transformações urbanas no Rio de Janeiro e a sua tentativa de modernização no século XIX. In: Revista História em Curso, Belo Horizonte, v. 3, n. 3, 1º sem. 2013.

MALLMANN, Marcela Cockell. Pelos becos e pela avenida da Belle Époque Carioca. In: Soletras, São Gonçalo: UERJ, ano X, n. 20, jul./dez. 2010.

PAOLI, Paula Silveira de. Uma outra cultura de edificar: a produção da nova arquitetura no Rio de Janeiro das reformas urbanas de Pereira Passos. In: Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n. 7, 2013.

PESAVENTO, S. J. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano – Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. 2 ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999.

PESAVENTO, Sandra. Relação entre história e literatura e representação das identidades

urbanas no Brasil: séculos XIX e XX. Anos 90, Porto Alegre, n. 4, dez. 1995. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.

SEVCENKO, Nicolau. “Introdução. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso”. In: ___________ (org.) História da Vida Privada no Brasil, vol. 3. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.

___________. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau (org.) História da

Vida Privada no Brasil, vol. 3. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.

SOUZA, Fernando Gralha de. A Belle Époque Carioca: Imagens da modernidade na obra de Augusto Malta. (1900-1920). Disponível em: < http://www.ufjf.br/ppghistoria/files/2009/12/Fernando-Gralha.pdf.> Acesso em: 10 out. 2017.

WANDERLEY. Andrea C. T. Avenida Central, atual Rio Branco. In: Brasiliana Fotográfica. Disponível em:< http://brasilianafotografica.bn.br/?p=5880>. Acesso em: 9 out. 2017

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