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Cad. Saúde Pública vol.14 número1

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Academic year: 2018

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O SUICÍDIO 23

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):7-34, jan-mar, 1998 Secret a ria d e Est a d o d a

Sa ú d e d e Pern a m b u co, Recife, Bra sil.

Dja lm a Agrip in o d e M elo Filh o

Qu an d o se con tem p lam As Cen as d a Vid a Brasileira: 19301954, d e João Câm ara Filh o, con -ju n to d e p a in éis exp o sto s n o Mu seu d e Arte Mod ern a Aloísio Magalh ães, n o Recife, tem -se a sen sa çã o d e esta r p a rticip a n d o com o a tores d e a co n tecim en to s releva n tes d a h istó ria d o Bra sil. Lo p es (1995:54) lem b ra q u e o p in to r “Em algu m as obras, arqu it et a cen as e cen ários em q u e figu ra s se p rojet a m com t a l v erossim i-lh an ça, com o se estivessem vivas n o écrand a te-la p a ra n os en ca ra r, p rov oca r e d esa fia r. M a s len t a m en t e, v a m o n os d a n d o con t a d os p a ra -d ox os e -d a b la gu e, seja p elo rid ícu lo d a s a t it u -d es e ações, seja p elas am p u tações, torções e ro-tações qu e im p rim e ao corp o ou a p artes d ele”. Nu m a d as cen as, p recisam en te a in titu lad a 1954-II (óleo sob re tela esticad a sob re m ad eira – 80cm x 240cm ), execu tad a en tre 1975 e 1976, ap arece a im agem in d efesa e im p oten te d e Ge-tú lio Vargas circu n dada p or elem en tos qu e evo-cam o silên cio do su jeito: u m telefon e com o fio cortado, u m a m esa de bilh ar fech ada (fim de jo-go), u m p eru (sím b olo m an eirista d o d estin o e d o p erigo ) (Lo p es, 1995:145-148). Segu ra n d o u m revólver, as m ãos d e Vargas estão am p u ta-d as e voltata-d as con tra ele p róp rio. Era com o se ela s n ã o fossem d o Presid en te, m a s d e u m es-p ectro de u m h om icida on de só as m ãos aes-p arecessem , fican d o ocu lto o resto d o corp o. O su -jeito au sen te cu m p re a sen ten ça d ecretad a p e-las ‘estru tu ras’, com o en fatiza a p róp ria carta-testam en to: “M ais u m a vez , as forças e os in te-resses con tra o p ovo coord en aram -se n ovam en te e se d esen ca d ea ra m sob re m im . N ã o m e a cu -sa m , in su lt a m ; n ã o m e com b a t em , ca lu n ia m e n ão m e d ão o d ireito d e d efesa. Precisam su focar a m in h a voz e im p ed ir a m in h a ação, p ara qu e eu n ão con tin u e a d efen d er, com o sem p re d efen -d i, o p ovo e p rin cip alm en te os h u m il-d es. Sigo o d estin o qu e m e é im p osto” (Vargas, 1980:65). p ares, seu s ap ren d izes, as p essoas em cu id ad o,

ou m esm o u su ários d o território.

In flexã o n o m o d elo a ssisten cia l, in co rp o -ran d o as p ráticas q u e in tegram asp ectos em o-cion ais, b em com o a “escu ta p oética d a n atu re-z a”, d e Prigogin e & Sten gers (1990), n o sen tid o d e n os cap acitarm os p ara d iagn osticar p reco-cem en te as situ ações d e fru stração, p erd a, so-frim en to em ocion al em p essoas m ais vu ln erá-veis, elab oran d o p rop ostas p ara lid ar com seu s ob jetos in tern os e com a rea lid a d e extern a d e form a criativa.

Cria çã o d e co n d içõ es q u e p erm ita m o d e-sen volvim en to d a au to-estim a p essoal e d a so-cied a d e, o n d e seja m red esco b erta s a ltern a ti-vas p ara a m an ifestação d a au tod eterm in ação d os su jeitos.

A com p reen são e a valorização d os d iferen -tes m u n d os cu ltu rais e d as d iferen -tes fon -tes d e co n h ecim en to sã o n ecessá r ia s: p a rte d a d ifi-cu ld ad e n a elab oração d os lu tos tem a ver com a co n fu sã o a o lid a r co m p erd a s e m o rte em n o ssa so cied a d e. Co n d u ta s a u to d estru tiva s, ain d a q u e gerad oras d e rep ú d io, d evem ser es-tu d a d a s, co m p reen d id a s e p a rtilh a d a s, p a ra q u e a p essoa ten h a con d ições d e m elh ores es-co lh a s, ta n to d a p a rte q u e a p a ren tem en te é agen te (p orq u e a q u alq u er m om en to o q u ad ro p o d e reverter-se co n tra ela ), co m o d a p a rte qu e se su b m ete à violên cia, sem reagir.

O fato d e se ad m itir qu e o m ercad o glob alizad o é o gran d e im p erad or p od e ser u m avan -ço, u m lim ite a p artir d o q u al o p ên d u lo in ver-terá seu sen tid o. Fica visível p a ra a so cied a d e q u e d eu ses e ciên cia s a p en a s m a sca ra ra m o qu e h oje ap arece com o o verd ad eiro p od er. Es-sa tom ad a d e con sciên cia p ren u n cia a p ossib i-lid a d e d e tra n sfo rm a çã o n u m p ro cesso civili-zatório con stru tor d e visões d e vid a. E se “o ob-jeto d a sociologia (...)é d eterm in ar as con d ições p a ra a con serv a çã o d a s socied a d es”, o o b jeto d a s ciên cia s d a sa ú d e é a con serva çã o d a s so-cied ad es n a b u sca d a p len itu d e d e seu b em es-tar b io-p sico-social. Ten d o em vista a escalad a ep id êm ica d a a u to d estr u içã o h u m a n a , esses p ro p ó sito s só p o d erã o ser a tin gid o s p ela m u -d a n ça ra -d ica l -d a cu ltu ra tó xica p a ra u m a cu l-tu ra ecológica, q u e en fren te a lu ta n o n ível es-tru tu ral, “abrin d o cam in h os p ara tod os e n ão só p a ra a lgu n s”, e n o n ível m o lecu la r, co tid ia n o, p or m eio d a reflexão e d o afeto (Moraes, 1991).

CASSORLA, R. M. S. & SMEKE, E. L. M., 1994. Au to -d estru ição h u m an a. Cad ern os d e Saú d e Pú blica, 10 (su p l. 1):61-73.

KALINA, E. & KOVADLOFF, S., 1983. As Cerim ôn ias d a Destru ição. Rio d e Jan eiro: Fran cisco Alves.

MORAES, J. F. R., 1991. Ciên cia e p ersp ectivas an tro-p ológicas h oje. In : Con stru in d o o Saber: M etod o-logia Cien t ífica , Fu n d a m en t os e M ét od os(M. C. M. Carvalh o, orgs.), Cam p in as: Pap iru s.

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NUNES, E. D. 24

Cad . Saúd e Púb l., Rio d e Jane iro , 14(1):7-34, jan-mar, 1998

Lan çan d o-se m ão d a teoria aristotélica d as q u a tro ca u sa s: m a teria l, eficien te, form a l e fi-n al, p od em -se levafi-n tar algu m as h ip óteses sobre a m orte de Vargas. Destacan dose a in flu ên -cia d a crise p olítica q u e o cercava, a cau sa for-m a l é p o sta efor-m evid ên cia , p er for-m itin d o q u e se fo rm u le a h ip ó tese d o ‘h o m icíd io estru tu ra l’; tod avia, o con ceito d e su icíd io recai exatam en -te n a ca u sa fin a l, p o is im p lica , en tre o u tra s co n d içõ es, a in ten cio n a lid a d e d a vítim a em d esejar p ôr fim a su a p róp ria vid a: “Eu vos d ei a m in h a v id a. Agora ofereço a m in h a m ort e. N a-d a receio. Seren am en te a-d ou o p rim eiro p asso n o cam in h o d a etern id ad e e saio d a v id a p ara en -trar n a h istória” (Vargas, 1980:65).

É ju stam en te o asp ecto estru tu ral d o su icí-d io q u e foi ob jeto icí-d e u m a ob ra escrita h á cem an os, O Su icíd io, d e Du rkh eim . Nela, o sociólo-go fra n cês co n trib u i p a ra eleva r o esta tu to cien tífico d a exp licação d o even to, en focan d o fu n d am en talm en te a su a cau sa form al. Segu n d o Heller (1993:211), essa m od alid ad e d e cau sação, m esm o n ão sen do a ú n ica, é a m ais cien -tífica d e to d a s, p o is ro m p e n ecessa ria m en te com a s a p a rên cia s d a esfera d a p a rticu la rid a -d e, b u sca n -d o n a estru tu ra so cia l a exp lica çã o p a ra o fen ô m en o : “A ca u sa é con ceb id a com o u m a totalid ad e relativa: com o u m a estru tu ra d e regras totais, com o u m a in stitu ição, com o u m a econ om ia , com o u m sist em a p olít ico ou , a t é m esm o, com o u m sistem a d e su bsistem as in ter-ligad os”.

O artigo d o p rofessor Everard o Du arte Nu -n es tem co m o o b jeto a referid a o b ra e su a re-p ercu ssão, cem an os d ere-p ois d e lan çad a. Trazer à b aila u m clássico, q u an d o im p eram as b an a-liza çõ es p ó s-m o d ern a s d a ciên cia , filo so fia e a rte, é u m a a titu d e lo u vá vel, a lém d e p ro p o r-cion ar n ovas d iscu ssões sob re m acro-m icro n o ‘am b ien te’ sociológico, sob re falácia ecológica n o ‘am b ien te’ ep id em iológico ou sob re d oen ça m en tal e su icíd io n o ‘am b ien te’ p siqu iátrico.

Co m o co n trib u içã o a o d eb a te, p ro p õ e-se qu e o au tor d o artigo d iscu ta sob re a existên cia d e u m a p o ssível a n tin o m ia n a o b ra d e Du r-kh eim . Por u m lad o, o sociólogo fran cês con si-d era su icísi-d io, “tod o o caso d e m orte qu e resu lte d iret a ou in d iret a m en t e d e u m a t o p osit ivo ou n ega t iv o, p ra t ica d o p elo p róp ria v ít im a , sa b e-d ora e-d e qu e e-d ev ia p roe-d u z ir esse resu ltae-d o”. Por ou tro, afirm a qu e “a cau sa gerad ora d o fen ôm en o esca p a forçosa m een t e a qu em só observ a ca -sos isolad os, p ois é exterior aos in d ivíd u os. Para d escobri-la é p reciso colocar-se acim a d os su icí-d ios isolaicí-d os e en xergar o qu e lh es icí-d á u n iicí-d aicí-d e

Portan to, do p on to de vista con ceitu al, Du rkh eim p ressu p õe a p resen ça d e u m su jeito, au -tor d a ação qu e evid en tem en te n ão p od eria

es-ta r a u sen te, n em in d eterm in a d o. No a sp ecto exp lica tivo, to d a via , refo rça su a a u sên cia o u su a in d eterm in ação.

En ten d e-se a razão p ela q u al Du rkh eim h i-p ertrofiou a cau sa form al ou estru tu ral em seu estu d o ; n ecessita va , p o is, lib erta r, ta l co m o o fizera em As Regras d o M étod o Sociológico, a ex-p lica çã o d o fa to so cia l d o ex-p la n o estrita m en te p sicológico: a en tão n ascen te sociologia p reci-sava cam in h ar com seu s p róp rios p és.

A co n cep çã o d e ca u sa çã o d o estru tu ra lis-m o fran cês d o qu al Du rkh eilis-m é u lis-m d os p recu r-sores tam b ém p rioriza a cau sa form al e tran s-form a as ou tras três (fin al, m aterial e eficien te) em efeito s. Heller (1993:212-3) a ssevera q u e em b ora a cau sa form al ou estru tu ral seja o ú n i-co tip o gen u in a m en te cien tífii-co, a exp lica çã o d eve ser com p lem en tad a com as ou tras m od a-lid ad es: “As teorias h istóricas qu e só ap liqu em a cau sa form alissão in teiram en te vaz ias. Forn e-cem o esqu eleto d e u m a h istória qu e ain d a n ão foi escrit a . Cert a m en t e, sem t a l esq u elet o n e-n h u m a h ist ória v erd a d eira p od erá a lgu m d ia ser escrita”.

O ca so Va rga s, u m a vez q u e se a cred ite n o d eterm in ism o h istó rico d e q u e a s ‘estru tu ra s’ im p eliria m o h o m em a co m eter u m a to, p o d e ser con sid erad o u m h om icíd io. Partin d o-se d o p ressu p osto d e q u e h averia várias p ossib ilid ad es p ara o ad esfech o ad a crise, ten ad o o Presiad en te op tado p or u m a delas, o even to deve ser con -sid erad o u m su icíd io.

A estru tu ra estava form ad a, m as q u em d ecid iu p ôr u m p on to fin al n aqu ela h istória e en -tra r p a ra a Histó ria fo i o p ró p rio Pre sid e n te (cau sa fin al). Distan cian d o-se d esse fato em p í-rico e retorn an d o-se a Du rkh eim , talvez é ch ega d a a h o ra d e se fa zer u m a p ergu n ta a o p ro -fessor Evera rd o Nu n es: su icíd io ou h om icíd io estru tu ral?

HELLER, A., 1993. Um a Teoria d a História. Rio d e Ja-n eiro: Ed itora Civilização Brasileira.

LOPES, A. S., 1995. João Câm ara : Revelad or d e Pa ra -d oxos Político-Sociais. São Pau lo: Ed itora d a Un i-versid ad e d e São Pau lo (Artistas Brasileiros, 2). VARGAS, G., 1980. Carta-Testam en to. In : Cen as d a

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