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Determinantes da acessibilidade a cuidados continuados em contexto domiciliário

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Academic year: 2021

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2º CICLO

MESTRADO EM GESTÃO E ECONOMIA DE SERVIÇOS DE SAÚDE

Determinantes no Acesso a Cuidados

Continuados em Contexto Domiciliar

Carina Isabel Pereira Fonseca

M

(2)

FA CU LD A D E D E E CO NO M IA

(3)

Carina Isabel Pereira Fonseca. Determinantes no Acesso a Cuidados

Continuados em Contexto Domiciliar

(4)

DETERMINANTES NO ACESSO A CUIDADOS CONTINUADOS EM

CONTEXTO DOMICILIAR

Carina Isabel Pereira Fonseca

Dissertação

Mestrado em Gestão e Economia de Serviços de Saúde

Orientado por

Professora Doutora Susana Maria Sampaio Pacheco Pereira de Oliveira

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ii “A Economia só será viável se for humana, para o Homem e pelo Homem.”

Papa João Paulo II

“A Economia atual não é apenas uma arte de estabelecer empresas lucrativas, mas uma ciência capaz de ensinar os métodos de promover uma melhor distribuição do bem-estar coletivo”

(6)

iii

Agradecimentos

Em primeiro lugar, um enorme agradecimento à Professora Doutora Susana Oliveira, pelo privilégio da sua orientação, constante foco, inspiração e disponibilidade ao longo deste percurso.

Ao Professor Doutor Luís Delfim e à Professora Doutora Luísa Pinto, pela partilha de conhecimento e precioso auxílio.

À Associação de Unidades de Cuidados na Comunidade (AUCC) e à Associação Portuguesa dos Enfermeiros de Reabilitação (APER) pelo seu interesse e colaboração neste estudo. A todos os profissionais de saúde que voluntariamente se envolveram e participaram neste estudo de investigação.

Aos colegas de trabalho e profissão, que me apoiaram e motivaram neste trajeto. Um especial agradecimento, a todos os que me inspiraram e contribuíram para a reflexão sobre a temática. Aos colegas de mestrado, pela permanente partilha e sodalício. Em especial, aos amigos que daqui guardo para a vida.

Aos meus amigos e familiares que sempre me incentivaram, apoiaram e compreenderam as minhas ausências.

Aos meus pais e ao meu marido, por constituírem o meu maior pilar. Obrigada por sempre acreditarem em mim e provirem todo o apoio, compreensão, amor e motivação que me permitiram chegar até aqui.

Aos meus pequenos, Luís e Carolina, por todo o amor e a vida que suscitam em mim. A todos os que de alguma forma me ajudaram na superação deste desafio.

(7)

iv

Resumo

Introdução: A prestação de cuidados continuados em contexto domiciliar promove o estado

de saúde e a autonomia dos seus utentes, podendo contribuir para a diminuição dos custos em saúde e suporte social. Considerando que desigualdades no acesso a cuidados continuados em contexto domiciliário, especificamente aos prestados pelas ECCI, podem contribuir para assimetrias em saúde, demonstra-se fulcral perceber em que medida o acesso a estes cuidados poderá estar limitado, através da identificação de determinantes que possam ser objeto de melhoria.

Métodos: Estudo transversal, de caráter descritivo, exploratório e misto, apoiado no modelo

conceptual de acesso a cuidados de saúde (Levesque et al., 2013). Estudo desenvolvido em duas fases consecutivas. Na primeira, foram realizadas 4 entrevistas semi-estruturadas a profissionais de saúde com uma vasta experiência profissional no âmbito dos cuidados continuados. Na segunda fase, foram consideradas 123 respostas a um questionário aplicado a profissionais de saúde que desempenham a sua atividade profissional no âmbito das ECCI.

Resultados: Foram identificados determinantes no acesso a cuidados continuados integrados

em contexto domiciliário no domínio das dimensões de proximidade, aceitabilidade, capacidade e acomodação, e adequabilidade. Na opinião dos profissionais de saúde, os determinantes com maior influência no acesso a cuidados continuados em contexto domiciliar, enquadram-se nas dimensões de proximidade e aceitabilidade, as primeiras na cadeia de acesso a cuidados de saúde. Os participantes, consideram ter maior capacidade de intervenção nos determinantes identificados nas dimensões de proximidade e adequabilidade. A maioria refere que a pandemia por COVID-19 se refletiu numa considerável redução do número de visitas domiciliárias realizadas pelas ECCI.

Conclusão: Para uma melhor acessibilidade dos utentes a cuidados continuados em contexto

domiciliário, a intervenção dos profissionais de saúde deverá incidir primeiramente na literacia em saúde do utente, assim como na disponibilização de informação sobre as ECCI e o seu processo de referenciação, junto de utentes e profissionais referenciadores. A adequabilidade dos cuidados prestados é também crucial para melhorar o acesso dos utentes a cuidados continuados em contexto domiciliário, contribuindo para uma melhoria da qualidade e da eficiência dos cuidados prestados na ECCI. Para ajustes na capacidade e acomodação das ECCI é essencial o envolvimento de gestores e decisores políticos.

Palavras-chave: Cuidados continuados integrados; Cuidados domiciliários; Acesso a cuidados

(8)

v

Abstract

Introduction: The provision of LTC in the home context promotes the health status and

autonomy of its users, potentially leading to the reduction of health and social support costs. Considering that inequalities in the access to LTC in the home context, specifically those provided by ECCI, may contribute to health asymmetries, it becomes crucial to understand to what extent the access to this care could be limited, through the identification of determinants that can be object to improvement.

Methodology: A cross-sectional, descriptive, exploratory and mixed study, supported by the

conceptual model of access to healthcare (Levesque et al., 2013). A study developed in two consecutive phases. During the first phase, 4 semi-structured interviews were conducted with health professionals highly experienced within the scope of RNCCI. During the second phase, 123 responses were considered from a questionnaire applied to health professionals who carry out their professional activity within the scope of ECCI.

Results: We found determinants in the access to LTC in the home context within the

dimensions of approachability, acceptability, availability and accommodation, and appropriateness. Based on health professional’s opinion, the determinants with greatest influence on access to LTC in the home context fall into the dimensions of approachability and acceptability, the first two in the health access chain. The participants consider that they have greater intervention capacity on the determinants identified in the dimensions of approachability and appropriateness. Most of the participants refer that COVID-19 pandemic was reflected into a considerable decrease in the number of home visits made by ECCI.

Conclusion: For better accessibility of users to LTC in the home context, the intervention of

health professionals should focus primarily on user health literacy, as well as the provision of information about ECCI and its referral process, with users and referencing professionals. The appropriateness of the care provided is also crucial to improve users’ access to LTC in the home care, contributing to an improvement in the quality and efficiency of the care provided at ECCI. For adjustments in the ECCI availability and accommodation, the involvement of managers and policy makers is essential.

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vi

Índice

Agradecimentos iii Resumo iv Abstract v Índice vi

Índice de Gráficos viii

Índice de Quadros ix

Abreviaturas, Siglas e Acrónimos x

1 Introdução 1

2 Revisão da Literatura 4

2.1 Cuidados Continuados Integrados 4

2.1.1 A Rede Nacional de Cuidados Continuados 6

2.1.2 ECCI e necessidades de cuidados continuados em contexto domiciliário 9

2.2 Acesso a Cuidados de Saúde 14

2.2.1 Modelo conceptual de acesso a cuidados de saúde 15

2.2.2 Acesso a cuidados continuados em contexto domiciliar 18 2.2.3 Acessibilidade em contexto de pandemia por COVID-19 23

3 Metodologia 26

3.1 Contexto do Estudo 26

3.2 Desenho do Estudo 26

3.2.1 Fase I - Abordagem Exploratória Inicial 27

3.2.2 Fase II - A Perceção dos Profissionais de Saúde 28

4 Análise de Resultados 31

4.1 Fase I - Entrevistas 31

4.1.1 Determinantes no acesso à ECCI 32

4.1.2 Influência da COVID-19 36

4.2 Fase II - Questionários 38

4.2.1 Caraterização da amostra 38

4.2.2 Itens de acessibilidade 41

4.2.3 Organização e funcionamento da ECCI 46

5 Discussão de Resultados 51

6 Conclusão 57

(10)

vii

Anexos 65

Anexo 1 – Organização e Articulação da RNCCI 65

Anexo 2 – Guião para Entrevista 66

Anexo 3 – Consentimento informado para participação no estudo de investigação 68

Anexo 4 - Questionário 69

Anexo 5 – Dados de caraterização da amostra 76

Anexo 6 – Estatística descritiva dos itens de acessibilidade, relativamente à sua influência

no acesso aos cuidados prestados pelas ECCI 82

Anexo 7 – Matriz de correlação entre variáveis do estudo – coeficiente de correlação de

Spearman (rs) 83

Anexo 8 – Estatística descritiva dos itens de acessibilidade, relativamente à capacidade de

intervenção do profissional de saúde 86

Anexo 9 – Análise comparativa da perspetiva dos profissionais de saúde sobre (1) a influência de cada item no acesso aos cuidados prestados pelas ECCI e (2) a sua capacidade de intervenção como meio facilitador de cada um dos itens 87 Anexo 10 – Análise da relação entre (1) a perspetiva dos profissionais de saúde sobre a

influência de cada item no acesso aos cuidados prestados pelas ECCI e (2) a sua perspetiva sobre a capacidade de intervenção como meio facilitador de cada um dos

itens 88

(11)

viii

Índice de Gráficos

Gráfico 1 Gráfico 2 Gráfico 3 Gráfico 4 Gráfico 5 Gráfico 6 Gráfico 7 Gráfico 8 Gráfico 9

Cobertura populacional da Rede Geral (sem área pediátrica e SM). Cobertura por 100.000 hab. ≥ 65 anos, por região

Distribuição da amostra por Região de Saúde

Distribuição da amostra de acordo com a formação académica (%) Distribuição da amostra de acordo com área de especialidade (%) Distribuição da amostra de acordo com o horário de funcionamento da ECCI onde exerce funções e a sua opinião sobre a adequação do mesmo

Opinião dos profissionais de saúde relativa à literacia do utente

Opinião dos profissionais de saúde relativamente à diminuição do número de visitas domiciliárias realizadas pela ECCI, de acordo com a região de saúde onde exercem funções

Opinião dos profissionais de saúde relativamente a uma diminuição da capacidade de resposta por falta de equipamento de proteção individual Opinião dos profissionais de saúde relativamente a um aumento do tempo de espera para admissão dos utentes em ECCI durante o período de pandemia 13 39 40 40 47 47 49 49 50

(12)

ix

Índice de Quadros

Quadro 1 Quadro 2 Quadro 3 Quadro 4 Quadro 5 Quadro 6 Quadro 7 Quadro 8

Adaptação da estrutura conceptual de acesso aos cuidados de saúde Evolução do número de camas e lugares na RNCCI entre 2015 e março de 2018

Nº médio de lugares de ECCI nas diferentes regiões Categorias e subcategorias da análise de conteúdo

Instituições de saúde com maior representatividade por região de saúde Itens de acessibilidade de acordo com a sua influência no acesso às ECCI

Itens de acessibilidade considerados com maior capacidade de intervenção pelos profissionais de saúde

Itens de acessibilidade com correlação positiva relativamente à sua influência e capacidade de intervenção, na opinião dos profissionais de saúde 16 20 20 31 39 42 44 46

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x

Abreviaturas, Siglas e Acrónimos

ACeS ACSS ADI APER ARS AUCC CCI COVID-19 CS CSP DGS DP EAD SM ECCI ECL ECR ECDC EGA EPI ERS Fa4,5 HCBS IPCRG LTC LVT Me Mo OCDE OMS OPSS PIB

Agrupamento de Centros de Saúde

Administração Central do Sistema de Saúde Apoio Domiciliário Integrado

Associação Portuguesa dos Enfermeiros de Reabilitação Administração Regional de Saúde

Associação de Unidades de Cuidados na Comunidade Cuidados Continuados Integrados

Coronavirus Disease 2019

Centros de Saúde

Cuidados de Saúde Primários Direção Geral de Saúde Desvio-padrão

Equipa de Apoio Domiciliário de Saúde Mental Equipa de Cuidados Continuados Integrados Equipa Coordenadora Local

Equipa Coordenadora Regional

European Centre for Disease Prevention and Control

Equipa de Gestão de Altas

Equipamento de Proteção Individual Entidade Reguladora da Saúde Frequência acumulada dos scores 4 e 5

Home-and community-based services

International Primary Care Respiratory Group Long Term Care

Lisboa e Vale do Tejo Mediana

Moda

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico Organização Mundial de Saúde

Observatório Português dos Sistemas de Saúde Produto Interno Bruto

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xi RNCCI SAD SARS-CoV-2 SNS UAI UAP UC UCC UCIP UE ULDM ULS UMCCI UMDR URAP 𝑥̅

Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados Serviços de Apoio Domiciliário

Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2

Sistema Nacional de Saúde Unidade de Apoio Integrado Unidade de Ambulatório Pediátrica Unidade de Convalescença

Unidade de Cuidados na Comunidade Unidade de Cuidados Integrados Pediátricos União Europeia

Unidade de Longa Duração e Manutenção Unidade Local de Saúde

Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados Unidade de Média Duração e Reabilitação

Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados Média

(15)

1

1 Introdução

A par dos países desenvolvidos, Portugal vê a sua pirâmide etária invertida com o envelhecimento populacional. A esperança média de vida em Portugal tem aumentado continuamente desde o ano 2000, atingindo 81,6 anos em 2017, superior à média da União Europeia (UE). Os dados do Eurostat demonstram também que um pouco mais de metade das pessoas com mais de 65 anos comunicam sofrer de pelo menos uma doença crónica (OCDE, 2019). Ou seja, as pessoas vivem mais tempo, mas frequentemente com doenças crónicas e incapacidades associadas. O desafio atual passa então por “add more years to life,

but also to add more life to years” (Comissão Europeia, 2014, p. 2). Os sistemas de saúde

desempenham, portanto, um papel central nas sociedades modernas, debatendo-se com frequentes desafios no que diz respeito a transições demográficas, qualidade dos cuidados prestados, inovação terapêutica, gestão de recursos, sustentabilidade financeira, autonomia e articulação em rede, equidade e acessibilidade (Comissão Europeia, 2014).

A gestão de doenças crónicas e morbilidade conduz à crescente procura de serviços de saúde e ao consequente aumento de gastos em cuidados de saúde. O aumento da necessidade de profissionais de saúde, o maior investimento tecnológico e o desenvolvimento da indústria farmacêutica, têm sido fatores determinantes para o aumento do custo dos cuidados de saúde. Daqui, cumulativamente à crise económica que condicionou os recursos financeiros disponíveis para o setor da saúde, emerge a necessidade explícita de gestão eficiente de todos os seus recursos, de forma a assegurar a sustentabilidade do sistema de saúde.

Identificada como uma das recomendações prioritárias para promover a sustentabilidade do sistema de saúde, a reforma dos cuidados de saúde primários, com maior incremento na atividade assistencial em contexto comunitário, tem tido cada vez maior relevo nas políticas de saúde (Colombo et al., 2011; Comissão Europeia, 2014). Neste âmbito, a prestação de cuidados de saúde em contexto domiciliário tem captado cada vez mais a atenção de decisores políticos, de profissionais de saúde e do público em geral, permitindo implementar uma prática antiga com conhecimentos e meios atuais. As tendências demográficas, mudanças no cenário epidemiológico das doenças, maior foco nos serviços centrados no cliente, disponibilidade de novas tecnologias, e a urgente necessidade de configurar os sistemas de saúde para melhorar a capacidade de resposta, continuidade dos cuidados, eficiência e equidade, demonstram a necessidade e o potencial da crescente integração dos cuidados domiciliários (OMS, 2008).

(16)

2 Pretendendo encontrar resposta às necessidades desta nova realidade, Portugal tem ajustado as suas políticas de saúde e, a par da reforma dos cuidados de saúde primários (CSP), criou em 2006 a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) (Decreto-Lei nº 101/2006). Através de diferentes tipologias de resposta, a sua abordagem é centrada no cuidar e reabilitar, com o objetivo de promover a continuidade de cuidados de modo integrado a pessoas em situação de dependência, potenciando a sua autonomia e capacidades funcionais. Para além da sua possibilidade de resposta à incapacidade funcional, aspeto que atinge uma grande proporção da população idosa, a RNCCI visa ainda diminuir a sobrecarga e endividamento dos hospitais, permitindo acompanhar pessoas que não se encontrem já em fase aguda da doença, e possibilitando a sua recuperação em outras unidades menos diferenciadas e muitas vezes o seu regresso a casa.

A interface visível entre a RNCCI e a reforma dos CSP surge na Unidade de Cuidados na Comunidade (UCC), através da constituição da Equipa de Cuidados Continuados Integrados (ECCI). A intervenção desta Equipa desde 2006 consiste numa resposta de curto prazo, em contexto domiciliário, que visa promover a autonomia, melhorando a funcionalidade da pessoa em situação de dependência, através de reabilitação, readaptação e reinserção familiar e social, e maximização da qualidade de vida (Decreto-Lei nº 101/2006). No plano de desenvolvimento da RNCCI para o período de 2016-2019 foi destacada a importância de apostar na domiciliação dos cuidados, através das ECCI, expandindo a capacidade de resposta da Rede. Contudo, os resultados de monitorização demonstram um decréscimo de lugares domiciliários na RNCCI, e aumento do número de internamentos, contrariando um dos objetivos centrais da sua reforma (OPSS, 2018).

Os cuidados continuados permitem melhorar o estado de saúde e a autonomia dos seus utentes, contribuindo ainda para o bem-estar da sua família e comunidade. Deste modo, os cuidados prestados contribuem para uma diminuição dos custos em saúde e suporte social, sobretudo quando é incrementada a domiciliação dos cuidados (Colombo, 2011). Neste sentido, a RNCCI em parceria com os CSP, tem demonstrado um notável esforço de melhoria contínua, procurando melhor qualidade nos cuidados prestados e na capacidade de resposta de saúde e apoio social aos utentes em situação de dependência e fragilidade. Para tal, tem sido evidente o crescente recurso a indicadores de acesso em saúde, de forma a obtermos um sistema de prestação de cuidados equitativo, em que o

(17)

3 acesso aos cuidados está associado às necessidades de cada indivíduo, independentemente do seu estatuto socioeconómico, autonomia, suporte familiar, etnia ou crenças.

Apesar das ECCI terem iniciado a sua atividade há mais de dez anos, verificam-se ainda limitações no acesso aos cuidados prestados pelas mesmas, com disparidades regionais e sub-regionais relevantes (ACSS, 2019a). Percebendo que desigualdades na acessibilidade e utilização de serviços de cuidados continuados em contexto domiciliário podem contribuir para assimetrias em saúde, demonstra-se fulcral perceber em que medida o acesso a estes cuidados poderá estar condicionado, através da identificação de determinantes que possam ser foco de melhoria. Considera-se ainda a escassez de estudos nacionais sobre acesso em saúde neste contexto.

Tendo presente os dados anteriormente referidos, o objetivo principal desta dissertação é conhecer com maior profundidade os determinantes no acesso a cuidados continuados em contexto domiciliário e, desse modo, contribuir para a melhoria dos cuidados prestados pela RNCCI.

Assim, através do desenvolvimento de um estudo transversal, de carácter descritivo e exploratório, procurámos, de forma mais específica, identificar quais os fatores determinantes no acesso a cuidados continuados em contexto domiciliário, qual a sua influência, e qual a capacidade de intervenção que os profissionais de saúde que desempenham funções nas ECCI consideram ter relativamente aos fatores determinantes identificados. Atendendo ainda ao contexto internacional de pandemia por COVID-19 ao momento deste estudo de investigação, considerámos importante compreender, em que medida as políticas de saúde adotadas influenciaram o acesso dos utentes aos cuidados prestados pelas ECCI.

Atendendo às diferentes fases de investigação, este documento divide-se em cinco partes fundamentais. A primeira é referente a uma revisão da literatura, através da qual se pretende contextualizar a problemática em investigação. Na segunda parte é explanada a metodologia de investigação selecionada, atendendo aos objetivos delineados. De seguida, são apresentados e discutidos os resultados. Finalmente, as conclusões do estudo, onde foram incluídas as considerações finais e algumas sugestões para estudos futuros.

(18)

4

2 Revisão da Literatura

2.1 Cuidados Continuados Integrados

A implementação de um modelo assistencial integrado - da saúde e da segurança social - configura-se como um novo nível de cuidados de saúde, que se perfila intermédio, fazendo a ponte entre os cuidados de saúde diferenciados (hospital) e os cuidados de saúde primários (comunidade). Estas novas respostas em saúde e de apoio social são diversificadas, ajustando-se a diferentes grupos de pessoas em situação de dependência e aos diferentes momentos da evolução das doenças e/ou condições sociais. Pretende-se, assim, promover a autonomia e a participação dos destinatários, bem como aumentar as competências das famílias para lidar com as necessidades dos familiares dependentes.

Os cuidados continuados visam, portanto, uma ação integrada e pró-ativa entre as equipas de saúde e de apoio social e os seus utentes e famílias, atendendo às suas necessidades e expectativas. As necessidades médicas, psicológicas, cognitivas e sociais do indivíduo com dependência e doença são melhor atendidas por serviços de suporte coordenados e integrados, ancorados em avaliações biopsicossociais integradas, focadas nas necessidades da pessoa e nos seus determinantes sociais e de saúde, permitindo desenvolver um plano de acompanhamento individualizado com objetivos específicos e partilhados, com prestação e gestão de cuidados centrados na pessoa (Golden et al., 2019).

Esta visão de cuidados é apoiada em estudos internacionais, que demonstram que os cuidados continuados revertem determinadas situações de dependência, reduzem reinternamentos hospitalares, promovem a recuperação funcional e diminuem a mortalidade e a institucionalização (Miller & Weissert, 2000; Colombo et al., 2011).

Quando nos reportamos a cuidados que se consubstanciam em respostas sociais e de saúde, encontramos diferentes definições. Em Portugal, utilizamos o conceito de Cuidados Continuados Integrados (CCI), definido pelo Ministério da Saúde como

o conjunto de intervenções sequenciais integradas de saúde e ou de apoio social, decorrente da avaliação conjunta, centrado na recuperação global e entendida como o processo terapêutico e de apoio social, ativo e contínuo, que visa promover a autonomia, melhorando a funcionalidade da pessoa em situação de dependência, através da sua reabilitação, readaptação e reinserção familiar e social (Decreto-Lei nº

101/2006, p. 3857).

Por sua vez, a OCDE, a Comissão Europeia e a OMS designam o termo Long Term

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5 variedade de serviços de saúde e sociais, prestados com o principal objetivo de controlo da dor e da deterioração do estado de saúde de pessoas com reduzida capacidade funcional, física ou cognitiva, e que estão consequentemente dependentes por um longo período. Consideram-se, neste âmbito, cuidados de saúde que visam a gestão da dor, monitorização da saúde, administração de medicação, prevenção, reabilitação e cuidados pessoais.

Independentemente da terminologia utilizada, o desenvolvimento internacional desta tipologia de cuidados assenta em primeiro lugar em ajustar as respostas às necessidades identificadas, procurando melhores serviços para o apoio continuado às pessoas em situação de fragilidade ou doença, e de apoio à recuperação da funcionalidade e continuidade de cuidados pós-internamento hospitalar. Assim, em contexto internacional e nacional, verifica-se a necessidade de aumentar a capacidade da intervenção dos serviços de saúde e apoio social, nomeadamente ao nível da reabilitação integral e promoção da autonomia (Nogueira, 2009).

De acordo com Colombo et al. (2011), as pessoas com mais de 65 anos de idade, especialmente aquelas com mais de 80 anos, são as que têm maior probabilidade de receber cuidados de longa duração, sendo as mulheres as principais beneficiárias dos serviços. Em Portugal, a maioria dos utentes da RNCCI são do sexo feminino. Sabemos ainda que 84,2% dos utentes, no primeiro semestre de 2019, tinham idade superior a 65 anos, e 51,9% idade superior a 80 anos, a percentagem mais elevada até à data. O apoio prestado por familiares representou 81%, o apoio prestado por ajuda domiciliária 20%, por técnicos de saúde 16% e por técnicos do serviço social 12%, necessitando frequentemente de cuidados multidisciplinares (ACSS, 2019a).

Os cuidados de longa duração são um setor de mão-de-obra intensiva. As despesas com cuidados de longo prazo representam uma parcela relativamente pequena na economia, mas um setor crescente do PIB em muitos países da UE e, como tal, são importantes na sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas1 (Colombo et al., 2011;

OCDE, 2018). Em média, as despesas com cuidados de longa duração representam 1,5%

1 O gasto total com cuidados de longo prazo é calculado como a soma dos serviços de cuidados de saúde de

longo prazo e dos serviços sociais de longo prazo. De acordo com a OMS, OCDE e Eurostat, os primeiros incluem cuidados paliativos, cuidados de enfermagem de longo prazo e serviços de saúde pessoais e de apoio aos cuidadores familiares. Os segundos, serviços sociais de longo prazo, incluem ajuda e assistência domiciliar (por exemplo, serviços domésticos), serviços de assistência residencial e outros serviços sociais.

Em outras palavras, o componente de saúde dos gastos com LTC inclui episódios de atendimento em que a principal necessidade é serviços de assistência médica ou pessoal (suporte a atividades de vida diárias), enquanto serviços cuja característica dominante é a ajuda nas atividades de vida instrumentais são considerados fora dos limites de gasto em saúde (Colombo et al., 2011).

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6 do PIB em toda a OCDE (Colombo et al., 2011). Estudo recente prevê um aumento dos gastos públicos em cuidados de longa duração de um pouco mais de um ponto percentual do PIB no total para os 28 países da UE até 2070, de 1,6% do PIB em 2016 para 2,7% do PIB em 2070 (OCDE, 2018). A Suíça é exceção ao predominante financiamento público nos cuidados de longa duração, onde a parcela privada é superior a 60%. Os gastos privados são também relativamente altos nos Estados Unidos (40%), Alemanha (31%), Eslovénia (27%) e Espanha (25%) (Colombo et al., 2011).

A despesa em saúde em Portugal centra-se nos 9% do PIB desde 2014, comparado com a média europeia de 9,8% em 2017. Da despesa total em saúde, apenas 3% é referente a despesas em cuidados continuados (inclui apenas a componente de saúde). No que diz respeito a pagamentos diretos, Portugal apresenta uma elevada percentagem relativamente à despesa em saúde, algo que poderá comprometer o acesso ao sistema de saúde português. Contudo, os pagamentos diretos em cuidados continuados, encontram-se abaixo da média europeia, com 0,6% da quota global de despesas em saúde comparativamente a 2,4% da média da UE (Comissão Europeia, 2019).

Moura (2020), fundamentada num estudo que desenvolve atualmente em Portugal, antecipa resultados que demonstram que a introdução de uma rede pública de cuidados continuados integrados é uma forma de reduzir ineficiências associadas ao bloqueio de camas hospitalares, em aproximadamente 30% dos seus custos anuais. Demonstra ainda que a redução do tempo de internamento hospitalar se deve ao início da atividade de equipas domiciliárias em determinada região.

Perante esta realidade, um número crescente de países da OCDE tem vindo a implementar e expandir políticas destinadas a aumentar a cobertura e os serviços de LTC.

2.1.1 A Rede Nacional de Cuidados Continuados

A história dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) em Portugal é longa e complexa, sendo que a sua atual reforma se encontra intimamente interligada a outras reformas também introduzidas no sistema de saúde português, destacando-se a criação da RNCCI.

Ainda em 1998, o Ministério da Saúde reconheceu a lacuna existente na área dos cuidados continuados, situação cada vez mais evidente com a prevalência de doenças crónicas e degenerativas, bem como o aumento de situações de dependência. Assim, com o intuito de melhorar a cobertura e distribuição de serviços de cuidados continuados em Portugal, foram aprovadas orientações reguladoras da intervenção articulada entre o apoio

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7 social e os cuidados de saúde para pessoas em situação de dependência (Despacho Conjunto n.º 407/98). Estes cuidados foram assegurados por várias respostas consecutivamente plasmadas, como o Apoio Domiciliário Integrado (ADI) (Decreto-Lei nº 60/2003), as Unidades de Apoio Integrado (UAI) e os Serviços de Apoio Domiciliário (SAD) (Resolução de Ministros nº 84/2005). Contudo, verificou-se sempre grande dificuldade em satisfazer as necessidades globais destas pessoas, com sobreocupação das respostas existentes.

É no contexto desta necessidade expressa, que é criada a RNCCI, um novo modelo organizacional criado pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social (Decreto-Lei nº 101/2006), constituída por instituições públicas e privadas, que prestam cuidados continuados de saúde e de apoio social a pessoas em situação de dependência, tanto no seu domicílio como em unidades de internamento. Para além de promover a autonomia e reabilitar as capacidades funcionais do indivíduo, a RNCCI tem ainda o objetivo de

desenvolver ações mais próximas das pessoas em situação de dependência; investir no desenvolvimento de cuidados de longa duração, promovendo a distribuição equitativa das respostas a nível territorial; qualificar e humanizar a prestação de cuidados; potenciar os recursos locais, criando serviços comunitários de proximidade, e ajustar ou criar respostas adequadas à diversidade que caracteriza o envelhecimento individual e as alterações de funcionalidade (Decreto-Lei nº 101/2006, p. 3856).

A prestação de cuidados continuados integrados é assegurada por unidades e equipas de cuidados continuados de saúde, abrangendo hospitais, centros de saúde, serviços distritais e locais da segurança social, rede solidária e autarquias locais, através de diferentes tipologias de resposta. A RNCCI é constituída por unidades que disponibilizam camas de internamento - Unidade de Convalescença (UC), Unidade de Média Duração e Reabilitação (UMDR), Unidade de Longa Duração e Manutenção (ULDM) -, e lugares de cuidados domiciliários, através das Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI). Foram criadas posteriormente as Unidades de Saúde Mental de diversas tipologias - internamento, ambulatório e apoio domiciliário (EAD SM). Recentemente, foram criadas as Unidades de Cuidados Integrados Pediátricos, de internamento e ambulatório (UCIP e UAP), para dar resposta direcionada à faixa etária pediátrica. No final de junho de 2019, a RNCCI contava 14.600 lugares (incluindo a área pediátrica e de saúde mental), 5.667 lugares domiciliários e 8.933 lugares de internamento e ambulatório (ACSS, 2019). Estes valores, representam um crescimento de 1,2% da Rede Geral relativamente ao final de 2018.

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8 A coordenação da RNCCI é realizada a nível nacional pela Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados (UMCCI). Está ainda organizada em dois níveis de operacionalização, regional e local. A coordenação regional é assegurada pelas Equipas Coordenadoras Regionais (ECR), que incluem os representantes das respetivas ARS e dos centros distritais de segurança social. A ECR articula-se com a coordenação nacional e local, participando no planeamento, gestão, controlo e avaliação da qualidade do funcionamento, dos processos e dos resultados das diferentes unidades. A Equipa de Coordenação Local (ECL) é constituída por recursos dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) - pelo menos um médico, um enfermeiro e um assistente social -, que asseguram o acompanhamento das unidades da Rede a nível local, assim como a coordenação e articulação dos recursos e atividades no seu âmbito de referência (Anexo 1).

Paralelas a estas estruturas, existem as Equipas de Gestão de Altas (EGA), responsáveis pela referenciação de utentes, do contexto hospitalar para as variadas unidades da RNCCI. Nos CSP, a referenciação deverá sempre partir da Equipa de Saúde Familiar (gatekeeper), com a posterior validação da ECL. A referenciação de utentes pode também acontecer entre unidades da RNCCI.

O processo de referenciação de utentes para as unidades da RNCCI conta com a participação obrigatória de três categorias profissionais - assistente social, enfermeiro e médico -, através da introdução de dados clínicos e sociais na plataforma GestCare®. Após, o processo necessita da avaliação e validação da ECL, na qual elementos com os mesmos perfis profissionais analisam a informação clínica e decidem se o processo é diferido ou rejeitado para ingresso em determinada tipologia de cuidados. Com o parecer positivo da ECL, o utente fica em lista de espera cronológica até admissão na unidade requerida.

De acordo com Campos (2008), a criação da RNCCI foi a mais importante reforma do sistema de saúde português, desde a criação do próprio SNS em 1978. O seu planeamento estratégico foi organizado em três fases de desenvolvimento, essencialmente focadas no incremento da cobertura das necessidades progressivamente identificadas. Em 2016 foi prevista uma reforma da RNCCI, com orientações e desafios a alcançar até 2019, onde destaco a forte aposta na domiciliação dos cuidados, através das ECCI, o desenvolvimento do Estatuto do Cuidador Informal e o incremento da capacidade de resposta da RNCCI, privilegiando a domiciliação dos cuidados e as respostas comunitárias, priorizando ainda regiões e respostas deficitárias (República Portuguesa, 2016).

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2.1.2 ECCI e necessidades de cuidados continuados em contexto domiciliário

A crescente procura de cuidados de saúde, em combinação com a potencial diminuição do cuidado informal, tem resultado na expansão dos serviços de atendimento formal e aumento dos gastos em saúde. Assim, o investimento em cuidados comunitários, incluindo os cuidados domiciliários, tem sido a política de saúde de vários países europeus (Colombo et al., 2011). A prestação de cuidados de saúde em contexto domiciliar pode ser uma opção economicamente vantajosa quando comparada com a assistência de emergência, internamento hospitalar ou integração em lar residencial. Apesar de um atendimento menos diferenciado, foi demonstrado que a prestação de cuidados de saúde domiciliários melhora os resultados em saúde e a qualidade do atendimento, reduzindo o custo total do episódio de tratamento (The Joint Comission, 2011).

Num estudo realizado a utentes do Medicaid nos Estados Unidos, Sands et al. (2008) verificaram que os gastos com cuidados de longo prazo a utentes com demência eram em média US$ 1688 por mês mais altos para utentes institucionalizados, comparativamente a idosos beneficiários de cuidados continuados em contexto domiciliário. Os autores vincaram ainda a necessidade de ajustar os cuidados prestados à particularidade das necessidades destes utentes, a fim de otimizar os resultados em saúde.

De acordo com Shepperd et al. (2009), a evolução dos cuidados domiciliários resulta de exigências públicas e sociais, sobretudo relacionadas com a contenção de despesas, mas também com o avanço tecnológico, que permite atualmente um melhor acompanhamento de episódios de doença crónica que requeiram continuidade de cuidados, permitindo obter custos mais baixos e diminuir a mortalidade. A promoção de sistemas inovadores de prestação de serviços de saúde para pessoas com necessidades especiais tem promovido a prestação de cuidados de saúde em contexto domiciliário, diminuindo a utilização de serviços hospitalares e de assistência a longo prazo, refletindo um melhor cuidado personalizado e economia de custos a longo prazo (Sands et al., 2008; Moura, 2020).

Este não é um conceito considerado apenas numa visão económica, ou de manutenção da independência das pessoas, mas também o modo de assistência habitualmente preferida pelas pessoas, pois a nossa casa é um local de associações físicas e emocionais, memórias e conforto (Genet et al., 2011). As relações de proximidade e vizinhança, os objetos pessoais e familiares proporcionam tranquilidade, conforto e satisfação, o que facilita o processo de transição da pessoa e da família (Meleis et al., 2007).

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10 Hsieh & Kenagy (2020) recentemente concluíram que serviços de saúde domiciliários de qualidade podem inclusive melhorar o bem-estar e satisfação dos seus clientes relativamente à sua saúde, vida familiar e relações de amizade. Estes autores demonstraram, portanto, que os serviços de saúde domiciliários têm potenciais benefícios não apenas físicos, mas também psicológicos para os seus clientes, bem como familiares e comunidade. As preferências das pessoas em receber cuidados em suas casas não se traduzem em maiores gastos com cuidados em casa. A maior parte do custo dos cuidados de longo prazo ainda se origina no setor institucional devido, entre outros, à alta densidade de mão-de-obra e infraestruturas de alto custo. Somente na Dinamarca, Áustria, Nova Zelândia e Polónia, as despesas com atendimento domiciliar excedem as despesas com atendimento institucional, essencialmente pelo seu grande investimento no contexto domiciliário (Colombo et al., 2011, p. 48).

De uma forma geral, a integração formal dos cuidados domiciliários com outros serviços de saúde é mais desenvolvida em países como Inglaterra, Itália, Holanda, países escandinavos e Eslováquia (OMS, 2012). Contudo, apesar de visões díspares, a maioria dos países percebe a importância do crescente atendimento domiciliário como substituto do atendimento residencial e hospitalar. Alguns países estipularam inclusive metas de atendimento domiciliário, por exemplo: a Eslovénia prevê o atendimento de 3% da população com mais de 65 anos; a Finlândia o atendimento de 3-14% da população com mais de 75 anos de idade; a Alemanha e a Bélgica preveem expandir a utilização desta tipologia de cuidados aumentando a acessibilidade dos seus utentes aos cuidados domiciliários (OMS, 2012). Como forma de incrementar o acesso a cuidados domiciliários, especificamente cuidados de longo termo, os Estados Unidos criaram o Home-and

community-based services (HCBS) que presta cuidados integrados (saúde e apoio social) a

pessoas dependentes, permitindo que estes permaneçam em suas casas e comunidades pelo maior tempo possível, e evitar institucionalizações desnecessárias (Wiener & Anderson, 2009; Kaye, 2014). Este programa obteve consenso político, uma vez que foi fortalecida uma subclasse, acauteladas despesas públicas em saúde e promovido o mercado.

Frequentemente, a visão de uma sociedade em envelhecimento e a sua preferência pelos cuidados domiciliários (como, por exemplo, na Inglaterra e Suíça) exige que estes sejam adaptados à transformação da própria sociedade. Na Suécia, por exemplo, a prestação de cuidados domiciliários é vista como um meio de facilitar a vida ativa das pessoas, exercendo influência na sociedade e no quotidiano da pessoa, de modo a manter a

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11 segurança e a independência e garantir o respeito e acesso a cuidados de qualidade (OMS, 2012).

Constituindo os cuidados domiciliários uma área de intervenção dos CSP, em Portugal, os cuidados continuados em contexto domiciliário são considerados um serviço do âmbito de intervenção dos Centros de Saúde (CS). Assim, e no domínio da RNCCI, a prestação de cuidados de saúde e de apoio social, com base num modelo de intervenção integrada e articulada, é assegurada pelas Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI), inseridas nas Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC), unidades funcionais constituintes dos ACeS. A ECCI é uma equipa multidisciplinar que presta

serviços domiciliários, decorrentes da avaliação integral, de cuidados médicos, de enfermagem, de reabilitação e de apoio social, ou outros, a pessoas em situação de dependência funcional, doença terminal, ou em processo de convalescença, com rede de suporte social, cuja situação não requer internamento mas que não podem deslocar-se de forma autónoma (Decreto-Lei nº 101/2006, p.

3862).

Tal como referido na carta de compromisso, a ECCI assegura, designadamente:

a) Cuidados domiciliários de enfermagem e médicos de natureza preventiva, curativa, reabilitadora e ações paliativas, devendo as visitas dos clínicos ser programadas, regulares e ter por base as necessidades detetadas;

b) Cuidados de reabilitação;

c) Apoio psicossocial e ocupacional envolvendo os familiares e outros prestadores de cuidados;

d) Educação para a saúde aos doentes, familiares e cuidadores; e) Apoio na satisfação das necessidades básicas;

f) Apoio no desempenho das atividades da vida diária; g) Apoio nas atividades instrumentais da vida diária;

h) Coordenação e gestão de casos com outros recursos de saúde e sociais.

As ECCI prestam cuidados em todos os dias do ano e são maioritariamente constituídas por profissionais de enfermagem, com áreas de especialidade distintas, no sentido de promover cuidados mais direcionados às necessidades de cada indivíduo. São também constituídas por outros técnicos de saúde, como fisioterapeutas e nutricionistas, técnicos de apoio social, e médicos. Na maioria das Equipas, os cuidados médicos são articulados com os médicos de família do utente, com o objetivo de promover a continuidade de cuidados entre as ECCI e as equipas de saúde familiar. É ainda uma mais

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12 valia, sempre que possível, a articulação com outras equipas integradas no ACeS ou dos cuidados diferenciados.

Frequentemente, as ECCI deparam-se com vários condicionantes à sua ação, nomeadamente no que diz respeito à alocação de recursos (físicos, materiais e humanos), deslocação dentro da área geográfica que lhe é destinada, condições meteorológicas, articulação com médicos de família, articulação com serviços diferenciados, colaboração do próprio utente e dos seus cuidadores, entre outras.

De acordo com o relatório de monitorização da RNCCI referente ao primeiro semestre de 2019 (ACSS, 2019a), 89,5% dos utentes acompanhados em ECCI tinham idade superior a 65 anos (comparativamente a 86,3% no 1ºsemestre de 2018), e 51,9% superior a 80 anos. A população do sexo feminino mantém-se em maioria, representando 56,3% do total de utentes. Os principais diagnósticos identificados em ECCI são, respetivamente, “Úlcera Crónica de Pele” e “Doença Vascular Cerebral”. É na região Norte onde se regista a maior percentagem de utentes a viver com a sua família natural (71,9%).

O número de lugares domiciliários na RNCCI mantém-se ainda inferior ao de lugares de internamento, representando 40% dos lugares totais (41% em 2018) (ACSS, 2019a). Ao contrário do Plano de Desenvolvimento da RNCCI estabelecido em 2016, tem-se verificado uma diminuição mais ou menos acentuada dos lugares domiciliários em ECCI desde 2015 até aqui, uma variação de -918 lugares (OPSS, 2018; ACSS, 2019a). Tem-se verificado um ajustamento do número de lugares, não se dispondo de informação se tal é devido à diminuição da procura desta tipologia de cuidados, ou à disponibilidade de recursos humanos efetivamente alocados às ECCI, nas UCC de cada ACeS.

Através do gráfico 1 pode-se observar a cobertura populacional da Rede Geral, e verificar que o Algarve mantém a maior cobertura, e o Centro, seguido do Norte, com menor cobertura populacional em lugares domiciliários da Rede. Pode verificar-se ainda que no Norte as vagas de internamento aproximam-se dos valores nacionais, ao contrário dos lugares domiciliários que ficam aquém, apesar de ser no Norte onde se observam o maior número de ECCI (ACSS, 2019a).

As taxas de ocupação de lugares de cuidados domiciliários têm sido consistentemente mais baixas, comparativamente aos de internamento. Contudo, de uma forma transversal, a taxa de ocupação de ECCI tem vindo a crescer em todas as regiões, sendo o Norte onde se verifica a taxa de ocupação mais elevada (84%). Estes dados, evidenciam que a RNCCI se centra ainda bastante no internamento, questionando os objetivos de privilégio da

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13 domiciliação e das respostas comunitárias da Rede propostos para a sua reforma. No que diz respeito à demora média de internamento em vaga de ECCI, o Norte é a região com menor demora média (35 dias em 2018 para 32 dias em 2019) (ACSS, 2019a).

No primeiro semestre de 2019, a ECCI contou com 31% dos utentes referenciados por motivo “Tratamento de Feridas/Úlceras de Pressão”, 11% por “Úlceras de Pressão Múltiplas” e 54% com necessidade de “Reabilitação” identificada (66% no Norte e 21% no Algarve), uma necessidade notoriamente superior a anos anteriores, o que implica a existência de profissionais qualificados e devidamente alocados para intervenção nestes utentes. A referenciação para ECCI difere muito a nível nacional no que diz respeito à sua origem, sendo que no Norte os CSP são os principais referenciadores (67,7%), e em LVT são os hospitais que mais referenciam (58,8%) (ACSS, 2019a).

Gráfico 1 - Cobertura populacional da Rede Geral (sem área pediátrica e SM). Cobertura por 100.000 hab. ≥

65 anos, por região (ACSS, 2019a, p. 41).

Relativamente ao tempo de espera entre a referenciação até identificação de vaga, são evidentes assimetrias regionais, sendo no Norte o maior tempo de espera para vaga em ECCI (ACSS, 2019a). Esta informação exige a análise devida do circuito de referenciação, no sentido de se introduzirem as correções possíveis para melhorar o seu acesso.

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14 Portugal necessita ainda de esforços para melhorar a acessibilidade a estes serviços, bem como a articulação entre estes, e entre estes e os cuidados de saúde diferenciados (República Portuguesa, 2016; OPSS, 2018). A monitorização e gestão da qualidade dos cuidados de saúde em contexto domiciliário é ainda uma necessidade identificada, não se verificando algo rotineiro na maioria dos países (OMS, 2012).

Sendo a manutenção da pessoa no domicílio uma característica privilegiada dos cuidados continuados, não só pela redução dos custos ao nível do sistema de saúde e social, mas também por ir de encontro às expectativas dos seus clientes e familiares (Sands et al., 2008; Tavares, 2008), torna-se crucial assegurar o acesso a esta tipologia de cuidados, permitindo a qualidade dos cuidados prestados e a sua continuidade.

Tal como previsto no plano de desenvolvimento da Rede, pretende-se que a sua expansão e melhoria aconteça na “observância dos princípios da proteção do direito a cuidados de saúde e de apoio social, da universalidade do acesso e da centralidade da pessoa no processo de cuidados” (República Portuguesa, 2016, p. 6). Assim, parece importante um maior investimento na avaliação da acessibilidade a estes cuidados, na medida em que os indicadores de monitorização utilizados pela ACSS são escassos e pouco específicos (ACSS, 2019a; ACSS, 2019b).

2.2 Acesso a Cuidados de Saúde

O acesso a cuidados de saúde é fundamental para o desempenho dos sistemas de saúde em todo o mundo. Por esse motivo, a política de saúde do XXI Governo Constitucional definiu como prioridade, entre outras, a redução de desigualdades entre os cidadãos no acesso à saúde, em conjunto com o reforço do poder do cidadão no seio do SNS, promovendo a disponibilidade, acessibilidade, comodidade, transparência, celeridade e humanização dos serviços (República Portuguesa, 2015).

O acesso compreende apenas uma pequena parte do processo total de atendimento e serviços, mostrando-se um primeiro passo essencial para o processo. A interação direta entre profissionais de saúde e utentes, durante o processo de acesso, influencia a experiência e a satisfação dos utentes. A acessibilidade a cuidados de saúde é, por isso, uma componente crucial e a considerar também no âmbito dos cuidados continuados em contexto domiciliário.

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2.2.1 Modelo conceptual de acesso a cuidados de saúde

A acessibilidade em saúde tem sido idealizada de diversas formas e, por isso, a definição de acesso e os fatores que o influenciam são tema de debate.

Em 1971, Bashur et al. (cit. por Levesque et al., 2013, p. 3) arrancam com um conceito de acesso em saúde centrado no prestador de serviços, focando a relação funcional entre a população e as instalações e os recursos médicos, refletindo a existência diferencial de dificuldades ou facilitadores para os utentes de cuidados de saúde. Mais tarde, Penchansky e Thomas (1981) desenvolvem um modelo de acessibilidade multidimensional, que é assente no conceito de ajuste entre a capacidade do sistema de saúde e a possibilidade ou a facilidade com a qual os utentes ou as populações são capazes de usar os serviços adequados às suas necessidades. Recentemente, o acesso foi definido como a oportunidade ou a facilidade com que os consumidores ou as comunidades são capazes de usar serviços de saúde apropriados, e na proporção das suas necessidades (Levesque et al., 2013).

Levesque et al. (2013) propuseram uma estrutura conceptual onde o acesso é visto como resultado da interface entre as características de pessoas, famílias, ambientes sociais e físicos e as características dos sistemas, organizações e prestadores de saúde. De acordo com os autores, o acesso é alcançado através da interação entre cinco dimensões essenciais: Proximidade (approachability), Aceitabilidade (acceptability), Capacidade e acomodação (availability and accommodation), Esforço financeiro (affordability) e Adequabilidade (appropriateness). A interação destas com as características do lado da oferta (prestadores de cuidados de saúde) e do lado da procura (utentes), permitirão avaliar a acessibilidade em saúde (Quadro 1). São considerados, por um lado, os fatores predisponentes à utilização e, por outro, os fatores facilitadores do sistema de saúde.

A proximidade (approachability) está relacionada com a capacidade das pessoas que necessitam de cuidados de saúde conseguirem identificar essa necessidade, e aferir que alguma forma de serviços existe, pode ser usada e tem um impacto sobre a sua saúde (Levesque et al., 2013; Teixeira et al., 2016). Vários elementos, tais como transparência e informação sobre tratamentos e serviços disponíveis, podem contribuir para que os serviços sejam mais ou menos acessíveis. Em complemento, a capacidade da população perceber a necessidade de cuidados é essencial, e é determinada pela literacia em saúde.

A aceitabilidade (acceptability) refere-se a fatores culturais e sociais que determinam a possibilidade das pessoas aceitarem os aspetos do serviço (por exemplo, idade, sexo ou grupo social de prestadores, crenças associadas aos sistemas médicos, enquadramento

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16 geográfico do prestador) (Levesque et al., 2013). Os prestadores também têm convicções sobre as características preferidas dos utentes ou a sua disponibilidade financeira, podendo ajustar-se às características dos utentes que procuram cativar (ERS, 2009). A capacidade de procurar os serviços de saúde relaciona-se diretamente com o grau de autonomia da pessoa e a sua capacidade de optar por procurar ou não.

Quadro 1 - Adaptação da estrutura conceptual de acesso aos cuidados de saúde (Levesque et al., 2013, p. 5).

A capacidade e acomodação (availability and accomodation) representam a medida em que o prestador detém os recursos necessários – como pessoal e tecnologia – para atender às necessidades dos utentes. Ou seja, poderem ser alcançados tanto fisicamente quanto em tempo útil.Traduz uma medição da capacidade da rede em oferecer serviços em quantidade suficiente para fazer face à procura potencial, permitindo-nos avaliar se a organização do prestador (em termos de localização geográfica, horário de funcionamento, marcação de consultas, etc.) é adequada às restrições e preferências dos utentes (Teixeira et al., 2016). De acordo com Levesque et al. (2013), cabem nesta dimensão características das instalações (por exemplo, densidade, concentração, distribuição, acessibilidade do edifício), de contextos urbanos (descentralização, expansão urbana e sistema de transporte) e de indivíduos (duração e flexibilidade do horário de trabalho). Também se refere às características dos prestadores (presença do profissional de saúde, qualificação) e modos de

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17 prestação de serviços (por exemplo, procedimento de contacto e possibilidade de consultas virtuais). O acesso é restrito se os recursos disponíveis forem distribuídos de maneira desigual em todo o país ou em níveis de atendimento. Ainda segundo o mesmo autor, a capacidade de obter assistência médica refere-se à noção de mobilidade do indivíduo e disponibilidade de transporte, flexibilidade ocupacional e suporte social e familiar que permitiriam que uma pessoa aceda fisicamente aos prestadores de serviços.

O esforço financeiro (affordability) é o resultado direto dos preços dos serviços e despesas relacionadas, além dos custos de oportunidade relacionados com a perda de remuneração durante o tempo que precisam dos serviços de saúde (Teixeira et al., 2016). Esta dimensão permite-nos avaliar a relação entre os preços dos atos prestados, incluindo formas de pagamento disponibilizadas pelos prestadores, e o rendimento dos utentes, além da sua capacidade de pagamento, a qual poderá sofrer influência da existência ou não de seguros, convenções ou acordos (ERS, 2009).

A última dimensão apresentada por Levesque et al. (2013) denota a adequabilidade (appropriateness) entre os serviços e as necessidades dos clientes, a sua pontualidade, a quantidade de cuidados gastos na avaliação de problemas de saúde e na determinação do tratamento correto e na qualidade técnica e interpessoal dos serviços prestados. Esta proporcionalidade baseia-se na adequação (quais os serviços prestados) e na qualidade (a forma como são fornecidos) dos serviços de saúde, e na sua natureza integrada e contínua. Não é pretendido que se tenha acesso aos cuidados de saúde com base apenas no preço acessível e na disponibilidade geográfica e organizacional, mas que esse acesso permita escolher serviços adequados e eficazes a cada utente (Levesque et al., 2013). A oportunidade de utilizar apenas serviços de baixa qualidade, por exemplo, é vista como restrição do acesso aos cuidados de saúde, uma vez que a oportunidade de utilizar serviços prestados por profissionais com menores qualificações e não treinados não se pode equiparar à oportunidade de utilizar serviços altamente especializados, principalmente se esses serviços geram diferentes resultados em saúde e satisfação em relação aos serviços. Levesque et al. (2013) salientam ainda a importância da capacidade do utente se envolver nos cuidados de saúde e interagir com a natureza do serviço, nomeadamente nas decisões quanto aos tratamentos, demonstrando capacidade, motivação e compromisso.

As várias dimensões da acessibilidade influenciam-se mutuamente, e atuam a partir da interação de determinantes relacionadas com as características dos indivíduos e dos

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18 serviços. Identificar e perceber essas determinantes concede-nos a oportunidade de planear uma abordagem que promova a equidade no acesso a cuidados de saúde.

2.2.2 Acesso a cuidados continuados em contexto domiciliar

Dada a especificidade dos cuidados continuados e do contexto domiciliário, é realizada uma análise dos fatores determinantes no acesso a cuidados continuados em contexto domiciliário, atendendo à evidência conhecida sobre a temática e à realidade dos cuidados prestados pelas ECCI. Esta análise é realizada à luz do modelo conceptual anteriormente apresentado, abordando cada uma das dimensões.

2.2.2.1 Proximidade

Uma das primeiras barreiras para aceder a cuidados continuados em contexto domiciliário ocorre quando a pessoa apresenta necessidade de cuidados de saúde que a torna elegível para tal, no entanto não perceciona essa realidade. Esta condicionante poderá acontecer por falta de conhecimento sobre quais os critérios para receber cuidados de saúde em casa, ou preferência da pessoa e/ou família (Suurmond et al., 2016). Verifica-se, portanto, que o desconhecimento sobre os critérios de referenciação para os cuidados continuados domiciliários pode ser um importante fator limitante ao acesso.

Guihan et al. (2011) concluíram que os idosos referenciados para cuidados continuados domiciliários, e os seus cuidadores, têm dificuldade em obter informações precisas e oportunas sobre os serviços de cuidados continuados, nomeadamente sobre os seus custos, tipos de serviços disponíveis e critérios de referenciação, identificando ainda entraves no processo de referenciação.

Felix HC et al. (2019) perceberam que potenciais clientes com necessidade de cuidados continuados que têm apoio de agentes comunitários no seu domicílio têm maior facilidade em aceder a uma maior gama de serviços de saúde, dispondo de mais informações sobre esses serviços. Percebem-se, assim, evidências da eficácia da intervenção destes agentes na informação, consciencialização e utilização dos serviços de saúde.

Tem-se verificado ainda que utentes de serviços de saúde no domicílio que não são fluentes no idioma local têm maior dificuldade no acesso e utilização destes serviços, demonstrando várias vezes dificuldade no acesso ao sistema de saúde do país que o acolhe (Bailie et al, 2015; Suurmond et al., 2016).

Teixeira et al. (2016) verificaram que uma pior perceção do estado de saúde aumenta a procura de cuidados de saúde. Por outro lado, Bailie et al. (2015) demonstraram que

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19 experiências anteriores negativas no que diz respeito ao acesso a cuidados de saúde influenciam negativamente a disposição da pessoa para procurar novamente a mesma tipologia de cuidados prestados. Assim, denota-se essencial apoiar momentos de encontro positivos e de confiança na prestação de cuidados de saúde.

2.2.2.2 Aceitabilidade

De acordo com Suurmond et al. (2016), uma das barreiras essenciais ao acesso a atendimento domiciliar em saúde acontece porque os utentes desconhecem como e onde procurar os serviços de saúde em contexto domiciliário, assim como os serviços a que têm direito. Perceberam ainda que a inserção em redes comunitárias facilita a procura de serviços de saúde em contexto domiciliário, pela troca de experiências e conhecimento.

Apesar de mais da metade dos utentes com 80 ou mais anos receber atendimento em casa na maioria dos países da OCDE, verifica-se que os usuários muito idosos têm menor probabilidade de receber atendimento domiciliar do que os mais jovens (Colombo et al., 2011). Um estudo realizado recentemente na Alemanha, concluiu que idosos com mais necessidades de cuidados continuados enfrentam mais barreiras de acesso a cuidados especializados (Maike, 2020). Algo controverso, mas que poderá ter na sua origem a dificuldade de procurar esta tipologia de cuidados por parte dos mais idosos.

Suurmond et al. (2016) verificaram que muitas pessoas identificam o médico de família como o referenciador para os cuidados domiciliários, pelo que a sua opinião e parecer tem um enorme relevo para a procura desses serviços. Constatou-se também que uma maior duração da relação entre o profissional de saúde e o utente se associa a um maior acesso a cuidados de saúde (Teixeira et al., 2016). Sendo o médico de família, juntamente com o assistente social e o enfermeiro de família, que referenciam a partir dos CSP os utentes para ECCI, podemos inferir que a relação destes com o indivíduo poderá influenciar o processo de acesso a cuidados continuados domiciliares.

Uma consideração cultural importante é garantir a sensibilidade ao género e a diferentes etnias, criando serviços culturalmente seguros e, portanto, mais acessíveis (Bailie et al., 2015). É, por isso, importante encorajar as minorias étnicas a aceder estes cuidados, bem como mulheres que sempre cuidaram dos seus familiares sem cuidarem muitas vezes delas próprias e que, por valores culturais, não concebem a possibilidade de receberem cuidados de saúde no seu domicílio. O desafio é assim garantir que são respondidas as necessidades de diferentes culturas e estratos socioeconómicos (Levesque et al., 2013).

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20 2.2.2.3 Capacidade e Acomodação

Esta dimensão permite analisar a interação entre a disponibilização “física” dos serviços de saúde e a capacidade dos indivíduos os alcançarem.

No que diz respeito à capacidade da RNCCI, verificou-se que entre 2015 e 2018 o número de camas contratadas nas unidades de internamento (UC, UMDR e ULDM) aumentou. No entanto, o número de lugares domiciliários nas ECCI decresceu (Quadro 2).

Quadro 2 - Evolução do número de camas e lugares na RNCCI entre 2015 e março 2018 (OPSS, 2018, p.20).

Referente à monitorização do primeiro semestre de 2019, o número de ECCI cresceu 1,8% em relação ao final de 2017. O Norte cresceu 3,4% no número de ECCI e o Centro 3%. Contudo, os lugares disponíveis têm uma diminuição de 2,3% a nível nacional. O Centro diminuiu os lugares de ECCI em 9,9%, seguido do Norte, com menos 2,4% e do Alentejo, com menos 2,3%. O número médio de lugares disponíveis por ECCI mantém-se com assimetrias regionais, que oscilam entre 11 no Centro e 35 em Lisboa e Vale do Tejo (LVT) (Quadro 3).

Quadro 3 - Nº médio de lugares de ECCI nas diferentes regiões (ACSS, 2019a, p. 38).

De acordo com Tavares (2011) e Petronilho (2013) muitos clientes com alta hospitalar em Portugal apresentam critérios para cuidados continuados, contudo, não são

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21 referenciados pelas equipas de saúde. Assim, independentemente do número de lugares disponíveis, a agilidade com que é tratada a referenciação de utentes tem um peso considerável na capacidade do utente alcançar cuidados continuados em contexto domiciliar (Bailie et al., 2015). Percebe-se assim que, de acordo com a cadeia de referenciação para ECCI, o acesso a consultas com o médico de família, enfermeiro de família e assistente social influenciam o acesso a cuidados continuados domiciliares. Trata-se, portanto, de uma cadeia de contactos e avaliações que, pela sua burocracia e complexidade, poderá condicionar o acesso. Relativamente à referenciação para a RNCCI, o OPSS (2018) salienta ainda a complexidade da mesma, que envolve diferentes etapas imprescindíveis, mas que por vezes geram demoras na admissão dos utentes. Em comparação com outras unidades da RNCCI, os tempos de espera são claramente mais baixos para as ECCI, mas dentro da mesma tipologia da Rede, LVT e o Norte são as regiões com maior tempo de espera para admissão (OPSS, 2018).

O horário de funcionamento de um serviço de saúde é algo também muito importante no que diz respeito à sua acomodação (Levesque et al., 2013). De acordo com Teixeira et al. (2016), os reformados são o grupo de população com uma melhor “capacidade e acomodação”, por apresentarem uma maior disponibilidade ao longo do dia, tendo maior flexibilidade quanto à marcação de consultas e, consequentemente, mostram-se mais satisfeitos com o horário de funcionamento dos cuidados de saúde primários. Assim, os utentes reformados (a quase totalidade dos utentes em ECCI) e/ou familiares cuidadores reformados, à partida demonstram uma maior capacidade de se ajustarem às características das várias equipas de saúde, nomeadamente das ECCI.

A falta de transporte (Bailie et al., 2015) e a mobilidade restrita dos idosos e pessoas com deficiência adquirida (Levesque et al., 2013) não representam à partida barreiras para os utentes da ECCI, uma vez que os cuidados são prestados em sua casa.

2.2.2.4 Esforço Financeiro

No que diz respeito ao acesso à ECCI, não existem gastos de transporte para os utentes, não há taxas moderadoras a pagar e os recetores dos cuidados estão numa situação de dependência ou inaptos para o trabalho, pelo que não existem também custos de oportunidade associados ao tempo sacrificado com os serviços de saúde.

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22 Segundo dados da Comissão Europeia (2019), os pagamentos diretos em cuidados continuados em Portugal, encontram-se abaixo da média europeia, com 0,6% da quota global de despesas em saúde comparativamente a 2,4% da média da UE.

2.2.2.5 Adequabilidade

Pretende-se nesta dimensão refletir sobre a adequação (quais os serviços prestados) e a qualidade dos cuidados (a forma como são prestados), bem como a capacidade de envolvimento do indivíduo, para que se obtenham resultados em saúde que vão ao encontro das necessidades e expectativas da pessoa e sejam sustentáveis do ponto de vista socioeconómico.

No âmbito das ECCI, os serviços prestados encontram-se bem definidos na carta de compromisso contratualizada, como mencionado anteriormente. Importa, contudo, uma adequada avaliação das necessidades de cada pessoa e dos melhores profissionais para a assistir. Assim, é essencial a formação e treino contínuo dos profissionais que prestam cuidados domiciliários, especialmente no que diz respeito à qualidade do atendimento, sobretudo no caso de doentes em situações particulares, tais como utentes com demência ou a necessitar de cuidados paliativos (Rutschmann, 2017). Esta formação e treino ganha ainda maior relevo na medida em que a ECCI é, muitas vezes, o contacto de primeira linha com o utente.

De acordo com Levesque et al. (2013) e Baile et al. (2015), a existência de serviços especializados são uma mais valia para melhorar o acesso a determinado serviço de saúde. Assim, podemos considerar que o facto de as ECCI disporem de profissionais com diferentes especialidades, melhora o acesso dos seus utentes, pela adequação dos cuidados, a promoção da multidisciplinaridade no cuidado e a continuidade dos cuidados.

Um estudo desenvolvido na Holanda, com o objetivo de melhorar a assistência social e de saúde integrada, demonstrou que a realização de reuniões multi e interprofissionais, com foco na reflexão da intervenção e aprendizagem partilhada, e visitas aos diferentes locais de trabalho, permitem a triangulação de dados de várias fontes de dados qualitativos e quantitativos, e conduzem consequentemente a melhorias na comunicação e colaboração, estabelecendo entendimento e confiança mútuos (Lette et al., 2019). Percebe-se, portanto, que melhorar a comunicação entre profissionais é um primeiro passo importante na melhoria do atendimento integrado. Além disso, uma abordagem participativa, na qual as melhorias são criadas e adaptadas às prioridades e necessidades locais, pode ajudar no

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Gráfico 1 - Cobertura populacional da Rede Geral (sem área pediátrica e SM). Cobertura por 100.000 hab
Gráfico 2 - Distribuição da amostra por região de saúde.
Gráfico 4 -Distribuição da amostra de acordo com área de especialidade (%).
Gráfico 5 - Distribuição da amostra de acordo com o horário de funcionamento da ECCI onde exerce  funções e a sua opinião sobre a adequação do mesmo.
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Referências

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