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CARLOS CAMPOS, MESTRE E AMIGO

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Academic year: 2021

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EM HOMENAGEM AOS MESTRES

O presente número da “Revista” inaugura a seção “EM HOMENAGEM AOS MESTRES’', destinada a manter viva a memória da “Casa de Afonso Pena”, pela reverência carinhosa das gerações atuais ao trabalho de inteligência e de cultura das gerações anteriores e ao imperecível le-gado de prestígio e de influências no universo das letras jurídicas, deixado especialmente nas páginas de nossas edições.

Carlos Campos e Pedro Aleixo, o primeiro, falecido há justamente vinte e cinco anos, e o segundo, recentemente, são as figuras presentes a esta evocação. Aqui fica a prova inequívoca de que a permanente atualidade de seus pensamentos permite identificá-los no amálgama dos ideais de sua velha e adorada “Escola”.

Um artigo de evocação de antigos discípulos, hoje desta-cados profissionais e mestres, e um trabalho da própria lavra do homenageado, constituem este registro singelo e carinhoso.

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José da Rocha Paixão

Num dado momento, acontecido quando ainda estava escolhendo abordagens e rotas, um clarão iluminou-me e ilu-m inou o até então escuro envolviilu-mento. Não foi apenas uilu-m relâmpago, o acender de um a lâm pada, o correr de um a cor-tina; fatos todos impessoais, dos quais só resta aproveitar ou desdenhar. Foi um clarão tam bém interior, pessoal, compro-metido, p articipan te. Dele fui, ao mesmo tempo, espectador e au to r.

Esclareceu-me ele, e esclarecí-o eu mesmo, ser quase um injustificado esforço estar eu a procurar fórm ulas de tra n s-m itir Carlos Cas-mpos. Melhor faria (ou quiçá só assis-m faria o verdadeiram ente correto) limitando-me: que o leiam no ori-ginal . Seus livros aí estão . Seus artigos, é só procurarem um pouco. De sua própria pessoa m uitas lem branças persistem . Que o leiam p ara aceitá-lo ou contesta-lo. Que o leiam p ara concluir, como concluí eu, ser ele o m aior e o mais

pro-fundo jus-filósofo do Brasil; ou que o leiam p ara contraditá-lo, p ara negá-lo.

Máximo, máximo, à guisa de ten tativ a de sedução aos que seu pensam ento ainda não conhecem, poderia trazer-lhes, neste breve artigo, alguns dos mais m arcantes momentos de suas obras, simplesmente transcrevendo-os ou atrevidam ente comentando-os. Poderia, num a ou tra opção (talvez esta mais am plam ente justificadora de sua obra), dizer da perm anente extrem a atualidade das idéias de Carlos Campos. Por exem-plo: ainda em recente obra, “Conhecimento Objetivo”, de Sir J . M. Popper, h á um a retom ada do pensam ento de Hume,

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há um revigoramento da indução e das experiências da vida. Pois este mesmo Hume foi também retomado por Carlos Cam-pos que, em seu livro “Ensaios sobre a Teoria de Conheci-m ento”, assiConheci-m o retifica:

— “Hume situou acertadam ente o problema da causa no domínio chamado empírico, mas não tendo visto que o

em-pírico não é mais do que o elemento dado na experiência não constante, que nem sempre fazemos, onde não há a ilusão da demonstração lógica, da necessidade lógica, teve de supor um domínio para as idéias necessárias e nem tudo pôde ex-plicar com a experiência. Não viu que o que faz a ilusão da evidência imediata, da necessidade lógica é a experiência ine-vitável que, como realidade que está em tudo, nos cerca por todos os lados, impossibilitando a associação do diverso, do diferente, do contrário, por falta de experiência da ausência desse elemento inevitável, como o espaço, a extensão, a quantidade” .

Depoimento melhor, porém, creio posso dá-lo sobre a pessoa de Carlos Campos. Fui seu aluno, fui seu amigo, acom-panhei-o, escutei-o, recolhi dele impressões sobre fatos e coisas menores e maiores.

Como professor, como ocupante físico de uma cátedra, Carlos Campos, sem o notar, posicionava-se olimpicamente. Dava as suas aulas como se estivesse num cenáculo. Seus alunos credenciava-os naturalm ente num plano tal que, nem de longe, lhe ocorria a idéia de que poderia não estar sendo completamente compreendido.

Otimista incorrigível e fundam ental que sempre o foi (“Não há, nunca houve, nenhum fato de prática geral e per-m anente que houvesse agido contra os interesses essenciais do ser humano, por mais absurdos, incoerentes e extrava-gantes que nos pareçam ”), Carlos Campos sempre considerou, a mais, a hum anidade. Lembro-me de um a vez quando, agra-decendo uma visita, referiu-se à intuição feminina,

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presti-giando-a (ele, um ultra-racional) como um elemento básico na busca e encontro do acerto e da verdade. Lembro-me quan-do ele, reelaboranquan-do, num a das mais soberbas lições de vida, determinada difícil experiência particular, dizia:

— “O gosto não se deve abandonar mesmo no desgosto” . Lembro-me bem quando, tomando conhecimento das in-subordinações dos alunos, dos seus movimentos sediciosos, de-saconselhava a repressão ou a vindita. Segundo ele, o uso dos descaminhos era, na maioria das vezes, o melhor dos modos pelo qual se volta, consciente e perene e duradouramente, à

“estrada real da normalidade” .

Lembro-me quando, perguntado sobre que denominação dar à sua escola filosófica, respondeu:

— “Poderia se r. . . o experimentalismo” (“onde faltam os m ateriais da experiência, falta também a possibilidade de pensar” . “Nas alucinações sintomáticas como nas oníricas nada existe que não tenha sido dado na experiência pre- gressa, e que sem esta é impossível pensar, mesmo aluci- natoriam ente” .

“A consciência, surgida da experiência em face da rea-lidade, é constituída dos m ateriais dessa experiência” .

“Vivendo nós no mundo do espaço e do existente, dos seres, onde temos de incluir o próprio espaço, impossível pen-sar o não-ser, o inespacial. Com a experiência das cousas que aparecem e desaparecem no espaço, podemos fazer a abstra-ção dessas cousas que aparecem e desaparecem, conservando, contudo, o espaço. Mas não tendo nós experiência fora do espaço, impossível eliminar o espaço nas cousas. Pela mesma razão, não podemos eliminar a forma nos objetos da expe-riência externa, p ara reter o objeto sem forma. É que não temos experiência de objetos sem forma, ao menos na expe-riência vulgar, constante, que é a que conta na formação de

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nossas faculdades. A forma é como o espaço, um elemento irremovível, está em todas as nossas experiências de cousas. Os outros elementos dos objetos, porque temos experiência dos objetos sem eles, que nos são dados por experiência que nem sempre fazemos, experiência indireta, tactil, olfativa, etc., podemos eliminá-los no nosso pensamento, conservando a forma, o objeto nos elementos da experiência inevitável, e por isso irremovível, de extensão e figura, dados na experiên-cia espaexperiên-cial-visual das coisas” .

— “A mesma cousa para o problema do ser, do inexis-tente. Vivendo nós no mundo dos seres, do existente, im-possível pensar o não ser, o inexistente, a que falte ao menos um elemento de experiência. Nós podemos pensar inexistentes imaginários, isto é, seres compósitos, o bouc-cerf, a sereia, o dragão, constituídos de elementos de nossa experiência. Não podemos pensar inexistentes simples, isto é, um inexistente cujo elemento constitutivo não estivesse em nossa ex-periência” .

E recordo-me — com quê saudade me recordo! — de sua figura esguia, um pouco encurvada, de sua tosse cava, de seu rosto comprido e ameno, de seu desamor ao frio, de seu cigarro e de sua piteira. Vejo-o, como um único rema-nescente sólido na deliquescência geral, dedo apontado para cima (mastro da bandeira plantado na sua mão branca), dizendo, ao fim de uma de suas perorações:

Referências

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