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O desenvolvimento moral em jovens com traços de psicopatia

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Academic year: 2021

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

O desenvolvimento moral em jovens com traços de psicopatia

Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica

Raquel Filipa Varandas dos Santos

Professora Doutora Margarida Simões

Professor Doutor Francisco Cardoso

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

O desenvolvimento moral em jovens com traços de psicopatia

Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica

Raquel Filipa Varandas dos Santos

Professora Doutora Margarida Simões

Professor Doutor Francisco Cardoso

Composição do Júri:

Professora Doutora Ana Catarina Pires Pinheiro Mota Professor Doutor José Carlos Fontes Gomes da Costa

Professora Doutora Alice Margarida Martins dos Santos Simões

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v

A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo o mundo vê

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vii

Agradecimentos

Aos meus pais, pelo amor e apoio incondicional, por guiarem os meus caminhos quando me sinto perdida, e pela força que me faz superar todos os obstáculos

Ao meu namorado, Tiago, pelo amor, carinho, dedicação, cumplicidade, e por tornar os meus dias tão belos e plenos de alegria

Às minhas colegas e amigas, Joana, Sandra e Inês, pelos momentos, pelas partilhas, pelo apoio, pela diversão, pelo companheirismo…pela amizade

À minha família e amigos, por todo o afeto que me enche o coração de alegria

Aos meus orientadores, professora Margarida e professor Francisco, pela estima, pelo apoio, pela experiência, e por todos os novos conhecimentos

Não posso dizer que nunca sorri, até porque não me faltam motivos para isso: família e amigos, de número pequeno, mas de valor inestimável

(autor desconhecido)

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ix

Resumo

O presente estudo procura investigar a existência de uma relação entre desenvolvimento moral e traços de psicopatia. Ao longo da literatura observa-se que vários autores explicam a psicopatia em termos de défices ao nível das faculdades morais, pelo que se pretende verificar se adolescentes com traços psicopáticos apresentam um comprometimento no desenvolvimento moral. Procuramos ainda investigar se este comprometimento poderá estar relacionado com défices no domínio da empatia, aspeto característico da psicopatia, e a qual é vista como tendo um papel fundamental no desenvolvimento moral.

De modo a analisar as variáveis em questão, recorreu-se aos seguintes instrumentos de avaliação: Youth Psychopathic Traits Inventory, Tarefa de Distinção entre Moral e

Convencional, Basic Empathy Scale.

O estudo foi realizado numa amostra constituída por 428 adolescentes, com idades compreendidas entre os 12 e os 17 anos de idade (M=14,68), os quais frequentavam escolas do ensino regular (n=342) e escolas do ensino profissional (n=86).

Os resultados da investigação demonstraram, e de acordo com o esperado, que jovens com pontuações altas na avaliação dos traços de psicopatia, comparativamente a jovens com pontuações baixas, apresentaram dificuldades no domínio moral. De igual modo, estas dificuldades apresentadas pelo grupo com valores altos de traços de psicopatia, demonstraram-se relacionadas com comprometimentos ao nível da empatia.

Palavras-chave

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xi

Abstract

This study investigates the existence of a relationship between moral development and psychopathic traits. Throughout the literature it is observed that several authors explain psychopathy in terms of deficits in the moral faculties, so we intend to see whether adolescents with psychopathic traits show a commitment in moral development. We also seek to investigate whether this impairment may be related to deficits in empathy, a characteristic aspect of psychopathy, and which is seen as having a key role in moral development.

In order to analyze the variables in question, we used the following assessment tools:

Youth Psychopathic Traits Inventory, Moral and Conventional Distinction Task, Basic Empathy Scale.

The study was conducted with a sample of 428 adolescents, aged between 12 to 17 years old (M=14.68), who were attending regular schools (n=342) and professional schools (n=86).

Research results have shown, and as expected, that youths with high scores in the assessment of psychopathic traits, compared to youths with low scores, presented difficulties in the moral domain. Similarly, these difficulties presented by the group with high levels of psychopathic traits showed up commitments related to the level of empathy.

Key-words

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xiii Índice Dedicatória v Agradecimentos vii Resumo ix Palavras-chave ix Abstract xi Key-words xi Índice xiii Índice de figuras xv

Índice de tabelas xvi

PARTE 1 – Enquadramento teórico 1

Introdução 3

Capítulo 1 - Introdução à psicopatia 5

1.1. A psicopatia 7

1.2. A psicopatia na infância e adolescência 11

Capítulo 2 - A psicopatia e o desenvolvimento moral 15

2.1. O paradigma de Kohlberg 17

2.1.1.O paradigma de Kohlberg no comportamento antissocial e na psicopatia 19 2.1.2. Instrumentos de avaliação dos níveis de desenvolvimento moral de Kohlberg 20

2.2. O paradigma de Turiel 23

2.2.1.O paradigma de Turiel no comportamento antissocial e na psicopatia 26

2.3. A questão da empatia 28

2.3.1.Os modelos da empatia 33

2.3.1.1. A perspetiva de Blair 34

PARTE 2 – Investigação 39

Introdução 41

Capítulo 1 - Seleção dos instrumentos 45

1.1. Avaliação da psicopatia 47

1.2. Avaliação do desenvolvimento moral 47

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xiv

Capítulo 2 - Estudos empíricos 51

Objetivos 53

Procedimentos de recolha de dados e aspetos éticos 54

Estudo descritivo da amostra 55

1. Procedimentos estatísticos e resultados relativos à análise de prevalências 61

1.1. Prevalência dos indicadores de traços de psicopatia 61

1.2. Prevalência das competências de distinção entre moral e convencional 64 1.2.1. Prevalência das justificações apresentadas para o caráter imoral das

transgressões morais 68

1.2.1.1. Justificações de acordo com a amostra total 68

1.2.1.2. Justificações de acordo com os três grupos (os que distinguem moral e convencional, os que não fazem a distinção, e os que não demonstram

clareza na tarefa) 69

2. Procedimentos estatísticos e resultados relativos à análise da relação entre traços de psicopatia e capacidade de realização da tarefa de distinção entre

moral e convencional 72

2.1. Relação entre traços de psicopatia e a capacidade de realização da tarefa de

distinção entre moral e convencional 72

2.2. Análise da frequência das respostas para o critério “justificações” 74 2.3. Relação entre traços de psicopatia e o critério “influência da autoridade” 75 3. Procedimentos estatísticos e resultados relativos à análise da relação entre

empatia e competência de distinção entre moral e convencional 77 3.1 Relação entre empatia e competência de distinção entre moral e convencional 77 3.2. Influência da empatia na relação entre traços de psicopatia e a capacidade de

realização da tarefa de distinção entre moral e convencional 78

Capítulo 3 - Discussão geral e conclusões 81

Bibliografia 89

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xv

Índice de Figuras

Figura 1.Modelo Causal do Desenvolvimento da Psicopatia 36

Figura 2.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação ao Género 55 Figura 3.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação ao Tipo se Ensino 55 Figura 4.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação ao Ano de Escolaridade 56 Figura 5.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação ao Rendimento Escolar 56 Figura 6.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação à História de

Reprovação 57

Figura 7.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação ao Número de

Reprovações 57

Figura 8.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação ao Comportamento

Escolar 58

Figura 9.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação ao Estado Civil dos Pais 59 Figura 10.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação à Situação de

Residência nos Casos de Divórcio por Parte dos Pais 59

Figura 11.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação à Situação de

Viuvez por Parte dos Pais 59

Figura 12.Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação à Situação de

Residência 60

Figura 13.Valores de Prevalência dos Indicadores de Traços de Psicopatia na Amostra 61 Figura 14.Frequência das Pontuações na Tarefa de Distinção entre Moral e

Convencional, Considerando o Critério da Influência da Autoridade,

na Amostra 65

Figura 15.Média das Pontuações nas Histórias Morais e Convencionais da

Influência da Autoridade, em Cada Grupo da Classificação do YPI 72 Figura 16.Média das Pontuações nas Histórias Morais e Convencionais da

Permissibilidade, em Cada Grupo da Classificação do YPI 73

Figura 17.Média das Pontuações nas Histórias Morais e Convencionais da

Gravidade, em Cada Grupo da Classificação do YPI 73

Figura 18.Frequência das Respostas Totais às 4 Histórias Morais e Convencionais,

por Grupos (YPI Alto e YPI Baixo) 75

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xvi

Índice de Tabelas

Tabela 1.Tarefa de Distinção entre Moral e Convencional 49

Tabela 2.Valores de Prevalência dos Indicadores de Traços de Psicopatia, por Género 62 Tabela 3.Valores de Prevalência dos Indicadores de Traços de Psicopatia, por Idade 62 Tabela 4.Valores de Prevalência dos Indicadores de Traços de Psicopatia, por Tipo

de Ensino 63

Tabela 5.Valores de Prevalência dos Indicadores de Traços de Psicopatia, por

Ano de Escolaridade 64

Tabela 6.Frequência das Pontuações na Tarefa de Distinção entre Moral e Convencional, Considerando o Critério da Influência da Autoridade,

por Género 65

Tabela 7.Frequência das Pontuações na Tarefa de Distinção entre Moral e Convencional, Considerando o Critério da Influência da Autoridade,

por Idade 66

Tabela 8.Frequência das Pontuações na Tarefa de Distinção entre Moral e Convencional, Considerando o Critério da Influência da Autoridade,

por Tipo de Ensino 67

Tabela 9.Frequência das Pontuações na Tarefa de Distinção entre Moral e Convencional, Considerando o Critério da Influência da Autoridade,

por Ano de Escolaridade 67

Tabela 10.Frequência das Justificações da Amostra para as Quatro Histórias Morais 69 Tabela 11.Frequência das Justificações por Grupo nas Histórias Morais 70 Tabela 12.Média e Desvio-Padrão das Pontuações nas Histórias Morais (M) e

Convencionais (C) por Critério, em Cada Grupo da Classificação do YPI 74 Tabela 13.Frequência das Respostas Totais às 4 Histórias Morais e

Convencionais, por Grupos (YPI Alto e YPI Baixo) 74

Tabela 14.Relação entre YPI Total e o Critério da Influência da Autoridade –

Teste Exato de Fisher 76

Tabela 15.Relação entre BES Total e o Critério da Influência da Autoridade –

Teste Exato de Fisher 78

Tabela 16.Relação entre os Grupos YPI Alto e Não Faz a Distinção/ YPI Baixo

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PARTE 1 – Enquadramento teórico

A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos

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Introdução

3

Introdução

A identificação de traços psicopáticos em crianças e adolescentes tem-se tornado, nos últimos anos, um tema de crescente interesse para a pesquisa científica (Silva, Rijo, & Salekin, 2013), embora o conceito de psicopatia, enquanto aplicado a jovens, possa ser encontrado em trabalhos anteriores, como os de Cleckley (1988), o qual identificava a psicopatia como um transtorno com as suas raízes na infância e adolescência.

Um dos grandes motivos para o estudo da perturbação nesta faixa etária, prende-se com o facto de a identificação precoce poder prevenir carreiras criminosas duradouras e com elevados custos para a sociedade (Vaughn, Howard, & DeLisi, 2008). De acordo com alguns autores, a psicopatia é um construto essencial no estudo da delinquência, e permite explicar várias dimensões do comportamento antissocial e criminoso (Vaughn et al., 2008; Vaughn & DeLisi, 2008). De igual modo, a perturbação é a mais custosa para a sociedade, envolvendo custos tanto monetários como sociais. Ao nível monetário encontram-se os custos da reclusão, de forma a prevenir posteriores transgressões e, por exemplo, os gastos que envolvem reconstruir o que foi destruído em atos de vandalismo. Ao nível social, os custos englobam o ambiente inseguro que se cria devido aos comportamentos antissociais, bem como a reduzida qualidade de vida, principalmente por parte das vítimas cujos direitos foram violados (Frick, 2001).

Por causa do impacto da psicopatia na sociedade, muitos autores afirmam que o melhor momento para prevenir e intervir é cedo na vida, o que leva a que o construto tenha de ser alargado à infância e adolescência (Silva et al., 2013). Da mesma forma, investigadores afirmam que o melhor preditor do comportamento antissocial futuro é o comportamento antissocial passado, bem como idade em que este teve início (Tremblay & LeMarquand, 2001; Farrington, Loeber, & Van Kammen, 1990; cit. por Pechorro, 2011), pelo que a extensão do construto a crianças e adolescentes não pode ser negada. Neste seguimento, Pechorro (2011) acrescenta que evidências têm sido apresentadas relativamente ao facto de que a psicopatia se encontra associada a uma “maior estabilidade dos comportamentos antissociais, a comportamentos delinquentes mais graves e violentos, a um início precoce das atividades criminais, a detenções precoces pela polícia e a condenações precoces pelos tribunais” (p.2).

Contudo, a extensão do construto da psicopatia à infância e adolescência ainda apresenta muita controvérsia. Várias questões têm sido levantadas como a maleabilidade da

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Introdução

4

personalidade durante o desenvolvimento, a heterogeneidade de jovens com comportamento antissocial, a validade e a estabilidade temporal da perturbação, o caráter pejorativo da palavra e as suas implicações em contextos legais, entre muitos outros aspetos (Silva, Rijo, & Salekin, 2012).

Com isto, Salekin e Lynam (2010) salientam que o termo psicopatia não deve ser utilizado de uma forma prejudicial, mas sim de uma forma construtiva para compreender melhor os diferentes tipos de jovens, bem como para delinear formas de ajudar esses mesmos jovens a desenvolverem vidas mais pró-sociais, produtivas e significativas. O desenvolvimento de modelos para prever o comportamento violento, juntamente com programas preventivos e terapêuticos eficientes, são foco da avaliação de jovens com traços psicopáticos (Silva et al., 2013).

Se o comportamento antissocial poder ser integrado nas teorias do desenvolvimento, e se os fatores que caracterizam jovens com problemas comportamentais poderem ser identificados, torna-se possível que intervenções mais eficazes sejam desenvolvidas, e possam ser aplicadas o mais cedo possível (Frick, 2001). Isto proporciona um grande incentivo para que mais investigações sejam realizadas e estendam o construto da psicopatia à infância e adolescência (Frick & Marsee, 2006).

Apesar de, nas duas últimas décadas, existir um crescente desenvolvimento no estudo da perturbação em crianças e adolescentes, é necessário compreender que mais investigações são necessárias. O construto da psicopatia na infância e adolescência pode ser crucial se direcionado para a identificação precoce de jovens em risco de desenvolver a perturbação (Silva et al., 2013).

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Capítulo 1 – Introdução à psicopatia

Poderíamos dizer que o psicopata é aquela pessoa que sabe a letra da música mas não sente a melodia

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Introdução à psicopatia

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1.1. A psicopatia

Com as suas descrições científicas de padrões comportamentais e afetivos, e ao usar o termo mania sem delírio para descrever pacientes que, apesar de apresentarem comportamentos extremamente violentos, percebiam o carácter irracional dos seus atos, o médico francês Pinel foi dos primeiros autores a aproximarem-se do que é hoje denominado de psicopatia (Arrigo & Shipley, 2001; Vaugh & Howard, 2005; Pinel, 1801, 2007; cit. por Filho, Teixeira, & Dias, 2009).

No entanto, foi com Cleckley e a sua obra The Mask of Sanity, que o conceito de psicopatia se estabeleceu realmente (Filho et al., 2009). O autor apresentou o termo colocando ênfase na falta de resposta socio-emocional, bem como na incapacidade de aprender e adotar um modo de vida melhor e mais gratificante (Cleckley, 1988).

Deste modo, com uma lista de 16 características, Cleckley (1988) definiu o indivíduo psicopata como apresentando:

 Charme superficial e boa inteligência

 Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional  Ausência de nervosismo ou de manifestações psiconeuróticas  Não-confiabilidade

 Mentira e falta de sinceridade  Falta de remorso ou vergonha

 Comportamento antissocial inadequadamente motivado

 Julgamento pobre e incapacidade de aprender com a experiência  Egocentrismo patológico e incapacidade para amar

 Pobreza geral nas principais reações afetivas  Perda de insight

 Falta de resposta às relações interpessoais

 Comportamento pouco convidativo sob influência e, por vezes, sem influência do álcool  Ameaças de suicídio raramente realizadas

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Introdução à psicopatia

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 Vida sexual impessoal, trivial e mal integrada  Falha em seguir qualquer plano de vida

O facto de conceber este quadro em termos de traços de personalidade, e de colocar foco nos aspetos interpessoais e afetivos, caracteriza a importância da obra deste autor (Filho et al., 2009).

Com base nas descobertas de Cleckley, Hare começou a desenvolver investigações nesta área, tornando-se dos autores que maior contributo dá para o estudo e avaliação do conceito de psicopatia (Soeiro & Gonçalves, 2010). De acordo com Hare, a psicopatia é constituída por dois fatores correlacionados entre si, sendo que o primeiro fator se relaciona com os aspetos clínicos que caracterizam a perturbação, isto é, os aspetos interpessoais e afetivos, e o segundo fator se associa aos aspetos comportamentais, mais propriamente o comportamento antissocial (Hare, 1980, 1991; Harpur, Hastkian, & Hare, 1988; Hart, Hare, & Harpur, 1992; cit. por Soeiro & Gonçalves, 2010; Nunes, 2009). Para um indivíduo ser classificado como psicopata, necessita apresentar características relacionadas com os dois fatores (Soeiro & Gonçalves, 2010).

Deste modo, as características relacionadas com os dois fatores que Hare apresenta, e que são usadas para definir a psicopatia, englobam:

 Loquacidade/charme superficial  Sentido grandioso de superioridade

 Necessidade de estimulação/propensão para o tédio  Mentira patológica

 Astúcia/manipulação

 Ausência de remorso ou sentimento de culpa  Afeto superficial

 Insensibilidade/ausência de empatia  Estilo de vida parasita

 Controlos comportamentais diminutos  Comportamento sexual promíscuo

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Introdução à psicopatia

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 Problemas comportamentais precoces  Ausência de objetivos realistas  Impulsividade

 Irresponsabilidade

 Incapacidade de assumir a responsabilidade pelos próprios atos  Relacionamentos conjugais numerosos e de curto prazo

 Delinquência juvenil

 Revogação de medidas alternativas ou flexibilizadoras da pena de prisão  Versatilidade criminal

(Hare, 1991; cit. por Gonçalves, 2007; Ronson, 2011)

Assim, para este autor, o psicopata é “alguém incapaz de mostrar empatia ou preocupação genuína por outrem, que manipula e usa os outros para satisfazer os seus próprios desejos”, sendo que as suas características o levam a tratar as outras pessoas como objetos, sem qualquer sentimento de culpa ou remorso (Hare, 1970; cit. por Soeiro & Gonçalves, 2010, p.234; Gonçalves, 2007).

Mais recentemente, Hare & Neumann (2006) desenvolveram um novo modelo, que surgiu como resposta a um modelo de três fatores apresentado por Cooke e Michie (2001), como alternativa para definir o conceito de psicopatia (cit. por Soeiro & Gonçalves, 2010; Blair, Mitchell, & Blair, 2005). O modelo destes últimos autores inclui o estilo interpessoal arrogante e dissimulado, que engloba o charme superficial, o sentido de grandiosidade, a mentira, e a manipulação; a deficiente experiência de afetos, que abrange a ausência de remorso, a insensibilidade, o afeto superficial, e a incapacidade de assumir a responsabilidade pelos atos; e o estilo de comportamento impulsivo e irresponsável, que compreende a propensão para o tédio, o estilo de vida parasita, a impulsividade, a irresponsabilidade, e a ausência de objetivos de vida. Assim, Hare apresentou um modelo que inclui igualmente dois fatores, o qual defende, mas no qual cada fator apresenta duas facetas. Desta forma, o fator um considera duas facetas, o estilo interpessoal arrogante e dissimulado, e a deficiente experiência de afetos, e o fator dois considera a faceta estilo de vida e a faceta antissocial, sendo esta última acrescentada pelo autor, e a qual enquadra a agressividade, os problemas comportamentais precoces, a delinquência juvenil, a revogação de medidas alternativas ou

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Introdução à psicopatia

10

flexibilizadoras da pena, e a versatilidade criminal (Hare & Neumann, 2006; Gonçalves, 2007; Patrick, 2010).

A psicopatia pode então ser considerada “uma constelação de características aos níveis emocional, interpessoal e comportamental, conducente a um modo de funcionamento patológico, que pode resumir-se numa desordem emocional que potencia o risco para a emergência de comportamentos extremamente antissociais” (Blair, Mitchell, & Blair, 2005; cit. por Nunes, 2009, p. 155).

Neste momento, a psicopatia é descrita como uma perturbação da personalidade que persiste ao longo da vida (Fisher & Blair, 1998; Lynam & Gudonis, 2005), porém, é preciso ter em consideração que não deve ser confundida com a perturbação da personalidade antissocial. Apesar de, por vezes, os termos serem utilizados como equivalentes, a perturbação da personalidade antissocial é uma categoria de diagnóstico mais abrangente, que pode englobar indivíduos com psicopatia, bem como indivíduos com qualquer tipo de comportamento antissocial. Assim, enquanto a perturbação da personalidade antissocial é definida com base em comportamentos antissociais e criminosos, a psicopatia envolve um padrão de características emocionais, como ausência de empatia e culpa, e comportamentais, como atividades criminosas e violência (Frick et al., 1994; Hare, 1980, 1991; cit. por Blair, Peschardt, Budhani, Mitchell, & Pine, 2006; Yamada, 2009). Por outras palavras, a psicopatia implica a presença de características interpessoais e afetivas que indivíduos com perturbação da personalidade antissocial podem não apresentar (Martens, 2000; cit. por Filho et al., 2009; Filho et al., 2009).

Deste modo, poucos indivíduos com perturbação da personalidade antissocial podem ser reconhecidos como psicopatas. Assim, enquanto cerca de 90% dos sujeitos diagnosticados com psicopatia apresentam critérios para perturbação da personalidade antissocial, apenas uma minoria de 30% dos indivíduos com esta perturbação são diagnosticados com psicopatia (Hart & Hare, 1997; cit. por Viding, 2004).

Mais recentemente, apesar da sua longa história nas investigações como veremos mais à frente, além da psicopatia adulta, também a psicopatia na infância e adolescência tem ganho um interesse e importância crescente. De tal modo, os capítulos seguintes terão como foco o construto da psicopatia, enquanto aplicado a crianças e adolescentes.

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Introdução à psicopatia

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1.2. A psicopatia na infância e adolescência

O conceito de psicopatia na infância surge com os trabalhos de autores como Cleckley, Karpman e os McCord, pioneiros a colocar a questão da existência da psicopatia nos jovens, em que fase do desenvolvimento pode ser identificada, se é determinada por fatores ambientais ou biológicos, e em que medida pode ser considerada tratável (Cleckley, 1941; Karpman, 1949, 1950; McCord & McCord, 1950, 1964; cit. por Salekin & Lynam, 2010). Atualmente, as investigações na área da psicopatia da infância e adolescência têm aumentado consideravelmente (Salekin & Lynam, 2010).

A psicopatia, tanto na infância como na adultícia, engloba um comprometimento ao nível afetivo e interpessoal, como falta de empatia, culpa, presença de emoções superficiais,

charme superficial, e comportamentos impulsivos, irresponsáveis e antissociais (Blair et al.,

2006; Frick & Marsee, 2006; Viding & Larsson, 2010). Há também referência, tanto nas crianças como nos adultos, a um estilo arrogante, narcísico e manipulador (Lynam & Gudonis, 2005; Blair, 2010). O jovem psicopata age como o adulto psicopata (Lynam & Gudonis, 2005).

Contudo, a extensão do conceito de psicopatia aos jovens não tem sido facilmente aceite (Salekin & Lynam, 2010). Autores referem que não há um consenso entre psicopatologistas do desenvolvimento sobre como as perturbações da personalidade existem na infância ou adolescência, considerando haver razões para acreditar que a personalidade não se cristaliza até ao final da adolescência ou início da idade adulta. Se não existe uma personalidade estável na infância ou adolescência, então não pode existir uma perturbação da personalidade (Kernberg, Weiner, & Bardenstein, 2000; Rutter, Tuma, & Lann, 1988; cit. por Hart, Watt, & Vincent, 2002). Neste seguimento, e fazendo alusão a Bergeret (1992, 1993), é necessário considerar se, quando falamos em termos de personalidade, falamos numa estrutura organizada de modo estável e permanente, ou se se trata de uma personalidade sem uma estrutura estável e fixa, com um desenvolvimento ainda móvel e maleável. Ao entrar no campo da infância e da adolescência, devemos ter em consideração que podemos estar perante casos ainda incertos e inconsistentes em termos de personalidade

Todavia, apesar destas afirmações, investigações sobre a estabilidade da personalidade têm sido desenvolvidas, e as quais desafiam as referências anteriores. Dessas investigações destacam-se as de Caspi, sendo que os estudos do autor têm oferecido as evidências mais abrangentes, até aos dias de hoje, da continuidade da personalidade desde a infância até a

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Introdução à psicopatia

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idade adulta (Caspi, Henry, McGee, Moffitt, & Silva, 1995; Caspi, 2000; Caspi, Roberts, & Shiner, 2005).

Num dos seus estudos (Caspi, 2000), em que foram acompanhados 1037 indivíduos desde os 3 aos 21 anos de idade, com o objetivo de reunir evidências sobre a continuidade do desenvolvimento da personalidade desde a infância até à idade adulta, o autor demonstrou existir uma coerência no desenvolvimento da personalidade nas duas primeiras décadas de vida, sendo que esta noção de coerência se refere a um padrão de resultados onde um construto, medido por vários métodos, mantém o seu significado psicológico ao longo do tempo e em diferentes contextos (Ozer, 1986, p. 83; cit. por Caspi, 2000). O autor acrescenta ainda que o nível de estabilidade aumenta de uma forma relativamente linear ao longo da adolescência e início da vida adulta, e que a estabilidade da personalidade na infância e adolescência é elevada, especialmente depois de 3 anos de idade (Caspi et al., 2005).

Contudo, existem ainda outras críticas quanto à extensão da psicopatia aos jovens. Essas críticas referem que o uso do construto em contextos forenses pode trazer graves consequências, visto que o rótulo de psicopata pode ter influência em processos judiciais, podendo conduzir à tomada de decisão no sentido da punição (Edens, Petrila, & Buffington, 2001; cit. por Petrila & Skeem, 2003; Seagrave & Grisso, 2002; Frick, 2002). Existem também divergências quanto ao facto de o construto da psicopatia ser válido para jovens, dados os padrões de desenvolvimento da personalidade (Petrila & Skeem, 2003). Devido à natureza do desenvolvimento da adolescência, existe um risco acrescido de existirem falsos positivos para jovens, mais do que para adultos (Seagrave & Grisso, 2002).

Com isto, pelas controvérsias existentes, e como as investigações sobre a natureza, estabilidade e consequências da psicopatia juvenil são ainda limitadas, autores preferem usar, em vez de psicopatia, o termo traços de psicopatia1 (Dolan, 2004). Deste modo, a psicopatia é designada como a síndrome que compreende um conjunto de traços interpessoais, afetivos, e comportamentais, enquanto os traços de psicopatia podem ser definidos como os traços e comportamentos do indivíduo que constituem a síndrome da psicopatia (Andershed, 2010).

Apesar do debate em torno do assunto, a psicopatia é considerada como uma perturbação do desenvolvimento, que pode estar presente no final da infância, ou no início da adolescência, e que continua a desenvolver-se até a adultícia, sendo que trabalhos recentes têm confirmado a estabilidade dos traços que representam a disfunção emocional, e da perturbação, desde a infância à idade adulta (Frick, O’Brien, Wootton, & McBurnett, 1994; 1Além do termo “traços de psicopatia”, será também utilizado, por comodidade, a expressão “psicopatia juvenil” ou “psicopatia infantil”,

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Introdução à psicopatia

13

Hare, 1980, 1991; cit. por Blair et al., 2006; Blair, 2010). A estabilidade destes traços na maioria dos estudos existentes, durante a infância e adolescência, e da juventude à idade adulta, tem sido descoberta como moderada a elevada (Andershed, 2010). Autores acrescentam que os traços de psicopatia em crianças predizem o posterior comportamento antissocial e conduta criminosa (Forth & Book, 2010).

A identificação precoce de traços de psicopatia é essencial para evitar graves resultados negativos associados à psicopatia, pois tentativas para tratar a psicopatia na idade adulta têm-se demonstrado mal sucedidas, e as pesquisas sugerem que indivíduos com psicopatia apresentam um registo antissocial e criminal que tem início antes da adultícia (Lynam, 1996, 1997, 1998; Hart et al., 1988; Lipton, Martinson, & Wilks, 1975; Palmer, 1984; Hart & Hare, 1997; cit. por Kotler & McMahon, 2005).

A identificação de traços de psicopatia pode trazer, assim, benefícios que incluem identificar infratores de alto risco, auxiliar na identificação precoce, prevenção e intervenção clínica, e melhorar e otimizar os planos de tratamento para jovens que apresentem traços de psicopatia (Dolan, 2004; Johnstone & Cooke, 2004).

Estender o construto da psicopatia a crianças é um processo controverso, que pode produzir ganhos como permitir compreender a génese da perturbação e melhorar a sua prevenção, como pode acarretar perigos que envolvem os resultados negativos de colocar um rótulo nas crianças (Frick, 2002). Para Frick (2002), o construto da psicopatia deve, assim, ser mantido num alto padrão de avaliação, principalmente quando utilizado para tomar decisões que podem trazer consequências graves para jovens infratores.

Como as investigações ainda são limitadas, são necessários mais estudos longitudinais para examinar as relações entre psicopatia infantil e problemas comportamentais ao longo do tempo (Kotler & McMahon, 2005).

No entanto, e de acordo com Lynam (2002), há razões para acreditar que os traços de psicopatia existem nos jovens, que esses traços podem ser avaliados de forma fidedigna, e que trabalhos nesta área devem continuar a ser desenvolvidos. O estudo e a avaliação da psicopatia juvenil possuem a chave para o seu tratamento (Lynam, 2002).

Por fim, a psicopatia é estável ao longo do tempo pois a sua presença precoce não é reconhecida e, portanto, não é possível intervir de forma eficaz, uma vez que um tratamento mais efetivo necessita ser realizado numa fase inicial do desenvolvimento, antes de ocorrer um acumular de consequências negativas, e enquanto existe a possibilidade de intervir em várias áreas, como na escola e na família (Lynam, 2002).

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Introdução à psicopatia

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Embora em crescimento, são ainda poucas as investigações na área da psicopatia juvenil. Uma vez que, e de acordo com Likken (2006), a psicopatia representa uma falha no processo normal de socialização, não tendo sido desenvolvidos os mecanismos de consciência e hábitos de obediência à lei que costumam reprimir impulsos antissociais, estudos têm-se centrado em investigar a forma como crianças e adolescentes pensam sobre as regras, aspeto considerado crucial para perceber quais os fatores que podem contribuir para a manifestação de problemas comportamentais no futuro (Mullins & Tisak, 2006). Assim, e como subjacente ao comportamento pró-social é mencionado o bom desenvolvimento moral (Lardén et al., 2006), este tem sido um tópico de interesse das investigações. Da mesma forma, e como é conhecido, um dos aspetos característicos da psicopatia é a falta de empatia, pelo que o construto assume aqui um papel crucial, podendo fornecer dados fundamentais para perceber o desenvolvimento e, portanto, o comportamento moral. (Jolliffe & Farrington, 2006)

Considerando estes aspetos, o tema seguinte debruçar-se-á na questão da psicopatia, do desenvolvimento moral, e da empatia, e a forma como estes interagem entre si.

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Capítulo 2 - A psicopatia e o desenvolvimento moral

O psicopata é como o gato, que não pensa no que o rato sente

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A psicopatia e o desenvolvimento moral

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Em 1835, Pritchard utilizou o termo insanidade moral para referir “sujeitos cuja moral ou princípios de conduta eram fortemente pervertidos e indicadores de comportamento antissocial” (Soeiro & Gonçalves, 2010, p. 228). Apesar de esta teoria ter sido mais tarde posta em questão, durante o século XIX, grande parte do debate debruçou-se sobre como uma faculdade moral afetada poderia explicar o comportamento criminoso (Blackburn, 1988).

Atualmente, vários estudos têm demonstrado que indivíduos com psicopatia apresentam dificuldades ao nível da compreensão moral, parecendo não entenderem porque uma ação é, ou não, moralmente correta. Autores indicam inclusive que psicopatas não fazem julgamentos morais (Smith, 1994, p. 67; cit. por Nichols, 2002; Fine & Kennett, 2004). De acordo com Fine e Kennett (2004), indivíduos com psicopatia, ao falharem uma fase essencial na infância de desenvolvimento moral, tornam-se incapazes de formar verdadeiros conceitos morais e, portanto, não possuem os pré-requisitos essenciais da vida moral.

De forma a avaliar o raciocínio moral em indivíduos com psicopatia, nas investigações realizadas, dois paradigmas têm sido comumente utilizados, sendo eles o paradigma de Kohlberg e o paradigma de Turiel (Colby & Kohlberg, 1987; Kohlberg, 1969; Turiel, 1983; cit. por Blair et al., 2005). É a estes paradigmas que nos remetemos seguidamente.

2.1. O paradigma de Kohlberg

Kohlberg é considerado um dos autores de referência para o estudo do desenvolvimento moral. Baseado nos trabalhos de autores como Piaget, criou uma linha de investigação que se focou no desenvolvimento da compreensão de questões morais, e propôs uma teoria em que o desenvolvimento moral ocorre segundo uma sequência de estádios universais, pelos quais as pessoas passariam até atingir um nível superior. Esta teoria dos estádios permite observar avanços no raciocínio moral, sendo que o alcance de um estádio superior demonstrará uma maior compreensão da natureza das obrigações morais em sistemas sociais complexos. Estes estádios de desenvolvimento moral foram baseados nas suas investigações com crianças, tendo em conta a forma como estas respondiam perante dilemas morais (Rest, 1979; cit. por Ishida, 2006; Fini, 1991; Hart & Carlo, 2005).

Assim, no paradigma de Kohlberg, a tarefa consiste em apresentar ao indivíduo uma série de dilemas morais, e em questioná-lo sobre como agiria perante aquela situação e o motivo. Em cada dilema existem valores morais antagónicos. De acordo com Fini, procura-se colocar o indivíduo perante um “conflito entre a conformidade habitual a regras ou à autoridade em

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oposição a uma resposta utilitária ou de bem maior” (Fini, 1991, p.62). O importante nesta tarefa será observar o nível de raciocínio moral da pessoa, que depende das suas justificações, sendo que quanto mais complexo for o raciocínio, maior o seu nível de raciocínio moral (Fini, 1991; Blair et al., 2005; Bataglia, Morais, & Lepre, 2010).

Desta forma, Kohlberg propõe seis estádios de desenvolvimento moral, os quais podem ser divididos de acordo com três níveis (Bataglia et al., 2010). No primeiro nível, denominado como “pré-convencional”, o indivíduo faz uma análise do certo e errado tendo em consideração os seus próprios interesses, que incluem o medo e a punição. Neste nível, no primeiro estádio, a obediência às regras ocorre por medo da punição que se possa vir a receber e, no segundo estádio, considerado o estádio do individualismo, o raciocínio moral do indivíduo é um raciocínio egocêntrico, pelo que este segue as normas por interesse próprio (Menin, 1996; cit. por Bataglia et al., 2010; Fini, 1991; Bataglia et al., 2010).

No nível seguinte, o “convencional”, o indivíduo considera como atos morais corretos aqueles que assentam nas convenções e regras sociais que são estabelecidas pelas autoridades ou instituições socialmente reconhecidas, pelo que os seus juízos morais são formulados tendo em consideração as regras das mesmas e as expectativas que estas depositam sobre si. Este nível engloba o terceiro e quarto estádio. No terceiro estádio, o comportamento do indivíduo orienta-se em função do que as pessoas esperam do próprio, considerando os interesses coletivos como mais significativos que os interesses individuais. No quarto estádio, a perspetiva moral é a de manter a ordem social e o que foi estabelecido pelas autoridades, o que implica a colaboração com a organização social e as instituições (Menin, 1996; cit. por Bataglia et al., 2010; Fini, 1991; Bataglia et al., 2010).

No terceiro e último nível, o “pós-convencional”, que engloba o quinto e sexto estádio, a ação considerada correta é aquela que vai ao encontro dos princípios morais universais, pautados pela reciprocidade e igualdade. Em vez de ser guiado por regras sociais, o pensamento é regido por princípios morais e éticos. Assim, no quinto estádio, o raciocínio moral é feito tendo em consideração o contrato social, os direitos individuais dos outros, e a vontade e bem-estar da maioria, e o sexto estádio corresponde ao alcançar dos princípios éticos universais, em que há uma orientação para a consciência e para princípios que compreendem o recurso à universalidade lógica e à consistência, sendo por isto, considerado por Kohlberg, como o mais evoluído dos estádios (Menin, 1996; cit. por Bataglia et al., 2010; Fini, 1991; Bataglia et al., 2010).

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2.1.1. O paradigma de Kohlberg no comportamento antissocial e na psicopatia

Um dos objetivos do estudo do desenvolvimento moral é entender e prever o comportamento moral, incluindo a “delinquência” (Tavecchio, Stams, Brugman, & Thomeer-Bouwens, 1999). Para Kohlberg, o raciocínio moral desempenha um papel fundamental na ação moral, fornecendo unidade aos processos complexos como questões, dúvidas, julgamentos e decisões que constituem a ação moral, pelo que esta pode ser considerada um critério para medir o raciocínio moral (Kohlberg, 1958; cit. por Nelson, Smith, & Dodd, 1990). É ainda considerado que a diferença entre delinquência e não delinquência é umas das áreas de maior suporte para a questão de que o julgamento moral sustenta a ação moral (Blasi, 1980; cit. por Leenders & Brugman, 2005).

De acordo com esta linha de pensamento, investigações foram desenvolvidas de forma a observar a relação entre o desenvolvimento moral e o comportamento moral, e tomaram como hipótese que o desenvolvimento moral de indivíduos delinquentes é mais “imaturo”, comparativamente a indivíduos não delinquentes (Fodor, 1972a, 1973; cit. por Kupfersmid & Wonderly, 1980; Nelson et al., 1990). Tal hipótese foi comprovada por Blasi (1980; cit. por Tavecchio et al., 1999) ao verificar que, 9 de 11 estudos, observaram haver uma relação entre a competência de juízo moral e a delinquência e, desde aí, vários estudos têm confirmado estes resultados. Por exemplo, numa investigação realizada em 1983, por Gavaghan e colegas (Gavaghan, Arnold, & Gibbs, 1983), os resultados indicaram que jovens delinquentes apresentavam valores significativamente mais baixos ao nível do desenvolvimento moral, em relação a indivíduos não delinquentes. De igual modo, Lee e Prentice (1988) observaram que indivíduos delinquentes apresentavam modos mais imaturos de raciocínio moral.

Numa metanálise de 15 estudos desenvolvida por Nelson e colegas (Nelson et al., 1990), foi possível observar que o desenvolvimento moral de jovens delinquentes se encontra num nível inferior comparativamente a jovens não delinquentes. Também numa metanálise mais recente de 50 estudos, realizada por Stams e colegas (Stams et al., 2006), se observou que o nível de julgamento moral apresenta uma forte ligação com a delinquência juvenil, sendo que estudos que incluíam jovens com traços de psicopatia demonstraram uma maior associação (Campagna & Harter, 1975; Fodor, 1973; cit. por Stams et al., 2006).

Seguindo a mesma linha de investigação, outras pesquisas demonstraram que indivíduos com traços de psicopatia, comparativamente aos outros indivíduos, apresentam níveis mais baixos de desenvolvimento moral (O’Kane, Fawcett, & Blackburn, 1996; Lardén, Melin,

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Holst, & Langstrom, 2006; Glenn, Koleva, Iyer, Graham, & Ditto, 2010; Aharoni, Antonenko, & Kiehl, 2011).

Neste contexto é de salientar que, já em 1977, se observa que Jurkovic e Prentice haviam colocado a questão de o comportamento dos jovens delinquentes estar provavelmente ligado ao seu nível de julgamento moral (cit. por Heyns, Niekerk, & Roux, 1981). Nos seus estudos, estes autores demonstraram que delinquentes psicopatas apresentavam níveis mais imaturos de desenvolvimento moral, do que todos os outros subgrupos de delinquentes investigados. Evidências que indivíduos com traços de psicopatia apresentavam níveis mais baixos de desenvolvimento moral foram também encontradas por Fodor (1973), Anchor e Cross (1974), e Campagna e Harter (1975) (cit. por Heyns et al., 1981).

Tendo em consideração os estádios de desenvolvimento moral de Kohlberg, considera-se que jovens delinquentes evidenciam um desenvolvimento moral compreendido entre o estádio um e dois, enquanto jovens não delinquentes se encontram entre o estádio três e quatro de desenvolvimento moral (Colby & Kohlberg, 1987; cit. por Leenders & Brugman, 2005). De acordo com outros autores, que têm investigado a relação entre psicopatia e desenvolvimento moral, os psicopatas adolescentes encontram-se no nível pré-convencional de desenvolvimento moral, enquanto os delinquentes não psicopatas se apresentam entre o nível pré-convencional e convencional de desenvolvimento moral (Campagna & Harter, 1975; Fodor, 1973; cit. por Veneziano & Veneziano, 1988).

No entanto, outros estudos desenvolvidos com o mesmo objetivo não corroboram estes resultados, por não terem conseguido encontrar uma relação entre desenvolvimento moral e comportamento antissocial (Prentice & Jurkovic, 1973; cit. por Kupfersmid & Wonderly, 1980; Tavecchio et al., 1999; Leenders & Brugman, 2005; Velden, Brugman, Boom, & Koops, 2010; Cima, Tonnaer, & Hauser, 2010; Barros, 2011). Tais estudos sustentam a hipótese de que o julgamento moral não é suficiente para prever o comportamento delinquente, considerando esta realidade como mais complexa (Leenders & Brugman, 2005). Contudo, para vários autores, a existência de uma ligação entre julgamento moral e comportamento não é negada (Kupfersmid & Wonderly, 1980).

2.1.2. Instrumentos de avaliação dos níveis de desenvolvimento moral de Kohlberg

As investigações envolvendo o desenvolvimento moral aumentaram significativamente com Kohlberg, e impulsionaram o desenvolvimento de instrumentos que permitissem medir

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este construto. Nesses instrumentos de avaliação do julgamento moral é comum o uso de dilemas morais. Um dilema moral apresenta-nos uma situação ambígua com várias opções de ação possíveis, e envolvem situações em que cada pessoa tem uma opinião diferente. Assim, a sua característica essencial é que dois valores ou princípios morais fundamentais estejam em competição (Bataglia et al., 2010; Boom & Brugman, 2005). Destes instrumentos, os mais conhecidos englobam o “Moral Judgment Interview” (MJI), o “Defining Issue Test” (DIT), e o “Moral Judgment Test” (MJT).

O MJI, criado por Kohlberg, trata-se de uma entrevista semiestruturada que objetiva avaliar o nível de desenvolvimento moral. É constituída por três dilemas morais existindo, em cada um, valores morais em conflito. A determinação do estado de desenvolvimento moral predominante é feita analisando as respostas dadas às perguntas que seguem o dilema moral, e o qual foi criado de forma a levantar problemáticas opostas, tendo o entrevistado de justificar o seu argumento. A sua duração é extensa, estimando-se uma média de 60 minutos para os três dilemas (Bataglia et al., 2010).

Contudo, várias críticas se apresentam ao MJI. Uma das críticas refere que este instrumento apresenta limitações relativas ao facto de os dilemas não abrangerem de forma adequada todos os domínios morais, sendo que se centra maioritariamente nas questões relacionadas à justiça e direitos, negligenciando os relacionamentos pessoais mais íntimos e o papel da religião na formação do pensamento moral. De igual modo, o MJI apresenta limitações por existirem posições de raciocínio moral que não se enquadram nos estádios de desenvolvimento moral apontados pelo autor (Rest, Narvaez, Bebeau, & Thoma, 1999; Campbell & Christopher, 1996; cit. por Bataglia et al., 2010).

Outros autores (Shweder et al., 1987, cit. por Rest et al., 1999) afirmam ainda que a metodologia utilizada por Kohlberg valoriza mais a habilidade verbal do indivíduo, do que propriamente o seu verdadeiro conhecimento ou desenvolvimento moral (cit. por Bataglia et al., 2010). Acrescenta-se ainda que, apesar de possuir um manual de instruções detalhado, por se tratar de uma entrevista constituída por questões abertas, o MJI encontra-se vulnerável a interferências subjetivas por parte do pesquisador (Bataglia et al., 2010). Também se observa que o MJI se encontra suscetível a fatores contextuais, mais do que se pensava (Boom & Brugman, 2005).

O DIT-1, instrumento desenvolvido por Rest que considera uma abordagem neo-kohlberguiana, (1986; cit, por Bataglia et al., 2010), é constituído por seis dilemas morais, de acordo com a versão longa da prova, ou três dilemas morais, no que respeita à versão curta.

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Em cada um deles é proposto ao entrevistado avaliar doze alternativas de respostas possíveis. Mais recentemente foi desenvolvido o DIT-2, o qual se apresenta mais moderno e mais curto, sendo composto por cinco dilemas morais, e com instruções mais claras e dinâmicas (Bataglia et al., 2010).

No entanto, tanto o DIT-1 como o DIT-2 possuem algumas limitações. Os participantes podem preencher a prova de forma aleatória, fornecendo dados falsos, e respondendo de forma diferente da que foi prevista pelos autores. Os itens podem ainda parecer ambíguos para alguns indivíduos e podem sobrestimar o desenvolvimento moral da pessoa. O DIT apresenta-se ainda apresenta-sensível ao estatuto socioeconómico, nível de educação e região de proveniência (Koller et al., 1994; Rest et al., 1999; cit. por Bataglia et al., 2010).

“O DIT-1 e o DIT-2 podem revelar e confirmar diferentes formas de moralidade e de juízos morais mas, igualmente, podem, especialmente quando usados como únicos instrumentos de investigação, conduzir a conclusões equivocadas e estereotipadas” (Shimizu, 2002, 2004; Shimizu & Urano, 2004; cit. por Bataglia et al., 2010, p. 29).

O MJT, criado por Lind, objetiva avaliar a competência de juízo moral, sendo esta a “capacidade de tomar decisões e de fazer juízos morais (baseados em princípios internos) e de agir de acordo com tais juízos” (Kohlberg, 1964; cit. por Lind, 1999, p.1). Trata-se assim de um aspeto do desenvolvimento moral não contemplado pelos instrumentos referidos anteriormente. Deste modo, este instrumento permite avaliar a capacidade do indivíduo para aplicar o juízo moral em situações adversas.

Nesta tarefa são apresentados ao indivíduo dois dilemas morais, solicitando-se que seja avaliada a decisão do personagem do dilema. Seguidamente o indivíduo é confrontado com doze argumentos, seis a favor e seis contra a decisão do personagem do dilema, sendo esses argumentos criados de acordo com os diferentes estádios de desenvolvimento moral (Bataglia et al., 2010).

Porém, algumas dúvidas sobressaem, nomeadamente se o indivíduo, perante as questões do dilema, responde refletindo o seu nível de juízo moral, ou o seu compromisso com a defesa de um ideal. Assim, não é possível perceber se “a consistência se deve ao desenvolvimento moral ou simplesmente ao desejo de defender determinado ponto de vista” (Bataglia et al., 2010, p.30).

Acrescenta-se ainda que, por ser aplicado individualmente e por apresentar um formato de entrevista semiestruturada, leva um maior tempo de aplicação, não permitindo um trabalho

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com amostras extensas. Esta limitação aplica-se ainda às provas referidas anteriormente (Bataglia et al., 2010).

As pesquisas de Kohlberg, apesar de terem impulsionado o surgimento de estudos de relevo, também geraram grande controvérsia. A teoria de Kohlberg tem recebido muitas críticas, as quais consideram que a teoria do desenvolvimento moral se preocupa apenas com a moralidade masculina baseada na justiça, sendo limitada quando aplicada ao sexo feminino, bem como menospreza a dimensão afetiva e as emoções. (Gilligan, 1993; Campbell & Christopher, 1996; Flanagan, 1996; cit. por Bataglia et al., 2010; Papalia, Olds, & Feldman, 2001).

De igual modo, os estádios de Kohlberg são limitados quando aplicados a pessoas de culturas não ocidentais, e a sua teoria não considera as influências do ambiente, como a família (Papalia et al., 2001).

Da mesma forma é apontado como crítica que, o facto de as pessoas se situarem num nível de raciocínio moral mais elevado, não significa que atuem num sentido mais moral que pessoas que se situem num nível mais baixo (Kupfersmid & Wonderly, 1980).

Apesar de a sua teoria ser relevante e ter levado, ao longo do tempo, ao desenvolvimento de várias formas de medir o desenvolvimento moral, aspetos relacionados com as propriedades psicométricas destes instrumentos ainda geram controvérsias e debate (Gibbs & Widaman, 1982; Rest, 1974, 1976, 1979; Kurtines & Greif, 1974, Colby, 1978; cit. por Veneziano & Veneziano, 1988).

Deste modo, devido aos prós e contras do uso destes instrumentos, Turiel propôs um método alternativo para a avaliação do desenvolvimento moral, o qual explicamos seguidamente.

2.2. O paradigma de Turiel

A capacidade de realizar julgamentos morais tem também sido abordada ao longo dos tempos na literatura através da distinção feita entre a violação das regras morais e das regras convencionais (Nichols, 2002). Esta tarefa de distinção entre o que é moral e o que é convencional foi iniciada por Turiel, e posteriormente seguida por autores como Smetana e Nucci (Turiel, 1978a; cit. por Nucci, 1981; Smetana, 1981), permitindo estudar o desenvolvimento da compreensão moral nas crianças, e as dificuldades existentes na compreensão moral em populações forenses (Kelly, Stich, Haley, Eng, & Fessler, 2007).

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Fazendo uma distinção entre o que é “moral” e o que é “convencional”, Turiel aborda as regras morais como englobando o respeito pelo bem-estar e direitos dos outros, e incluindo exemplos como a proibição de matar ou causar dano a outra pessoa. As regras convencionais, por outro lado, dizem respeito à regulamentação e coordenação de ações, e incluem exemplos como a proibição de usar roupas do sexo oposto, ou falar na sala de aula quando não permitido pelo professor (Maibom, 2005; Kelly et al., 2007; Turiel, 2008).

Nesta perspetiva, as regras morais têm força e não são dependentes da autoridade de qualquer indivíduo ou instituição. São também gerais e não apenas locais, sendo aplicadas universalmente. A violação das regras morais, por norma, resulta numa vítima cujos direitos foram violados e, portanto, tal violação é considerada mais grave e punível do que a violação de regras convencionais (Turiel, 1983; cit. por Huebner, Lee, & Hauser, 2010; Kelly et al., 2007). Em contraste, as regras convencionais são arbitrárias, e podem ser suspensas ou alteradas por uma autoridade. São locais, sendo que podem ser aplicadas em determinadas comunidades mas não noutras, e a violação destas regras não envolve qualquer vítima pelo que, deste modo, a violação das regras convencionais é considerada menos grave do que a violação das regras morais (Kelly et al., 2007).

De uma forma geral, estes dois tipos de regras (morais e convencionais) podem ser consideradas normativamente equivalentes, uma vez que cada uma delas é projetada de forma a inibir a transgressão moral, e para evitar que o indivíduo realize ações que prejudiquem os outros (Glannon, 2008).

Na tarefa criada por Turiel2 de forma a avaliar a capacidade de julgamento moral, são apresentadas ao indivíduo histórias que envolvem transgressões morais e convencionais, tendo este de fazer julgamentos sobre estas transgressões. Estes julgamentos envolvem como critérios a permissibilidade do ato (é mau fazer a transgressão?); a gravidade do ato (quão grave seria fazer a transgressão?); e a influência da autoridade (se não houvesse nenhuma regra, poderia fazer-se a transgressão?) (Smetana, 1993; Turiel, 1983; cit. por Blair et al., 2005).

Desta forma, transgressões morais e convencionais distinguem-se tendo em consideração dois critérios de julgamento: julgamentos sob regras normais, que englobam os aspetos da permissibilidade e gravidade do ato, e julgamentos sob regras modificadas, que englobam a influência da autoridade (Blair, 1997).

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Nesta tarefa são ainda consideradas as justificações dadas pelos indivíduos. Estas têm sido adaptadas ao longo da literatura e envolvem: referência ao bem-estar dos outros, ou seja, qualquer referência ao bem-estar da vítima; referências normativas, isto é, qualquer referência às regras, mesmo que implícita; qualquer referência à impertinência do ato; referência à desordem causada pela transgressão; às implicações a longo-termo da transgressão; e é ainda considerada uma referência que englobe qualquer outra resposta (Blair, 1995; Blair, Jones, Clark, & Smith, 1995).

De acordo com Turiel, a tarefa de distinção entre as regras morais e convencionais está relacionada com vários domínios do desenvolvimento, pelo que crianças com um desenvolvimento normal conseguem distinguir entre transgressões morais e convencionais (Turiel, 1983; cit. por Fine & Kennett, 2004; Fine & Kennett, 2004). Assim, e de acordo com a investigação empírica, é possível observar que a distinção entre o que é moral e o que é convencional surge em crianças a partir da idade pré-escolar, mantendo-se durante a adultícia, e ocorrendo transculturalmente. Verifica-se ainda que as crianças reconhecem as transgressões morais como mais graves do que as transgressões convencionais, e entendem as regras convencionais como dependentes da autoridade, podendo ser aceitáveis caso essa autoridade seja retirada, mas não acontecendo o mesmo com as regras morais, sendo as transgressões morais encaradas como erradas e não permissíveis com ou sem remoção da autoridade (Smetana & Braeges, 1990; cit. por Maibom, 2005; Nucci, 1981; Smetana, 1981; Blair, 1997; Nichols, 2002; Fine & Kennett, 2004; Huebner et al., 2010; Turiel, 2008). Esta distinção pode ainda ser encontrada em crianças com dificuldades ligeiras de aprendizagem, história de abuso físico, autismo, e Síndrome de Down (Smetana & Braeges, 1990; cit. por Maibom, 2005; Smetana, Kelly, & Twentyman, 1984; Blair, 1996).

Em suma, vários estudos defendem que crianças, adolescentes e adultos fazem julgamentos no domínio moral, distintos de julgamentos que fazem noutros domínios (Helwig, Tisak, & Turiel, 1990; Nucci, 2001; Smetana, 1995; Tisak, 1995; Turiel, 1983, 2008; cit. por Bacchini, Affuso, & Angelis, 2012). Regras morais que resultem da necessidade de evitar desigualdades, dano, injustiça, são julgadas como universais e não dependem de normas ou da autoridade. De igual modo, as justificativas englobam o dever de evitar danos, e garantir a justiça, os direitos e o bem-estar dos outros. Contrariamente, regras não morais, ou convencionais, já não são consideradas universais, e dependem de leis, normas, ou seja, dependem de uma autoridade. As justificações subjacentes englobam a necessidade de preservar a organização social e melhorar as interações (Turiel, 2008).

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Investigações que apontam para a capacidade dos indivíduos distinguirem moral e convencional desde cedo na infância, são um marco nas pesquisas do raciocínio moral. Contudo, isto não permite aos investigadores afirmar que todos os indivíduos interpretam os eventos morais da mesma forma. Por exemplo, os adolescentes que julgam as transgressões morais de forma menos rigorosa em termos morais encontram-se mais envolvidos em atos antissociais (Bacchini et al., 2012). Tal não significa que os indivíduos não consigam distinguir entre moral e convencional, apenas que alguns indivíduos são mais propensos que outros a dar importância a aspetos morais de eventos morais, e que essa tendência apresenta uma influência relevante no comportamento antissocial (Bacchini et al., 2012).

2.2.1. O paradigma de Turiel no comportamento antissocial e na psicopatia

Durante as últimas duas décadas, estudos têm sido desenvolvidos no sentido de observar e perceber o desempenho de indivíduos com psicopatia, ou crianças e adolescentes com tendências psicopáticas, na tarefa de distinção entre as regras morais e convencionais, criada por Turiel. Crianças e adultos com traços de psicopatia mostram ter dificuldades consideráveis na realização desta tarefa (Blair, 1995, 1997; Blair et al., 1995; Blair, Monson, & Frederickson, 2001).

Blair, pioneiro neste tipo de investigação, em colaboração com outros autores, comparou um grupo de indivíduos com psicopatia com um grupo de indivíduos sem psicopatia, de forma a analisar o seu desempenho na tarefa de distinção entre moral e convencional. Na investigação foram consideradas as transgressões, bem como os atos morais e convencionais positivos. Como critérios de julgamento foram utilizados a “permissibilidade”, a “gravidade do ato” e a “influência da autoridade”. Ainda se consideraram as “justificações” dadas por ambos os grupos (Blair et al., 1995).

Foi então observado que, ao contrário dos indivíduos sem psicopatia, os indivíduos com psicopatia não só tinham dificuldades em fazer a distinção entre transgressões morais e convencionais, como muitos não faziam sequer essa distinção, considerando muitas vezes as transgressões morais como permissíveis perante o consentimento da autoridade. Também se demonstraram incapazes de justificar as transgressões morais como erradas fazendo referência ao bem-estar dos indivíduos. Esta falta de capacidade de fazer a distinção entre as transgressões morais e convencionais, bem como de fazer referência ao bem-estar dos outros, não só se relacionou com as pontuações obtidas na Psychopathy Checklist – Revised (PCL-R;

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Hare, 1991), instrumento utilizado pelos autores para avaliação dos traços de psicopatia, como com o item “falta de remorso/culpa”. Relativamente aos atos morais e convencionais positivos, ambos os grupos falharam na tarefa de distinção, não apresentando diferenças nos critérios de julgamento e nas justificações, embora, surpreendentemente, o grupo com psicopatia considerasse estes atos morais e convencionais como preferíveis às transgressões (Blair et al., 1995).

Noutro estudo, seguindo uma metodologia idêntica, Blair (1995) observou que o grupo sem psicopatia fez uma distinção entre transgressões morais e convencionais tendo em consideração os critérios de julgamento, contudo, tal não ocorreu com o grupo com psicopatia. Tendo em conta o critério da influência da autoridade, quando esta era retirada, os indivíduos com psicopatia não consideraram as regras morais como iguais às convencionais, pelo contrário, consideraram as regras convencionais como iguais às morais. Aqui o autor considera que o grupo experimental não estava a ser sincero nas suas respostas pois, uma vez que se encontravam encarcerados e pretendiam ser libertados, queriam demonstrar que os tratamentos estavam a ser eficazes e que tinham aprendido as regras da sociedade (Blair, 1995; Fine & Kennett, 2004). Porém, da mesma forma que no estudo anterior, não foi feita referência ao bem-estar dos indivíduos pelo grupo com psicopatia para justificar as transgressões morais (Blair, 1995).

Em crianças e adolescentes estudos semelhantes foram replicados. Blair (1997) desenvolveu uma investigação de forma a analisar o desempenho de crianças com traços de psicopatia na tarefa de distinção entre moral e convencional, e observou que estas crianças, comparativamente ao grupo de controlo, eram menos sensíveis à distinção entre transgressões morais e convencionais, considerando as transgressões morais permissíveis perante a ausência da autoridade. Tais resultados vão ao encontro dos descobertos por Nucci e Herman (1982). Relativamente à consideração do bem-estar dos indivíduos, diferenças entre ambos os grupos não foram encontradas (Blair, 1997).

De forma semelhante, Fisher e Blair (1998) observaram que, perante a remoção da regra de proibição da transgressão, crianças com traços de psicopatia consideraram tanto as transgressões morais como as convencionais permissíveis.

Mais recentemente, outros estudos observaram que crianças com problemas comportamentais e com valores elevados no Psychopathy Screening Device (PSD; Frick & Hare, 2001), demonstraram um desempenho mais pobre na tarefa de distinção entre moral e convencional perante a modificação das regras da autoridade, não fazendo, de igual modo,

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A psicopatia e o desenvolvimento moral

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alusão ao bem-estar dos outros de forma a justificar a proibição das transgressões morais (Blair, et al., 2001).

Contrariamente a estes resultados, Dolan e Fullam (2010), numa investigação realizada com adolescentes, observaram que, embora o grupo com traços de psicopatia, de uma forma geral, tivesse um desempenho mais pobre na tarefa de distinção entre moral e convencional, diferenças não foram encontradas em ambos os grupos na tarefa perante regras normais e modificadas. Neste estudo também não foram encontradas diferenças relativamente à referência ao bem-estar dos indivíduos, logo, uma correlação significativa entre traços de psicopatia e a distinção entre moral e convencional não foi encontrada.

É possível então verificar que, apesar de os resultados nestes estudos entre grupo experimental e grupo de controlo serem semelhantes na tarefa de distinção entre moral e convencional tendo em conta o critério da permissibilidade e a gravidade do ato, indicando que as transgressões morais são consideradas mais graves e menos permissíveis que as convencionais, tal já não se verifica sempre que se modifica a influência da autoridade, sendo que as transgressões morais se tornam geralmente mais permissíveis pelo grupo experimental. Também é visível a falha pelo grupo experimental em considerar o bem-estar e os danos causados aos indivíduos.

2.3. A questão da empatia

A empatia pode ser definida como uma resposta afetiva de um indivíduo ao estado ou condição emocional de outra pessoa (Miller, Eisenberg, Fabes, & Shell, 1996), e serve uma variedade de funções distintas relacionadas com a interação social, emocionalidade e tomada de perspetiva (Lardén et al., 2006). “Consiste em perceber o quadro de referência interno do outro com precisão e com os componentes e significados emocionais que lhe pertencem como se fossemos a outra pessoa, mas sem nunca perder a condição “como se”. Assim significa sentir a dor ou o prazer do outro como ele sente e perceber as suas causas como ele as percebe, mas sem nunca deixar de reconhecer que se trata da dor ou do prazer do outro” (Rogers, 1950, p. 210-211; cit. por Rogers, 1975, p.2).

Como podemos observar na literatura revista, a psicopatia é descrita como um transtorno que envolve défices ao nível da empatia, pelo que esta se torna um dos fatores que pode explicar a dificuldade ou incapacidade de indivíduos com psicopatia em considerar os interesses e as necessidades dos outros, em deliberar, planejar e tomar decisões de forma

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Figura 1. Modelo Causal do Desenvolvimento da Psicopatia (Blair et al., 2005)
Figura 3. Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação ao Tipo se Ensino (N=428)
Figura 4. Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação ao Ano de Escolaridade (N=409)
Figura 7. Percentagem da Distribuição da Amostra em Relação ao Número de Reprovações (N=157)
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Referências

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