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Instrumentos de avaliação dos níveis de desenvolvimento moral de Kohlberg

Capítulo 2 A psicopatia e o desenvolvimento moral

2.1. O paradigma de Kohlberg

2.1.2. Instrumentos de avaliação dos níveis de desenvolvimento moral de Kohlberg

As investigações envolvendo o desenvolvimento moral aumentaram significativamente com Kohlberg, e impulsionaram o desenvolvimento de instrumentos que permitissem medir

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este construto. Nesses instrumentos de avaliação do julgamento moral é comum o uso de dilemas morais. Um dilema moral apresenta-nos uma situação ambígua com várias opções de ação possíveis, e envolvem situações em que cada pessoa tem uma opinião diferente. Assim, a sua característica essencial é que dois valores ou princípios morais fundamentais estejam em competição (Bataglia et al., 2010; Boom & Brugman, 2005). Destes instrumentos, os mais conhecidos englobam o “Moral Judgment Interview” (MJI), o “Defining Issue Test” (DIT), e o “Moral Judgment Test” (MJT).

O MJI, criado por Kohlberg, trata-se de uma entrevista semiestruturada que objetiva avaliar o nível de desenvolvimento moral. É constituída por três dilemas morais existindo, em cada um, valores morais em conflito. A determinação do estado de desenvolvimento moral predominante é feita analisando as respostas dadas às perguntas que seguem o dilema moral, e o qual foi criado de forma a levantar problemáticas opostas, tendo o entrevistado de justificar o seu argumento. A sua duração é extensa, estimando-se uma média de 60 minutos para os três dilemas (Bataglia et al., 2010).

Contudo, várias críticas se apresentam ao MJI. Uma das críticas refere que este instrumento apresenta limitações relativas ao facto de os dilemas não abrangerem de forma adequada todos os domínios morais, sendo que se centra maioritariamente nas questões relacionadas à justiça e direitos, negligenciando os relacionamentos pessoais mais íntimos e o papel da religião na formação do pensamento moral. De igual modo, o MJI apresenta limitações por existirem posições de raciocínio moral que não se enquadram nos estádios de desenvolvimento moral apontados pelo autor (Rest, Narvaez, Bebeau, & Thoma, 1999; Campbell & Christopher, 1996; cit. por Bataglia et al., 2010).

Outros autores (Shweder et al., 1987, cit. por Rest et al., 1999) afirmam ainda que a metodologia utilizada por Kohlberg valoriza mais a habilidade verbal do indivíduo, do que propriamente o seu verdadeiro conhecimento ou desenvolvimento moral (cit. por Bataglia et al., 2010). Acrescenta-se ainda que, apesar de possuir um manual de instruções detalhado, por se tratar de uma entrevista constituída por questões abertas, o MJI encontra-se vulnerável a interferências subjetivas por parte do pesquisador (Bataglia et al., 2010). Também se observa que o MJI se encontra suscetível a fatores contextuais, mais do que se pensava (Boom & Brugman, 2005).

O DIT-1, instrumento desenvolvido por Rest que considera uma abordagem neo- kohlberguiana, (1986; cit, por Bataglia et al., 2010), é constituído por seis dilemas morais, de acordo com a versão longa da prova, ou três dilemas morais, no que respeita à versão curta.

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Em cada um deles é proposto ao entrevistado avaliar doze alternativas de respostas possíveis. Mais recentemente foi desenvolvido o DIT-2, o qual se apresenta mais moderno e mais curto, sendo composto por cinco dilemas morais, e com instruções mais claras e dinâmicas (Bataglia et al., 2010).

No entanto, tanto o DIT-1 como o DIT-2 possuem algumas limitações. Os participantes podem preencher a prova de forma aleatória, fornecendo dados falsos, e respondendo de forma diferente da que foi prevista pelos autores. Os itens podem ainda parecer ambíguos para alguns indivíduos e podem sobrestimar o desenvolvimento moral da pessoa. O DIT apresenta- se ainda sensível ao estatuto socioeconómico, nível de educação e região de proveniência (Koller et al., 1994; Rest et al., 1999; cit. por Bataglia et al., 2010).

“O DIT-1 e o DIT-2 podem revelar e confirmar diferentes formas de moralidade e de juízos morais mas, igualmente, podem, especialmente quando usados como únicos instrumentos de investigação, conduzir a conclusões equivocadas e estereotipadas” (Shimizu, 2002, 2004; Shimizu & Urano, 2004; cit. por Bataglia et al., 2010, p. 29).

O MJT, criado por Lind, objetiva avaliar a competência de juízo moral, sendo esta a “capacidade de tomar decisões e de fazer juízos morais (baseados em princípios internos) e de agir de acordo com tais juízos” (Kohlberg, 1964; cit. por Lind, 1999, p.1). Trata-se assim de um aspeto do desenvolvimento moral não contemplado pelos instrumentos referidos anteriormente. Deste modo, este instrumento permite avaliar a capacidade do indivíduo para aplicar o juízo moral em situações adversas.

Nesta tarefa são apresentados ao indivíduo dois dilemas morais, solicitando-se que seja avaliada a decisão do personagem do dilema. Seguidamente o indivíduo é confrontado com doze argumentos, seis a favor e seis contra a decisão do personagem do dilema, sendo esses argumentos criados de acordo com os diferentes estádios de desenvolvimento moral (Bataglia et al., 2010).

Porém, algumas dúvidas sobressaem, nomeadamente se o indivíduo, perante as questões do dilema, responde refletindo o seu nível de juízo moral, ou o seu compromisso com a defesa de um ideal. Assim, não é possível perceber se “a consistência se deve ao desenvolvimento moral ou simplesmente ao desejo de defender determinado ponto de vista” (Bataglia et al., 2010, p.30).

Acrescenta-se ainda que, por ser aplicado individualmente e por apresentar um formato de entrevista semiestruturada, leva um maior tempo de aplicação, não permitindo um trabalho

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com amostras extensas. Esta limitação aplica-se ainda às provas referidas anteriormente (Bataglia et al., 2010).

As pesquisas de Kohlberg, apesar de terem impulsionado o surgimento de estudos de relevo, também geraram grande controvérsia. A teoria de Kohlberg tem recebido muitas críticas, as quais consideram que a teoria do desenvolvimento moral se preocupa apenas com a moralidade masculina baseada na justiça, sendo limitada quando aplicada ao sexo feminino, bem como menospreza a dimensão afetiva e as emoções. (Gilligan, 1993; Campbell & Christopher, 1996; Flanagan, 1996; cit. por Bataglia et al., 2010; Papalia, Olds, & Feldman, 2001).

De igual modo, os estádios de Kohlberg são limitados quando aplicados a pessoas de culturas não ocidentais, e a sua teoria não considera as influências do ambiente, como a família (Papalia et al., 2001).

Da mesma forma é apontado como crítica que, o facto de as pessoas se situarem num nível de raciocínio moral mais elevado, não significa que atuem num sentido mais moral que pessoas que se situem num nível mais baixo (Kupfersmid & Wonderly, 1980).

Apesar de a sua teoria ser relevante e ter levado, ao longo do tempo, ao desenvolvimento de várias formas de medir o desenvolvimento moral, aspetos relacionados com as propriedades psicométricas destes instrumentos ainda geram controvérsias e debate (Gibbs & Widaman, 1982; Rest, 1974, 1976, 1979; Kurtines & Greif, 1974, Colby, 1978; cit. por Veneziano & Veneziano, 1988).

Deste modo, devido aos prós e contras do uso destes instrumentos, Turiel propôs um método alternativo para a avaliação do desenvolvimento moral, o qual explicamos seguidamente.