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Capítulo 2 A psicopatia e o desenvolvimento moral

2.3. A questão da empatia

2.3.1. Os modelos da empatia

2.3.1.1. A perspetiva de Blair

Blair (1995) propôs um modelo teórico para o desenvolvimento da consciência moral, e o qual pode constituir uma explicação para a causa da psicopatia. Este modelo, o mecanismo de inibição da violência, explica o comportamento a partir de uma perspetiva da empatia, e baseia-se no trabalho de etologistas que propuseram que a maior parte dos animais sociais possui um mecanismo para o controlo da agressão. Estes autores referem que a exibição de sinais de submissão por parte da vítima, leva a que o agressor termine o ataque violento (Eibl- Eibesfeldt, 1970; Lorenz, 1981; cit. por Blair et al., 2001; Dolan & Fullam, 2010).

O modelo de inibição da violência é considerado um mecanismo cognitivo que atua de forma semelhante nos seres humanos. De acordo com este modelo, sinais de distress como expressões faciais e tons vocais de medo e tristeza, funcionam como sinais de submissão que levam à ativação do mecanismo de inibição da violência. A sua ativação leva a uma reação automática, que resulta na inibição do comportamento agressivo. Posto isto, indivíduos que não possuam este mecanismo não conseguirão interromper o ataque perante a apresentação de sinais de distress por parte da vítima. (Blair, 1995, 1997, 2001; Blair et al., 1995; Blair et al., 2001; Lynam & Gudonis, 2005).

Deste modo, este modelo é considerado importante para a socialização, funcionando como um pré-requisito para o desenvolvimento de certos aspetos da moralidade, nomeadamente para o desenvolvimento da distinção entre o que é moral e o que é convencional, sendo que a ativação do mecanismo de inibição da violência medeia a performance na tarefa (Blair, 1993; cit. por Blair, 1995; Blair et al., 1995; Blair et al., 2001).

Este processo pode ser bem explicado através do condicionamento clássico. De acordo com um desenvolvimento considerado normal, o indivíduo é capaz de ver o sofrimento dos outros como um estímulo aversivo incondicionado, sendo que esta resposta surge numa criança antes de esta ser cognitivamente capaz de ter em consideração a perspetiva dos outros. Através da socialização, pensamentos sobre transgressões que podem causar sofrimento, podem tornar-se estímulos aversivos condicionados. Contudo, se este mecanismo apresentar uma disfunção, a representação de atos que prejudiquem os outros não desencadeará o mecanismo de inibição da violência. Assim, as crianças não sentirão que comportamentos passíveis de prejudicar os outros sejam aversivos e, como tal, não demonstrarão uma socialização moral adequada. (Blair, 1995; Blair, 2001; Viding, 2004).

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Assim sendo, a ativação deste mecanismo na tarefa de distinção entre moral e convencional apenas ocorre caso as representações das transgressões morais se tornem estímulos para a sua ativação. Ou seja, através do condicionamento clássico, caso haja uma associação entre as representações das transgressões com os sinais de distress causados pelos atos de transgressão, estes tornam-se estímulos condicionados que ativam o mecanismo. Como em indivíduos psicopatas a forma de processarem o estímulo incondicionado se encontra dificultada, ocorre uma falha em formar uma associação entre o estímulo incondicionado e o estímulo condicionado. Com isto, a tendência é julgarem as transgressões morais como semelhantes às convencionais. Como as transgressões convencionais não resultam na ativação de distress na vítima, estas raramente irão ativar o mecanismo de inibição da violência (Blair, 1995, 2001; Blair et al., 1995; Viding, 2004). Deste modo, o modelo funciona igualmente como um pré-requisito para o desenvolvimento de justificações que foquem o bem-estar dos outros (Blair, 1995).

Este modelo é então considerado como um mecanismo de emoção básico que, quando comprometido, pode resultar num fator de risco para a psicopatia (Blair et al., 2001). Contudo, a falta deste mecanismo não implica, por si só, que o indivíduo cometa atos antissociais. Significa apenas que há uma perda na fonte que leva à interrupção do comportamento violento. O desenvolvimento da psicopatia é considerado como uma consequência da falta deste mecanismo, em consonância com fatores cognitivos e ambientais (Blair, 1995).

Recentemente, e como o modelo de inibição da violência não podia ser considerado um modelo completo da psicopatia uma vez que, apesar de explicar o comportamento antissocial exibido por psicopatas, não conseguia abranger outros défices apresentados por estes indivíduos, Blair (2006a) expandiu este modelo para o modelo do sistema emocional integrado (Blair et al., 2005). Este modelo neurocomportamental mantem como base o mecanismo de condicionamento clássico, mas numa perspetiva da neurociência cognitiva, sugerindo assim que, ao existirem défices nas principais estruturas ou circuitos envolvidos no processamento da informação emocional, nomeadamente na amígdala, ocorre um prejuízo na socialização moral (Blair, 2005; cit. por Dolan & Fullam, 2010; Blair, 2006a).

De acordo com Baxter e Murray, a amígdala encontra-se envolvida na formação de associações entre estímulo-recompensa e estímulo-punição (2002). Para Blair, a amígdala é essencial para a associação entre a transgressão moral e o distress da vítima (Blair, 2006a). Assim, para uma boa socialização, a criança precisa formar uma associação entre a

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representação das transgressões morais e a punição causada pelos sinais de distress da vítima, o que permite evitar atos que prejudiquem os outros e, como a amígdala responde à tristeza e ao medo da vítima, permite formar essa associação. Como indivíduos com psicopatia não conseguem fazer esta associação, pois não reagem aos sinais de distress dos outros e, desta forma, entendem o sofrimento da vítima como não sendo aversivo, há uma menor propensão para aprender a evitar atos que prejudiquem os outros (Blair et al., 2005).

Devido à crescente evidência de uma contribuição genética na psicopatia, Blair e colegas sugerem o comprometimento do funcionamento da amígdala como resultante de anomalias genéticas (Blair, 2001, 2002; Blair et al., 1999; Patrick, 1994; cit. por Blair et al., 2005).

As consequências daí resultantes podem ser observadas através do seguinte esquema:

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Assim, e de acordo com o representado na figura 1, Blair apresenta-nos um modelo de causalidade, o qual se divide em quatro níveis: social, biológico, cognitivo e comportamental. Como referido anteriormente, a psicopatia apresenta-se como uma consequência de défices ao nível da amígdala, os quais o autor acredita estarem presentes desde cedo em indivíduos psicopatas e, este funcionamento anómalo da amígdala resulta numa aprendizagem emocional comprometida (patente nos comprometimentos ao nível da empatia, e a qual é considerada a raiz da psicopatia), que se apresenta através de comportamentos problemáticos identificados pelo fator um da perturbação. Além disso, resulta também num desempenho prejudicado em tarefas específicas, como na aprendizagem de esquiva passiva e no reconhecimento de determinadas expressões faciais. Relativamente ao fator dois da psicopatia, o qual se relaciona com a expressão do comportamento antissocial, de forma a contribuir para a sua manifestação, além da contribuição genética, é necessária ainda a influência de fatores ambientais, (Blair et al., 2005).

No entanto, é de salientar que esta abordagem neuropsicológica não deve ser seguida na íntegra uma vez que a psicopatia não é o equivalente de uma lesão ao nível da amígdala, e porque a presença de um défice ao nível emocional não resulta necessariamente em psicopatia. Existe apenas um aumento na probabilidade de o indivíduo adotar programas motores antissociais para o alcançar de objetivos uma vez que, devido aos défices ao nível da amígdala, ele não aprende a evitar recorrer a comportamentos antissociais. Caso o faça, ou não, tal vai depender do seu ambiente social e história de aprendizagem (Blair et al., 2005; Blair, 2006a; Blair, 2006b).

Sumariamente, de acordo com a literatura revista e investigações realizadas, o estudo do desenvolvimento moral e das questões da empatia, apesar de controverso, parece oferecer um grande contributo para uma melhor compreensão do construto da psicopatia e dos fatores que podem estar presentes no seu desenvolvimento. De tal modo, é neste contexto que iremos prosseguir.

PARTE 2 – Investigação

Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota

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A primeira questão a emergir do estudo do julgamento moral foi a da relação entre este e a ação. De acordo com Kohlberg, o raciocínio moral é a única variável moral que contribui para a predição da ação moral. Pode não se tratar de uma relação forte, contudo, a maturidade do raciocínio moral acompanha a maturidade da ação moral. Isto torna-se particularmente importante para perceber o comportamento (Kohlberg & Candee, 1984; Kohlberg, 1985; cit. por Boom & Brugman, 2005; Boom & Brugman, 2005).

Assim, o desenvolvimento moral constitui uma variável de interesse, principalmente quando relacionado com o comportamento desviante. Como jovens com problemas comportamentais apresentam dificuldades com limites sociais, agressão, e autoridade, há uma probabilidade de diferirem de jovens sem estes problemas ao nível do desenvolvimento moral (Arsenio & Fleiss, 1996). A delinquência é uma violação do código moral, desta forma, um estudo com uma população delinquente deve considerar a moralidade do ofensor. Estudos utilizando o raciocínio moral têm demonstrado ser vantajosos (Heyns et al., 1981).

Contudo, é de salientar que existe uma grande variabilidade nos estudos, não sendo específicas as diferenças de comportamento ou personalidade entre delinquentes, pelo que são tratados como um grupo homogéneo (Lee & Prentice, 1988). Em média, os estudos existentes sugerem que delinquentes apresentam um desenvolvimento moral que se encontra num nível inferior, contudo, existem diferenças intragrupo relevantes, e as quais deveriam ser consideradas (Veneziano & Veneziano, 1988). Estudos no domínio da delinquência juvenil deveriam ter em consideração as diferenças entre esses mesmos jovens (Heyns et al., 1981). Deste modo, as investigações indicam que delinquentes que apresentam um julgamento moral pobre têm uma maior probabilidade de apresentar características psicopáticas (Veneziano & Veneziano, 1988), e que indivíduos com traços de psicopatia parecem demonstrar dificuldades em compreender o conteúdo moral das ações (Fine & Kennett, 2004).

Neste seguimento, observa-se ainda que, e desempenhando um papel crucial no desenvolvimento tanto de um pensamento como de um comportamento pró-social, as investigações apontam para um outro fator importante, isto é, a empatia (Ellis, 1982). Como foi referido anteriormente, vários autores assumem a empatia como modeladora do comportamento pró-social e antissocial (Narvaez & Resto, 1995; Staub, 1995; Eisenberg, 2000; Hoffman, 2000; Gibbs, 2010; cit. por Barriga et al., 2009). Como comportamento pró- social e desenvolvimento moral demonstram estar interligados, a empatia é vista como sendo

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também um pré-requisito para o raciocínio e comportamento moral (Lardén et al., 2006). A empatia e a sua aquisição são essenciais para um desenvolvimento moral adequado (Jolliffe & Farrington, 2006).

De uma forma geral, investigações envolvendo quer crianças quer adolescentes com traços de psicopatia são escassos, o que limita a informação na área. Contudo, se já na década de 70 e 80 se falava em traços de psicopatia em amostras que consideravam tanto crianças como adolescentes, como pode esta realidade ser negada tantos anos depois, e numa fase de tão grande evolução da investigação.

Investigar como os jovens avaliam as regras é importante, na medida em que conhecer a forma como respeitam as regras e a autoridade possibilita compreender que fatores poderão conduzir à manifestação de problemas comportamentais futuros (Mullins & Tisak, 2006). Neste sentido, parece justificável que se conheça o modo como os jovens fazem uma avaliação das questões morais, e se essa avaliação se relaciona com capacidades empáticas.

Tendo em consideração todos estes pontos, a adolescência foi, então, a fase de desenvolvimento escolhida para a investigação uma vez que, e de acordo com Hart e Carlo (2005), a adolescência é a base para a vida adulta.

Relativamente à variável psicopatia, é possível observar que recentemente o construto da psicopatia se tem alargado à infância e adolescência, e é possível verificar que crianças e adolescentes que apresentam traços de psicopatia demonstram características comportamentais e neurocognitivas semelhantes ao observado em adultos psicopatas (Frick, O’Brien, Wootton, & McBurnett, 1994; Hare, 1980, 1991; cit. por Blair et al., 2006).

O desenvolvimento moral também constitui uma variável de interesse e a sua relação com a adolescência faz sentido, uma vez que se observa que o caráter moral do adulto começa a ganhar forma durante esta fase. A adolescência tem características que a tornam ao nível desenvolvimental diferente da infância pois, como o adolescente é incluído numa realidade diferente da que passou em criança, em que é inserido num meio escolar maior, passa menos tempo com a família, começa a valorizar a relação com os pares, inicia relações românticas, entre outros aspetos, a vida moral enfrenta novos desafios, novas oportunidades e novas influências. Também os adultos, tal como os adolescentes, se encontram num meio rodeado por família, amigos, instituições, e práticas culturais, contudo, contrariamente a estes, não mudam rapidamente. Como resultado, o caráter moral pode ser transformado entre a infância e a idade adulta (Hart & Carlo, 2005).

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Assim, “a adolescência traz consigo não só contextos e experiências distintos, mas também habilidades” (Hart & Carlo, 2005, p.225), sendo que estas habilidades relacionadas com a vida moral são mais desenvolvidas na adolescência (Eisenberg, Cumberland, Guthrie, Murphy, & Shepard, s/d; cit. por Hart & Carlo, 2005). Aperfeiçoamentos nestas habilidades permite também ao adolescente envolver-se na vida moral de forma mais efetiva do que é possível na infância (Hart & Carlo, 2005). Já a influência parental nas crianças torna o estudo da socialização moral na infância menos complexo e desafiante, comparativamente à investigação de fatores que afetem o desenvolvimento moral na adolescência (Hart & Carlo, 2005).

“Desta forma, a variedade de contextos e novas habilidades fazem da adolescência um período particularmente interessante para investigar as influências no desenvolvimento moral” (Hart & Carlo, 2005, p.225).

Quanto à empatia, o seu desenvolvimento e as suas implicações para o comportamento têm sido estudados ao longo da primeira infância (Feshbach & Roe, 1968; Feshbach & Feshbach, 1969; Iannotti, 1975, 1978; cit. por Ellis, 1982). Contudo, o papel da empatia no desenvolvimento antissocial na adolescência tem recebido menos atenção (Rotenberg, 1974; Aleksic, 1976; cit. por Ellis, 1982). No entanto, a sua influência no desenvolvimento moral e pró-social é observável (Kohlberg, 1969; Hogan, 1969,1973; Eisenberg-Berg & Mussen, 1978; Hoffman, 1975; 1978; cit. por Ellis, 1982).

Por serem recetivos a uma variedade de influências, e por apresentarem mudanças notáveis em função dessas influências, os adolescentes constituem uma boa amostra a estudar (Hart & Carlo, 2005).