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Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Especialista em Direitos Fundamentais e Direito do Consumidor pela UFRGS. Especialista em Droit comparé et européen des contrats et de la consommation pela Université de Savoie Mont Blanc/UFRGS. Pesquisador do Grupo de

Pesquisa CNPq “Mercosul, Direito do Consumidor e Globalização”. Bolsista CAPES. mucelin27@gmail.com

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Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Droit comparé et européen des contrats et de la consommation

pela Université de Savioe Mont Blanc/UFRGS. Pesquisadora do grupo de pesquisa “Mercosul, Direito do

Consumidor e Globalização”. Professora convidada do curso de Especialização “Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais” da UFRGS. Diretora do IBDMater – Instituto Brasileiro de Direito e Maternidade. luciasdaquino@gmail.com

Recebido: 17.03.2020 Publicado a convite

áreaDo DireiTo: Consumidor

resumo: O início do ano de 2020 foi marcado por uma pandemia de COVID-19, afetando a saúde não só dos consumidores, mas também do mercado de consumo. Entre as medidas de prevenção à conta-minação, estão a higienização e a evitação de locais com aglomerado de pessoas, o que se demonstra um desafio especialmente em razão de práticas dos fornecedores, que têm dificultado o acesso de tais bens no mercado de consumo por meio da cobrança de preços exorbitantes. Ademais, consumidores que haviam programado viagens têm enfrentado difi-culdades ao tentar reagendar ou cancelar produtos e serviços no ramo do turismo. Assim, o presente

absTracT: The beginning of the year 2020 was mar-ked by a COVID-19 pandemic, affecting the health of not only consumers, but also the consumer market. Among the measures to prevent contami-nation are hygiene and avoidance of crowded pla-ces, which proves to be a challenge especially due to the practices of suppliers, which have hindered the access of such goods in the consumer market, charging exorbitant prices. In addition, consumers who had planned trips have faced difficulties when trying to reschedule or cancel products and servi-ces in the field of tourism. Thus, the present work intends to analyze, based on the principles of Law,

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trabalho pretende analisar, a partir dos princípios do Direito, em especial do Direito do Consumidor, quais as respostas adequadas a tais situações, ten-do em vista o equilíbrio nas relações em tempos de uma crise sanitária mundial. A resposta, além de passar pelo bom-senso, reside principalmente no caráter coletivo do direito do consumidor.

palavras-chave: COVID-19 – Coronavírus – Direito do consumidor  – Práticas abusivas  – Consumidor turista.

especially Consumer Law, which are the appropriate responses to such situations, aiming at the balance in relations in times of a global health crisis. The answer, besides going through common sense, lies especially in the collective character of consumer law.

KeyworDs: COVID-19  – Coronavirus  – Consumer Law – Unfair practices – Consumer Tourist.

SuMário: Introdução. 1. COVID-19 e CDC-39: abusividade por elevação injustificada de preços. 2. Os direitos do consumidor turista face à pandemia. 3. Considerações finais. Referências.

i

ntRodução

No dia 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) rece-beu informações acerca de casos de pneumonia de causa desconhecida provenientes da região de Wuhan, província de Hubei, localizada na parte central da China. Em janeiro de 2020, a China já havia conseguido compor a sequência genética do vírus responsável pelas infecções: trata-se do SARS-Cov-2, variante do coronavírus que causa a doença denominada COVID-19, popularmente conhecida por Coronavírus1.

De acordo com o relatório da OMS, datado do dia 14 de março de 2020, quase 145 mil pessoas estão infectadas, entre as quais foram mais afetadas os imunodeprimidos e os idosos. Já ocorreram 5.393 mil mortes2, número este que poderá se elevar nos

próximos estágios do desenvolvimento da doença ocasionada pelo vírus. Por essas razões, tal organismo internacional declarou-o como uma pandemia3 global4, já que

1. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Novel Coronavirus (2019-nCoV) – Situation Report – 1 to 21 January 2020. Disponível em: [www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation--reports/20200121-sitrep-1-2019-ncov.pdf?sfvrsn=20a99c10_4]. Acesso em: 15.03.2020. 2. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) – Situation Report –

54 – 14 March 2020. Disponível em: [www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation--reports/20200314-sitrep-54-covid-19.pdf?sfvrsn=dcd46351_6]. Acesso em: 15.03.2020. 3. “O conceito moderno de pandemia é o de uma epidemia de grandes proporções, que se

es-palha a vários países e a mais de um continente. Exemplo tantas vezes citado é o da chamada “gripe espanhola”, que se seguiu à I Guerra Mundial, nos anos de 1918-1919, e que causou a morte de cerca de 20 milhões de pessoas em todo o mundo.” (REZENDE, Joffre Marcondes de. Epidemia, endemia, pandemia, epidemiologia. Revista de Patologia Tropical/Journal of Tropical Pathology, v. 27, n. 1, p. 154, 1998.)

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o COVID-19 se apresenta como altamente contagioso, de rápida propagação, com grande número de casos, atingindo quase todos os continentes, bem como por causa da insuficiência das respostas reativas dos governos.4

Obviamente, pandemias influenciam não só a saúde das pessoas, como também a saúde dos mercados. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvol-vimento Econômico (OCDE), cadeias de distribuições globais estão sendo afetadas, bolsas de valores ao redor do mundo fecharam, bem como houve o enfraquecimento da demanda por bens de consumo e de produção importados, aumentando preços de produtos e de serviços (inclusive nacionais) e afetando até mesmo o setor do turis-mo5, impactando diretamente o bem-estar da população6.

O foco deste artigo, portanto, residirá na análise do impacto do Coronavírus no mercado de consumo7 brasileiro pelo prisma do consumidor individual,

especial-mente, na primeira parte, no que toca ao aumento de preços de itens de higiene bási-ca e, no segundo ponto, no que pertine ao bási-cancelamento/reagendamento de viagens nacionais e internacionais, com o objetivo de salientar o direito do consumidor co-mo um agente de bem-estar da população em tempos de crises – coco-mo a sanitária atual.

A metodologia utilizada será a indutiva, em que, a partir de princípios gerais de Direito e do Direito do Consumidor, serão dadas respostas ao caso concreto aqui de-batido, buscando a solução que o direito do consumidor apresenta para equilibrar as relações afetadas pela pandemia.

4. ADHANOM, Tedros. WHO Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 – 11 March 2020. Disponível em: [www.who.int/dg/speeches/detail/who-di-rector-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---11-march-2020]. Acesso em: 15.03.2020.

5. ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Coro-navirus: The world economy at risk. Disponível em: [www.oecd.org/berlin/publikationen/ Interim-Economic-Assessment-2-March-2020.pdf]. Acesso em: 15.03.2020.

6. Pfeiffer sinaliza que o bem-estar do consumidor (ou população, nesse caso especial) é a pro-teção dos interesses específicos dos destinatários finais fáticos e econômicos de produtos ou do serviços que compõem o mercado, de maneira a constituir um dos objetivos centrais não só da defesa da concorrência, mas igualmente do direito do consumidor em geral. (PFEIF-FER, Roberto Augusto Castellanos. Defesa da Concorrência e bem-estar do consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 22.)

7. Para um panorama do impacto do vírus em outras áreas do direito, veja interessante over-view: PINHEIRO NETO ADVOGADOS. O COVID-19 e seus impactos legais no Brasil. Alerta extraordinário. Março de 2020. Disponível em: [www.pinheironeto.com.br/pages/publica-coes-detalhes.aspx?nID=1891]. Acesso em: 15.03.2020.

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1. covid-19

e

cdc-39:

abusividade poRelevação inJustificadade pReços

Atualmente, não existe vacina para a prevenção da infecção ocasionada pelo vírus, muito embora diversos estudos estejam sendo realizados com esse intuito. Como forma de prevenção e de retração da propagação do patógeno, alerta o Mi-nistério da Saúde, deve-se frequentemente higienizar as mãos com água e sabão, fazer uso de preparação alcoólica (álcool em gel), não tocar olhos, nariz e boca sem higienização das mãos, evitar contato próximo com pessoas doentes ou com sus-peita da doença, limpar e desinfetar objetos e superfícies e praticar etiqueta da tos-se e do espirro8. Algumas pessoas mais impressionadas, que não profissionais da

saúde, também estão fazendo uso de máscaras de proteção, mesmo que não seja a elas recomendado.

No que toca ao álcool em gel, em meio ao enxame de fake news a respeito do tema9,

o Conselho Federal de Química, por intermédio de seu presidente, José de Ribamar Oliveira Filho, esclareceu sobre a eficácia do produto, estabelecendo que o grau al-coólico recomendado é o de 70%, de maneira que propicia a desnaturação de pro-teínas e de estruturas lipídicas da membrana celular, destruindo o microrganismo10.

Especificamente em relação ao Coronavírus, define o uso de álcool em gel como me-dida preventiva e mitigatória, tanto nos setores da saúde quanto para a comunidade em geral, seguindo orientação da OMS11.

Em relação às máscaras, segundo o infectologista Celso Granato, da Universida-de FeUniversida-deral Universida-de São Paulo (Unifesp), apesar do apelo da mídia, seu uso Universida-deve ficar li-mitado a pacientes suspeitos ou confirmados, bem como aos profissionais de saúde

8. MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. Saúde lança campanha de prevenção ao Coronavírus. 2020. Disponível em: [www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46458-saude-lanca-cam-panha-de-prevencao-ao-coronavirus]. Acesso em: 15.03.2020.

9. Existem diversas notícias falsas envolvendo o Coronavírus, como remédios que curam, cancelamento de todos os embarques de produtos chineses até março, tratamentos enga-nosos etc. Para saber mais, veja a lista completa em: MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL. Fake News. 2020. Disponível em: [www.saude.gov.br/fakenews/coronavirus]. Acesso em: 15.03.2020.

10. CONSELHO FEDERAL DE QUÍMICA. Nota oficial – Propriedades do álcool gel. 2020. Dispo-nível em: [http://cfq.org.br/noticia/nota-oficial-propriedades-do-alcool-gel/]. Acesso em: 15.03.2020.

11. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Rational use of personal protective equipment for co-ronavirus disease 2019 (COVID-19). 2020. Disponível em: [https://apps.who.int/iris/bits-tream/handle/10665/331215/WHO-2019-nCov-IPCPPE_use-2020.1-eng.pdf]. Acesso em: 15.03.2020.

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que os tratam e as pessoas próximas a eles12. Ainda assim, para a comunidade em

ge-ral, não há recomendação para o seu uso por duas razões: a uma, porque não existem evidências científicas que comprovem que sua utilização seja eficiente para a prote-ção contra o Coronavírus e, a duas, porque ela deve ser trocada de quatro em quatro horas, sob pena de ser considerada uma fonte de infecção para quem a estiver ves-tindo13.

Mesmo assim, a procura e a venda por esses dois itens aclamados como preventi-vos do contágio do vírus cresceu vertiginosamente em todo o país. De acordo com o sítio eletrônico JáCotei, o qual compara os valores de produtos na Internet, o preço de uma máscara modelo N95 apresentou variação para maior, do dia 11 de março até o dia 13 do mesmo mês, equivalente a R$ 20,00 (vinte reais), o mesmo acontecendo com as máscaras cirúrgicas. A depender da marca e do tipo de produto, a elevação do preço chega, no mesmo dia e para o mesmo produto, de R$ 85,00 (oitenta e cinco reais) para R$ 220,00 (duzentos e vinte reais) – o que representa um aumento médio de 258% no dia 13 de março de 2020; já no dia 15, o mesmo produto encontra-se pe-lo vape-lor de R$ 599,90 (quinhentos e noventa e nove reais e noventa centavos)14. Em

alguns lugares, o preço das máscaras aumentou em 2.700%15.

O álcool em gel, por sua vez, a depender das especificações do produto, represen-ta significativas alrepresen-tas nos preços, como um kit de 12 frascos cujo preço era aproxima-damente R$ 90,00 (noventa reais) e passou a custar R$ 130,00 (cento e trinta reais)16

e outro, de outra marca, de R$ 6,90 (seis reais e noventa centavos) para R$ 99,00 (noventa e nove reais), representando um incrível acréscimo de 1.434% no valor do

12. GRANATO, Celso. G1. Coronavírus: como e quando usar a máscara? 2020. Disponível em: [https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/videos-perguntas-e-respostas/noticia/2020/03/ 12/coronavirus-como-e-quando-usar-a-mascara.ghtml]. Acesso em: 15.03. 2020.

13. AGÊNCIA SENADO. Utilidade pública: é necessário usar máscara para se proteger contra o Coronavírus? 2020. Disponível em: [www12.senado.leg.br/noticias/videos/ 2020/03/uti-lidade-publica-e-necessario-usar-mascara-para-se-proteger-contra-o-coronavirus]. Acesso em: 15.03.2020.

14. JACOTEI. Gráfico de preços máscara. 2020. Disponível em: [www.jacotei.com.br/mascara--cirurgica-descarpack-tripla-descartavel-com-tiras-50- unidade/p#grafico_anchor]. Aces-so em: 15.03.2020.

15. G1 BAHIA. Estabelecimentos aumentam preço das máscaras hospitalares em 2.700%, após pro-cura por causa do Coronavírus. 2020. Disponível em: [https://g1.globo.com/ba/bahia/ no-ticia/2020/03/13/estabelecimentos-aumentam-preco-das-mascaras-hospitalares-em-2700 percent-apos-procura-por-causa-do-coronavirus.ghtml]. Acesso em: 15.03.2020.

16. JACOTEI. Gráfico de preços álcool gel. 2020. Disponível em: [www.jacotei.com.br/kit-alcool--gel-antisseptico-higienizante-softfix-100ml-com-12-unidades/p#grafico_anchor]. Acesso em: 15.03.2020.

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bem17. O mesmo aconteceu na Europa, onde o frasco do produto chegou a custar € 25

(vinte e cinco euros), equivalendo a um aumento no preço de 700%18.

A procura por ambos os produtos está causando o esvaziamento de prateleiras de farmácias e estabelecimentos congêneres em todo o Brasil e os fornecedores estão se aproveitando de maneira odiosa de uma situação seriíssima, de saúde pública, au-mentando a cada dia o preço de tais bens de consumo de primeira necessidade. No-te-se que são as práticas desses fornecedores que estão oportunizando o consumo predatório desses itens, ainda mais quando se leva em consideração a exclusão de pessoas mais pobres (lembre-se de Bauman19), já que essa parte da população ficará

sem acesso a eles e, assim, mais exposta ao risco de contaminação.

Em entrevista ao jornal Correio do Estado, um atendente de farmácia afirmou que “o pessoal vem e compra, qualquer valor, qualquer tamanho”20, em decorrência

do espraiamento desse novo vírus. Observe, nesse sentido, a diminuição do discerni-mento dos indivíduos em relação aos preços praticados, já que, em uma situação de necessidade por tais itens, o consumidor se submete ao preço cobrado com as mais altas variações, especialmente quando produtos e serviços dizem respeito à saúde21.

Podemos, então, afirmar que esses consumidores encontram-se vulneráveis. Pa-ra a ciência médica, o termo significa a compreensão e a tPa-ransformação de determina-do processo ou fenômeno de saúde a partir de uma perspectiva sociopolítica, sendetermina-do

17. JACOTEI. Gráfico de preços álcool gel. 2020. Disponível em: [www.jacotei.com.br/alcool--gel- antisseptico-70-asseptgel-aloe-vera-52g/p#grafico_anchor]. Acesso em: 15.03.2020. 18. UOL. Coronavírus. 2020. Disponível em:

[https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noti-cias/redacao/2020/03/04/coronavirus-para-evitar- precos-abusivos-franca-tabela-preco-de--alcool-gel.htm]. Acesso em: 15.03.2020.

19. BAUMAN, Zygmunt. Trabajo, consumismo y nuevos pobres. Barcelona: Gedisa, 1999. Ademais, em outra obra do mesmo autor, ele faz uma advertência – que se encaixa perfeitamente no cenário pandêmico: “o restante da sociedade não pode ser libertado de seu medo ambiente e im-potência a não ser que a parte mais pobre seja libertada da penúria”. (BAUMAN, Zygmunt. A so-ciedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 150.) 20. ZANIN, Camila Andrade. Correio do Estado. Procura por máscaras, álcool e vitamina deixa

farmácias sem estoques. 2020. Disponível em: [www.correiodoestado.com.br/cidades/pro-cura-por-mascaras -alcool-e-vitamina-deixa- farmacias-sem-estoques/368859]. Acesso em: 15.03.2020.

21. Veja, por exemplo, o caso da proibição de cheque-caução no entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “Segundo o entendimento desta Corte de Justiça, enseja dano moral a conduta do hospital, atualmente tipificada como crime, que exige cheque caução para o atendimento emergencial de familiar, pois evidenciada a situação de vulnerabilidade do consumidor, que teve sua manifestação de vontade submetida a coação psicológica.” (sic) (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 1.498.998/PE, rel. Ministro Raul Araújo, 4ª T., j. 10.09.2019, DJe 02.10.2019.)

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definido como “chance de exposição das pessoas ao adoecimento, resultante de um conjunto de aspectos que, ainda que se refiram imediatamente ao indivíduo, são também relacionados ao coletivo no qual esse indivíduo está inserido”22.

Já para o Direito do Consumidor, vulnerabilidade, presunção legal absoluta23,

“associa-se à identificação de fraqueza ou debilidade de um dos sujeitos da relação jurídica em razão de determinadas condições ou qualidades que lhes são inerentes ou, ainda, de uma posição de força que pode ser identificada no outro sujeito da re-lação”24, podendo ser identificada a priori (em abstrato – pessoa não infectada) ou a

posteriori (em concreto – pessoa já infectada).

Aglutinando esses conceitos, pode-se seguramente estabelecer que a vulnerabi-lidade médica, em relação à pandemia, possui intersecções com a jurídica, determi-nando, assim, que o Direito se ocupe dessa proteção, a qual impacta diretamente no bem-estar da população, ainda mais quando já averiguado por pesquisadores que o vírus é mais nocivo em crianças, idosos, pessoas com doenças crônicas e imunode-primidas25 – o que pode, a depender do caso concreto, dar azo à vulnerabilidade

agra-vada, entendida como aquela soma/escalonamento de situações de vulnerabilidade referentes a determinada pessoa26.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece, no seu art. 4º, caput, que a Polí-tica Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das neces-sidades dos consumidores, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida e o respeito à sua saúde, entre outros27. O lugar-comum

22. PADOVEZE, Maria Clara et al. O conceito de vulnerabilidade aplicado às Infecções Relacio-nadas à Assistência à Saúde. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 72, n. 1, p. 313, 2019. 23. Código de Defesa do Consumidor. Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por

objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (...).

24. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book) 25. O Coronavírus pode “[...]induzir doença no trato respiratório superior e, eventualmente

inferior, em pacientes imunodeprimidos, bem como afetar especialmente crianças, pacien-tes com comorbidades, jovens e idosos”. (CENTRO DE OPERAÇÕES DE EMERGÊNCIAS EM SAÚDE PÚBLICA. Boletim epidemiológico 03. Doença pelo Novo Coronavírus 2019 – CO-VID-19. Fev. 2020. Disponível em: [https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/ fevereiro/21/2020-02-21-Boletim-Epidemiologico03.pdf]. Acesso em: 15.03.2020.) 26. MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo Direito Privado e a proteção dos

vulne-ráveis. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 125-177.

27. Código de Defesa do Consumidor. Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade,

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pretativo dessa norma teve por escopo, como se sabe, no que toca à saúde, estabelecer parâmetros de qualidade e de adequação de produtos e serviços oferecidos no merca-do de consumo – tal qual especificamerca-do no corpo da Lei28 (Law on the book).

Ocorre que a interpretação dos dispositivos deve estar em compasso com a reali-dade social (Law in action): assim, em uma perspectiva macro e em atenção aos des-dobramentos da nova Pandemia – e de outras que virão – e em combinação com seu inciso I, que trata do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no merca-do, o artigo narra também a proteção da saúde do consumidor por vias oblíquas e patrimoniais29.

Em outros termos, não é o álcool em gel ou a máscara que oferece nocividade ao consumidor, mas são elas que resguardam esse indivíduo (e os do entorno) dessa no-cividade. Portanto, proteger o consumidor contra esses aumentos de preços (aspec-to patrimonial), então oportunizando o acesso ao consumo desses itens de primeira necessidade e de uso inadiável (aspecto existencial), vai além da proteção dos inte-resses econômicos: em diálogo, no caso de saúde pública, o objetivo da Política Na-cional das Relações de Consumo no que toca à saúde do consumidor mora também no controle de variações injustificadas de preços e no reconhecimento da abusivida-de, pois é a privação desses bens que tem o potencial de causar danos não só ao con-sumidor individualmente considerado, mas a toda coletividade.

Nas palavras de Marques, quando analisa as mudanças na ordem jurídica rela-tivas ao âmago protetório do CDC, em especial, seus princípios, como a boa-fé, a transparência e o equilíbrio contratual, afirma que “suas normas sobre contratos impõem ao fornecedor a adaptação de suas práticas comerciais (publicidade, oferta, técnicas agressivas de vendas)”30. Nesse espírito, o Código vedou, pelo elenco

exem-saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...].

28. Para tal percepção, basta verificar os regimes de responsabilidade e os centros de preocupação do Direito do Consumidor. Para mais, veja: BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. Teoria da Qualidade. BDJur, s.d. Disponível em: [http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/ handle/2011/16339/Teoria_Qualidade.pdf?sequence=1]. Acesso em: 15.03.2020.

29. Para o Professor Miragem: “o Direito do Consumidor compreende, em si, também uma projeção da proteção da pessoa humana. Consumir é uma necessidade existencial, ninguém vive sem consumir. Logo, resguardar a integridade de cada pessoa é fazê-lo também na sua tutela como consumidora”. (MIRAGEM, Bruno. Como o Direito do Consumidor contribui para o aperfei-çoamento do mercado. ConJur, 28 fev. 2018. Disponível em: [www.conjur.com.br/2018-fev-28/ garantias-consumo- direito-consumidor-ajudou-aperfeicoar-mercado]. Acesso em: 15.03.2020.

30. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book)

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plificativo dos incisos do art. 39 e pela abertura conceitual de seu caput31, ao

fornece-dor no exercício de sua atividade negocial que coloque o consumifornece-dor em condições desfavoráveis, em vista da violação dos princípios supramencionados.

Práticas abusivas são, para o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Dr. Herman Benjamin, “uma série de comportamentos, contratuais ou não, que abusam da boa-fé do consumidor, assim como de sua situação de inferioridade econômica ou técnica” (aqui oportuno acrescentar as diversas vulnerabilidades), sendo “com-preensível, portanto, que tais práticas sejam consideradas ilícitas per se, indepen-dente da ocorrência de dano ao consumidor”32. Em outros termos, o exercício de

liberdade negocial do fornecedor garantida no art. 170, caput, da Constituição Fe-deral, enquanto agente econômico, sofre limitações por causa da proteção do consu-midor, também estampada no mesmo artigo, em seu inciso V33 e no art. 5º, XXXII34.

Aponta Miragem que o reconhecimento de determinada prática como abusiva dependerá da averiguação de três critérios: (1) anormalidade ou excesso do exercício de liberdade negocial pelo fornecedor; (2) dimensão coletiva das práticas abusivas; e (3) deslealdade e violação da boa-fé35.

O primeiro pode ser verificado por dois prismas: um quantitativo – quando o fornecedor pretende obter vantagem manifestamente excessiva do consumidor em vista de sua Machtposition (posição de poder; dominante) –; e outro qualitativo – quando a prática decorre de deslealdade ou que fira a boa-fé, havendo um aprovei-tamento da vulnerabilidade, dependência ou catividade do consumidor. O segundo critério, dimensão coletiva, se dá na análise da conduta, que deve ter um proceder específico, contar com reiteração e não ser dirigida ao consumidor individual, mas a um conjunto de sujeitos. O terceiro, em síntese, se dá quando violam-se os deveres

31. Código de Defesa do Consumidor. Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...]. Cabe aqui ressaltar que tal abertura interpretativa, sinalizado pela expressão “dentre outras práticas abusivas”, portanto, caracterizando o rol listado nos incisos como exemplificativo, se deu por alteração no CDC pela Lei 8.884, de 1994.

32. BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e et al. Código Brasileiro de Defesa do Consu-midor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 361. 33. Constituição Federal. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V – defesa do consumidor. 34. Constituição Federal. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natu-reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

35. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book)

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de boa-fé, lealdade, cooperação, confiança e as expectativas legítimas dos consumi-dores que decorrem de tais deveres36.

De pronto, pode-se categorizar o aumento de preços de produtos combativos do COVID-19 como prática abusiva, haja vista haver o aproveitamento de vulnerabi-lidade e de vulnerabivulnerabi-lidade agravada dos consumidores, conforme o caso; não ha-ver justificação plausível para tais aumentos; e, como é questão de saúde pública, a dimensão é inegavelmente coletiva, sem falar, no que toca ao terceiro critério, da violação dos diversos deveres dirigidos aos fornecedores para a garantia da saúde (fi-nanceira, física ou psíquica) do consumidor. Embora não seja defeso enquadrar tais práticas como abusivas a partir desse juízo, os argumentos trazidos ganham força pe-la análise dos incisos do art. 39 do CDC.

Em um primeiro momento, cabe menção ao inciso IV, o qual determina como abusiva a prática que venha “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumi-dor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impin-gir-lhe seus produtos ou serviços”. Muito embora não seja o fornecedor em si que aproveita da Pandemia para empurrar ao consumidor produtos e serviços, há fla-grantemente o aproveitamento da vulnerabilidade (por vezes, agravada, repise-se), ainda mais quando há, no país, notícias e recente Lei sobre quarentena37, o que pode

causar certo frisson na população.

Para Marques, Benjamin e Miragem, “muitas das chamadas técnicas de venda por impulso confiam em seu sucesso em função, justamente, da vulnerabilidade do consumidor”38. Ainda, no que diz respeito ao discernimento e à liberdade do

consu-midor (que paga o que for) em relação a esses preços atualmente praticados no mer-cado, lembra Miragem que se encontra protegido no CDC pelo mesmo inciso, já que é conduzido, pelo momento pandêmico e pela vulnerabilidade a qual é exposto, a tomar decisões sobre a transação que não teria tomado se ocorresse de outro modo39.

36. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book) 37. Para melhor entender a temática, leia: VENTURA, Deisy de Freitas Lima; AITH,

Fernan-do Mussa Abujamra; RACHED, Danielle Hanna. A emergência Fernan-do novo coronavírus e a “lei de quarentena” no Brasil. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, Ahead of Print, v. XX, n. X, 2020. Disponível em: [www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ revistaceaju/article/ view/49180/32876]. Acesso em: 15.03.2020.

38. MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book). 39. MIRAGEM, Bruno. O ilícito e o abusivo: propostas para uma interpretação sistemática

das práticas abusivas nos 25 anos do Código de Defesa do Consumidor. In: MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia Lima; OLIVEIRA, Amanda Flávio de (Coords.). 25 anos do Código de Defesa do Consumidor: trajetória e perspectivas, São Paulo, p. 616, 2016. p. 609-638.

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Veja que consumidores, fosse em outro momento, não pagariam, em princípio, pro-duto cujo preço foi propositalmente aumentado em 1.400%, por exemplo.

Outro ponto de análise é o inciso V, o qual determina abusivo “exigir do consu-midor vantagem manifestamente excessiva”. Por ele, proíbe-se que o fornecedor se prevaleça de seu poderio econômico ou de suas técnicas profissionais cujo intuito seja determinar condições desfavoráveis ao consumidor40, de maneira a prejudicar

ainda mais o equilíbrio da relação jurídica de consumo41.

No que tange especificamente ao Coronavírus, pode-se ter uma aproximação en-tre esse dispositivo e o art. 156, caput, do Código Civil, o qual estabelece que “confi-gura-se estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”. Assim, o que se visa a preservar “é a integridade do consu-midor em eventual aproveitamento do estado de debilidade e/ou tensão que tais si-tuações naturalmente acarretam, para exigência de vantagem excessiva por parte do fornecedor”42, ponderando-se aspectos patrimoniais dos fornecedores com os

exis-tenciais dos consumidores.

Tais incisos, em conjunto com o inciso X, servem para concretar a abusividade do até aqui exposto. Esse último inciso determina como prática abusiva “elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”, independentemente de ter havido con-trato prévio. Obviamente, o fornecedor não é um mero repassador de custos, já que o objetivo de seu estabelecimento no mercado de consumo é o lucro; por outro lado, o que revela a abusividade do aumento de preços é não ter causa justa, revelando, as-sim, uma anormalidade43.

Cabe mencionar aqui também que a elevação de preços sem justa causa, como bem ventila Guglinski44, é definida como ato ilícito pelo art. 187 do Código Civil,

de-terminando que: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

40. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book)

41. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book) 42. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book) 43. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book) 44. GUGLINSKI, Vitor. Coronavírus e o aumento abusivo de preços de produtos e serviços

ao consumidor. Jusbrasil. 2020. Disponível em: [https://vitorgug.jusbrasil.com.br/arti-gos/820998974/coronavirus-e-o-aumento-abusivo- de-precos-de-produtos-e-servicos-ao--consumidor#_ftn7]. Acesso em: 15.03.2020.

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No caso dos produtos para higienização contra o COVID-19, pode o aumento da demanda elevar os preços? Miragem, analisando a possibilidade em outros casos, afirma: “Em tempos normais, é certo que sim. A pergunta, contudo, é se há um limite para essa elevação de preço em vista das razões que dão causa ao aumento da deman-da”45, especialmente diante da acepção liberal de economia de mercado

autorregula-dor. Isso não quer dizer, contudo, que qualquer elevação de preços seja considerada como abusiva, porém, devem ser observados certos limites, os quais são aliados à boa-fé e à vulnerabilidade do consumidor.

Justa causa, nesse recorte específico, se relaciona ao princípio da equivalência material46, ou seja, “relação de equivalência entre o valor do produto e o valor do

que se pode adquirir com o dinheiro pelo qual foi vendido, de um estimado comum entre as partes”47, visto que sua violação, sustenta corretamente Martins, associa-se

aos conceitos de desvantagem exagerada ou desequilíbrio significativo48. Afirma o

Ministro Benjamin, nesse cenário, que “em princípio, numa economia estabilizada, elevação superior aos índices de inflação gera uma presunção – relativa, é verdade – de carência de justa causa”49.

Em suma, será abusiva a elevação de preços sem causa justa aquela que se apro-veite de conjecturas anormais (que inclusive aumentam e fundamentam uma vulne-rabilidade especial dos consumidores por situação de medo) como a atual e que não guarde compasso com o aumento dos custos da atividade, de maneira que os preços são reajustados de forma dissimulada, em claro aproveitamento da frágil posição do outro sujeito da relação, desarmonizando (e desumanizando!) o mercado de consu-mo, afrontando novamente o art. 4º do CDC50.

45. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book) 46. Pelo princípio, busca-se a harmonização dos interesses das partes envolvidas (tal qual prega

o art. 4º do CDC, referente aos integrantes de relações de consumo), de forma a estabelecer o equilíbrio real das prestações durante todo o processo obrigacional. (LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 42, p. 192, abr.-jun. 2002.)

47. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book) 48. MARTINS, Fernando Rodrigues. Princípio da justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 2009.

p. 356.

49. BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e et al. Código Brasileiro de Defesa do Consu-midor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 381. 50. Em especial: CDC, Art. 4º [...] III – harmonização dos interesses dos participantes das

re-lações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

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A conclusão pela abusividade do aumento de preços nos produtos analisados não poderia ser diferente: iniciativas dos Procons51 estão firmes na averiguação do ilícito,

criando canais de reclamações específicos para produtos e serviços relacionados ao Coronavírus, com respaldo da atuação dos Ministérios Públicos. Até mesmo prefei-turas estão atuando: em Florianópolis, foi editado decreto que impõe punições para estabelecimentos que cobrarem preços abusivos, como a perda de alvará de funcio-namento52, em atenção às medidas administrativas constantes do art. 56 do CDC53.

O Ministério Público de Santa Catarina que, pela Nota Técnica do Centro de Apoio Operacional do Consumidor n. 001/2020, orientou farmácias/drogarias e es-tabelecimentos de venda de produtos hospitalares e supermercados a não realizarem o aumento de produtos voltados à prevenção/proteção do vírus, sobretudo álcool em gel e máscaras protetoras em geral e, igualmente, sugerindo aos Procons esta-dual e municipais, juntamente com as Vigilâncias Sanitárias estaesta-dual e municipais, a praticar atos fiscalizatórios com o intuito de inibir a elevação abusiva de preços54.

51. Gostaríamos de ressaltar a importância constante do papel dos PROCONS na defesa dos consumidores, em especial, neste período pandêmico, que atuam fortemente para a concre-ção do bem-estar da populaconcre-ção brasileira.

52. SANTA CATARINA. FLORIANÓPOLIS. Decreto n. 21.340, de 13 de março de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância inter-nacional decorrente da infecção humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) e dá outras providências. Art. 8º No caso específico de aumento injustificado de preços de produtos de combate e proteção ao COVID-19, será cassado, como medida cautelar prevista no parágrafo único do art. 56, da Lei Federal n 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), o Al-vará de Funcionamento de estabelecimentos que incorrerem em práticas abusivas ao direito do consumidor, previamente constatado pelos fiscais da Secretaria Municipal de Defesa do Consumidor/PROCON Municipal de Florianópolis. Parágrafo único. A penalidade prescri-ta no caput deste artigo será imposprescri-ta sem embargo de outras previsprescri-tas na legislação. 53. Código de Defesa do Consumidor. Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor

ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de na-tureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I – multa; II – apreensão do produto; III – inutilização do produto; IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V – proibição de fabricação do produto; VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII – suspensão temporária de atividade; VIII – revogação de concessão ou permissão de uso; IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI – intervenção administrativa; XII – imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela au-toridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo. 54. MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA – CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DO

CONSUMIDOR. Nota Técnica 001/2020. Disponível em: [www.mpsc.mp.br/noticias/novo- coronavirus-mpsc-alerta-que-aumento-abusivo-de-preco-e-crime]. Acesso em: 15.03.2020.

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Também vale menção ao Código Penal que, pelo art. 268, determina que “Infringir determinação do Poder Público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa” acarreta pena de “detenção, de um mês a um ano, e multa”.

Como a tipificação de um delito em uma Lei de ordem pública e de interesse so-cial55 tal qual o CDC não parece ser o suficiente para frear a abusividade nos preços,

sem falar na irresponsabilidade social56 de tais fornecedores, o Deputado Federal

Sr. Luiz Antonio Teixeira Jr. fez o Requerimento 23/2020, onde sugere “o tabelamen-to de preços dos materiais que fazem parte dos kits de EPI para uso em emergências sanitárias, bem como seus produtos básicos e insumos utilizados na prevenção e tra-tamento dessa epidemia”57, como idealizado em alguns países da Europa, como na

França.

Ainda que não se discuta aqui a intervenção do Estado na economia58, foi

apresenta-do outro pediapresenta-do, o Requerimento 24/2020, de autoria apresenta-do mesmo Deputaapresenta-do, o qual su-gere “a proibição de exportação dos materiais que fazem parte dos kits de EPI para uso

55. Código de Defesa do Consumidor. Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social [...].

56. A responsabilidade social nasce do compromisso da organização para com a sociedade e à humanidade em geral, indo além da geração de lucros e de empregos. Nessa perspectiva, funciona inclusive como prestação de contas de seu desempenho, baseado na apropriação e no uso de recursos que não lhe originalmente pertenciam. (MELO NETO, F. P. de; FROES, C. Responsabilidade social e cidadania empresarial: a administração do terceiro setor. Rio de Janeiro: Qualitymark. p. 84). Assim, “Responsabilidade social é uma forma de conduzir os negócios da empresa de tal maneira que a torna parceira e co-responsável pelo desenvolvi-mento social. A empresa socialmente responsável é aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes (acionistas, funcionários, prestadores de serviços, forne-cedores, consumidores, comunidade, Governo e meio ambiente) e consegue incorporá-los no planejamento de suas atividades, buscando atender às demandas de todos, e não apenas dos acionistas ou proprietários”. (REIS, Carlos Nelson dos. A responsabilidade social das empresas: o contexto brasileiro em face da ação consciente ou do modernismo do mercado? Revista de Economia Contemporânea, v. 11, n. 2, p. 290, 2007.)

57. COMISSÃO EXTERNA DESTINADA A ACOMPANHAR AS AÇÕES PREVENTIVAS AO CORONA VÍRUS NO BRASIL. Requerimento 23/2020 do Deputado Dr. Luiz Antônio Teixeira Jr. Requer o envio de Projeto de Indicação desta Comissão ao Ministério da Saúde, sugerindo o tabelamento dos preços dos materiais que fazem parte dos kits de EPI para uso em emergências sanitárias, bem como seus produtos básicos e insumos utilizados na prevenção e tratamento desta epidemia. Disponível em: [www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarinte-gra?codteor=1864817&filename= REQ+23/2020+CEXCORVI]. Acesso em: 15.03.2020. 58. Em nossa linha de raciocínio sobre o tema: D’AQUINO, Lúcia Souza; MUCELIN,

Guilher-me; PERES, Fabiana Prietos. O intervencionismo estatal e a proteção do consumidor. In: MARQUES, Claudia Lima (Org.). 25+ anos de pesquisa em direito: MERCOSUL, Direito do Consumidor e Globalização. Porto Alegre: Sapiens, 2019. p. 383-394.

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em emergências sanitárias”59. Unanimemente, os Deputados componentes da

Comis-são Externa do Coronavírus, que acompanham ações do Governo de combate à doen-ça, solicitaram tal proibição ao Ministério da Saúde, como já ocorreu na Alemanha.

Países europeus e de diversas partes do mundo, assim como o Brasil, estão sendo afetados a todo o momento por decisões ou recomendações do Poder Executivo ou, por vezes, do Judiciário, no que se refere ao mercado de consumo e à situação do Co-ronavírus. Um dos setores que mais tem sido afetado é o das viagens, tanto nacionais quanto internacionais. Assim, passa-se à análise de qual resposta o direito do consu-midor deve dar (e vem dando) às demandas surgidas em relação ao consuconsu-midor tu-rista para que também lhe seja garantido o bem-estar.

2. o

s diReitos doconsumidoR tuRista faceà pandemia

O mundo atual, globalizado e plural60, convive com um fluxo constante de

pes-soas61, que se deslocam não só a trabalho, mas também por questões de lazer. Em

razão da pandemia de COVID-19, países estão restringindo a entrada e saída de pes-soas62, bem como solicitando o cancelamento de atividades que envolvam

aglome-rado de pessoas63.

59. COMISSÃO EXTERNA DESTINADA A ACOMPANHAR AS AÇÕES PREVENTIVAS AO CORONA VÍRUS NO BRASIL. Requerimento 24/2020 do Deputado Dr. Luiz Antônio Teixeira Jr. Requer o envio de Projeto de Indicação desta Comissão ao Ministério da Saúde, sugerindo a proibição de exportação dos materiais que fazem parte dos kits de EPI para uso em emer-gências sanitárias. Disponível em: [www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarin-tegra?codteor=1864818&filename= REQ+24/2020+CEXCORVI]. Acesso em: 15.03.2020. 60. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das

relações contratuais. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book)

61. Segundo dados da Agência das Nações Unidas para o Turismo, o número de turistas in-ternacionais do ano de 2019 foi de 1,4 bilhão de pessoas. (UNWTO. International Tourism Highlights. 2019. Disponível em: [www.e-unwto.org/doi/pdf/10.18111/9789284421152]. Acesso em: 15.03.2020.

62. A título de exemplo, no dia 11 de março, o presidente Donald Trump anunciou a proibição de “todas as viagens entre os Estados Unidos e a Europa, com exceção do Reino Unido, por um período de 30 dias a partir da 0h desta sexta-feira [13 de março]”. Em 1º de fevereiro, ele já havia proibido a entrada no país de viajantes que haviam estado recentemente na Chi-na. (MARS, Amanda; LABORDE, Antonia; SÁNCHEZ, Álvaro. Políticas nacionais, como a proibição de viagens de Trump, protagonizam combate ao coronavírus. El País, 12 mar. 2020. Disponível em: [https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-03-12/politicas-nacionais--como-a-proibicao-de-viagens-de-trump-protagonizam-combate-ao- coronavirus.html]. Acesso em: 15.03. 2020.) Áustria proibiu entrada de pessoas procedentes da Itália na Hun-gria. Espanha vetou o pouso de voos vindos da Itália. (MIGUEL, Bernardo de; PELLICER, Luís. Coronavírus abre outra fenda na União Europeia. El País, 12 mar. 2020. Disponível em:

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Atrações turísticas, como os parques temáticos da Walt Disney, da Universal Or-lando Resort64, o Museu do Louvre, o festival de música Coachella, a Feira do Livro

de Londres, além de shows de artistas como Madonna, Pearl Jam, Neil Young, BTS, Green Day e Stormzy tiveram seu funcionamento suspenso ou sua programação can-celada ou adiada65.

Além disso, começam a ocorrer fatos em que turistas ou viajantes têm seu deslo-camento interrompido em razão de suspeitas de contaminação. Na manhã do dia 12 de março, por exemplo, um navio de cruzeiro com bandeira das Bahamas começou a ser mantido em isolamento depois de um de seus passageiros apresentar sintomas de COVID-19. As 609 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulação, foram orientadas a permanecer isolados em suas cabines, e a gestão portuária do Recife proibiu que o lixo da embarcação fosse descarregado. Posteriormente ao ocorrido, a Agência Na-cional de Vigilância Sanitária suspendeu novos desembarques e solicitou o retorno de quem não estava mais no navio66.

Tais situações, aliadas ao pânico que começa a tomar conta da população, geram inegavelmente um impacto sobre o turismo em nível mundial. A OCDE67 divulgou

[https://brasil.elpais.com/economia/2020-03-12/coronavirus-abre-outra-fenda-na- uniao--europeia.html?rel=mas]. Acesso em: 15.03.2020.)

63. Em 13 de março de 2020, o Ministério da Saúde recomendou a gestores estaduais e mu-nicipais de saúde o cancelamento ou adiamento de eventos com grande participação de pessoas. Foram apresentadas medidas a serem tomadas nas hipóteses de locais com casos importados, locais com transmissão local e locais com transmissão sustentada. (VALENTE, Jonas. Governo recomenda cancelamento de eventos por causa do coronavírus. Agência Bra-sil, 13 mar. 2020. Disponível em: [https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/ coronavirus-governo -recomenda-cancelamento-e-adiamento-de-eventos]. Acesso em: 14.03.2020.

64. CRESCER. Coronavírus: Disney e Universal fecham seus principais parques em Orlando (EUA). 13 mar. 2020. Disponível em: [https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Saude/ noticia/2020/03/coronavirus -disney-e-universal-fecham-seus-principais-parques-em-or-lando-eua.html]. Acesso em: 15.03.2020.

65. BARROS, Luiza. Coronavírus pelo mundo: Louvre é fechado, Coachella é adiado e filmes têm lançamentos cancelados. O Globo, 10 mar. 2020. Disponível em: [https://oglobo.globo. com/ cultura/coronavirus-pelo-mundo-louvre-fechado-coachella-adiado-filmes-tem-lan-camentos-cancelados-24295970]. Acesso em: 15.03.2020.

66. POLÍTICA & DIREITO. Cruzeiro com 609 passageiros é isolado por suspeita de coronaví-rus no Recife. 13 mar. 2020. Disponível em: [https://politicaedireito. com.br/cruzeiro--com-609-passageiros-e-isolado-por-suspeita-de-coronavirus-no-recife/]. Acesso em: 14.03.2020.

67. Ao avaliar os impactos da pandemia, a organização afirmou: Travel restrictions, and the cancellation of many planned visits, flights, business and leisure events are severely affecting

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um cálculo que previu um prejuízo de US$ 50 bilhões para a indústria do turismo68.

No começo do mês de março, a Associação Internacional do Setor Aéreo apontava uma perda de até US$ 113 bilhões em receita em razão da pandemia, valor este que deve ser atualizado depois da divulgação das medidas proibitivas pelo governo nor-te-americano69.

Para o consumidor, além do receio de contrair a doença, que ainda é pouco co-nhecida pela ciência, há também o temor de ser colocado em quarentena dentro do hotel onde se hospedar, permanecer confinado em um navio de cruzeiro ou ser im-pedido de retornar ao seu país de residência.

Nesse panorama, o que tem restado muitas vezes é a tentativa de cancelamento das viagens e pacotes turísticos já adquiridos, o que tem causado confusão e dúvidas aos consumidores. Via de regra, tais cancelamentos geram ônus aos consumidores, o que demandou atuação dos órgãos de proteção do consumidor para que, diante de um quadro de pandemia que diariamente se alastra, não haja maiores prejuízos a quem já está vulnerável.

Os órgãos de defesa do consumidor iniciaram movimentos de garantia dos di-reitos daqueles que tiveram a necessidade de alterar suas viagens. O Programa Esta-dual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-MG) em Uberlândia instaurou, em 11 de março, investigação para apurar a conduta das companhias aéreas em re-lação a cancelamentos e remarcações de voos de consumidores que desejam alterar

many service sectors. This is likely to persist for some time. Worldwide, Chinese tourists account for around one-tenth of all cross-border visitors, and one-quarter or more of all visitors in Japan, Korea and some smaller Asian economies (Figure 4, Panel A). Exports of travel services to China, including the spending by Chinese visitors, are also significant in many countries (Figure 4, Panel B). The virtual cessation of outbound tourism from China represents a sizeable near-term adverse demand shock. This is already apparent in many destinations; visitor arrivals in Hong Kong, China in February were 95% lower than usual. If the spread of the coronavirus outbreak affects visitor numbers more widely across the major economies, there would be sizeable costs, with tourism accounting directly for 4¼ per cent of GDP in the OECD economies and almost 7% of employment. (OECD INTERIM ECONO-MIC ASSESSMENT. Coronavirus: The world economy at risk. 2 mar. 2020. p. 5. Disponível em: [www.oecd.org/berlin/publikationen/ Interim-Economic-Assessment-2-March-2020. pdf]. Acesso em: 14.03.2020.)

68. MASSON, Celso. O impacto do Coronavírus no turismo. IstoÉ Dinheiro, 06 mar. 2020. Dis-ponível em: [www.istoedinheiro.com.br/o-impacto-do-coronavirus-no-turismo/]. Acesso em: 15.03.2020.

69. DYNIEWICZ, Luciana. Disseminação do coronavírus deve mudar configuração do setor aéreo no mundo. Estadão, 13 mar. 2020. Disponível em: [https://economia.estadao.com. br/ noticias/geral,disseminacao-do-coronavirus-deve-mudar-configuracao-do-setor-aereo--no-mundo,70003231228]. Acesso em: 15.03.2020.

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suas viagens em razão da pandemia, além de notificar tais empresas a comparecerem a uma audiência agendada para o dia 18 de março70.

O Ministério Público Federal, por sua vez, emitiu a Recomendação 003/2020, pela qual é recomendado à Agência Nacional de Aviação Civil que expeça ato normativo direcionado às empresas do setor aéreo sujeitas às normas brasileiras o seguinte:

a) Que procedam, sem ônus para o consumidor, ao cancelamento das passagens aé-reas nacionais ou internacionais adquiridas até a data de 09.03.2020, tendo como origem os aeroportos do Brasil, assegurando seu reagendamento (remarcação), a critério do consumidor, para utilização no prazo de até 12 meses a contar da data do efetivo cancelamento.

b) Que as providências previstas na alínea “a” sejam aplicadas nos casos de pas-sagens adquiridas com destinos àqueles locais amplamente reconhecidos como atingidos pelo novo coronavírus.

c) Que, seja, também, determinada a devolução dos valores eventualmente cobra-dos a título de multas ou taxas, a tocobra-dos os consumidores no estado brasileiro que já solicitaram o cancelamento de suas passagens pelas razões supramencionadas e por isso foram penalizados.71

Já os Ministérios da Justiça e Segurança Pública, do Turismo, da Economia e da Saúde divulgaram nota técnica em que foi ressaltada a aplicabilidade da Resolução 400 da ANAC, do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, o que de-monstra que, respondendo adequadamente à complexidade do estado atual, o diálo-go das fontes é o método que melhor responde aos questionamentos surgidos a partir de um evento imprevisível e inevitável. Ressaltam a necessidade de respeito ao direi-to à informação do consumidor72.

Entretanto, tais recomendações não impediram os casos de chegarem ao Judi-ciário, eis que as empresas de turismo e companhias aéreas demoraram a tomar um posicionamento em relação à pandemia. Em decisão pioneira, a juíza da 1ª Vara Cí-vel do Foro Central de Porto Alegre/RS concedeu medida liminar determinando que agência de viagens reagendasse voo para a Itália, sem taxas, a um grupo de viajan-tes que partiria para Roma no dia 10 de março. A empresa cancelou o voo e ofereceu

70. MERLIN, Bruna. Companhias áreas são alvos de investigação do Procon Estadual em Uber-lândia. Diário de Uberlândia, 13 mar. 2020. Disponível em: [https://diariodeuberlandia.com. br/noticia/24691/companhias-areas-sao-alvos-de-investigacao-do-procon-estadual-em-u-berlandia]. Acesso em: 14.03.2020.

71. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Recomendação 03/2020. Fortaleza, 09 mar. 2020. 72. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Nota Técnica

2/2020/GAB-SENA-CON/SENACON/MJ. Brasília, 06 mar. 2020.

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opções para o mês seguinte. Entretanto, os consumidores entenderam ser o caso de aguardar o fim do surto para partirem73.

Os inúmeros pedidos de cancelamento e as manifestações de Procons, Ministério Público e do Judiciário rapidamente modificaram o posicionamento das companhias aéreas, que decidiram permitir remarcação de voos e cancelamentos sem cobranças abusivas. Além das companhias aéreas, as empresas de hospedagem e de cruzeiros também alteraram suas políticas de cancelamento. O Airbnb incluiu a Itália na “Po-lítica de Causas de Força Maior”. Além desse país, consumidores com destino à Chi-na continental ou à Coreia do Sul “podem solicitar o cancelamento ou reembolso do serviço sem cobrança, respeitando as datas de reservas determinadas pela empresa para cada localidade”. Já a empresa Booking.com informou que está oferecendo can-celamento gratuito ou alteração da reserva em viagens para áreas mais afetadas. As empresas de cruzeiro também informaram a adoção de medidas, que envolvem esca-las somente para desembarque ou retorno ao local de origem, cancelamento gratuito de reservas e negativa de embarque a passageiros que transitaram por aeroportos da China, do Irã e da Coreia do Sul, além de triagem pré-embarque74.

Os posicionamentos adotados pelas empresas, mais do que uma demonstração de bondade ou bom-senso75, são o cumprimento das obrigações constantes no direito

brasileiro a fim de proteger o consumidor, especialmente, em um cenário de pande-mia que se expande exponencialmente todos os dias.

O direito do consumidor, como afirmado anteriormente, parte da vulnerabilida-de do consumidor para prover sua vulnerabilida-defesa no mercado vulnerabilida-de consumo76.

73. MIGALHAS. Coronavírus: Juíza determina remarcação de passagem para Itália sem custo. 10 mar. 2020. Disponível em: [www.migalhas.com.br/quentes/321430/coronavirus-juiza-de-termina-remarcacao-de-passagem-para-italia-sem-custo]. Acesso em: 14.03.2020. 74. G1. Coronavírus: MPF e Procon-SP afirmam que cliente tem direito a cancelar passagem sem

multa; veja o que aéreas dizem. 10 mar. 2020. Disponível em: [https://g1.globo.com/turis- mo-e-viagem/noticia/2020/03/10/mpf-e-procon-sp-afirmam-que-cliente-pode-cancelar--passagem-sem-multa-veja-o-que-empresas-aereas-dizem.ghtml]. Acesso em: 14.03.2020. 75. Miragem, ao abordar as relações entre o direito ambiental e o direito do consumidor, à época

dos desastres ambientais em Brumadinho e Mariana, ressaltou que: “O cumprimento de re-gras jurídicas e técnicas no mercado não é um favor que faz o empresário à sociedade, a seus consumidores ou ao meio ambiente, mas condição para convivência social sadia, que muitas vezes diz respeito à própria preservação da qualidade de vida — quando não da própria vida. Seja dito isso em bom português, ou com o anglicismo da hora (eis o onipresente compliance, que afinal se pretende como uma garantia do cumprimento das regras, ou conformidade).” (MIRAGEM, Bruno. Premissas sobre tragédias evitáveis pelo Direito Ambiental e do Con-sumidor. ConJur, 06 fev. 2019. Disponível em: [www.conjur.com.br/2019-fev-06/garantias--consumo-tragedias-evitaveis-direito-ambiental-consumidor]. Acesso em: 15.03.2020.) 76. Martins relembra que: “as proposições desencadeadas ao contrato pelo chamado ‘direito dos

vulneráveis’ convergem para: i) consolidação da máxima de que o poder deve ser controlado

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Entre seus direitos básicos, estão:

“a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”, “a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asse-guradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações”, “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”, “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” e “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.”77

Tais dispositivos podem e devem ser aplicados para uma melhor proteção em casos como o aqui analisado, em que uma pandemia imprevisível afetou mundial-mente a circulação de pessoas, trazendo prejuízos à saúde e economia da população mundial. No caso dos consumidores que estavam com viagens agendadas, seja por qual motivo for, deve o Direito dar respostas adequadas à proteção de quem se tor-nou ainda mais vulnerável.

Miragem, ao abordar os direitos básicos do consumidor, ressalta que o direito à vi-da, mais do que um direito à “proteção da vida do consumidor individualmente con-siderado em uma relação de consumo específica” ou à “proteção de modo comum e geral a toda a coletividade de consumidores efetivos e potenciais”, é um direito cons-titucionalmente protegido e é essa a dimensão que deve ser compreendida, tendo preferência com relação aos demais direitos. O autor ressalta que, “considerando que a finalidade básica do contrato é a preservação ou melhoria da vida do consumidor,

pela razão; ii) insuficiência de agendas baseadas exclusivamente em eficiência e maximi-zação de riquezas como tábuas de soluções jurídicas e justas; iii) reconhecimento do con-sumidor no mercado como agente desigual e, portanto, claramente em posição jurídica de desvantagem e desprovido de poder negocial; iv) necessidade de submissão das escolhas econômicas respeitantes à massa de utentes a critérios jurídicos e axiológicos, partindo-se de valores fundamentais (humanidade e dignidade) para atender preceitos de justiça, equi-dade, segurança; v) compreensão do contrato como instituto jurídico de atendimento às necessidades básicas da pessoa consumidora, mediante razoável equilíbrio.” (MARTINS, Fernando Rodrigues. O direito dos vulneráveis na transformação das relações jurídicas pri-vadas, especialmente do contrato contemporâneo. Migalhas, 16 mar. 2020. Disponível em: [www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/321816/o-direito-dos-vulneraveis- -na-transformacao-das-relacoes-juridicas-privadas-especialmente-do-contrato-contempo-raneo]. Acesso em: 16.03.2020.)

77. Código de Defesa do Consumidor, art. 6º, I, II, IV, V e VI.

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o seu direito básico de proteção à vida coloca-se em relevo”. A saúde78, por sua vez, é

garantida para que “seja assegurado ao consumidor no oferecimento de produtos e serviços, assim como no consumo e utilização dos mesmos, todas as condições ade-quadas à preservação de sua integridade física e psíquica”79.

Analisando o presente caso, o direito à vida e o direito à saúde do consumidor es-tarão assegurados no momento em que, diante de uma pandemia, ele tenha a possi-bilidade de, estando em trânsito, permanecer onde está ou retornar ao seu domicílio (a depender das orientações das autoridades competentes) ou, caso tenha adqui-rido produtos ou serviços relacionados a viagens e hospedagem, adiar ou cancelar tais produtos ou serviços, evitando uma viagem que o exponha desnecessariamen-te a uma doença cujos efeitos ainda não estão completamendesnecessariamen-te compreendidos pela ciência. De se frisar que a prática corrente dos fornecedores de produtos e serviços relacionados ao turismo é a cobrança de taxas e multas em caso de cancelamentos ou alterações, o que é um desincentivo às alterações, praticamente obrigando o con-sumidor a viajar. No caso da pandemia de COVID-19, isso significaria exposição do consumidor e de toda a comunidade a um risco aumentado de que a doença se espa-lhe ainda mais.

No que diz respeito ao equilíbrio contratual80, os direitos à igualdade nas

contra-tações, contra cláusulas e práticas abusivas, à modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais e à efetiva prevenção de danos mate-riais se destacam em uma situação em que tem sido prática corrente das companhias aéreas o cancelamento de voos programados para os destinos mais afetados pela pandemia, bem como o cancelamento de eventos e fechamentos de parques e atra-ções turísticas. O consumidor que havia adquirido passagens e ingressos tem assisti-do os forneceassisti-dores informarem constantemente o não fornecimento assisti-dos produtos e

78. Para maiores discussões a respeito do tema, ver manifestação de Sarlet e Figueiredo sobre o direito à saúde nos 20 anos da Constituição Federal: SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIRE-DO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Revista de Direito do Con-sumidor, São Paulo, v. 67, p. 125-172, jul.-set. 2008.

79. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book) 80. Ver: GROTTI, Natalia Trindade; PEREIRA FILHO, Abelar Baptista. Considerações acerca da

proteção constitucional ao consumidor e suas influências nos contratos modernos. Revista Direito Vivo, [S.l.], v. 10, n. 1, p. 166-186, jun. 2019. Disponível em: [www.ead-emap.com. br/ojs/index.php/direitovivo/article/view/50]. Acesso em: 14.03.2020; PRADO, Karine Monteiro. O Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil/2002: considerações acerca de sua convivência simultânea no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Científica FAESA, [S.l.], v. 15, n. 1 Especial, p. 70-91, jul. 2019. Disponível em: [http://revista.faesa.br/revista/ index.php/Faesa/article/view/524]. Acesso em: 14.03.2020.

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serviços, geralmente, com a devolução de valores ou possibilidade de reagendamen-to. Utilizando-se a mesma lógica, ao consumidor que decida adiar suas viagens ou não as fazer, deve ser assegurado o direito de reagendamento ou cancelamento, sem quaisquer ônus adicionais. Veja-se que não se trata de má-fé ou de uma mudança de planos de última hora, mas de medida de saúde pública com impactos globais. Mira-gem aponta os aspectos do equilíbrio econômico do contrato e equilíbrio de poder na direção da relação contratual, que devem ser respeitados em uma situação de agrava-mento da vulnerabilidade do consumidor81.

Miragem sustenta que, dentro de uma realidade em que o fornecedor exerce uma posição dominante no contrato, com maior poder nas decisões sobre o curso e o cumprimento do contrato, o CDC “estabelece uma série de normas de limita-ção ao poder privado do fornecedor, em uma clara intervenlimita-ção legislativa estatal, no âmbito da autonomia contratual das partes, visando à proteção dos interesses do consumidor vulnerável”82. No que tange à modificação das cláusulas contratuais,

o objetivo é “assegurar o equilíbrio econômico do contrato desde sua celebração, sem a necessidade de sua desconstituição ou invalidação, mas apenas pela correção das mesmas”. Já a revisão em razão de cláusula superveniente é uma decorrência da necessidade de “impedir a transferência de riscos do negócio ao consumidor, assim como de promover uma maior objetivação do exame e avaliação do comportamento das partes do contrato de consumo”. Assim, o direito ao equilíbrio contratual possui como decorrência lógica a manutenção do contrato com as alterações necessárias à sua readequação, o que demonstra o interesse do CDC em não lesar ainda mais o consumidor com uma rescisão contratual. Mantido o contrato, são feitas as reade-quações necessárias ao alcance de um novo equilíbrio, o que, no caso aqui analisa-do, ocorrerá com a possibilidade de alteração de voos e pacotes turísticos sem ônus aos consumidores.

Por fim, no que tange à prevenção de danos, é a face do direito de danos voltado ao consumidor, vedando práticas que tragam prejuízo (tanto patrimonial quanto ex-trapatrimonial) ao vulnerável. A obstacularização do adiamento ou cancelamento de viagens causa inegável dano ao consumidor, que, em razão de um fato imprevisível e inevitável, como uma pandemia, tem o exercício de seu direito condicionado ao pa-gamento de multas em percentuais quase sempre desanimadores. Portanto, de se to-mar as lições de Marques, Benjamin e Miragem que, ao abordarem o direito penal do

81. Verbicaro e Vieira sustentaram o enquadramento dos consumidores turistas como hipervul-neráveis: VERBICARO, Dennis; VIEIRA, Janaina do Nascimento. A hipervulnerabilidade do turista e a responsabilidade das plataformas digitais: uma análise a partir da perspectiva da economia colaborativa. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 127, jan.-fev. 2020. 82. MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2019. (e-book)

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