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Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 45/20.4T8LAG.E1

Relator: BEATRIZ MARQUES BORGES Sessão: 22 Setembro 2020

Votação: UNANIMIDADE

ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL PROCEDIMENTO

AUDIÊNCIA PRÉVIA

Sumário

O procedimento de audiência prévia previsto no Código do Procedimento Administrativo (D.L. 4/2015 de 7/1) não é aplicável aos ilícitos de mera ordenação social, uma vez que de acordo com o artº 7º, nº 3, do C.C., a tramitação processual relativa a procedimento administrativo geral previsto no referido C.P.A. não se pode sobrepor ao procedimento processual próprio e específico do regime das contra-ordenações previsto no D.L. nº 433/82 de 17 de Outubro.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório 1. Da decisão

No Recurso de Contraordenação n.º 45/20.4t8LAG do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Lagos, Juiz 2 foi

concedido provimento parcial ao recurso interposto pela arguida (…), Lda», tendo esta sido condenada, pela prática de uma contraordenação, p. p. pelo n.º 4, do artigo 2.º, pela alínea a) do n.º 1 do artigo 48.º e artigo 49.º, n.º 1 do Regulamento Municipal de Ocupação do Espaço Público, Mobiliário Urbano e Publicidade no Município de (…), numa coima de mil euros.

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2. Do recurso

2.1. Interposto pela arguida

Inconformada com a decisão a arguida interpôs recurso apresentando alegações embora omitindo as conclusões, referindo (transcrição):

“1. A decisão condenatória proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito do tribunal “a quo” condenou a recorrente na coima de € 1.000,00 (mil euros), mantendo, assim, parcialmente a decisão administrativa.

2. Discorda a arguida da pena aplicada, por ser desproporcional, desadequada e injusta, e não ter sido devidamente levado em conta o recurso apresentado pela recorrente.

3. A recorrente, em sede de recurso, invocou nulidades quanto à decisão administrativa que considera que não foram tidas em consideração aquando proferida decisão final pelo meritíssimo Juiz do tribunal a quo,

Senão veja-se,

4. Como evidenciado pelo recorrente em sede de Recurso da decisão

administrativa nos seus artigos 36.º a 41.º “rege-se o processo administrativo contraordenacional basicamente pelos mesmos princípios que conformam o procedimento criminal, sendo que um dos princípios que enforma este tipo de processo sancionatório é o princípio da audiência prévia do interessado a realizar pela autoridade administrativa com competência para aplicar as penas. A forma prevista na lei para efectiva concretização do princípio da audiência prévia consiste na obrigação da autoridade sancionadora dar a conhecer ao interessado os elementos de prova nos quais tenciona

fundamentar a sua decisão e ainda na obrigação de comunicar previamente ao arguido a pena que em concreto lhe tenciona aplicar, tudo antes de proferir definitivamente a decisão condenatória. No caso em apreço a autoridade com competência legal para instruir o procedimento contraordenacional e para aplicar as respectivas coimas seria a Comissão de Coordenação e

Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR). No presente processo de

contra-ordenação a autoridade administrativa aplicou definitivamente a coima e a sanção acessória sem que a recorrente se tivesse podido pronunciar sobre as penas que, em concreto, aquela lhe pretendia aplicar”.

5. Ou seja, nem a ora recorrente teve possibilidade de se defender, nem a autoridade administrativa lhe comunicou previamente as sanções que em concreto lhe iriam ser aplicadas.

6. Violando assim, frontalmente, a norma do artigo 50.º do D.L. 433/82, de 27 de Outubro, por, como se afirmou, não ter facultado ao recorrente os

elementos que instruíram o processo que levou à decisão administrativa (auto de noticia) e por não a ter informado previamente da decisão final e concreta (valor da coima e custas, ou seja, o valor que efectivamente tinha que ser pago

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pelo recorrente), tendo omitido formalidades essenciais à defesa e ao direito de participação, facto que vicia a decisão recorrida de nulidade.

7. Vicio este que o meritíssimo Juiz “a quo” não teve em consideração na sentença em crise, apenas referindo que: “…a decisão que condenou a

recorrente encontra-se suficientemente fundamentada de facto e de Direito, não sendo susceptível de inviabilizar ou diminuir o direito de defesa da arguida, conforme resulta, aliás do teor do recurso ora apresentado.”

8. Discorda a recorrente do mencionado, pois é o mesmo contra legis, no sentido em que viola o mencionado no artigo 50.º do Ilícito de Mera Ordenação Social.

9. Com efeito, nos termos daquele normativo legal não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra- ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

10. Ora, a arguida tem direito a pronunciar-se não só sobre os factos que lhe são imputados, como também sobre o seu enquadramento jurídico e sobre a sanção ou sanções que lhe possam ser aplicadas, pressupondo, pois, a

possibilidade do exercício de tal direito, que a totalidade destes elementos lhe seja comunicada.

11. A medida da coima aplicável para os factos praticados a título doloso é diversa daqueloutra aplicável aos factos praticados com negligência – como deflui do artigo 17.º do RGCO.

12. À arguida não foi comunicada qualquer factualidade tendente a qualificar a sua culpa tão pouco se havendo a mesma pronunciado quanto a tanto e vindo a ser condenado pela Câmara Municipal de Lagos a título doloso.

13. Ora tal insuficiência na comunicação dos factos gera a já invocada nulidade, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.

14. Nas palavras do meritíssimo Juiz, Dr. Bravo Negrão, no âmbito de um processo que correu termos no Tribunal da Comarca de Faro, Instância Local de Lagos, Secção Competência Genérica – J2, no âmbito do processo n.º Processo n.º 115/15.0T8LAG - Recurso (Contra-ordenação) – “Efectivamente, tem a autoridade administrativa que fornecer todos os elementos necessários para que o arguido fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, seja sobre factos, seja sobre direito, sob pena de o processo ficar ferido de nulidade”, não sendo suficiente uma descrição factual sintética, como sucedeu in caso.

15. Mais acrescenta o mesmo Juiz que “E certo é que a comunicação do grau de culpa da arguida ante as causas que a podem excluir, se não afigura

irrelevante, uma vez que, apenas conhecendo a culpa que lhe é imputada, da mesma se pode defender. Em não se revelando tal notificação completa,

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verifica-se a nulidade a que alude o artigo 120.º, alínea c) do CPP, a considerar atento o teor do artigo 41.º, do RGCO, pelo que ocorre a invalidade de tal acto, bem como os que dele dependem, como o seja a decisão administrativa – Cfr.

artigo 122.º do CPP – impondo-se ordenar a repetição da notificação à arguida, para exercer o seu direito de defesa, com a indicação de todos os factos que lhe são imputados, grau de participação nos mesmos e sanções aplicáveis”.

16. Assim, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo encontra-se o presente processo ferido de nulidade, sendo a consequência a repetição da notificação à arguida, com a indicação de todos os factos que lhe são

imputados, grau de participação nos mesmo e sanções aplicáveis, para que esta exerça o seu direito de defesa, em sede própria (Audiência prévia) e não já em fase de Recurso, quando já existe uma decisão definitiva proferida.

17. Além disso, reiterou ainda a recorrente no seu recurso que, “nos termos do artigo 58º, n.º 1 do Ilícito de Mera Ordenação Social, a decisão que aplique a coima e as sanções acessórias deve conter, sob pena de nulidade:

a. A indicação dos arguidos;

b. A descrição dos factos imputados;

c. A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;

d. A coima e as sanções acessórias.

Embora de forma menos intensa, o conteúdo da decisão sancionatória da autoridade administrativa no processo de contra-ordenação aproxima-se da matriz da decisão condenatória em processo penal, nomeadamente no que respeita à enunciação dos factos provados, com indicação das provas obtidas, bem como no que respeita à distribuição do ónus da prova.

No caso, a decisão recorrida não fundamenta o motivo pelo qual opta pela aplicação de uma coima em detrimento de uma admoestação (o que no caso seria suficiente e adequado)”.

18. Mais uma vez o meritíssimo juiz a quo, salvo o devido respeito, não teve em consideração a nulidade invocada pela recorrente, referindo que ”(...) A omissão dos elementos a que alude a ora recorrente não afectou as garantias de defesa, nem dificultou o exercício do direito de impugnação judicial. (…) Afigura-se, pois, que a decisão administrativa contém os elementos essenciais à caracterização das referidas circunstâncias idóneas a permitir o exercício do direito de recurso por parte da recorrente, pelo que igualmente improcede a nulidade invocada”.

19. Contudo, é entendimento da jurisprudência que não basta que a Entidade Administrativa afirme sucintamente os factos, é necessário explicar o porquê, sendo esse o motivo pelo qual a arguida recorreu para o tribunal a quo, pelo

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que é de se considerar insuficiente e até mesmo meramente superficial o proferido pelo meritíssimo Juiz.

20. Até porque, sempre se dirá que, a despeito do disposto no artigo 58.º do R.G.C.O. e artigo 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal – dos quais resulta que, quer a decisão administrativa que aplique a coima, quer a acusação (sendo certo que a remessa a juízo do processo valha como acusação) devam conter, genericamente, sob pena de nulidade, a identificação dos arguidos, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a coima e as sanções acessórias, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão – a decisão recorrida não reuniria os legais

requisitos, para que valesse enquanto tal.

21. Efectivamente, não se divisa o percurso lógico efectuado na senda de fixação dos factos dados por provados.

22. Por outro lado, fixa-se a intenção da arguida, sem explicitar elementos concretos que sustentem tal conclusão – sabia da existência do despacho, foi- lhe notificado?

23. Menciona o já mencionado Juiz, Dr. Bravo Negrão, que:

“Reconhece o legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, que altera o R.G.C.O., que “o ilícito de mera ordenação social tem vindo a assumir uma importância antes dificilmente imaginável. Regista-se um crescente movimento de neopunição, com o alargamento notável das áreas de actividade que agora são objecto de ilícito de mera ordenação social e, do mesmo passo, com a fixação de coimas de montantes muito elevados e a

cominação de sanções especialmente severas. Compreensivelmente, não pode o direito e mera ordenação social continuar a ser olhado como um direito de bagatelas penais. É nesta perspectiva que deve entender-se a presente

reforma do regime geral das contra-ordenações, especialmente orientada para o efectivo reforço das garantias dos arguidos perante o crescente poder

sancionatório da Administração. Deve a este propósito, ser também referida a revisão do disposto sobre o apoio judiciário, o reforço do dever de

fundamentação de decisão administrativa, assim como da decisão judicial”, do que seja, afinal, a fundamentação, não fornece o R.G.C.O. qualquer indício. Em sendo matéria omissa, há que atender à letra do artigo 41.º, n.º 1, que manda observar os preceitos reguladores do processo criminal, devidamente

adaptados.

Dito isto, faça-se apelo ao artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, local onde se prescreve que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico

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das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”.

24. Nas palavras de Marques Ferreira, “exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova”.

25. De quanto se vem de dizer, a fundamentação da decisão da matéria de facto não deixa de ser claramente insuficiente.

26. Cuidam-se, estas últimas apontadas, de nulidades insanáveis, de

conhecimento oficioso, que importariam a anulação da decisão recorrida e dos termos subsequentes do processo.

27. Isto porque, não prefigura a instância de recurso, local apto a suprir as insuficiências da fase administrativa do procedimento contra-ordenacional, sob pena de se desvirtuar o propósito da fase judicial, antes cabendo o ónus da reformulação e expurga dos vícios da decisão à entidade recorrida.

28. O momento da apreciação judicial visa, primacial e quase geneticamente, sindicar da justeza da aplicação da sanção. Não proferir uma decisão ex-novo.

29. Sempre deveria, pois, ser declarada nula e de nenhum efeito a decisão da autoridade administrativa, em conformidade com o preceituado no artigo 64.º, n.º 3 e n.º 5 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

30. Por todo o exposto, deveria a sentença proferida ter sido de absolvição da arguida atenta as nulidades verificadas e existentes no auto de notícia.

31. No entanto, caso assim não se entenda, o que só por mero exercício de patrocínio se concede, sem conceber, entende a recorrente que não lhe deveria ter sido aplicada uma pena de multa, quando bastava no caso em apreço para cumprir as finalidades da punição uma pena de admoestação.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas., Venerandos

Desembargadores, doutamente suprirão requer-se que a pena de multa aplicada à recorrente seja revogada e, em consequência, seja a arguida absolvida.

Caso V. Exas. assim não entendam, requer-se que a pena de multa seja substituída por uma pena de admoestação, por esta pena cumprir de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, fazendo-se assim JUSTIÇA”.

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público

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Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes moldes (transcrição):

“3.1 – Na fase administrativa não se verificam as alegadas nulidades, tendo a douta decisão proferida pelo Meritíssimo de Direito se pronunciado quanto a essa inexistência, devendo manter-se, assim, a condenação da recorrente.

3.2 – Deverá, também, manter-se a condenação da recorrente na coima de € 1.000,00 (mil euros), por ser proporcional e adequada à culpa da recorrente.

Face ao exposto, não nos merece qualquer crítica a douta decisão recorrida.

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, e salvo melhor opinião, a decisão recorrida não é passível de censura e deverá ser mantida.”.

2.3. Do parecer do MP em 2.ª instância

Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser julgada a improcedência do recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a sentença recorrida. nos seguintes termos:

“(…) 2. O Recurso vem interposto pela Arguida (…) Lda.”, da Sentença que, apreciando um Recurso por si interposto “da decisão da Câmara Municipal de (…) (doravante, apenas CM…), que a condenou no pagamento, em cúmulo jurídico, de uma coima única no valor de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), p.p. pelo nº 4, do artº 2º, pela al. a) do n.º1 do artº 48º e artº 49º, do

Regulamento Municipal de Ocupação do Espaço Público, Mobiliário Urbano e Publicidade no Município de (…)”, decidiu conceder-lhe parcial provimento, condenando a Arguida “pela prática de UMA contraordenação, p.p. pelo nº 4, do artº 2º, pela al. a) do n.º1 do artº 48º e artº 49º, nº 1, do Regulamento Municipal de Ocupação do Espaço Público, Mobiliário Urbano e Publicidade no Município de (…), numa coima de €1.000,00 (mil euros)”.

3. Tal como assinala o MP na Resposta ao Recurso, alega a Recorrente que

“Deveria a sentença proferida ter sido de absolvição da arguida atentas as nulidades verificadas e existentes no auto de notícia” e, por outro lado, “a ser condenada, que não lhe deveria ter sido aplicada uma pena de multa, quando bastava no caso em apreço para cumprir as finalidades da punição uma pena de admoestação”.

O MP nesta Relação, com a devida vénia, subscreve na íntegra, nele se louvando, o teor da Resposta do MP na 1ª Instância, nos termos da qual, refutando todas as questões suscitadas pela Recorrente, se sustenta a bondade do decidido.

Em conformidade, somos de parecer que ao Recurso interposto pela Arguida deve ser negado provimento, julgando-o improcedente e confirmando-se

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integralmente a Sentença recorrida.”.

2.4. Da tramitação subsequente

Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.

Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso

De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questões a examinar

Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são:

2.1. Apurar se a decisão recorrida sofre de nulidades que possam conduzir à absolvição da arguida;

2.2. Apurar se a coima aplicada pelo tribunal foi decidida sem ter em conta que a arguida se teria de pronunciar previamente sobre a mesma e verificar se foi errado o enquadramento legal realizado;

2.3. Se a decisão recorrida foi devidamente fundamentada quanto à ilicitude e culpa da arguida e em conformidade com essa fundamentação se a coima aplicada deveria ser substituída por uma admoestação.

3. Apreciação

3.1. Da decisão recorrida

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

3.1.1. Factos Provados na 1.ª instância

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):

“1. No dia 16 de julho de 2018 os Serviços de Fiscalização da Câmara Municipal de (…) verificaram que a sociedade arguida colocou ou mandou colocar, 2 lonas publicitárias (6m2), na fachada do prédio, sito na Rua (…).

Cada lona publicitária tinha 3m2, com os dizeres “(…), passeios de barco a Benagil”, com os contactos e reservas na booking, fotos das grutas e visitas de barco a locais turísticos.

2. O referido equipamento foi colocado após o respetivo pedido de

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licenciamento (Processo n.º2018/450.10.213/153) ter sido indeferido, em cumprimento do despacho do Sr. Vice-Presidente de 09/07/2018.

3. Em 20/07/2018 foi efetuada notificação para remoção dos equipamentos do espaço público através do ofício n.º16035 do Serviço de Licenciamento de Atividades.

4. Em 16/07/2018 e em 26/07/2018, a sociedade arguida reitera o referido pedido de autorização para ocupação do espaço público, mantendo a Câmara Municipal a decisão de indeferimento conforme despacho do Sr. Vice-

Presidente de 02/08/2018, notificado à arguida através do ofício n.º17624 de 02/08/2018;

5. Não obstante o conhecimento do indeferimento camarário, a recorrente quis colocar as lonas publicitárias, como colocou.

6. Em 31/07/2018 os equipamentos já haviam sido removidos do local.

7. A recorrente não tem antecedentes contraordenacionais.

8. A recorrente foi notificada, em sede de procedimento contraordenacional para apresentar defesa escrita, em momento anterior à decisão

condenatória.”.

3.1.2. Factos não provados na 1ª instância

O Tribunal a quo considerou que não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a presente causa.

3.1.3. Da fundamentação da convicção pelo Tribunal recorrido

O Tribunal motivou a factualidade provada e não provada pela seguinte forma (transcrição):

“O Tribunal fundou a sua convicção relativa à factualidade dada como provada na análise crítica de toda a documentação constante do

processo de contraordenação nº 96/2018 que correu termos na CM(…), conjugada com regras de experiência comum no que concerne ao

conhecimento e vontade de realização da acção típica.

Quanto ao facto de, à recorrente, ter sido conferido o direito de defesa escrita, o Tribunal relevou a notificação constante do processo de

contraordenação, a fls. 9 a 11 verso.”.

3.1.4. Da fundamentação de direito pelo Tribunal recorrido

O Tribunal a quo fundamentou de direito pela seguinte forma (transcrição):

“Nos termos do art. 62.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27/10 (adiante RGCO), “recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade

administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação.”

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Ora, “nas contra-ordenações o que vale como acusação é a decisão

condenatória da autoridade administrativa com tudo o que esta arrasta e engloba, não só em termos de factualidade dada como provada, mas também de “provas obtidas”, nomeadamente o auto de noticia.”

Do exposto, resulta que a decisão condenatória administrativa, proferida em sede de procedimento contraordenacional, vale como acusação.

Nos termos do art. 58.º n.º 1, al. b) do RGCO, a decisão que aplica uma coima ou sanções acessórias deve conter, em conformidade com o disposto no Código de Processo Penal (CPP) em relação à acusação deduzida em sede de processo penal, nomeadamente, a descrição dos factos imputados, a indicação das

normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão.

Embora se entenda que a fundamentação de decisão não carece de ser extensa, tem que, no mínimo, ser percetível, ainda que por remissão para as normas em que se baseia a decisão, de forma a tornar acessível e

compreensível a fundamentação, de facto e de direito, da decisão.

Assim, e no que concerne à fundamentação propriamente dita de uma decisão da autoridade administrativa em processo de contraordenação, a mesma passa essencialmente, atento os princípios fundamentais do direito administrativo, pela sua suficiência, clareza e congruência.

Daí que a exigência legal contida no art. 58.º do RGCO, apenas impõe que as decisões condenatórias obedeçam aos requisitos aí descritos, não

estabelecendo quaisquer outros requisitos de forma, designadamente mediante aplicação direta do Código de Processo Penal.

Assim, o que se impõe é que a correspondente fundamentação, de facto e de direito, ainda que sucinta ou por remissão para todos os factos do processo contraordenacional, transcreva a respetiva factualidade, indique as normas jurídicas violadas e a coima aplicada, possibilitando, assim, um conhecimento perfeito dos factos e das normas imputadas.

O prescrito nas citadas disposições mais não é do que uma exigência da estrutura acusatória do processo, do princípio do contraditório, do direito de defesa e dos princípios da confiança e lealdade em sede processual penal.

E isto porque, nos termos do disposto no artº 32.º, nºs 1 e 5, da CRP, “o

processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo recurso, e tem estrutura acusatória, estando os actos de julgamento e os actos

instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”.

Efetivamente, num quadro legal em que o princípio do contraditório se assume como referência axiológico-fundamental do processo sancionatório, pressupõe- se que quer as normas processuais, constitucionalmente orientadas, quer os agentes públicos que as aplicam, garantam um exercício real, efetivo e pleno daquele princípio e do direito de defesa do arguido.

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É este o conteúdo que deve ser dado ao disposto no art. 50.º do RGCO ao vedar “a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes ser assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.

Ora, revertendo estas considerações ao caso dos autos, constata-se que a decisão que condenou a recorrente encontra-se suficientemente

fundamentada de facto e de Direito, não sendo suscetível de inviabilizar ou diminuir o direito de defesa da arguida, conforme resulta, aliás, do teor do recurso ora apresentado. A fundamentação da decisão administrativa

condenatória possibilitou à ora recorrente conhecer os factos e a respectiva subsunção jurídica.

Por outro lado, conforme resulta dos autos, a ora recorrente foi notificada, em Agosto de 2018, para se pronunciar quanto aos factos objecto do processo de contraordenação, assim como para indicar elementos para efeitos de

determinação da medida da coima (fls. 9 a 11 verso).

Claro está que, a medida concreta da pena só poderia ser determinada em sede de decisão final, em caso de condenação. Foi o que ocorreu, tendo sido proferida decisão final em 02.12.2019.

Pelo exposto, conclui-se que o direito de defesa da ora recorrente não foi posto em causa, não se verificando as nulidades invocadas.

No que concerne à alegada ilegalidade da decisão administrativa que

indeferiu a colocação da infraestrutura publicitária em causa, tal é alheio ao objecto do presente recurso. Se a recorrente discordava de tal indeferimento deveria ter accionado os mecanismos legais ao seu dispor para reagir a tal acto administrativo. Não é esse o acto administrativo que está aqui em apreço.

Os factos ora em apreciação traduzem a seguinte realidade: a recorrente, tendo tido conhecimento do indeferimento relativo à sua pretensão em colocar painéis publicitários, procedeu à colocação dos mesmos, logo, sem a

necessária autorização da entidade administrativa competente. Tal

factualidade culminou na decisão administrativa que condenou a recorrente pela prática de contraordenação, aplicando uma coima. É, este último, o acto administrativo objecto do presente recurso.

Do teor da factualidade dada como provada e sem necessidade de grandes considerações, resulta que a ora recorrente praticou a contraordenação imputada - p.p. pelo nº 4, do artº 2º, pela al. a) do n.º1 do artº 48º e artº 49º, nº 1, do Regulamento Municipal de Ocupação do Espaço Público, Mobiliário Urbano e Publicidade no Município de (…).

Sucede que, o Tribunal entende que, não obstante a recorrente ter colocado duas lonas publicitárias, a sua conduta foi dirigida por um único sentido de

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ilicitude típica. Ou seja, o comportamento global da aqui recorrente foi movido por uma única resolução. Para tanto releva o facto das duas lonas publicitárias terem sido colocadas na mesma fachada de um determinado prédio; no mesmo período de tempo; e publicitando a mesma actividade.

Assim sendo, e nos termos do artº 30º, do Código Penal, ex vi artº 32º, do RGCO, entende o Tribunal que a recorrente apenas praticou uma

contraordenação, e não duas, conforme concluiu a Autoridade Administrativa.

Quanto ao montante da coima parcelar, a mesma foi aplicada no seu mínimo legal.

Por último, o Tribunal considera não se encontrarem verificados os

pressupostos para aplicação do instituto da admoestação, previsto no artº 51º, do RGCO, uma vez que a medida da culpa do agente, aqui recorrente, não o justifica. Para tal releva o facto da recorrente ter colocado as lonas

publicitárias, não obstante ter tido conhecimento prévio que tal colocação havia sido recusada pela autoridade licenciadora competente, mediante procedimento administrativo iniciado pela própria recorrente, ao solicitar a dita autorização.”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pela arguida

A arguida foi condenada em 1.ª instância numa coima de mil euros pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 4 do, 48.º, n.º 1, alínea a) e 49.º, n.º 1 do Regulamento Municipal de Ocupação do Espaço Público, Mobiliário e Urbano e Publicidade do Município de (…) (RMOEPMUP do Município de (…)).

A recorrente, contudo, não apresentou conclusões, não respeitando o estatuído no artigo 412.º n.ºs 1 e 2, alíneas b) e c) do CPP.

Deveria, por isso, ser convidada a apresentar conclusões.

Como, porém, o prazo de prescrição da contraordenação em causa é diminuto e são percetíveis as conclusões que devem ser extraídas das alegações, o tribunal irá proceder de imediato à análise do mérito do recurso jurisdicional apresentado.

Segundo a arguida a nulidade fundamental deste processo constante da decisão e da decisão judicial, resultaria de não lhe ter sido proporcionado o direito de defesa contra a coima que lhe foi aplicada.

Da leitura do processo resulta que à arguida foi levantado um auto de notícia onde se descreveram os factos de que era acusada e as disposições

sancionatórias aplicáveis. Em 24.08.2008, como consta do processo a fls. 6, 7 e 8, a recorrente foi notificada na pessoa do seu representante, por aviso de receção. Nessa notificação constava que o montante da coima pretendida aplicar pela Câmara de (…) era graduável entre mil e cinco mil euros e da

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possibilidade de a arguida poder apresentar a defesa escrita sobre tais factos, indicar testemunhas e constituir advogado, tudo ao abrigo do disposto no artigo 50.º do DL 433/88 de 27.10 (fls. 9, 10 e 11. do processo de

contraordenação).

Apesar de notificada a arguida nada fez, tendo o procedimento

contraordenacional prosseguido e sido elaborado relatório e resumo do procedimento adotado. Foi analisada a matéria de facto e justificado, por decisão de 2.12.2019, o motivo pelo qual era aplicada, no processo

contraordenacional, a coima de mil e duzentos euros.

Já em sede do recurso jurisdicional, depois de a recorrente voltar a insistir ter- se verificado a nulidade que referira no procedimento contraordenacional, pugnou no sentido de que a coima não lhe poderia ter sido aplicada sem lhe ter sido assegurado, num prazo razoável, a possibilidade de pronunciar-se contra a contraordenação.

Defendeu a recorrente que, mesmo no processo contraordenacional, era necessário, ao abrigo dos artigos 50.º e seguintes, assegurar o princípio geral de audiência prévia, aplicável a todos os procedimentos administrativos, nos termos previstos no DL 4/2015 de 7 de janeiro.

O referido procedimento de audiência prévia, não é, porém, aplicável aos ilícitos de mera ordenação social, cuja tramitação processual, de acordo com o artigo 7.º, n.º 3 do CC, como procedimento administrativo geral, previsto no DL 4/2005 de 7 de janeiro, não se pode sobrepor ao procedimento processual próprio e específico do regime das contraordenações previsto no DL n.º 433/

82 de 27 de outubro.

Foi tendo em conta o referido que no recurso jurisdicional se julgou não impor o conteúdo dos artigos 50.º a 58.º do RGCO qualquer fundamentação adicional para além da resultante do texto e dos artigos em causa, não havendo

necessidade de recorrer quer à lei administrativa geral, quer ao processo penal, este último apenas de aplicação subsidiária que dependeria de se estar perante um caso omisso.

Atento o exposto, a decisão sobre recurso, concluiu e bem, não se ter

verificado qualquer nulidade no processamento contraordenacional por não ter tido lugar o procedimento de audiência prévia da arguida, o qual como se disse, não é aplicável por se estar perante um procedimento processual

autónomo e especial.

A recorrente coloca, ainda, em causa, que a sentença recorrida deveria ter ponderado a aplicação de uma admoestação ao invés da coima de mil euros.

A aplicação de uma admoestação, em vez de uma coima, pressupõe estar-se perante uma infração de reduzida gravidade e que a culpa do agente o justifique, como é referido no artigo 51.º do RGCO.

(14)

A sanção aplicável à infração cometida está prevista nos artigos 48.º e 49.º do Regulamento, sendo que o respetivo mínimo é de mil euros, tendo sido essa a coima aplicada pelo Tribunal a quo.

Para ser aplicável a mera admoestação ao caso em apreciação, além de se colocar o problema de quem seria a pessoa ou o órgão a quem a mesma

deveria ser direcionada, deve ser salientado que a redução da coima a metade ocorre, em caso de atenuação especial da coima aplicável, somente quando se verificar uma acentuada diminuição de culpa, nos termos do artigo 18.º, n.º 3 do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de outubro.

Tratando-se no caso de uma sanção específica prevista para uma

contraordenação praticada por uma pessoa coletiva em que o dolo da arguida foi notório e ostensivo, após um indeferimento prévio e se prolongou tal

situação no tempo com a colocação das lonas fora das condições legais e até à sua retirada, não se justifica, como sublinhou a sentença sobre recurso, que o efeito preventivo especial, pretendido alcançar com a aplicação da coima, fosse alcançado se aplicada apenas a admoestação, a que se reporta o artigo 51.º do RGCO prevista no Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de outubro.

Face ao exposto, confirma-se a coima de mil euros aplicada pela decisão recorrida, por não existirem fundamentos nem razões que diminuam a

gravidade da conduta da arguida, sendo elevado o grau de censura pelo seu comportamento e o seu consequente elevado grau de culpa pela

contraordenação cometida.

III. DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos:

1. Nega-se provimento ao recurso interposto pela arguida e em consequência, mantem-se na íntegra, a sentença recorrida.

2. Custas pela arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.ºs 1 do CPP e artigo 8.º, n.º 9 e tabela III anexa, do Código das Custas Processuais).

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna- se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 22 de setembro de 2020.

__________________

(Beatriz Marques Borges - Relatora) ________________________

(Martinho Cardoso)

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